sábado, 30 de abril de 2005

frente, costas ou híbrido?



Não adianta, essa coisa de banheiro me persegue.
Minha primeira aparição pública foi quando me meti a falar sobre banheiros (ver a "lúcia no prata 2", ali ao lado, é só clicar na cara do Prata que a crônica vai aparecer) e desde então esse assunto me azucrina. Na verdade acho que as pessoas adoram ler e ouvir sobre banheiros. Ô assunto bom. Uma das minha idéias é fazer um livro só de crônicas sobre banheiros. "Crônicas higiênicas". Já tentei até um patrocínio da Deca ou coisa que o valha. Se alguém tiver alguma idéia de como eu posso viabilizar meu livro, avisem. Ele está praticamente pronto.

Mas vamos lá. É que um dos comentários que eu recebi é digno de post. Post com link (vou abrir uma exceção). É dum camarada chamado Pecus, do blog Pecus Bilis.
Esse não é o nome dele. Pecus é um codinome, assim como o Papa, que resolveu se chamar Bento. Ele optou pelo anonimato, pela clandestinidade total - parece-me que esse nome estranho é uma variante de um nome de personagem de faroeste. Olha, gente, temos que respeitar o anonimato bloguístico. Além de ser interessante e curioso, é também excitante pensar que esse Pecus pode ser... hum... sei lá, imagina se ele é o vizinho aqui da casa ao lado, aquele senhor viúvo e solitário? Mas ele pode ser um jovem professor da USP. Ou um caixa de supermercado. Um estudante de cursinho. Uma senhora velhinha que adora gatos. Um corretor da bolsa de valores. Um ator famoso. Um dentista sem clientes. O Paulo Autran! Um fazendeiro lá do Mato Grosso. Uma adolescente de intercâmbio que mora em Miami. Um escritor famoso que quer escrever bobagens sem assédio de fãs. O Water Moreira Sales. O dono do supermercado Sendas. Um padre.
Nossa.
Imagina se o Pecus for um padre?
Mas não é nada disso que eu queria falar, ô coisa. Queria apenas colocar aqui o comentário dele sobre o uso dos bidês, que é muito engraçado. A pergunta é:
Usa-se o bidê de frente ou de costas?
Tá aí. Divirtam-se com o Pecus.


"... Lúcia, dizem que é potro em francês antigo, pela posição de montar... Mas sabe comé...
Tudo começou com a prática de banhos de assento no chão, em bacia redonda, e questão "de frente" ou "de costas" não tinha relevância. Para facilitar a operação de montagem e desmontagem começou-se a usar a bacia em cima de um banquinho. Acidentes horríveis aconteceram, até que o Monsieur Bidet - e aqui se contradiz a teoria do potro - teve a brilhante idéia de aparafusar não só a bacia no banquinho como o banquinho no chão (o bidet portátil apareceu muito depois). Com a água corrente veio todo o desenvolvimento posterior, sendo digno de nota somente o problema do posicionamento da duchinha.
Outra corrente da teoria do potro sustenta que o desenho alongado é muito posterior ao bidet dos primeiros dias, e assim a relação com o termo potro do francês antigo viria do alívio procurado pelos cavaleiros das longas viagens daquele tempo. Ambas vertentes eqüinas concordam em jamais ter existido um Monsieur Bidet.
Depois da conquista do desenho alongado, da água corrente e do seu funcionamento integrado é que surgiu a questão, (de como usar o bidê, de frente ou de costas) que permanece sem resposta. Pois a relatividade da posição gera dúvida não em relação apenas à parede, mas principalmente em relação à ducha e às torneiras. A operação das torneiras de costas ainda provoca surpresas pela manipulação equivocada.
Talvez seja chegada a hora dos designers darem um novo passo na evolução desse maravilhoso aparelho, com o desenvolvimento de mais dois modelos, o "de frente" e o "de costas", além do híbrido já existente, para uma melhor adapatação anatômica.
Daí, na reunião com o cliente, o arquiteto, depois da pergunta do bidet, ainda esclareceria:
- De frente, de costas ou híbrido?"

sexta-feira, 29 de abril de 2005

os dois Joãos


foto da série "meus programas prediletos", tirada por João B. em abril de 2005

O Zé acordou de manhã rindo... tinha tido um sonho muito maluco...

“... Foi assim, lú. Como todos os dias, deixei você dormindo e acordei para levar os meninos na escola. Quando cheguei na sala, reparei que o João já estava em pé. Achei estranhérrimo, você sabe que o João é sempre o último a acordar, está sempre atrasado, atrapalhado, carregando coisas e deixando cair metade no caminho. O que eu não percebi é que aquele era apenas a sombra do João, e que o João de verdade estava dormindo. Sonho tem essas conclusões ,que acordado a gente não entende, você sabe... Bem, naquela hora da manhã a sombra dele tentou me falar que era ela que ia na escola no lugar do João de verdade, mas eu nem prestei atenção. De manhã é sempre aquela correria. Chamei todo mundo para tomar café, olhei no relógio e percebi que estávamos atrasadíssimos. Abri a porta de casa, saímos e os meninos entraram no carro. Foi quando reparei que eu estava sem sapato ou coisa parecida. Aquelas aflições de sonho, sabe como é? Disse, “ô droga, imagina sair sem sapato, onde eu estou com a cabeça?” e entrei em casa de novo correndo. Quando subi as escadas, entrevi o João dormindo no quarto dele, enrolado nas cobertas. Levei um susto. “João, santo Deus, você dormiu de novo? Ô menino, que você está fazendo ai? Acorda logo e vamos!”, falei, empurrando o menino escada abaixo. “Você tem prova de geografia, tem que entregar os exercícios de matemática, não tem? Vamos, vamos”, eu dizia, ralhando com ele. O João de verdade, sempre confuso e sonado, foi sendo levado sem falar nada. Quando chegamos no carro, ele entrou e levou um susto quando viu o outro João sombra ali, sentado. “Pô, pai! Para que você foi me acordar? Eu já estava aqui, droga! Agora preciso voltar!”. Eu olhei para trás assombrado, lú. Imagina! Eu estava carregando dois Joãos no carro, que pesadelo! “Ô meu Deus...” pensei, “como eu não percebi que eu já estava levando o João sombra?”. Pensei em voltar para devolver o João verdadeiro para a cama e levar só o João sombra na escola, mas olhei no relógio e estava em cima da hora. Eu não podia deixar o Chico e a Luciana se atrasarem por causa daquela minha atrapalhação. Respirei fundo, olhei os dois Joãos e falei “ah, agora dane-se, vão os dois Joãos lá para a escola, não dá mais tempo de devolver ninguém”. Eles tentaram reclamar, mas eu fui firme, ordem de pai é ordem de pai. Bom, quando chegamos na porta da escola pedi desculpas: “Gente, eu me atrapalhei, desculpa. Vão os dois juntos para a escola e tratem de se comportar. A noite eu coloco os dois juntos na cama, e PIMPA, uma hora um entra no outro e tudo se resolve. Vão por mim”, resolvi, diante das reclamações e dos suspiros resignados dos dois meninos. Ah. A nossa vida é sempre atrapalhada e no fim dá certo, não é, lú?"...!"

quinta-feira, 28 de abril de 2005

ÊPA!



O Zé foi pegar o carro no estacionamento.
- Cadê meu carro? – ele perguntou pro moço.
- Oi seu Zé. Iii... seu carro está lááá no fundão...
- Ichi. Mas eu tenho que sair agora.
- Eu tiro, seu Zé. Mas se o senhor tivesse falo...
- Hã?
- Se o senhor tivesse falo de manhã, eu colocava o seu na frente, seu Zé.

minha avó e as bananadas




Eu não gosto muito de doces em calda. Sabe esses doces antigos? Doce de cidra, goiaba em calda, marmelada?
Pois é.
nota: olha o que eu falei: "doces antigos"! "Doces antigos" é muito bom, não acham? Já pensaram nisso? Não falo de doces velhos, estragados, e sim de antigos, doces de antigamente. Eu acho que vou recussitar o hábito de comê-los todos os dias.

É que hoje eu sonhei com a minha avó, aquela que fez 100 anos nesse mês, e estou com ela na cabeça.
Um dia eu era pequena e estava na casa dela. Estavam todos os meus primos lá, pois era um dia de férias. Lembro que minha avó estava na cozinha fazendo bananada. Ela estava mexendo uma panela grandona com uma meleca gosmenta e marrom e falando pra todo mundo, "olha que delícia a bananada da vovó, olha que delícia".
Todo mundo olhou dentro da panela, mas não teve um neto que não gritou "ééécaaa!". Éramos 8 primos, todos crianças. Aquele "éca" que pronunciamos não era exatamente para a bananada dela. Era quase um grito de guerra de animação infantil, uma desculpa para exaltarmos a nossa alegria de estarmos juntos, um modo de nos unirmos, nós, as crianças primas entre si. Era parte da brincadeira, aquela coisa de gritar um "éca" comunitário.
Mas eu não gostei daquilo. Tadinha da minha avó. Ela parecia tão animada fazendo aquele doce para a gente. Me lembro que tive pena quando vi a cara dela. Achei que ela ficou triste com o desprezo geral pela tal bananada. Como sempre fui uma menina super-boazinha, daquelas que adoram fazer um dengo e agradar, eu esperei todo mundo sair dali para chegar perto dela.
- Ô vó, eu gostei. Tá um cheiro gostoso.
Ela colocou num prato e eu comi. Era quente prá burro e muito doce, na hora eu não gostei muito, ainda mais pelando daquele modo, mas fui comendo de teco em teco, falando "hum delíciavó, delíciavó".
Deste dia em diante, quando eu devia ter uns 9 anos, a minha avó passou a me definir como "lúcia, a minha neta que adora bananada".
A vida inteira eu ganhei bananada dela. Ela fazia um monte de bananada para me dar, ela mandava trazer bananada especial do interior para mim, ela falava para todo mundo que eu adorava a bananada dela. Eu já ganhei toneladas de bananada da minha avó.
Eu, lúcia, sou a neta rainha da bananada.
Isso faz mais de trinta anos. Ela ainda me dá muita bananada quando eu vou a casa dela, sempre saio de lá com uma sacolinha na mão. Quando ela passou a não enxergar mais e não pode mais sair de casa, passou a mandar alguém no mercado para comprar bananada quando eu aviso que eu vou visitá-la.
Eu não sei se eu adoro bananada de paixão. Eu gosto, eu como, tem gosto de doce antigo, é bom.
Mas bananada é um doce que me une a minha avó. E eu adoro a minha avó.

quarta-feira, 27 de abril de 2005

USA OU NÃO USA?


este é um bidê, para quem não usa se lembrar como é.

Depois de muitos anos de profissão, cheguei a uma conclusão surpreendente. Descobri que o mundo se divide em duas partes: a parte das as pessoas que usam bidê e a das pessoas que não usam bidê.
Háhá.
Eu juro, é verdade. São dois universos distintos. Como o bem e o mal, o doce e o salgado, o yan e o yin, o mocinho e o bandido, os que usam bidê e os que não usam o bidê vivem em extremos opostos. Não se entendem, não se compreendem, se implicam, fazem chacota, tem raiva uns dos outros. Muitas amizades, muitos noivados e casamentos devem ter sido destruídos depois dessa crucial revelação.
Parece pouco, mas não é. Existe um abismo entre os homens do bidê e os homens do não bidê. A diferença física entre eles não é clara numa primeira olhada, mas depois de uma primeira reunião com o arquiteto, o cliente sempre precisa revelar quem realmente é. Muitas vezes é o próprio cliente que conta, mas outras vezes eles não dizem nada e ficamos na maior saia justa. Ah, juro, é horrível. Você pergunta e fecha os olhos de medo, pois a resposta vem sempre num supetão indignado:
- Como que é? Acha que sou porca? Claro que uso bidê!
Ou:
- Bidê? Deusmelivre! Nunca encostei o dedo num bidê na vida!
Acho que usar ou não usar bidê é um treco meio genético. Ou um tipo de tradição familiar, ou um segredo daqueles que as pessoas levam para o túmulo. No nosso meio é sempre um problema e um assunto daqueles.
Há alguns anos atrás, trabalhei com uns colegas arquitetos, num mesmo escritório. Quando aparecia um cliente novo, fazíamos a "aposta do bidê". Acabava a reunião e todo mundo vinha em cima:
- Perguntou? Usa ou não?
- Não usa, ganhei!
De cara não dá para a gente saber quem é quem, mas depois é possível perceber algumas particularidades. Os do bidê, por exemplo, são pessoas cheias de manias. Acham que são mais limpos e mais asseados que os outros, e por isso implicam com tudo. Mas são pessoas com um enorme senso de humor. Sei lá se existe alguma ligação entre jogar água lá embaixo e dar risada aqui em cima. Imagina se é o bidê que resolve o problema do mau humor do mundo e ninguém até hoje nunca percebeu?
Uau.
Bem, já os que não usam bidê são mais distraídos e sonhadores. Concordam com toda idéia que você propõe, o projeto deles sempre acaba rapidinho. Eles se defendem dos insultos da turma do bidê dizendo que bidê que é coisa de gente mal asseada, que tem preguiça de tomar um banho inteiro.
Olha. Não que eu seja assim a maior expert em psicologia do bidê. Mas foram as conclusões que eu tirei, depois de muito observar.
Trabalhei com um arquiteto que era o "rei do bidê". Ele era o maior defensor desse maravilhoso aparelho sanitário para a lavagem das partes inferiores do tronco. Não se contentava em “perguntar” ao cliente se ele usava o bidê ou não. Ele queria converter os clientes. Falava maravilhas do equipamento, fazia a maior propaganda, sempre com total desembaraço. Era um verdadeiro missionário da doutrina do bidê. E acho que ele conseguiu convencer muita gente, pois não me lembro dele fazer nenhum projeto sem bidê.
Agora, depois de anos discutindo, ouvindo, desenhando e construindo esse assunto, vou dar um conselho. Se você não precisar, não declare nunca a sua preferência.
Isso dá muita confusão.
Quer saber? Eu parei de dizer se uso ou não o bidê há muito tempo atrás. Ninguém tem nada com isso, é assunto pessoal e íntimo meu. Pronto, acabou.
Afinal, quem projeta meus banheiros sou eu mesma...

terça-feira, 26 de abril de 2005

a operação da Josi



Lembrei de uma manicure, a Josi. Eu estava fazendo a unha, ela ao meu lado, tagarelando. Contava de uma amiga que teve que fazer uma operação no dia anterior. Foi ela que levou a moça para o hospital, encontrou a amiga berrando de dor. Quando a moça chegou no hospital, parece que teve de ser operada imediatamente.
- Coitada – ela falou – Se eu não tivesse chego naquela hora...
Eu concordei.
- Sentir dor é horrível – e emendei – Você já foi operada alguma vez, Josi?
Ela se animou.
- Já, uma vez, faz tempo, eu era muito moça. Foi quando tirei a minha apênis.
Eu dei um pulo. O que ela disse?
Ela continuou explicando calmamente.
- É, ... tirei minha apênis, pois estava inflamada. Foi assim: tive uma dor horrível e me levaram para o hospital. Quando cheguei lá, o médico disse que não tinha jeito, que eu ia perder a apênis mesmo – ela me olhou e arrematou, decidida - E aí eu operei e tirei.
- Tirou o quê mesmo? A sua...
- Apênis - ela falou bem alto, mostrando com o dedo o local - Essa coisa aqui do lado, na barriga, lúcia.
- Ah, apêndice?
- É, isso aí - e ela continuou, animada - Tirei mas nunca senti falta dela. Nem sei porque mulher precisa dessa apênis. Não usa para nada! Não tenho apênis faz uns dez anos, e olha, estou ótima.
Eu acredito...
Bem, e eu ainda tenho a minha, mas também nunca notei se eu uso para alguma coisa...

segunda-feira, 25 de abril de 2005

embeiçamento teórico


engels

- Mas lúcia, isso que você fala tem embasamento teórico?
Ichi, de novo? Toda hora esse fantasma do “embasamento teórico” vem me assombrar.
Quando eu era solteira, mocinha e estudante, eu e meus amigos falávamos tudo que passava pela cabeça. Não existiam limites, não existia “bobeira”. Tudo era assunto e tudo era muito importante. Um dia crescemos, entramos para o mercado de trabalho e para a vida, até o dia que alguém te pergunta se existe “embasamento teórico” naquilo que você falou.
Não, não tem...
Onde você leu isso? Mas fulano já dizia isso de modo diferente. Sicrano fala o contrário. Nomes, nomes, citações. Livros, textos, apostilas. Já leu Engels? Já estudou a respeito? Precisa ler tal livro. E depois de muitos “nãos”, você chega a conclusão que não sabe de nada.
Como teve a coragem de falar alguma coisa?
É essa a semente da rolha que passa a tapar as nossas bocas adultas. Passamos a acreditar que sem embasamento teórico nada pode ser dito. A nossa intuição vai para a cucuia, que diabo de intuição é essa sem embasamento nenhum? Assim nos calamos. Melhor não falar nada.
Todo mundo é seduzidos pelo embasamento. Ter algum tipo de intuição selvagem hoje em dia de nada vale. É preciso estudar, ler e citar. As idéias por si bóiam e ficam à deriva.
E porque não estudar para não “embasar” mais? Ah, fala a verdade, porque é muito, muito chato ficar decorando nomes e teorias. Talvez por pura preguiça, perdões, e porque o acaso reserva muitas surpresas. Por exemplo, para continuar esse texto fui olhar no dicionário o real significado da palavra “embasamento”. Acabei achando outra, bem parecida e mais divertida. Embeiçamento. E pensei: já que não me embaso mesmo, quem sabe não me embeiço?
Claro que intuição não é tudo. É preciso estudar, e muito. Mas estudar, ler, e aprender, é muito diferente de usar nomes, citações e teorias alheias o tempo todo nas conversas.
Lembrei de uma coisa engraçada, um fora que eu dei na semana passada por causa do blog. Num post abaixo eu falei sobre armários. No dia seguinte, o Dudi me mandou por email uma imagem de um quadro lindo, onde se via um quarto com um armário. No quadro existia uma cama, um armário, um pente enorme e um copo enorme. Acho que era uma aquarela. Linda mesmo e cheia de significados. Eu rapidamente olhei o quadro, me encantei com a idéia do armário ser menor que o copo e respondi, animadona.
“Que desenho mais lindo, foi você que pintou, Dudi?”
E ele respondeu, acho que meio sem graça.
“Não, Lúcia... é um Magritte... achei que um quadro do Magritte não precisasse de legenda...”
Uia, que gafe! Vê o que dá não ter nenhum embasamento teórico?
Ma não falo isso à toa. Tem horas na vida que muita teoria não vale nada. Por exemplo, quando você é mulher e volta da maternidade com um filho no colo, não tem a menor idéia de como vai sobreviver com ele na vida. Depende só dos instintos. Nenhum embasamento teórico vai ajudar em nada. Embasamentos não dão leite, não trocam fraldas, embora dêem o maior sono e talvez façam dormir, sem esforço algum.
Eu, talvez indevidamente, tento achar mais uma chave para o entendimento da vida sem muitas teorias prontas. Deixo fluir cada pensamento, por mais pequeno que pareça. Pois comecei a entender o quanto somos minúsculos. E mesmo sendo minúsculos, podemos alcançar a enormidade.
Sem ter lido Engels.

sábado, 23 de abril de 2005

FRANKA E A CIDADE (de novo)


ô cidade bacana! (adoro esse lugar - morei mais de vinte anos quase ali...)

De novo, abro meus jornais O Estado de São Paulo e a Folha de São Paulo e lá vêm elas. As infinitas propagandas de lançamentos imobiliários que estão entupindo a cidade e germinando feito capim.
Não é implicância minha não. Tem alguma coisa errada.
Descobri que acontece um negócio bem estranho. Gente, presta atenção numa coisa. Repara no jeito que os investidores usam para anunciar a venda dos apartamentos. Eles acham que o que as pessoas mais querem no mundo é descansar. Hoje em dia tudo que está a venda para você morar vem com um relaxamento embutido.
Eu não agüento mais essa coisa de tanto lazer e relaxamento, parece que é só para isso que a gente vive, caramba!
É como se trabalhar fosse a coisa mais horrível do universo e as pessoas precisassem se internar diariamente em condomínios de luxo para sarar das doenças do trabalho. É como se apenas circular na cidade de São Paulo, seja para fazer compras, ir ao médico ou buscar os filhos na escola fosse um martírio horrível, um treco horroroso demais, e as pessoas precisassem chegar num oásis de lazer para compensar o sofrimento. Hoje mesmo tem no jornal um edifício com um Day Spa – você mora e faz tratamento para emagrecer. Daqui a pouco vamos ver propagandas de condomínios com hospital dentro. Ou com UTI! Não dou mais um ano para algum incorporador inventar que a cidade de São Paulo dá ataque cardíaco!
Tem alguma coisa errada. Beeem errada...
Porque o apelo da venda desses edifícios tem que ser esse? Será que ninguém vê que todos esses lançamentos estão denegrindo a imagem da cidade para vender mais? Eles simplesmente falam: a sua cidade é horrorosa, não há quem agüente morar nesse caos, e, assim sendo, venha se trancafiar dentro desse maravilhoso condomínio. Aliás, não estão denegrindo só a imagem da cidade. Estão denegrindo tudo que tem dentro da cidade: as ruas, as pessoas e até o trabalho da gente.
Depois tem esse negócio da janela e da vista. Você precisa morar numa ilha de lazer e ter vista para algum espaço verde. Repara também que basta existir uma única pracinha que, pimba, surgem uns setenta prédios em volta, olhando para ela. A pracinha não deve acreditar naquilo. São Paulo virou isso: um monte de espacinhos verdes rodeados de prédios enormes voltados para dentro do círculo. Pois então, percebam: além de nos dizerem que a nossa cidade é insuportável, ainda nos mandam olhar para outras coisas: olhe para as árvores, para a natureza.
É como se a cidade não valesse a pena, ô tadinha.
A cidade é bacana, gente. É como olhar para a sua casa depois que você construiu. Imagina você construir uma casa e depois passar o resto da vida míope, olhando um pequeno vasinho porque alguém falou mal da sua casa?
Cadê o orgulho?
Mas a gente não pode descansar e tirar férias, dona Lúcia?
Ah, claro que pode. Tanto lazer assim cansa para burro...

sexta-feira, 22 de abril de 2005

sim, leite...



Num post anterior falei sobre amamentar. Desde então estou com esse assunto na cabeça. Peitos, leite, maternidade, bebês. Ô época boa da vida. Adoro ser mãe. Se pudesse, teria mais uns 10 filhos.
Tudo é legal na maternidade. Absolutamente tudo cresce, evolui e dá prazer.
Amamentar então, é uma maluquice. Você coloca a criança ali, grudada, e inexplicavelmente, sai um líquido quente de dentro de você, sem a gente precisar fazer nada. Dizem que no começo dói. Não é que dói. É outra sensação, mais esquisita ainda. Assemelha-se a um arrepio, um tipo inexplicável de aflição esquisitíssima. Os primeiros momentos são os mais impressionantes. São instantes solidificados: é como se você fosse uma rocha quente e explosiva, e o bebê, um ser deliciosamente amoldável e flácido. Imediatamente depois, tudo repuxa, num percorrer crescente dentro do corpo, até o fundo mais fundo da sua barriga. Acho que é ali, naquele último lugar dentro do corpo da mulher, o útero. O profundo, afundado e tão perdido útero materno. Adoro essa palavra, “útero”. Só um “útero” que poderia se chamar “útero”. Amamentar é lembrar que você tem um lugar misterioso, quente e profundo dentro da sua barriga, o útero.
Gente, e é muito esquisito, falo sério. Parece que o leite vem dali, não do teu peito.
O leite sai de você e entra dentro do teu filho. A sede instantânea que dá no corpo todo é incompreensivelmente compreensível. Tudo é denso e imenso, não adianta nadar para o outro lado, não adianta querer parar o tempo, não dá para desistir. É absolutamente inevitável, como é inevitável nascer e morrer. Dói na alma, como dói nascer e como deve doer morrer. É angústia pura, sintética e jamais mapeada na nossa pobre existência cotidiana. Se, naqueles primeiros momentos de pura amamentação, nos fosse permitido chorar, nos fosse permitido urrar e berrar, ah, como a gente berraria... Acho que isso que seria natural. Mas não. Temos que engolir em seco aquele momento, nós todas, as mães caladas, modernas e civilizadas, dando aquele previsto sorriso maternal ao bebê. Temos que seguir as regras dos nossos mundos desenvolvidos, lembrar do manual de instrução e sorrir, sempre sorrir, indiferentes ao nosso corpo, piegas e tão bobas.
Uma ficção civilizatória, a nossa vida.
Como somos imbecis. Otárias.
Mas é contraditório, também. A dor sucumbida estabiliza, o dilúvio contido é cômodo. Foi dito que ter controle de si agiganta nossa eficiência, não foi? Vivemos dentro dessa guerra, ora olhando para o abismo, ora olhando para trás, para a terra firme. É bom senti-la ali, nas suas costas. Pode também ser uma saída.
E às vezes, é mesmo, embora melancólica.
Ah, Ter um filho. Ter um filho é ter saudade no instante seguinte. É melancolia atrás de melancolia. Um tipo de sentimento lindo, nada mais. Ter filhos é tê-los grudados, sempre. Seja na barriga, seja nos peitos, seja no andar de mãos dadas, seja no fundo do pensamento cotidiano.
É amamentar eternamente.
É alimentar até não sobrar mais nada no prato.

quinta-feira, 21 de abril de 2005

PRATICAMENTE


a linha do mar do dok - foto do charles (sem data)

Peguei emprestada essa linha do mar do blog do Charles, o MyMeMine, por um motivo interessante.
Ele conta que achou um filme de muitos anos atrás e que resolveu revelar (provavelmente com receio que dentro em breve não existam mais one-hour-fotos). No meio das fotos, aparece essa com uma maravilhosa linha do mar. Engraçado. Um pedaço de uma história que ele viveu anos atrás ressurge vivinha, feito uma deliciosa assombração.
Achei a maior maluquice essa coisa de alguém esquecer de revelar um filme durante anos. Que eu me lembre, eu nunca esqueci de revelar um filme. Sempre fui o contrário: como não agüentava de vontade de ver as fotos reveladas, chegava antes e tinha que esperar. Detesto coisas pela metade, é um problema. Quando vou escrever um texto gasto um tempão para que ele fique inteiro, revisado e até com título. Quando vou lavar a louça, então, nem se fala: quando vejo estou lavando os azulejos da parede, na maior obsessão de não deixar nada pela metade.
Mas percebo que algumas pessoas no mundo fazem tudo pela metade e não estão nem aí. São pessoas que “praticamente” fazem as coisas. Acho que é um traço da personalidade.
Gente, eu queria muito ser assim. Ô delicia que deve ser.
Outro dia, numa das minhas idas para a Bahia, foi junto um engenheiro que faz projetos de ar condicionado. Como o lugar é bonito, ele me pediu, me dando a máquina dele:
- Tira uma foto minha, Lúcia? Para eu mostrar para a minha mulher – ele explicou.
Tirei. O dia estava lindo, o lugar era deslumbrante.
- Vou tirar uma sua também, depois eu te envio por e-mail – ele ofereceu.
Concordei. Fiz uma pose, coloquei os óculos, sorri.
Tic.
Passou mais de um mês e ele não me mandou nada. Nos encontramos numa nova viagem, desta vez para o Rio de Janeiro. Numa certa altura, vi que ele fotografava a obra.
- Você não me mandou a minha foto – falei para ele – aquela, da Bahia.
- É mesmo... – ele lembrou – aliás, ela está aqui na minha máquina ainda. Eu não descarreguei.
Olhei para ele atônita. Um mês se passou e ele não descarregou a minha foto? Minha imagem está a um mês trancafiada dentro daquela maquininha cláustrofóbica, zanzando sabe-se lá por onde? Que homem mais maluco que é aquele?
Existe muita gente assim, que "praticamente" faz as coisas. Praticamente fazer é deixar a vida num estado letárgico, num limbo, numa outra estranha e indefinida dimensão. Um cunhado de uma amiga minha era o mestre do "praticamente" fazer. Tem até uma história célebre.
Ele tinha que pagar uma conta de luz atrasada, todo dia esquecia. Nesse dia ele saiu de manhã e a mulher dele lembrou.
- Não esquece de pagar a conta hoje, por favor.
À tarde ele voltou. A mulher olhou para ele.
- Pagou a conta?
- Fica tranqüila – ele disse calmamente – a conta está praticamente paga.
- Praticamente paga? – ela estranhou – o que quer dizer isso?
Ele colocou as mãos sobre os bolsos da calça.
- Tsc. Praticamente paga, ora. Veja, a conta está aqui... – e ele bateu a mão no bolso direito –... e o dinheiro, aqui – e ele bateu a mão no bolso esquerdo – Assim, a conta está praticamente paga, entende? Só falta ir ao banco, mas isso é o de menos...
Entenderam? Assim são as pessoas que praticamente fazem...

Taí, Charles, a tua linha deliciosa linha do mar.
Você me perguntou porque eu ainda não tinha colocado a sua foto aqui. Te explico: esse post está praticamente feito há uma semana, só faltava... postar. A foto demorou anos para ser revelada. Não seria muito estranho ela ser postada tão rápido?
Realmente é uma linda linha do mar, com esses canoeiros voltando do Bonete.
Todos temos uma linha do mar para nos equilibrar na vida, não é?

quarta-feira, 20 de abril de 2005

haja armário...




De uns tempos para cá o horário nobre da TV está entupido de propagandas de venda de armários. Armários mesmo, aqueles de quarto, que a gente compra pronto e coloca do lado da cama, com portas e gavetas. Aquele trambolho, ele mesmo. É propaganda das casas Bahia, da Marabrás, do Ponto Frio. Basta você ligar a tv para ver novela ou jornal que, pimba! Lá vem alguém para te vender um armário enorme.
Eu não sei. Quem compra tanto armário?
Acho estranhíssimo. Eu achava que os armários estavam em extinção desde que surgiram os armários embutidos e os closets sem portas. Há algum tempo que, para mim, eles só existiam em antiquários ou em casas de móveis usados. Os armáriões passaram a ser dispensados sem dó pelas famílias que usam armários embutidos. Eu mesma já tive que me livrar de uns três deles, heranças de família. Um armário desses, quando você já tem um outro, invisível e embutido, é um tremendo abacaxi.
Móveis antigos, em geral, conseguem sempre uma reutilização dentro das casas de hoje, pode reparar. Ainda mais se aquela mesinha ou se aquela cadeira de balanço te lembrar a avó ou a casa da sua mãe. Os criados mudos viram "charmosas" mesinhas laterais, as cômodas viram móveis de bar ou aparadores na sala, as cadeiras, se restauradas, vão para a sala de jantar. Até as cabeceiras das camas podem ser reformadas e reutilizadas. Menos o armário, coitado. Nunca vi um armário velho na sala ou no quarto de nenhum amigo ou cliente, nunca ouvi falar de algum casal que comprou um armário antigo para o quarto. Os armários antigos estão sempre nos antiquários, aliás, não tenho idéia de quem compra um armário. São enormes esquifes, lápides em pé, caixões gigantescos que só servem para guardar roupa velha. Eu tenho até, confesso, um pouco de medo desses armários velhos, jamais traria um deles para dentro do meu quarto. Olha, acho que eles deveriam ser enterrados com os donos. Ou, porque não? Os donos deveriam ser enterrados nos seus armários!
Epa, que idéia mais esdrúxula.
Gente do céu. Perdoa mesmo.
Mas qualquer móvel maior que você, de madeira e que tem porta é meio um pesadelo, gente. Impossível não achar que um armário se parece com aquilo.
Agora, fala se não é esquisitérrimo que o horário nobre da tv esteja a cada dia mais entupido de ofertas de... armários? Será uma greve da marcenaria embutida? Será que os tempos mudaram e agora virou anti higiênico guardar roupas em armários embutidos?
O que houve? Voltamos pra trás no tempo?
Enquanto isso, reparem: são muitos os armários e as propagandas onde os apresentadores trepam, pulam, abrem, abraçam e acariciam os armários, como se fossem macaquinhos rondando ao redor de estranhas lápides antigas cheias de portas e gavetas.
Alguém tem alguma explicação?

terça-feira, 19 de abril de 2005

sim, peitos...




Sempre tive um pouco de aflição quando me lembro que sou mulher e que tenho peitos. Dou graças a Deus de não tê-los grandes demais. São apêndices que foram muito úteis, ainda mais quando cresceram enormemente depois do parto e deram muito leite aos meus filhos.
Nunca pensei como isso aconteceria quando eu fosse mãe. Sabia que depois que estivesse grávida e tivesse o bebê eu teria leite, mas levei o maior susto. Ainda na maternidade, de um dia para outro meus peitos aumentaram muito de tamanho. Ficaram gordos, inchados, quentes e latejantes. Eu nem me mexia, achando que ia explodir.
Que medo.
Uma enfermeira entrou no quarto e me viu naquele estado, com os braços abertos, atônita. Senti que ela me olhou com pena. Eu estava totalmente dominada pela minha incapacidade de ser bicho. Uma mãe, apenas mais uma delas, bem educada, bem nutrida, saudável mas completamente inapta.
Ela me olhou e eu aceitei aquele olhar como uma fêmea abatida. Me salva, eu disse à ela de alguma maneira, dando um sorriso besta. A mulher sorriu. Ela sabia de tudo e encarava meu desespero com uma certa malícia. Chegou até perto de mim e me pediu que mostrasse meus peitos. A minha dor era muito mais funda e árdua que a cena, como se eu nunca mais pudesse sair de dentro da minha carne.
A mulher não hesitou. Enfiou suas mãos úmidas na minha pele, e, pouco a pouco, começou a me ordenhar, como fazem com os animais, como apertam as cabras, as vacas. Eu percebi que estava esguichando desordenadamente, vertendo assustadoramente muito líquido, sem controle, sem mais por onde espalhar. Ela tirava o meu leite de dentro do meu corpo com as suas mãos, fazendo movimentos contínuos, apertando, machucando, retirando. Aquilo não era dor. Aquilo era compreensão pura em ser bicho. Nada além da pressa da natureza de esvair-se. Eu não conseguia sequer olhar, quanto mais entender.
Olha, sinceramente. Não sabemos mais ser mulheres.
Foi a primeira vez que vi claramente o outro lado, atrás da minha redoma de vidro civilizatória. O lado cruel e doloroso de ser mãe, que derrapa na própria existência, que cai no chão de terra, que chora sem sentir dor, que nutre, que cuida, que espera e suspira diante do acaso. O lado que tem a verdadeira feminilidade, alcançando o lamentável e indecoroso limite do belo. A urgência pronta de ser bicho é inevitável em alguns momentos da vida. Naquele instante, fundi-me com elas, com todas elas, as fêmeas desse universo. Poderia, naquele instante, vomitar, urrar, me debater, espumar, verter ou morrer.
Pouco importava.
Aliás, depois disso tudo, todas as coisas pouco importavam.
Morrer a gente morre a cada dia, nascer a gente nasce a cada instante que novamente respira.
O resto, são acidentes de percurso.

um pouco de pimenta



A frase estava no jornal de hoje, em destaque, dita por um psiquiatra:
“As pessoas não sabem mais lidar com suas infelicidades”.
Ele explicava. Os jovens de hoje em dia tomam remédios demais: uns para excitar, outros para acalmar. Dizia que tem remédio para tudo agora, que isso é perigoso, blá, blá, blá.
Fiquei com a frase na cabeça.
“As pessoas não sabem mais lidar com suas infelicidades”.
Ah, essa deliciosa infelicidade. O que seria de todos nós sem ela? Acho que vida seria um saco sem a infelicidade. Somos movidos a ela, seja lá em qual escala. Precisamos dela para poder sofrer um pouco.
Até pessoas muito poderosas, felizes e bem sucedidas precisam da sua porção de infelicidade. O homem carece de infortúnios, de adversidades, de problemas. É um alimento dos mais estranhos, talvez tão estranho como comer aquela pasta verde japonesa ou essas pimentas que o Zé adora e diz que dão água na boca. Dão mesmo. E eu acho essas comidas a maior loucura do mundo, e o pior é que tem dias que eu morro de vontade de comer as duas.
Hum. Salivo por elas.
A pasta verde japonesa é aquela que a gente coloca em cima do sushi. Não me lembro do nome. É uma coisa ardida, forte, e que, pelo menos para mim, me dá dores horríveis na parte de trás do crânio quando eu coloco demais. Parece que eu estou sendo perfurada de cima a baixo. Tizuimmm. Tenho que segurar a cabeça. Tizuimmm. A pontada aguda vem junto com uma falta de ar súbita e um arejamento estranho no nariz. Tá na cara que comer aquilo não deve ser nem um pouco bom para a saúde. Imagine uma comida que dói no crânio. Loucura. Uma comida que dói no crânio deve ser tremendamente cruel com o resto do organismo.
Já a pimenta é diferente. Ela não dói no crânio, mas dói na língua. Arde, queima. Alllff. Se queima a língua, deve torrar os órgãos internos. Alllfff. Eu não consigo comer pimenta forte e ficar sentada. Toda a vez eu preciso sair correndo, infeliz e triste, reclamando. Mas eu como, entende? Como se fosse absolutamente necessário. Acho que é uma coisa selvagem do organismo essa vontade inexplicável de se apunhalar.
Pimenta e aquela pasta verde. As minhas infelicidades necessárias.
Como dóem.
E como são boas.

segunda-feira, 18 de abril de 2005

eeeita, que essa eu não aguentei...


esse é o jaime, o maior inventor de jingles da atualidade
Sobre o post abaixo... olha o que eu recebi do Jaime do Dito Assim, que pérola!!!
"...sua amiga poderia ganhar rios de dinheiro se montasse uma empresa de descafonização. Como tem a D.D.Drin, que faz desinsetização. Já pensou? Podia até ter o jingle:
"O peixinho ali pra voce ver/ O barquinho quem fez foi seu nenê / E a conchinha não se cansa / De aparecer/ De aparecer/ É cafonice, preciso pôr um fim / Vou chamar DecorDream, DecorDream / E os passeios do meu filho pela casa vão ter fim / DecorDream, DecorDream, DecorDreeeeeeeeeaaaaaaaam!"
Beijo!"
(... aaah... e esse pequeno tigre ai do lado é o jabu, uma cafonice internética que eu acabei de adotar, já que eu nasci no ano do tigre...)

domingo, 17 de abril de 2005

barcos e cavalos



Algum tempo atrás, logo depois de acabar uma reforma numa casa de praia, me ligou a decoradora. Ela queria que eu a acompanhasse numa visita para montar a casa. Disse que, além de levar coisas novas, ia separar uns objetos e quadros que ela achava que não iam ficar mais lá.
Chegamos e percorremos os ambientes. Ela na frente, na maior exibição, mostrava alguns objetos e móveis e dizia, apontando com a ponta da lapiseira, quem ficava e quem ia embora.
Eu atrás, muda, boquiaberta.
Na hora achei aquilo a coisa mais estranha do mundo. Eu jamais conseguiria fazer um julgamento tão cruel de tão simples objetos. Podia a imaginar a história que cada um deles carregava, vieram de todos os lados do mundo e de diversos tempos da vida de uma família para parar naquele beira mar. Eram parte da vida de uma pessoa. Ela nem aí.
- Todos os barcos, peixes e conchas saem - ela decidiu, categórica.
- Barcos e peixes? - eu perguntei, sem entender a quais barcos e peixes ela se referia. Afinal, estávamos na praia.
Ela suspirou, dando a entender que eu era muito burra e que ela teria que me explicar toooda a teoria dela. Assumiu ares professorais.
- As pessoas fazem coisas ridículas, lúcia. Pense uma coisa. Porque as pessoas acham que as casas de praia devem ser decoradas com motivos marítimos? Coisa mais cafona! Só porque você está na praia precisa entupir a casa de barcos e peixes? Não basta o que tem lá fora? – e ela apontou o mar, rindo – Não, não. Não precisamos de nada disso! Os peixes ficam no mar, os barcos na água e as conchas dentro d’água. Vamos anotar o que vai embora daqui... cinco barcos feios-que-dói, dois peixinhos horríveis, dois potes de conchas e olha, um pirata! Não acredito!
Diante da minha pasmaceira, a decoradora se sentou no sofá, como se aquela fosse uma situação completamente desgastante para ela.
- Ahhh. A mesma coisa acontece nas casas de campo. As pessoas fazem casas de fazenda, de campo, de montanha e enchem de patos, cavalos, ferraduras. Deusmelivre. É demais. Isso acaba comigo.
- Eu... eu nunca tinha pensado nisso – falei, sem graça.
- Detesto decoração com temas. Decoração não pode nunca ter tema. É cafona, muito cafona!
Ichi. Tema era... cafona? Tentei me lembrar se tinha algum destes objetos na minha casa – para rapidamente me recordar que, graças a Deus, não tenho casa de campo ou de praia – e avaliar que, se o mesmo pensamento é válido para as casas da cidade, o que seria cafona numa casa de cidade? Predinhos? Carrinhos? Será? Fiquei confusa, mas tive certeza que, diante do julgamento daquela mulher tão chique e elegante, alguma coisa eu deveria ter errado na minha casa, com certeza. Eu senti pelo olhar que ela me deu ao me explicar a teoria: eu era uma cafona.
Chamar um decorador é isso. Você compra regras dele para usar a sua casa. Pouco importa se o peixinho sobre a mesa foi teu filho que pintou num trabalho da escola, pois a inocência da infância não cabe nas regras da decoração. Pouco interessa se a barca azul foi comprada na sua lua de mel, numa tarde de passeio. Dane-se se você ganhou aquele vaso da sua bisavó. Tua história não interessa, ela não está na moda.
É cafona.
Acho muito triste pagar para alguém apagar o seu passado. Perdão, dona decoradora, perdão se eu fiquei irritada com tua lapiseira apontando para a vida alheia e mirando cruelmente para a minha vida também. Tenho em casa muito objetos que, com certeza, seriam apontados como “cafonas”. Bom, talvez todos da minha casa, tão pouco decorada. Mas são os nossos olhos, e não os dos outros, que decidem quais lembranças que carregamos na vida.
Me deu vontade de levar tudo aquilo para mim. Adotar todos os objetos que a decoradora abandonou, como filhos órfãos. Mas eu apenas olhei para ela com pena, muita pena. A mulher rodopiava feliz dentro do seu medíocre poder de consumo, repetindo “cafona, cafona, cafona”.
E me lembrei muito feliz de todas as cafonices da minha sala de estar.
Ainda bem.

sábado, 16 de abril de 2005

franka e os dinossauros V - máquinas de lavar



Eu adorava esse anúncio das máquinas de lavar Westhinhouse quando era criança. Naquela época as propagandas eram ingênuas, até meio bobas. Elas te "pediam" para querer a coisa, tentavam te convencer que o produto era bom apenas "falando" que ele era bom. "Creme de leite Nestlé é bom", "bolachas Duchen são boas", "massa de tomate Etti é ótima".
Tadinhas das propagandas. Bobooonas...
Mas essa propaganda aí era diferente, pois ninguém sugeria nada. Repara, em lugar nenhum está escrito que a tal máquina de lavar é boa. Estava subentendido que, como todas as mulheres do mundo tinham a máquina, ela deveria ser ótima. Eu ficava intrigada. Eu tinha entendido, mas será que todas as outras pessoas entendiam? Acho que essa propaganda foi o começo dessa moda das propagandas atuais que a gente não tem a menor idéia do que estão vendendo.
Bem, todas as mulheres do mundo tinham uma máquina de lavar. No Japão, na Alemanha, na Arábia. Me lembro de analizar detalhadamente cada uma das figuras para entender de onde eram as mocinhas. E morria de vontade de desenhar a minha mãe e a sua máquina no buraco, para completar o Brasil. Se bem que, analizando bem, acho que a mulher do papagaio que é a brasileira. Ichi, é mesmo... não tinha lugar mais para a minha mãe, eu só percebi agora!
Bem, como no nosso mundo mulher nenhuma deseja uma máquina de lavar, penso que se alguém fizesse uma propaganda assim seria uma de computadores. Imagine que engraçado abrir uma revista e dar de cara com doze mulheres doismilianas posando ao lado das suas "máquinas"? Eu, aqui no Brasil, abraçando o meu querido micro e dando piscadinhas, a Sheila lá na França, agarradinha no micro novo dela e mandando "bisous", a Zana no Canadá...
Hahaha! Não seria muito engraçado?
Gente, o post não é muito sério, mas hoje é sábado...

sexta-feira, 15 de abril de 2005

considerações sobre o trabalho da franka


A minha viagem para a Bahia foi bem mais tranqüila pois a casa está quase pronta, o que acende os ânimos de todos. E além disso, nada de TAM: fomos todos no avião do dono da casa.
Que chique, né?
Sabe, pode parecer caipirice (e é mesmo), mas andar num avião particular levanta a moral de qualquer um, ainda mais num avião como aquele que ele tem. É "o" avião.
Trabalhar com um milionário tem suas vantagens e desvantagens. Claro que é bom poder usufruir desses confortos todos. Andar num avião particular, entrar em condomínios que ninguém entra, ver as portas se abrirem ao pronunciar um nome, poder fazer uma obra sem limites de custo. Mas é um mundo complicadíssimo. Não sei se vale a pena.
É impossível uma pessoa muito milionária andar nas ruas, por exemplo. Um dia a mulher desse cara me deu uma carona. Quando estávamos no meio do Itaim, reparei que eram cinco e meia e estava o maior trânsito. Eu sabia que ela tinha que ir para o Morumbi, e como eu ia para Pinheiros, achei melhor descer ali mesmo e para pegar um táxi ou um ônibus. Pedi para ela encostar o carro, aquela coisa enorme, blindadona.
- Hã? Parar aqui? – ela se assustou – Você vai... descer?
- Vou, ué. Eu pego um táxi ou um ônibus em algum lugar, vou andando até a Faria Lima.
- Mas... – ela estava pasma, atônita – Você vai sair assim no meio da rua e andar a pé? Não seria melhor eu te deixar dentro de algum lugar? Eu posso te deixar dentro do shopping, por exemplo.
Parecia que eu era de outro mundo. Ela, provavelmente, nunca andou na rua para pegar um táxi ou apenas para fazer compras. Está sempre escoltada e blindada, de bolha em bolha, sem respirar nunca o ar da cidade. Os milionários vivem num mundo paralelo ao nosso.
Aparentemente podem tudo.
Realmente, não podem nada.
Depois tem o poder. O poder é uma avalanche. A cada dia aumenta mais, mesmo a pessoa não fazendo nada. As pessoas se impressionam, todos querem pegar raspas, migalhas. É impressionante como o ser humano é susceptível a isso. Um homem rico e poderoso faz todos se ajoelharem ao redor. Mais maluco ainda é perceber que os serviçais passam a viver a vida do patrão. Adquirem características do cara, agem como ele, imitam, impõe. É como se o poder passasse, como uma tinta mais diluída, para o funcionário, por osmose. Assim, fica todo mundo competindo, na hierarquia dos funcionários da casa ou na obra, por exemplo. Cada um usando a sua migalha de poder, dando ordens e berrando.
Esse negócio que dizem que milionário berra é a maior verdade. Li num livro que é uma coisa animal, como os leões, tigres e gorilas. Milionários berram, falam alto, dão gargalhadas escandalosas, para chamar a atenção e mostrar seu poder diante do grupo. Muita gente chora, outros se calam, poucos enfrentam.
É a natureza em ação.
Já ele, o milionário, precisa vencer desafios. Em obras isso fica evidente: um bom arquiteto para milionários deve propor esses desafios. Pode ser um desafio estrutural, um desafio de legislação, um desafio da natureza, mas precisa de desafio, senão a coisa não tem graça. Às vezes entra no processo um profissional bom e incauto que tenta argumentar: para que um vão tão grande? Para que um prédio tão alto? Para que tirar a pedra de seis metros de altura daí? Tenho vontade de rir. A graça toda de construir, para quem tem muito dinheiro, não é executar o projeto de arquitetura deslumbrante. É vencer um desafio e ganhar da natureza, da lei e da estrutura.
Ganhar, assim como ter poder, também é outra avalanche.
Além disso, classe dominante precisa de grifes para suas casas. A maioria dos arquitetos de grife são profissionais medianos, alguns até péssimos, mas quem contrata não se importa. O nome deles vale dinheiro, e casas sem nome não têm valor algum nos tempos atuais. Não sei para que servem esses arquitetos, para falar a verdade. Eles deveriam assinar numa parede e ir embora. Eles não vão à obra, não entendem de construção nem de projeto. Chegam na obra como se fossem da família real, pomposos, arrumadinhos, inúteis. São apenas a grife. E depois que a casa acaba, eles aparecem nas revistas de celebridades junto com os donos, sorrindo.
Vai entender.
Eu tento, sério, mas não é fácil.

A Mar



Nossa, quanta polêmica por causa dos meus links. Acho que mexi numa ferida.
Mas continuo achando a mesma coisa, que link é uma coisa muito chata, ora. E aviso que vou tentar não linkar aqui no "frankamente" pelos motivos descritos no post abaixo, pois sou uma mulher de palavra e opinião (bem, apesar de mudar de opinião rapidinho, se me convencerem...). E assim será até que meu ego cometa algum deslize e eu precise dar uma exibidinha (ah, tem dias que a gente acorda sem nenhuma auto estima, que fazer?) ou a não ser que minha memória resolva dar uma esquecidinha (... e tem dias que a gente acorda com o cérebro embolado, principalmente naqueles dias pré-mickey mouse) (iii, escapou, hahaha!). Só nessas horas que eu vou linkar: nas horas de extrema necessidade.
Mas jamais linkarei a toa.
E aviso que tentarei, na medida do possível, linkar no fim do texto, para não atrapalhar a leitura de ninguém. Assim tipo, bibliografia.
E chega desse assunto.
Isso ai em cima é pura natureza. Pedra com água.
Basta ter um pouco de imaginação para ver grandes montanhas num céu enevoado. O mar baiano estava particularmente irritado e inseguro ontem, pois o tempo estava muito instável, cheio de manhas, de nhé-nhé-nhé.. Olha, choveu e fez sol umas dez vezes, enquanto eu estava lá. Não há quem agüente.
Eu sei como é, pois já fui mãe três vezes. Quando um bebê tem uma comportamento muito variável, ou seja, quando ele acorda e chora, berra, depois sorri, depois fica tranqüilo, fica bravo de novo, reclama e resmunga, tudo num mesmo dia, as mães ficam irritadas e inseguras.
- Que será que esse menino tem hoje? - perguntamos para as empregadas, aflitas.
Igualzinho o mar. Aliás, está na cara que o mar é feminino. Não sei quem foi o bobão que deu um nome de homem para ele. Ou ela, claro.
A Mar.

quarta-feira, 13 de abril de 2005

frankamente, um blog sem LINK



Decidi hoje. Vou parar de linkar.
Coisa mais maluca essa frase, não? Se eu ouvisse isso há um ano, eu não entenderia bem o que significa. Se ouvisse há três anos, não saberia nem do que se trata. É uma palavra novinha essa, link. É praticamente uma palavra-bebê.
Minha mãe, por exemplo, não deve ter a menor idéia do que se trata. E como ela nunca está nem ai com nada, provavelmente ela ia achar um significado qualquer pra resolver o caso.
- Hã? Não vai ligar para quem? Você brigou, filha? Não faça isso, esse negócio de brigar e não ligar para os amigos não é bom, você se isola do mundo, e gente isolada é tudo estressada, cheia de problema. Ainda mais você, que fica enfurnada naquele computador o dia todo, blá, blá, blá...
Minha mãe sempre ouve o que quer para responder o que quer.
Ah, e o que é link? Link é aquela palavra que, quando você passa o mouse nela, aparece a mãozinha. Daí você clica na palavra e ela abre uma outra página da internet. Sabe? Tipo isso aqui.
Ichi, linkei. Juro. Foi a última vez.
Mas voltando, minha decisão é seríssima. Tenho circulado em muitos blogs e tenho notado que cada vez existem mais links nos textos. A coisa está aumentando em velocidade vertiginosa. É uma mania, é uma moda.
Mas a coisa está passando dos limites. Reparem.
Claro que link é legal para quem escreve. Você não precisa contar tudo de novo para o leitor que não sabe da história do post anterior, não precisa se preocupar em contar quem são as pessoas de quem você está falando, não precisa explicar como é o lugar citado no texto e nem o que é a coisa do que você está descrevendo. Basta linkar um monte de sites e outros blogs. Olha. Tem posts que tem mais palavras linkadas que palavras não linkadas. É uma loucura.
O problema do link é que, pelo menos para mim, dispersa muito a leitura. Eu acabo indo tão longe que até me esqueço o que eu estava fazendo e onde. Depois, na volta, preciso ler tudo do começo de novo. Acho a maior canseira esse negócio de link. Uma chatura.
Quer saber? Hoje em dia, texto com muito link eu desisto, nem leio. Fico achando que se eu não abrir todos os links eu não vou entender nada.
Não sei se isso acontece com todo mundo. Comigo sim, e, além de tudo que eu já expliquei, ainda acho a maior antipatia a pessoa ter preguiça de escrever o texto! Ora! Se ela tem preguiça de escrever, eu tenho preguiça de ler! Para mim, link é cola. É como fazer a prova e mandar o professor abrir a enciclopédia. É como ter um monte de propaganda dentro do teu post. Além disso, gente que linka muito eu sempre acho que é exibida, que precisa mostrar que tem um monte de amigos. E eu estou exagerando tanto, mas tanto que estou me convencendo cada vez mais que não devemos linkar nunca mais.
Bem, esse é o começo de uma grande campanha mundial anti links. Acredito que logo logo conseguirei abolir os todos os links dos blogs do mundo. Ora, porque não? Dizem que a velocidade da informação na NET é infinitamente maior que qualquer outro meio de comunicação. Em breve os Links serão tão mal falados como os Spams. Os dois serão os párias da Internet.
Teremos assim, no futuro, os vitoriosos blogs sem links. Consigo até ouvir os leitores no futuro falando uns aos outros: “fulano, uma dica... entra no "frankamente", o blog é muito bom, sabe, não é daqueles blogs todos linkados. Lá nunca tem links, o texto é limpinho, claro, definitivo”...

“frankamente, um blog que não tem mais links”
E assim, limpinha e sem links, lá vou eu de novo para a Bahia.
Té!

o choppinho



Era final de tarde quando chamei a Malú, minha amiga, para ir ao cinema.
- Cinema? Assim, num dia de semana?
Engraçado como para as mães cheias de funções como nós, um cinema parece um problemão. Não parecia possível que pudéssemos não ter nada para fazer num final de tarde, das seis às oito. Algum filho deveria estar em algum lugar e precisaria ser resgatado, alguma compra precisaria ser feita, alguma reunião deveríamos ter. Pensamos em todas as hipóteses.
Nada, nadinha.
Respiramos fundo e fomos.
A sensação era divertida. Era como cabular aula ou fazer alguma coisa proibidíssima. O filme era ótimo, compramos balas, esquecemos do mundo. Quando acabou a sessão, saímos para a galeria.
- Para onde vamos? – perguntei, quando percebi que íamos para o lado oposto do estacionamento.
- Sei lá... – falou a Malú - É que eu pensei... bem, nós podíamos comer alguma coisa. Uma fome que eu estou. Ou beber um chopp... ah, sei lá.
Começamos a andar. Estávamos sem rumo na galeria, completamente perdidas dentro da nossa vida de casadas. De um momento para outro, aquela galeria era um labirinto de opções irreais, todas espacialmente próximas de nossos corpos, mas separadas por um profundo e perigoso precipício. Depois de diversas voltas, nossos pés nos levaram para a rua. Passamos a dar voltas no quarteirão, alternando assuntos, de fatos corriqueiros da nossas vidas à pequenas inserções dentro da realidade daquela fuga permitida.
A Malú parou e me olhou.
- Nossa. Porque não conseguimos nos decidir, lúcia?
- Vamos pensar. Os meninos estão direito. Ninguém sabe a que horas acabou o cinema, e o filme durou só uma hora e meia... hummm, Malú, não sei. Vamos ou não?
Do outro lado da rua havia um supermercado. A Malú apontou.
- Olha. Se a gente tivesse que ir ao supermercado, a gente ligava para casa e declarava: “vou demorar pois vou passar no supermercado”. Um supermercado é inquestionável. Ninguém discute se você deve ou não ir ao supermercado. Não é? - Ela conjecturou, rindo.
- Então vamos ao supermercado. Será que tem chopp lá?
- Olha que idéia boa, Lúcia... A gente vai ao supermercado, compra umas coisas bem rápido, sai e toma nosso chopp com sanduíche num bar. Depois chega em casa e fala que demorou porque estava no supermercado.
- Malú! Imagina se tem cabimento duas mães adultas fazerem um plano diabólico para tomar um chopp?
Ela começou a inventar.
- Podemos dar essa idéia para muitas outras mães e fazer uma espécie de acordo secreto. Todas fazem compras e depois saem para beber... podemos até fazer um rodízio de compras, cada dia uma mãe faz a compra para todas e dividimos os pacotes!
- Podemos até fazer as compras antes, de manhã bem cedo. Sobra mais tempo à noite para o chopp!
- E se deixássemos sempre uma sacola no carro? Uma não, duas! Uma de supermercado, outra de farmácia. Farmácia também é inquestionável, ainda mais se você for comprar remédio para cólica menstrual e absorvente. Você acha que alguém discute uma cólica menstrual?
- Não, uma cólica menstrual é sinônimo de respeito total. Qualquer pessoa se cala diante de uma cólica!
- Olha, já completamos a terceira volta no quarteirão. Chega - ela resolveu.
Assim entramos num restaurante, comemos e bebemos um chopp.
Acho que somos assim mesmo, eu, a Malú e muuuitas mães e mulheres do mundo. Aprendemos desde pequenas que é muito bonito uma mulher entregar a vida para a família e para o trabalho, e e não nos permitimos nenhuma pequena entrega. Mas o mundo não cai, as coisas não viram do avesso e nós não precisamos comprar a nossa desculpa em nenhum supermercado, seja ela um sabão em pó, uma lata de óleo ou um pacote de absorvente.
Chegamos em casa dez e meia da noite, sem nenhuma sacolinha. Ninguém, nenhum marido ou filho, nem na minha casa, nem na casa dela, perguntou nada.
E quanto ao supermercado, lembramos no dia seguinte: as duas casas, a minha e a dela precisavam de compras.
Fomos no dia seguinte, à noite, em horários diferentes e nem nos vimos.

terça-feira, 12 de abril de 2005

a massagem


- Nossa, estou completamente torto hoje – falou o Zé, revirando o pescoço – Parece que um caminhão passou por cima de mim.
- Descansa, Zé – falei – Isso é cansaço.
- Não. É mais que cansaço. Ui - ele torcia a cabeça - Acho que preciso fazer uma massagem. Será que o seu Akira tem um horário para vir aqui hoje? – ele me perguntou, já discando o número do massagista – Alô... Seu Akira, oi, aqui é o Zé...
Algum tempo passou até o seu Akira chegar, todo oriental e vestido de branco. O Zé e ele foram para o quarto. O João chegou e me olhou.
- Mãe.
- Oi Juca.
- Onde foi o papai?
- Foi fazer massagem. Tá lá no quarto, não atrapalha.
- Quem está lá com ele?
- O seu Akira.
Ele hesitou, mas resolveu entender melhor.
- Mãe, posso perguntar uma coisa?
- Pode.
- Você e o papai vivem falando “vou fazer uma massagem, vou fazer uma massagem”.
- É. A gente é adulto, fica nervoso, é difícil de relaxar. É bom fazer massagem.
- E daí vocês ou vão até o massagista ou chamam o seu Akira aqui em casa, né?
- É.
E ele apontou o quarto.
- E vocês vão lá se se fecham lá com ele.
- Isso mesmo.
- Mas lá dentro do quarto... mãe, me explica melhor o que é essa coisa de "fazer massagem"... - ele fez uma expressão confusa - ... são vocês que fazem a massagem no seu Akira ou é ele que faz em vocês?

segunda-feira, 11 de abril de 2005

minha avó fez 100 anos


meus avós em lua de mel no rio

Ontem minha avó fez 100 anos. Para mim isso foi uma coisa tão bonita, mas tão bonita, que eu não consigo escrever a respeito. São muitos anos, é uma vida completa, são muitas gerações, é uma imensa árvore. Tem horas que a literatura está abaixo da vida, como nesse caso.
Dedico a ela (que, uma pena, não enxerga mais) esse texto sobre as mulheres.
Parabéns, vó.
a espera

Mulher espera.
Começa com o nosso corpo. Já viemos de “fábrica” preparadas para esperar. Bebês, eu digo. Aqueles nove meses de gestação são parte da nossa natureza. Não adianta a ciência progredir, descobrir curas para a infertilidade, gerar bebês por inseminação artificial e até clonar pessoas, que os famosos nove meses de espera continuam sendo os famosos... nove meses de espera.
E, apesar de sermos as mesmas de milhões de anos atrás, e desta espera de nove meses ser a mesma, hoje em dia ficamos sem paciência com as esperas e nos descabelamos. Acho, inclusive, que quem inventou os humanos fez muito bem quando liberou as mulheres grávidas da menstruação e da TPM. Imagina o desespero de você ter que esperar alguma coisa naqueles dias.
Esperamos. Quando somos mocinhas, é aquele maldito telefone que não toca nunca. A gente olha se ele está na tomada direito, se tem linha, até liga para a mocinha da empresa telefônica perguntando se nada foi cortado por falta de pagamento. E continua esperando pelo namorado, que às vezes não vem.
Casamos. E esperamos por eles, os maridos, que sempre chegam em casa depois da gente, por mais que você faça esforço para se atrasar. E um tempo depois, esperamos a cada mês, morrendo de vontade de engravidar. E depois dos nove meses e da chegada do filho, esperamos passar o período de amamentação para voltar ao trabalho. E esperamos o filho crescer para poder trabalhar, esperamos para emagrecer, esperamos até para poder colocar de novo um salto alto.
E esperamos na porta da escola, na saída das festas, na frente do clube. Esperamos os filhos aprenderem, repetindo as mesmas coisas durante anos. Esperamos para poder viajar para a Europa a sós com marido, esperamos para poder sair tranqüilos à noite, esperamos a febre passar, esperamos o remédio fazer efeito, esperamos para ver se eles passam de ano.
Esperamos para ver se o marido da gente volta para casa, depois que ele resolveu se separar, esperamos para ver se aparece algum outro marido melhor que aquele que a gente achou que era nosso príncipe encantado, e não era não.
Quando achamos que acabou a hora de esperar, esperamos os nossos pais melhorarem de saúde, esperamos que nossos avós não morram, esperamos que não seja nada, peloamordeDeus. E, quando não tem mais jeito, esperamos a morte junto deles.
Isso nos torna diferentes, na minha instintiva opinião de mulher comum. Claro que sempre existem exceções, muitos homens cuidam de filhos e pais idosos, mas, na maioria das famílias quem está do lado deles, cuidando, é sempre a filha, a esposa.
Uma mulher.
Acho que nesta coisa de espera as mulheres são imbatíveis. Aprendemos a vida toda, com o esperar da vida e com o esperar da morte.
Nos meus poucos esperares, aprendi uma coisa importante. Que temos que estar em paz na nossa solidão. Quem espera, necessariamente, está só, mesmo que cercado de gente. Mas estar só e estar esperando não é uma coisa triste, como parece. É só uma compreensão: de estar gerando para um futuro.
Então? Então a gente espera mais um pouquinho, ué.

sábado, 9 de abril de 2005

arroz bomba


o arroz-bomba

Fui num maravilhoso almoço hoje.
Uma paella.
Deslumbrante.
O almoço, que acabou agora há pouco, eu ainda não consigo transformar em crônica. Como tudo na vida (inclusive as comidas, como uma paella), uma crônica precisa ser preparada, picada, cozida e montada para ser apresentada aos convidados.
Precisa de um tempo de espera. E como é importante a gente saber esperar.
Mas vou contar hoje aqui alguns dos "ingredientes" que posso usar para ums futura crônica.
Vamos lá.
Primeiro uma coisa inédita: eu fui a pé! Tá, pode parecer uma coisa meio boba, mas a paella era na casa dos meus vizinhos Cris e Eduardo, e como eles moram a duas quadras daqui de casa, fomos andando. Olha, aqui em São Paulo isso é um fato inédito. Me deu até emoção de sair de casa andando. Olha que maluquice. Foi a minha primeira paella a pé.
A primeira paella a pé a gente nunca esquece.
Acho que por causa da emoção, esqueci a máquina de fotos. E como todo mundo sabe, meu celular tijolinho velho não tem máquina embutida. Ô tristeza. Ando adorando tirar fotos de comidas, nossas e dos amigos. A cada dia mais eu me convenço da importância de cozinhar para os amigos: cozinhar deixa a gente mais feliz, mais generoso e mais fértil de idéias.
Fiquei rodando a casa deles, vendo as paellas cozinhando, sem ter como registrar aquilo. Foi quando eu vi os diversos saquinhos de arroz vazios jogados num canto. Olha ai em cima que lindo que é o saquinho. Além disso, não é o máximo um arroz se chamar "bomba"? Se fosse uma pimenta, um condimento forte, ou até um saco de feijões tinha a ver o nome "bomba". Mas um inócuo e branquinho arroz?
- Cris, me dá um saquinho desses para eu levar para casa?
- Dou, claro - ela respondeu. Acho que ela não entendeu nada.
- Vazio, Cris - eu disse a ela quando percebi que ela ia pegar um saquinho cheio.
- Vazio? - ela entendeu menos ainda - Para quê, vazio?
- Pra escanear, Cris - eu respondi, séria.
Ela me olhou como se eu fosse de outro mundo.
Pronto. Com minha lembrancinha nas mãos, sosseguei. Tinha uma prova concreta da tarde de sábado. O saquinho vazio de pano passou a ser um tipo de... sei lá, acho que uma âncora da felicidade naquela paella tão legal. Era a prova, entende, gente?
Mas o máximo da tarde foi encontrar um amigo blogueiro no meio dos convidados. Sabe aquilo que eu falei ontem, que ter um blog é um diferencial? Pois é. É estranho encontrar blogueiros como você, mas também muito divertido. Parece que você participa de uma sociedade secreta, misteriosa. Eu e o Jaime, do Dito Assim passamos um tempão tagarelando sobre problemas, coisas engraçadas e blogs-amigos em comum. Eu fiquei na maior exibição. Senti olhares de inveja e admiração ao nosso redor. Eu tinha a impressão que as pessoas falavam:
- Olhem, aqueles dois... eles tem blogs, sabia?... hum hum...
Realmente e Frankamente, ter um blog é um diferencial.

sexta-feira, 8 de abril de 2005

uma canja para o dudi


Gente, ganhei um presente sensacional:
Um desenho do já famoso “fusca conversível preto com orelhas de banana” do Dudi.
Viu, Helô? Deu certo!
O Dudi contou sobre esse fusca há uns posts atrás (já repararam como post virou medida de tempo? Hahaha, genial...), quando falei sobre o fusca do meu pai. A Helô pediu para ele desenhar, eu também. Ai está.
...
Reza a lenda que quando o Dudi era mais mocinho ele era o maior galã e playboy paulistano da época. Não se sabe muito sobre esse período obscuro da vida desse nosso artista: depois de longa pesquisa descobri apenas que o codinome “Dudi” surgiu depois que ele largou a vida de farras e conquistas e passou a se dedicar ao trabalho e a família, como um bom rapaz. Os boatos sobre as aventuras do homem fusca conversível preto e sobre as famosas “bananinhas” que conquistavam as moçoilas desavisadas são inúmeros. Incontáveis. A Dona Duda, mãe dele, o o senhor Dudão, o pai, passavam noites em claro, preocupados.
Dudi, o seu Fusca e as Bananas. Um lenda das ruas de São Paulo.
...
(Ichi. Será que depois dessa o Dudi me esgana?)
Mas tudo isso é para apresentar essa maravilhosa obra de arte do meu artista blogueiro predileto Dudi. Podemos até defini-lo como um “grande BAP”: um “grande Blogueiro Artista Plástico”.
Gente, pensa. É um charme uma pessoa ser um BAP, não acham?
Já eu queria ser uma BEDRA: Blogueira Escritora e Dramaturga, embora eu ainda seja uma BAG, Blogueira Arquiteta e Gerenciadora. Já a Sheila podemos chamar de BLOCRIA (Blogueira Critica de Arte), a Elisa digamos que é uma BAGA (Blogueira Arquiteta Gestão Ambiental) e a Julinha, que sempre vem me visitar, é uma BEDI (Blogueira Estudante de Direito). Já o Betão, digamos que é um legítimo PEBLO (ou Peregrino de Blogs).
E por ai vai.
Céus, como eu penso coisas inúteis.
Ser blogueiro é um diferencial que dá um status todo especial ao profissional. Descobri isso outro dia, quando percebi que uma grande parte dos meus amigos sabia de coisas que eu nunca contei. Me senti uma figura pública, e ainda por cima, com assunto para burro. E para quem não é, nada de desespero. A hora da chega.
Obrigada, Dudi, por esse presente. Vou transformar em selo, como eu te disse, para os seus fãs poderem levá-lo para seus blogs. E vou colocar você ali do lado, junto com aquela tranqueira toda que eu estou acumulando.
Tá ai: o fusca-banana do nosso BAP Dudi.
ps: o famoso fusca já está ali ao lado, na sua versão "selo" ou "brochinho", para os fãs e amigos do Dudi colocarem nos seus blogs.

hoje, um post filosófico


a linha do mar, a arquitetura, a obra e a bahia inspiram franka

Sabe o que eu acho? Fazer uma obra é uma delícia.
Não sei explicar exatamente o porque dessa sensação. A princípio acho que é apenas por causa da sensação física de construção, de crescimento. Construir é fazer surgir, aparecer, criar espaços a partir do nada. É talvez uma sensação de segurança – sentir que podemos gerar um espaço com as mãos. Vou mais longe nos meus exageros: construir é ser selvagem e precisar de abrigo.
Uau. Que exagero, né?
Ao contrário de um artista, de um escritor ou ator, o trabalho de construir precisa ser dividido. Precisamos de um monte de gente para fazer uma obra. É uma coisa bacana, precisa ser um trabalho conjunto, muita gente precisa interagir. Imagine a zona, as brigas e o jogo de cintura para colocar uma equipe para funcionar. Eu sempre digo – e insisto nisso - que uma única pessoa precisa ser o líder, como naquele programa de TV, o BBB. Não que eu acredite que o BBB serve para isso, mas quando a gente precisa passar uma idéia, uma informação para um grupo diverso de pessoas, precisamos usar tudo quanto é linguagem para nos fazermos entender. E claro, digo que na minha opinião, o líder sempre precisa ser o arquiteto, mas tem uns arquitetos que não entendem isso e que são soterrados pelo tsunami da engenharia. E derrotados no primeiro paredão, ops, digo, concretagem.
Sabe porque eu estou falando isso? É que construir é infinitamente diferente de sentar e escrever um conto, onde teu domínio é tota. E é completamente diferente de desenhar ou de subir num palco e atuar. Além disso, de todas as linguagens humanas que existem numa obra, construir é também falar a linguagem da natureza, que desbarranca, erode, venta, chove, infiltra e vaza.
E ai estou eu e minha linha do mar de ontem. Consegui uma foto exclusiva com ela. Olha que máximo: estou dentro de uma piscina natural construída na beira das rochas e do lado do mar. A intenção é que quando a piscina estiver cheia (de água do mar, óbvio), quem está dentro da água se sinta exatamente sobre a linha.
Vê? O máximo, né?
Não sou só eu que acredito da importância dessa linha no equilíbrio da nossa vida. Acho que o arquiteto e o dono da casa passaram a acreditar também. Maravilha.

quarta-feira, 6 de abril de 2005

ao vencedor, a pizza



Enfim, eles ganharam pela insistência. Ai está a famosa pizza do Chico sendo velozmente devorada por ele mesmo. E fica aqui uma frase sensacional que a Rosa inventou e me mandou:
"FAMÍLIA DE BLOGUEIRO BOBEOU, VIROU POST!"
Beijos a todos. Vou de novo para a minha Bahia amanhã pegar umas pedras e olhar e linha do mar e já volto.

ursos e pizzas


Sentamos à mesa para jantar.
- Ah, não... – falou o Chico, olhando as travessas – De novo? Não agüento mais essas comidas daqui de casa.
- Que é que tem? Arroz, batata, carne. Você queria comer o que, Chico? – perguntei.
- Eu queria comer pizza. Porque nunca tem pizza nessa casa, droga? – e ele me olhou todo carinhoso – Manhê... pede uma pizza para mim?
- Não inventa, Chico. Tem a comida que a Maria fez, olha que delícia.
Ele cruzou os braços.
- Então eu não vou comer nada. Vou ficar aqui parado, esperando você pedir uma pizza – ele disse, fingindo que estava emburrado, imitando criança.
- Hahaha. Pode esperar até amanhecer... – eu olhei para a cara dele, brava – E você não parece que tem quinze anos, Chico. Parece parece que tem cinco. Ou menos.
Foi quando a Luciana interviu.
- Chico, cuidado com as coisas que você fala, viu? – ela disse – Tudo que é engraçado ou diferente a mamãe rouba, transforma e escreve uma crônica. No dia seguinte ta tudo lá no blog dela.
- Como que é? – eu perguntei – Eu... roubo?
Ela não se deu por vencida.
- Mãe, você sempre faz isso com a gente. Quer apostar como você vai amanhã escrever lá no blog um negócio enooorme sobre o Chico e a pizza, sempre fazendo umas comparações esdrúxulas com homens e animais, sempre falando de antigamente e de agora, toda engraçadinha? Você sempre começa a falar da gente e inventa umas teorias, sei lá, sobre a vida dos ursos ou coisa pior - ela me olhou séria - Mãe, você é o maior perigo.
- Eu?
- E eu vou te dizer mais uma coisa que está engasgada aqui há anos: eu sei muito bem o que é uma máquina de escrever, viu mãe? Morro de vergonha daquela crônica que você inventou que eu não sabia o que era uma máquina de escrever, e que o Mário Prata até publicou no jornal, no Estadão. Nunca mostrei para ninguém. Não fui eu que falei aquilo.
Fiquei completamente sem palavras diante da “bronca”.
- E... quem falou, Lu?
- Sei lá, mãe. Eu é que não fui.

terça-feira, 5 de abril de 2005

SÓ UM BOLO E UMA BOLA



Tava pensando numa coisa. Hoje em dia não basta dar uma festa de aniversário para o teu filho. Também não basta a festa ter um tema, não basta arrumar a mesa, fazer um bolo especial, não basta um monte de balões, não basta mandar fazer um convite modernérrimo e dar de presente, para todos os convidados, uma lembrancinha muito melhor que os presentes que seu filho ganha. Tudo isso ainda existe, mas tem que ter mais uma coisa.
Mais?
É. Hoje em dia aniversário de criança tem que ser em lugar esdrúxulo, com uma atividade mais esdrúxula ainda.
Caramba, quem tem filho pequeno sabe direitinho como que é. É como se só o aniversário fosse pouco e a gente precisasse colocar mais coisas dentro dos aniversários.
Existem diversas festas dessas por ai. Tem a já manjada festa-boliche, onde você comemora o aniversário do teu filho num boliche. Leva tudo para lá: bolo, enfeite, mesa, brigadeiro, balão, aniversariante e, claro, todos os convidados, num ônibus fretado. Não é só um aniversário, entende? É um aniversário e um jogo de boliche. Outro exemplo: Festa-futebol. Igualzinho. Coloca tudo e todos no tal do ônibus, leva até a outra cidade no confundó do judas mas onde tem um verdadeiro campinho de futebol.
- Mãe! Tem uma festa- escalada amanhã! – falou um dos meninos uma vez.
- Hã?
- Festa escalada, mãe. É uma festa num daqueles lugares que você aprende a escalar uma pedra, com os ganchos e as cordas, junto com os monitores.
- Uma festa numa... pedra?
- Mãe, mãe... é uma pedra falsa. É de resina, tem colchãozão em baixo.
Olha, já vi festa cinema, festa-paint-ball, festa patinação, festa Hopihari, festa de andar de pônei, festa de velejar na represa, festa acampamento. É só ter imaginação e disposição para dar uma boa festa infantil hoje em dia.
E haja disposição... gente, como tem mãe animada nesse mundo... Devo ser preguiçosa demais, com as minhas festinhas simplórias em casa, com bolo e parabéns.
Na verdade eu furiosa com essa mania de gastar dinheiro e consumir diversão desse nosso mundo moderno. Faço discursos inflamados para os meus meninos, tenho teorias, arranco os cabelos. Falo que vou fazer uma campanha nacional, rádio, tv, jornais e blogs: “pela festa bolo e bola”: festas só com um bolo e uma bola no quintal. E já falei para eles que, se eles um dia quiserem festas estranhas, hahaha, eu consigo imaginar coisas muito mais esquisitas que as dos amigos deles.
- Gente! Vamos fazer uma festa- farmácia! - exclamei - Convidaremos todos, levaremos um bolo em forma de comprimido, faremos gincanas fabulosas no meio dos remédios, brincaremos de injeção e como atividade furaremos as orelhas de todas as crianças, que tal?
- Outra idéia: que tal fazermos uma festa-dentista? Imagina que delícia, todos no consultório, fazendo farra com os motorzinhos, concurso de cuspe, e, de brinde, luvas de borracha e máscaras! Vocês podem ficar girando, subindo e descendo na cadeira!
- E uma festa-banco? Cada um leva um cartão magnético, vai ser a maior farra nos caixas automáticos, pensem, é quase igual um vídeo game. Faremos teatrinho na gerência, colocaremos o bolo em forma de talão de cheques dentro do cofre. Não, pensei uma melhor! Uma festa- granja! No meio das galinhas, com monitores que ensinam a cacarejar! Mais! Uma festa- oficina mecânica! Mais! Uma- festa fábrica! Festa- banheiro de shopping! Não é legal, gente?
- Mãe - exclamou minha filha na época - Tá ficando maluca? É esquisito mesmo, mas pensa: para a gente, que é convidado, é tudo grátis. Você está reclamando do quê?

franka e os dinossauros IV


Olha o absurdo.
1963.
"Para as pessoas a quem você quer bem"

Hã?
Eu disse pra vocês, eu disse. Antigamente não era perigoso fumar, viram?
Esse post vai de presente para todas as pessoas que, como eu, apoiam o TOCMF (torcida organizada contra a m... do fumo*), criado pela Sheila, do QOC.
Força para os que conseguiram parar, como eu e ela, mas, se por acaso você não conseguiu e não quer conseguir, também não tem problema nenhum. Coisa mais chata essa gente que implica com os fumantes, né?
Cada um, cada um.
Tem coisas bem piores no mundo para a gente se preocupar.
Quando parei de fumar, eu disse para o Prata que eu era uma fumante que não estava fumando.
Ele me respondeu que ele era o contrário: um não-fumante que insiste em fumar...
Vê?
Cada um, cada um.
* observação interessante: aqui no frankamente não se pode falar palavrão.

segunda-feira, 4 de abril de 2005

o fusquinha do meu pai


ele e eu

Quando éramos crianças, brincávamos de contar marcas: sentados no banco de trás, eu, minha irmã e meus primos apostávamos quem achava mais fuscas, mais opalas, mais variants, mais karman-guias.
Agora eu não sei mais qual carro é qual. Os meninos ficam bravos, falam que sou distraída, velha, fim-da-picada, essas coisas de adolescente. Mas são tantos carros, ainda mais com os importados, que nem dá mais pra brincar daquela brincadeira.
Os carros daquela época tinham um “quê” de casa. As pessoas mexiam nos carros, adaptavam, decoravam, assim como fazemos com as casas. Muitos tinham cortininhas de pano nas janelas, de diversas cores, que abriam e fechavam. Os estofamentos também podiam ganhar capas, às vezes até bem peludonas, modernas. As pessoas trocavam a direção e colocavam umas mais fofinhas, menores. Também trocavam o botão do câmbio por uns de acrílico, mais gordões. Além disso, pintavam partes da lataria de outras cores. Eu ficava encantada com aquilo.
Parecia que os carros daquela época eram mais nossos. Hoje eles já vem prontos, tem tudo e resolvem todos os problemas sozinhos. Os vidros tem filtro contra o sol, os bancos tem estofamento contra manchas, o desenho não permite nenhuma alteração e algumas coisas ótimas que existiam nos carros, puft, sumiram.
Uma delas foi o quebra vento. Aquilo era ótimo para ventilar o ar quando você estava na estrada. A gente podia abrir só um pedacinho do vidro, podia fumar e bater a cinza ali sem medo de causar um incêndio ou da cinza voar no fulano do banco de trás. Cadê o quebra vento? Não ficou nem cheiro dele.
Outra coisa foram as calhas. Sim, os carros de antigamente tinham calhas em cima das portas, nas laterais do teto. Aquilo era ótimo, principalmente quando parava de chover e você abria o vidro, pois a água não pingava no teu braço. Mas como hoje os carros ficaram estanques, fechados, para quê abrir o vidro? Acho que foi o ar condicionado que acabou com a calha.
Quando eu era menina, meu pai tinha um fusquinha. Azulzinho. Ele adorava aquele carrinho, tinha desde moço. O carro tinha uma coisa muito engraçada. Era um pisca- pisca para virar a direita ou à esquerda que era uma orelhinha que saía do lado. Era uma espécie de dedo. Era uma coisa singela, inocente, diferente desta massa modulada de design dos carros de hoje. Se o meu pai queria virar à direita, o carro punha para ele um “dedinho” para fora e pedia licença. Sei lá. Acho que os carros de antigamente pediam por favor, pediam desculpa.
Sem dúvida, tinham muito mais educação.
Os fusquinhas eram apertadinhos, a gente guiava o fusquinha encostado na porta, afundado. Acho que era erro de design, mas quer coisa mais humana do que erro de design? Todo mundo tem um defeitinho, um dente que falta, uma bunda meio grande, um nariz arrebitado, porque um carro não pode ter? O meu pai andava com o braço para fora, segurando a porta com o sovaco, o carro debaixo do braço. Cuidando, como se fosse um animal de estimação.
Longe de mim ficar falando que naquela época era melhor e tal, mas me pareceu interessante lembrar que, se antes as pessoas abraçavam os carros carinhosamente, hoje andamos em tanques de guerra, assustados e irritados.
E como são mal educados esses nossos tanques de guerra.
Ou não?

dois ótimos presentes



Essa "ilustra" (como ele carinhosamente chama) eu ganhei do Zérramos, do Óieuói. Podem ir lá conferir, que é ótimo!
Já esse texto que ilustra a ilustra eu recebi do Edu do Itamambuca. Acho que define muito bem a cidade que a gente vive, essa caótica e adorada São Paulo.

"Durante uns dez ou vinte mil anos os habitantes de São Paulo viviam pelados, em total harmonia com a natureza. Não precisavam de nada de "putting green" e eram felizes. Um dia chegaram uns homens sinistros, vestidos de preto e carregando como símbolo de Deus um instrumento de tortura. Se instalaram numa construção pesada com janelas pequenininhas e foram aos poucos roubando a alma de tudo e de todos. Eles ainda estão aí, na Avenida Paulista, tentando roubar a alma das crianças, mas já não tem mais o que roubar."

domingo, 3 de abril de 2005

o sábado e a pomada



Era um sábado. Um sábado que sequer estava sendo lembrado como um sábado, era uma reles noite no cotidiano da família, um dia à toa, sem data e sem localização no calendário.
Passava das dez. Foi quando a Nani, minha filha do meio, resolveu fazer uma sopa para ela, dessas instantâneas, horríveis. Ferveu a água, mas na hora de colocar no prato, tropeçou no pé do pai e derramou o negócio fervente na mão. Deu um gritinho.
- Uiii!
Deve ter doido muito, a sopa estava borbulhando. Ela passou a chorar feito criancinha. Corri para cuidar. A mão estava vermelha, inchada.
- ÔmeuDeus, queimou, filha?
Fui direto para a caixa dos remédios. Cadê o diabo da pomada de queimadura? Procurei quem nem doida, mas ela sumiu, desapareceu. Aquilo me deixou enfurecida. Quem tira duma caixa de remédios uma pomada importante como a pomada de queimadura e não coloca de novo no lugar? Pomada de queimadura é uma pomada urgente, não dá para ficar procurando, tranqüila.
Nada da pomada, e a Nani choramingava. Olhei para ela e peguei a bolsa, decidida.
- Vou comprar, querida, dois minutinhos e eu já volto.
Era apenas cumprir uma missão: ir à farmácia, comprar o remédio e levar para casa, dentro do menor espaço de tempo que fosse possível.
O estacionamento da farmácia estava vazio. Parei o carro, entrei correndo, direto para o balcão.
- Moça, preciso de uma pomada de queimadura. Aquela, do tubo azul. Sabe qual é?
Com a pomada na mão, fui direto para o caixa. Mas já tinha alguém ali. Assim, me prostrei atrás da pessoa, em fila.
Era um homem grisalho, um pouco mais velho que eu. Pelas costas parecia uma pessoa comum. Ora, concluí, sorrindo, aquele era um pai de família, como eu, que também tinha saído a noite para comprar uma pomada de queimadura ou um remédio para febre de algum dos filhos. Ah. Aquelas costas me pareceram paternas, familiares. Me identifiquei com elas, com sua curvatura, seu tamanho, seu suspirar. Espelhei-me naquele homem-pai, ali, exatamente como eu, os dois em fila, os dois esperando alguém aparecer no caixa.
Era nesse ponto que eu queria chegar. Pois, se eu não olhei para o rosto do homem, também não olhei também para o que ele tinha nas mãos, supondo que, claro, seria um tubo de pomada de queimadura como o meu. Além disso, a idéia da existência daquela casualidade, daquele encontro lindo de um homem-pai com uma mulher-mãe comprando a mesma coisa, no meio da noite, era confortadora. Notar, ao acaso, que alguém vive uma vida semelhante à sua, dá forças para continuar. É como se todas as coisas estivessem tediosas, mas corretas.
Foi quando ele me notou. Virou-se, mas rapidamente me deu as costas. Aquilo me intrigou, achei que ele ficou tenso quando me sentiu ali. Tudo foi muito rápido, mas perceptível. As costas passaram a se esconder de mim.
O moço do caixa se demorava, abrindo e fechando as gavetas, e eu curiosa com aquelas costas subitamente arrepiadas.
Comecei a dar uns passinhos para o lado, para poder olhar melhor a cara dele. Poderia ser impressão minha, mas...
Hã?
Camisinhas?
Por mais que ele tentasse esconder, era aquilo que estava nas mãos dele. Foi impossível não olhar de novo.
Camisinhas, sim.
Ele se encolheu muito mais. As costas se apertaram, o tal pacotinho preto passou a crescer mais e mais nas suas mãos, chegando a proporções imensas.
Céus. Camisinhas gigantescas.
Olha, aquilo era uma coisa de pesadelo. Acho que ele devia estar na maior vergonha, para me passar aquela sensação.
Foi nessa hora que eu entendi que a impressão que eu, com meu tubo de pomada, tive dele, ele também teve de mim. Sim, éramos semelhantes, insuportavelmente semelhantes dentro daquela farmácia. Tão parecidos que ele, um homem -pai com um pacote ardente e sexual nas mãos, se encolhia de culpa e vergonha da mulher-mãe com a simplória pomada de queimadura. Estava claro que estávamos em horas e momentos diferentes, e, pelas nossas regras, eu parecia correta e ele, completamente inadequado. Ele tinha uma cara de quem estava morrendo de vontade de engolir aquela camisinha e pegar uma inócua e santa cartela de novalgina. Tinha cara de quem se sentia fora dos padrões éticos do mundo dos pais casados no sábado de noite.
A santa e o pecador. A freira e o tarado. Sei lá, alguma coisa do tipo.
Tudo pode ter se passado em menos de um minuto, mas o tempo contido naquela compreensão ia muito além dos muitos anos dos casamentos, o meu e o dele. Éramos ali, aparentemente, apenas um homem e uma mulher do mundo, um homem e uma mulher que um dia podiam ter se encontrado e casado, um homem e uma mulher que poderiam ter namorado, apenas um homem e uma mulher próximos numa fila. Mas esse homem e essa mulher nunca estiveram tão próximos e tão distantes.
Coisa mais maluca os caminhos da vida da gente.
Naquele momento eu gostaria muito de poder falar isso para ele. Que ele precisasse de camisinhas no meio da noite de sábado era o de menos, aliás, sorte dele. O problema não era ele e suas camisinhas e nem eu e a minha pomada. O problema era o acaso e a distância entre nós, e a transparência poética desta diferença.
O rapaz do caixa apareceu. Ele pagou, e saiu. Eu paguei, saí atrás. Os dois silêncios berraram feito doidos no estacionamento. Saí dali com minha pomada e com minha vida, como quem viveu a navegando à deriva por muito tempo, e uma hora, num sábado à noite, toma conhecimento de onde está e leva o maior susto.
Cheguei em casa. A Nani dormia tranqüila no sofá, no colo do Zé. Enquanto passava a pomada, vi que a mão dela estava vermelha, mas que não era tão grave.
Aliás, nada nesse mundo é tão grave.
Ainda bem.