quarta-feira, 31 de agosto de 2011

bonjour, bafo






Eu e minha irmã descobrimos porque não sabemos falar francês. Por incrível que pareça, foi por causa da nossa professora de francês, a dona Sara. A minha mãe arrumou a dona Sara pra dar aulas particulares para a gente, mas justamente por causa da dona Sara eu e a Angela não sabemos patavina de francês. É a coisa mais ilógica do mundo, mas éramos pequenas, implicamos com a dona Sara e não aprendemos nada. Pra começar ela era um tanto assustadora, uma mulher velha, rígida como eram as professoras de antigamente, brava e com um sotaque fortíssimo. Mas o principal dos meus problemas com ela era o bafo. Gente do céu. Parecia que todo o lixo da França toda estava na boca da mulher. A Ângela, como não sente cheiro porque tem asma, alergia, sei lá o que, não percebia o horror de sentir o terrível bafo de onça a cada vez que ela tentava nos ensinar a pronunciar uma palavra em francês. Se você não aprendia rápido, ela repetia e o cheiro vinha em diversas ondas fétidas. Para resolver o problema, eu passava a aula toda com uma daquelas borrachas cheirosas na mão, escondido dela, bem próxima do nariz. Acho que quase devo ter tido uma intoxicação por cauda do cheiro da borracha para aguentar a Dona Sara e não aprender francês. Já o problema da Ângela era o medo, ela não tinha coragem de olhar para o rosto da professora. A própria encarnação da bruxa da Branca de Neve. Talvez misturada com o João Bafo de Onça. Pra piorar, minha mãe, sei lá porque, bajulava a dona Sara. Quando a aula acabava, ela fazia sempre um super lanche para a professora, que não ia embora nunca. Ficava lá comendo sem parar os bolos e biscoitinhos com café, horas e horas na maior conversa. Não, não sei falar francês, o que é uma pena nessa época de tantos Midnights in Paris. Pra mim francês até hoje só tem cheiro de borracha cheirosa.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

o bom e velho iPad



Um - Me rendi ao iPad. Aquilo é simplesmente sensacional. Comprei e não largo mais.
Outro - Ipad? Não tenho. Não é mais um trambolho pra gente não conseguir jogar fora depois?
Um - Não, que nada. É incrível pra gente da nossa idade. Você tem que ter. Precisa ver como é bom para ler à noite.
Outro - Como asim?
Um - Primeiro que você pode baixar 25 milhões de livros. Ou peças de teatro, ou poesias, sei lá. Ou o que quiser. Maior economia de livraria.
Outro - Nossa. Quantos?
Um - Depois que é levinho. Bem mais leve que muito livro pra ler na cama.
Outro - Leve?
Um - E depois, a letra. Não precisa de óculos pra ler iPad, porque ele já é o óculos, entende? Você aumenta o tamanho da letra na tela, fica com mais páginas, mas e daí? Se você esqueceu seus óculos na sala, não tem que ir buscar.
Outro - Uau, é mesmo. Toutichi.
Um - Dai, se você não entende uma palavra, coloca o dedo nela que aparece o significado.
Outro - Dicionário?
Um - Ahá. E o melhor de tudo: tem luz. Não precisa nem ligar o abajur. Não acorda quem tá do lado. Luz com dimmer, inclusive.
Outro - Tudo isso.
Um - Olha. A melhor mídia que inventaram foi o iPad. Repara. Deve estar vendendo um monte pra gente mais velha. Acho que não vou comprar mais livro na vida.
Outro - Não sei não. Todas as outras mídias acabaram sumindo. Menos o livro.
Um - Como assim?
Outro - Tudo que inventaram para guardar arquivos de textos, de música, de imagem, por exemplo, tudo sumiu. Fita cassete. Sumiu. Disco de vinil. Sumiu também. Disquete. Cd room. Como chamava aquele discão? Sumiram. Ainda existe cedê e devedê, mas experimenta guardar um desses por dois, três anos e tenta abrir os arquivos no teu micro. Tudo bichado. Já o livro, fala a verdade, existe desde antes da idade média e está lá, firme, existindo. É possível você ler um livro de cem anos. Mas não é possivel abrir um disquete de cem anos. Não tem nem onde, porque os micros não tem mais entrada de disquete.
Um - Acha então que os iPads...
Outro - Acho. Tudo bem, curte ai seu iPad, mas deixa o óculos, o dicionário e o abajur no criado mudo. Talvez um dia você precise deles.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

o céu dos banheiros de festa








E falando em festa, fala a verdade. Isso é o céu dos banheiros de festa. Olha que demais. Mega moderno.

o aperitivo mais complicado do mundo






Adoro pistachio, pra mim é o quase como o camarão dos aperitivos, o melhor de todos os nuts. Quando começo a comer acabo até dando vexame de tanto que ataco. Mas tava pensando outro dia numa festa que pistachio não é um aperitivo fácil. E na escala da complicação de aperitivos, acho que o pistachio é o mais complicado que tem. Ele, assim como as azeitonas, gera lixo pra quem come. Você fica com aquelas casquinhas na mão, sem saber onde colocar. Se não tem um potinho por perto, ou você é obrigado a colocar no cinzeiro sujo, ou num guardanapinho, o que gera mais lixo ainda. Já vi gente esconder casquinha em baixo de prato, em vaso de planta, no bolso, ou a pior de todas as saídas: recolocar as cascas no pote de pistachio. A azeitona tem o mesmo problema, e já tive um amigo que não sabia onde colocar o caroço, resolveu jogar pela janela do apartamento, não viu que o vidro tava fechado e, além de quebrar o vidro e cortar a mão, teve que explicar porque deu um murro na janela. Mas azeitona tem um privilégio sobre o pistachio, pois dá pra comer só com uma mão. O pistachio é mais complicado porque além do lixo gerado, pra comer pistachio você precisa das suas mãos, ou seja, não dá para comer pistachio e beber alguma coisa junto, como dá pra fazer com a azeitona. Pistachio é bom, mas é complicado, talvez o mais complicado das festas, embora a gente nem repare nisso. Tem que gostar muito para encarar um pote de pistachio. É, são apenas considerações sobre aperitivos que eu tive nesse fim de semana.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

dona hebe, enfermeira






Lúcia, filha, você não sabe. Comprei um aparelho de pressão só pra mim. Ai que bom, filha. Agora não dependo mais de ninguém mais para tirar a minha pressão. Você tem que vir olhar aqui, filha. Aliás, você tem que vir aqui, pois vou tirar a sua pressão. Há quanto tempo você não tira a pressão, Lúcia? Estava um sufoco pra mim essa coisa de tirar a pressão aqui e ali. Tinha que ir até o clube, acredite. Ir até o clube Pinheiros só pra tirar a pressão é uma maluquice, filha. Imagina, o clube virar um hospital. Daí a tua irmã que me falou que perto da casa dela tem um lugar que é um shopping médico. Um lugar só com coisas de médico. Ela me levou lá ontem e compramos o aparelho. Precisa ver como é fácil. Só apertar um botão, esperar um pouco, aparecem os números. Fiquei tão feliz que acredita que até parece que minha pressão melhorou? Mas tem que estar calma. Sua irmã chegou aqui nervosa, super nervosa com a empregada nova dela, tirou e achou que ia enfartar. Altíssima. Ela não acreditou e tirou mais umas vinte vezes até ficar normal. Antes de tirar precisa respirar fundo, relaxar. O manual manda fazer isso, eu disse para ela. E filha, esse shopping médico é uma maravilha. Tem de tudo lá. Como é? Se eu quero mais alguma coisa de lá? Ah, eu sou filha de médico, irmã de médico, fui mulher de médico, sempre tive aparelhos de médico em casa, filha, é isso. Não, não estou exagerando, eu gostei mesmo desse lugar. Também não precisa exagerar, não tem cabimento me dar equipamento médico no aniversário. Nem no natal. Para de fazer gozação com sua mãe, Lúcia. Não, eu não quero um estetoscópio. Não, não quero um equipamento de inalação. Eu sei que sua irmã tem asma, é, quer dizer, se eu tivesse ia ser ótimo para ela, mas acho exagero. Não, não vai me comprar uma bota de pé quebrado, que coisa! Não, não vou transformar minha casa num postinho médico, filha. Nossa como vocês gozam de mim o tempo todo. Não posso nem ficar feliz com meu aparelhinho tão bonitinho de pressão novo. Melhorou tanto minha vida. A pressão anda baixiiinha de tudo agora. Pára de rir de mim, filha, a loja era bacana mesmo. Eu sempre fui acostumada com coisa de médico. Vem aqui, vamos. Tou te esperando pra tirar a sua.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

my (morbid) way



É incrível como algumas coisas podem acabar com uma música. Quer dizer, a música ainda pode ser bonita, você pode gostar dela, mas por causa de algumas relações que você faz dessa música com algum fato da vida, essa música pode acabar para sempre pra você. Pra mim isso aconteceu com My way, do Frank Sinatra. Sempre gostei de My way, é uma música daquelas que é mega hit, é até meio cafonona, mas tem um "crescendo" que super emociona. Depois a letra, aquela coisa triste que fala do cara que viveu do jeito dele, mas que está conformado, que está realizado. É, My way é uma música meio lugar comum, mas tem uma pegada. Uma super pegada do Frank. Até que...
Bom, até que um parente morreu e eu fui no crematório. E bem na hora da cerimônia, na hora que o caixão desceu e a luz apagou um pouco, começou a tocar My way. Nossa, tenho que concordar que foi um momento super impressionante. O parente morto, a música com a pegada, crescendo e pegando fundo na alma dos vivos ali. Todo mundo meio que teve vontade de chorar. O fim do parente chegou e ele fez tudo do jeito dele. Muito emocionante. Lindo. Quando acabou, fui falar com o parente vivo do parente morto que tava organizando a cremação, e perguntei se o parente morto gostava do Frank Sinatra.
- Ah, não sei - ele disse.
- Ué, mas você mandou tocar My way. Achei que era a música predileta dele.
- Não tenho idéia de qual era a música predileta dele. E aqui no crematório, se morre um homem e ele não tem música predileta escolhida, eles colocam My way. Acho que é a música padrão de cremação masculina.
Credo. Me deu um arrepio. Gente do céu, ou melhor, gente da terra. Putis. My way virou música de passagem para o além. Música de crematório. Não que eu seja contra colocar My way na hora da cremação, pelo contrário, talvez seja bacana aquela pegada na hora de ir pro lado de lá e sumir do mundo. Ou não. Talvez fosse melhor uma música clássica, uma música sacra. E como saber? E será que o Frank Sinatra imaginava que fosse um dia cantar pra tantas cremações? Pra tantos mortos? Bom, se é certo, se é errado, se faz bem pra alma, se a energia do Frank ajuda a passar bem dessa pra melhor, jamais vamos saber uma vez que a gente tá vivo. Só sei que não consigo mais ouvir My way depois disso. Ficou mega mórbido. E nossa. Tou aqui pensando... qual será a música padrão de cremação feminina?

terça-feira, 23 de agosto de 2011

o paraíso é pertinho



Domingo fomos almoçar hamburguer. Isso mesmo, hamburguer. Deu a maior vontade no fim de semana em mim e nos filhos, mesmo a gente sabendo que hamburguer é um pouco trash. Tentamos ir no Hamburguinho, tava fechado, resolvemos ir no Oregon, aquela lanchonete antiga que fica numa esquina aqui de Pinheiros. Teve uma época que as lanchonetes tinham cara de lanchonete, um balcão com banquinhos fixos, você olhando o cara fazendo teu sanduiche na chapa. Lanchonete é muito mais legal que barzinho que imita boteco com petisquinho e aquele tal de "escondidinho". Acho super legal lanchonete. Muito melhor que boteco e bistrô transadinho.
O Oregon ainda tem a decoração original, e além dos banquinhos, umas mesas no fundo. A única coisa que mudou foi que colocaram umas televisões de led. Não sei de onde vem essa mania que as pessoas tem de colocar televisão em todos os lugares. Até em garagem de estacionamento tem televisão. Qual a lógica? Só sei que entramos, sentamos numa mesinha, pedimos xissalada, olhamos ao redor. Vaziozão. Oregon, desde 1967, tava escrito num cartaz. Foi quando o João abriu um sorriso.
- Mãe, isso aqui é um paraíso.
- Paraíso? É só o Oregon, João.
- Mãe. Olha primeiro esses quadros de comidas. São demais esses quadros. A gente devia comprar pra colocar em casa. Esses hamburguers, esse americano... olha esse sundae, que demais! Será que eles não vendem essas quadros de fotos?
- Vender os quadros, João?
- É, a gente podia colocar em casa. Ou se você não quiser, coloco no meu quarto. Nossa, eu ia adorar.
- É... realmente são o máximo, filho. A gente podia colocar na sala de jantar e...
- Além desses quadros, mãe, olha. Tou de frente pra tv e acabou de começar o jogo do Palmeiras. Quer coisa melhor?
- Jogo? - Olhei pra trás, eu tava de costas.
- E olha essa mesa. Eles pra cada um de nós tem um guardanapeiro que imita abacaxi, um ketchup e uma mostarda que não são de sachê. Odeio sachê, impossível de abrir, sempre. E olha, um tem kit pra cada um de nós.
Olhamos a mesa, era verdade. Um monte de ketchup, mostarda e guardanapeiros abacaxis.
- E pra melhorar mais ainda, daqui a pouco vem um super xissalada - ele completou - Nossa, meu Deus, que paraíso esse lugar.

domingo, 21 de agosto de 2011

um post calcinha






Hoje percebi que tenho um problema na minha gaveta de calcinha. Nunca achei que uma gaveta de calcinha virasse assunto, muito menos problema, mas aconteceu. É o seguinte: sempre tive uma gaveta de calcinhas onde, óbviamente, guardo minhas calcinhas e sutiãs. Eu e todas as mulheres do mundo, imagino. Essa gaveta sempre foi dividida do mesmo modo, sempre com mais calcinhas que sutiãs, pois calcinha a gente troca todo dia e sutiã a gente pode usar mais de um dia. Assim, o espaço da gaveta sempre foi ocupado com mais calcinhas que sutiãs, numa proporção que eu diria que é de uns 3/5 de calcinhas e 2/5 de sutiãs, ou até mais, talvez 2/3 de calcinhas e 1/3 de sutiãs. Acho que justamente por causa dessa predominância de calcinhas que eu chamo a gaveta de "gaveta de calcinha" e não de "gaveta de sutiã". Mas agora tem ocorrido um puta problema com essa gaveta. As calcinhas estão sendo despejadas, estão cada vez mais apertadas, parecendo uns milfolhas. Tudo causado por um fenômeno da atualidade. É que de uns tempos pra cá, é impossível comprar um sutiã sem bojo. Todos os sutiãs, que quando eu era mais moça eram dobráveis e ficavam do tamanho da calcinha quando guardados, agora tem esses malditos bojos que não podem ser "amassados" e que ocupam um super espaço na gaveta. Para guardá-los, tem que deixar assim tipo... deitado, como se estivessem dormindo de barriga pra cima. E ir empilhando um sobre o outro, para não afundar os bojos. Só que esse método só dá certo para uma quantidade, pois se você empilhar muitos, a gaveta não fecha. E para isso, tive que ir espremendo as calcinhas para colocar as pilhas, e a proporção de uso da gaveta foi mudando. No começo eu tinha só alguns de bojo, e com poucos empilhamentos eu resolvia, mas agora, como os sutiãs sem bojo entraram em extinção, tive que montar diversas pilhas. A proporção mudou totalmente, algo como 1/5 do espaço para as calcinhas e 4/5 para aquela cordilheira de bojos. E hoje percebi uma coisa triste. Nessa guerra pelo território da gaveta, as calcinhas perderam, gente. A cada vez que abro a gaveta, umas duas ou três pulam e voam longe, como se explodissem. Vou ter, obviamente, que arrumar um outro lugar para elas, coitadas. A gaveta de calcinha foi tomada pelos sutiãs. Pois é, esse o pensamento do domingo. A expulsão das calcinhas na guerra do bojo.

sábado, 20 de agosto de 2011

o nosso facebook da porta da cozinha






Foi idéia do João fazer esse facebook privado e familiar na porta da nossa cozinha, com "posts" e caixa de comentários. Tudo absolutamente real, sem computador, sem rede, sem modem, moderno e ecológico. Um projeto caseiro e inovador. Está bombando. Até a faxineira, que não tem a mínima idéia do que é facebook, comentou. Hahaha.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

o café do são benedito



- É, Maria - eu disse no começo da semana, na hora do almoço, na copa, reclamando de alguma coisa - eu preciso é me benzer....
- Benzer? Não sei se algum Santo te ajuda - ela respondeu, lavando a louça, sem me olhar - olha o jeito que você trata seus Santos, Lúcia. Larga tudo em cima da geladeira, nem liga pra eles, coitados.
Olhei para eles. A Santa Luzia, o São José e o São Benedito estavam cada um virados pra um lado, lá no fundão, super esquecidos. Ixi. A Maria tinha razão. Levantei da mesa e corri para a garrafa térmica de café, enchi uma xicrinha, arrumei o São Benedito bem arrumadinho e dei um café para ele. Os outros coloquei do lado, pedi a benção.
- Café? Vamos ver se adianta... - ela disse, displicente - depois tanto tempo esquecidos, torce para eles ainda gostarem de você.
Quando olhei no dia seguinte, o café continuava lá.
- Maria.
- Oi.
- Esse café do São Benedito, você trocou?
- Não, é o que você colocou ontem.
- Café velho, Maria?
- Ué, tá cheio.
- Mas Maria, tem que...
O João, que estava almoçando comigo, interveio.
- Ô Maria.
- Quê, João?
- Sério que você acha que o santo vai "tomar" o café?
- Como assim, João?
- Acha que você vai chegar aqui e a xícara vai estar... vazia?
- Claro que não, né João.
- E você, mãe? O que acha?
- Não, pô. João, é tipo uma homenagem. Um agrado.
- Vocês duas são muito estranhas. Olha o pobre do Santo, parado na frente dessa xícara, só olhando. Dar café pra uma mini estátua. Que malucas.