sábado, 30 de julho de 2005

propagandas esquisitas 2



Preciso comentar ainda mais duas propagandas absurdamente estranhas que assolam a programação das TVs.
Só mais duas.
Juro.
Uma delas é a propaganda de um partido político. Tenho vontade de rir até agora, pois a idéia é o máximo, pena que esteticamente a coisa ficou meio feia. Eles começam falando que a turma do PT não vale nada e que os bons são eles. Até ai nenhuma novidade, os partidos políticos são assim, adoram achar um motivo para achincalhar o adversário. Mas o engraçado foi a invencionice da turma da publicidade.
Começaram associando a imagem do PT com um nascer de sol, falando que todos os brasileiros tinham a maior esperança no PT quando ele entrou no governo. Tem a ver, PT-Brasil-nascer do sol, uma nova luz com o Lula no poder, essas coisas. Daí eles colocaram uma imagem linda de um sol nascendo num mar, tudo amarelo e laranja, ao mesmo tempo em que surge uma voz falando de esperança.
Mas, de repente...
Bom, de repente aparece uma coisa redonda e estranha nascendo na frente do sol. Você não entende o que é aquilo. Seria um barco de ponta cabeça? Um ovo? Um outro planeta? Caramba, o que é? A coisa vai subindo devagarzinho, e, quando percebemos ,a bola é a careca do Marcos Valério, que no final tapa todo o sol.
A careca do Marcos Valério!
Isso queria dizer que o PT, com seu Marcos Valério e seu mensalão, acabou com a esperança de um sol nascer e iluminar as nossas vidas.
Hilário. Tem a ver, mas dá licença...
A outra propaganda, uma pérola do mundo televisivo, é a propaganda de uma nova esponja de aço que veio pra detonar o nosso bom e velho bombril. Todo mundo já deve ter assistido, pois é uma propaganda insistente com uns bebês de cabelos de paplha de aço, assim, tipo black-power. Eu juro, gente, que não entendo até hoje o que tem a ver os bebês com as esponjas de aço. Como comentaram aqui, esse anúncio deveria ser um daqueles com nota de rodapé.
Os bebês e as esponjas de palha de aço tem uma série de anúncios e uma musiquinha irritante. É uma coisa que foi crescendo devagar, como se a imagem dos bebês com cabeça de esponja de palha de aço tivesse que ser fixada na nossa mente pouco a pouco, para jamais esquecermos do produto, a tal palha de aço.
Não sei se a propaganda funciona. Eu não imagino nem como é a embalagem, para falar a verdade. Só me lembro dos bebês.
Bom, nessa última propaganda, os bebês saem às ruas para ganhar o mundo. Porém eles não andam, só engatinham. Deve ter a ver com a marca, uma marca nova, que engatinha ainda no mercado das esponjas de palha de aço. Os bebês saem da loja, andam pela calçada, atravessam a rua engatinhando e chegam nas casas.
Olha. Tudo tem limite. Pode ser que aquilo seja uma montagem, impossível um monte de bebês atravessarem a rua de fraldinha, mas não dá para aceitar que eles colocaram as crianças naquele chão imundo de rua. Santo Deus, porque ninguém salva aqueles bebês limpinhos dos vírus, dos perigos de um atropelamento, da sujeira dos bueiros, do cheiro de gás carbônico? Aquilo é judiação, gente. A palha de aço não é para limpeza? E eles mostram uma imundície dessa? Quando vi a propaganda, esqueci imediatamente da tal palha de aço e comecei somente a me preocupar com os bebês. Assim como eu muitas mães devem ter se apavorado com os bebês soltos na rua, feito cachorros. Um horror. Um pesadelo.
Bebê–cabelo de palha de aço–rua não funciona, gente. Pra mim isso é anti-propaganda.
Alguém faça uma campanha, rápido, plise.
Salvem os bebês!

sexta-feira, 29 de julho de 2005

Propagandas esquisitas 1

O que leva os publicitários a bolarem algumas propagandas para a TV? Eu vou dar aqui meu palpite, porque, sério, tem umas coisas muito esquisitas acontencendo.
Ontem reparei em três. Na primeira surgia uma mulher trabalhando num escritório. Ao lado dela um balde, onde pingava uma água vinda do teto.
Plim. Plim. Plim.
A moça olhava o balde com uma cara desesperada, cansada.
Coitada”, pensei, “ela tem que trabalhar ao lado dessa goteira o dia todo...”
Mas a propaganda não tinha nada a ver com a goteira. Aquela não era uma propaganda de impermeabilizante nem de telhas, era uma propaganda de remédio para dor de cabeça. Os pingos simbolizavam a dor, e era essa dor que deixava a mulher desesperada. Dentro da lógica da dor–pingo–balde, o tal do balde acompanhava a fulana onde ela ia: dentro do ônibus, na casa, no trabalho. E, para acabar com o balde e os pingos, ela tinha que tomar o remédio.
Demorei muito pra entender a lógica dor-pingo-balde. Ora, quem mostra uma dor de cabeça “fora” de uma cabeça? Que idéia de girico, provavelmente o criador da propaganda nunca teve enxaqueca na vida.
Não compro esse remédio”, pensei. “Não tenho goteira, tenho enxaqueca”.
Logo surgiu outra propaganda de remédio para dor de cabeça. Deve ter muita gente com dor de cabeça no Brasil, concluí. Bom, na segunda, em vez do balde, as pessoas tinham cabeças de sinos. Um truque desses de fotoshop, ou sei lá, de tvshop. Os cérebros badalavam, tremendo, e as pessoas se contorciam com as badaladas. A propaganda era esquisita, mas melhorzinha. Dor-sino-badalo é melhor que dor-balde-pingo.
Mas a propaganda mais absurda foi uma de papel higiênico. Gente, alguém viu aquilo? É a propaganda mais despropositada do século. Impressionante.
Assim. Uma mulher entra em casa com as compras. Avisa ao marido que comprou um papel higiênico ótimo, que ela chama de “super hiper master mega” ou coisa do gênero. Nunca vi ninguém usar esses adjetivos para definir um papel higênico, mas vá lá. A mulher abre o pacote, pega um rolo do tal papel e os dois examinam com cara de surpresa. Eu também não me lembro de ter examinado um papel higiênico com o Zé em toda nossa vida de casados, mas até ai, cada-um cada-um. Bom, daí o marido repete que aquele papel é mesmo um papel “super hiper master mega” e resolve, sorrindo, que vai “testar”.
Ai, ai, ai.
A cena é cortada e aparece uma estante de livros perto de uma parede de tijolos de vidro e ouve-se um barulho de descarga. De trás dessa estante surge o homem com a maior cara de aliviado. Juro, acho que o banheiro do cara era ali atrás e que não tinha porta. Imagina a fedentina daquela casa. Bem, quando sai, sorri e fala que o papel não é só “super hiper master mega”, mas “super hiper master mega... plus advanced”. E logo em seguida dá um soco com a mão para frente, todo animado.
Dor-balde-pingo? Cabeça-sino? Papel higiênico super hiper master mega plus advanced e um soco?
Estamos todos loucos?
Ai que medo.

quinta-feira, 28 de julho de 2005

o Pai Nosso




Somos católicos aqui em casa. Eu e o Zé não casamos na igreja, mas resolvemos que batizaríamos nossos filhos. Depois cada um resolverá a sua crença, mas enquanto eles forem crianças serão católicos.
Todos já fizeram primeira comunhão menos o João, que vai fazer no final desse ano. Está fazendo a catequese, que é o curso de preparação para a comunhão, para quem não sabe.
Toda a semana ele tem aulas de catequese. Um dia perguntei a ele como iam as aulas.
- Tudo bem, mãe.
- Tá aprendendo as rezas?
- Todas.
- E a Bíblia?
- A professora lê toda aula, a gente comenta, dá opinião.
- Legal, filho.
- Só não gosto daquela coisa do Pai-Nosso.
- Nossa, João, não fala isso. Pai-Nosso é coisa sagrada.
- Dar a mão é coisa sagrada também?
- Como assim?
Ele explicou. A professora de catequese manda eles rezarem o Pai-Nosso de mãos dadas, como as pessoas rezam nas missas. Para quem não sabe, porque não é católico, desde que eu sou criancinha a gente reza o Pai Nosso, a reza mais importante da igreja, de pé e de mãos dadas com as pessoas que estiverem do lado.
- Mãe, eu não dou a mão pra pessoa do lado nem morto.
- João, não fala assim. É o Pai-Nosso.
- Mas mãe, os meninos da minha turma não conseguem ficar de mãos dadas sem ter vontade de coçar a bunda.
- Quê?
- É. Eles falam que rezar de mão dada dá coceira na bunda. Eu, hein?
E diante da minha cara de queixo caído, ele perguntou:
- Éca. Já imaginou você de mãos dadas com um amigo e ele vai e coça a bunda? Nojento, mãe. O Pai Nosso que me perdoe, mas é nojento.


quarta-feira, 27 de julho de 2005

o trauma de tabuada


Recebi hoje uma carta da escola dos meninos comunicando a data da volta às aulas e a agenda das reuniões, viagens e palestras.
Todo começo de semestre tem reunião de pais e professores por algum motivo. E a cada dia noto coisas mais esquisitas nesses encontros de adultos em cadeiras de crianças para falar sobre educação, mas ninguém percebe: olho para os lados e vejo todo os pais tranqüilos e compenetrados.
Outro dia disse que não acredito em pesquisas pela Internet e quase fui vaiada. Você não sabe a fonte, não sabe quem escreveu aquilo, e eu sei que as crianças copiam direto e nem prestam atenção no que escrevem – querem mesmo acabar logo a trabalho para voltar pro MSN. Resolvi que deveria defender os trabalhos escritos à mão, entregues em papel almaço, ou as pesquisas feitas com recortes de revistas em cartolina. Pelo menos eles treinariam a letra, a escrita. Nossa. Fui escorraçada. Acho que os pais que pagaram uma fortuna pelos computadores dos filhos resolveram não gostar da minha idéia.
Não sei. As escolas estão ficando modernas e sofisticadas demais. Talvez eu não entenda de pedagogia, nem de ensino e deva ficar calada, mas tenho visto coisas que tem me deixado de boca aberta.
Quando meu filho mais novo estava no terceiro ano primário fui à uma reunião de pais. No terceiro ano toda criança tem que decorar a tabuada. Bom, pelo menos sempre teve, eu decorei há vinte séculos atrás e meus filhos maiores também decoraram na terceira série.
Nessa reunião os pais e mães ficavam sentados em círculo. A professora, líder absoluta do local, falava alto e sorria muito, como se entendesse muito de pais e mães. Foi aos poucos explicando tudo que seria ensinado durante o ano. Uma hora parou e anunciou:
- E quanto à tabuada, vamos pedir aos alunos que retenham na memória apenas as tabuadas do dois, do três e do sete. Todas outras são desnecessárias, uma vez que são decomponíveis da do dois e a do três, menos a do sete, claro. Peço que compreendam que a do sete terá que ser decorada também, mas serão só essas três. Isso evitará o estresse da decoreba e tornará a tabuada menos traumática para as nossas crianças - falou a mulher com um sorriso de desculpas.
Eu dei um pulo da cadeira.
Hã? Tabuada traumática? De onde ela tirou aquilo?
Olhei ao redor. Todos os pais estavam tranqüilos, como se fossem fatias conformadas de uma pizza de números, como se nada tivesse acontecido naquela sala de aula.
Será que eu ouvi bem?
Na verdade, ouvi. A pedagogia moderna tem se preocupado com coisas que a gente não imaginava. As crianças de hoje aprendem a argumentar, a discutir, a debater. Os professores de hoje se preocupam com psicologia, com auto estima, com depressão, com stress. Nós, adultos, nunca aprendemos nada disso. A nós cabia baixar a cabeça e obedecer. Eles não. São estimulados a falar, a pensar, a se colocar. Isso é bom, mas daí a achar a tabuada traumática é demais, gente.
Ei.
Alguém conhece alguém com trauma de tabuada?

segunda-feira, 25 de julho de 2005

o kit clareador


- lúcia. Acorda.
- Fala, Zé.
- Tá acordada?
- Que foi? Que horas são?
- Uma e meia da manhã.
- Aconteceu alguma coisa?
- Eu preciso te perguntar um negócio.
- Pergunta.
- O que você acha de eu comprar um kit clareador de dentes? Está super barato, pode pagar em 10 vezes...
- Como que é?
- É uma maravilha, olha só – ele me disse, animado, apontando o aparelho de TV do quarto, que estava ligado – Não é incrível?
Olhei sonada para a TV. Um apresentador mostrava um equipamento cheio de escovas de dente e produtos.
Vixe.
- Para que você quer isso, Zé? – perguntei, pasma.
- Ué. Pra usar nos meus dentes, ora.
- E... você me acordou no meio da madrugada para me perguntar se compra ou não? – eu perguntei, atônita.
- Você acha que eu estou ficando louco?
- Zé, você está ficando louco. Completamente louco.
- Não devo comprar mesmo?
- Óbvio que não.
- E meus dentes?
- Vai ao doutor Renato. O dentista. Ele clareia para você.
- Ele não clareia. Eu já perguntei. E ele é caréssimo.
- Escuta, Zé. São quase duas da manhã, não é hora de clarear os dentes, é hora de escurecer os olhos. Faz uma coisa. Durma, acorde de manhã, ligue para o dentista e pergunte à ele se você deve comprar esse kit clareador. Se ele deixar, você compra amanhã cedinho. Tá bom?
- Acha mesmo? Parece tão legal o kit...
- Acho – eu disse, desligando a TV – Boa noite.
Pois é. O Zé tem esse problema. Outro dia ele comprou vaso horrível, todo craquelê, azul e branco, num leilão ao contrário. O preço ia diminuindo, diminuindo, e ele acabou telefonando e dando um lance. Disse que não tem a menor idéia de como aconteceu aquilo.
Depois foi uma máquina de fazer macarrão em casa, cheia de peças para montar, que nunca foi usada. Vou começar a fazer macarrão, ele me disse no dia seguinte. Mas a caixa já amarelou e nada. Fora a quantidade sem fim de raladores de queijo e fazedores de waffles que chegam aqui pelo correio.
- Eu não sei, na hora vem aquele impulso e quando eu vejo, pimpa, já comprei – ele me explicou, suspirando.
Isso também já aconteceu pela Internet. Ele se empolgou e resolveu comprar coisas on-line à noite, esqueceu de verificar o valor do frete e teve que pagar por uma camiseta um custo muito mais caro que uma camiseta da Daslu.
Acho que esses programas noturnos de compras hipnotizam meu marido. O engraçado é que no dia a dia ele é o maior pão duro. Será que ele sofre de consumo compulsivo de madrugada? E não é só ele, que eu sei. Já contei o problema a muitos amigos que me disseram, desolados, que também já compraram coisas inúteis.
O que será que nos leva a consumir coisas que não precisamos no meio da noite? Será que é porque estamos num estado letárgico de sono? Será que é hipnose?
Não sei. Mas pelo sim, pelo não, quando chegou o último ralador de queijo eu olhei pro Zé e implorei.
- Zé, faz uma coisa? Antes de qualquer compra, qualquer uminha, me acorda e pergunta se deve comprar?
- Vou tentar – ele respondeu, suspirando - Vou tentar...
- Jura que faz isso?
- Juro.
E foi assim que economizamos o kit clareador.
Ufa.


domingo, 24 de julho de 2005

ãããrrr...



Ainda sobre as implicâncias, lembrei de outra. Essa implicância aparece todo inverno e é terrível.
É implicância do resfriado dos outros.
Vou explicar como funciona.
Você liga para alguém e a pessoa está resfriada. Resfriadona, daquele jeito. Até ai tudo bem, todo mundo tem o direito de ficar resfriado no inverso, mas tem gente que parece que quer demonstrar para você e para o mundo todo que está assim muito, mas muito resfriada. A pessoa faz aquela voz fãnha de gripe, fica repetindo um “ãããr” entre cada palavra que fala, fica ofegante e toda hora pede um minutinho para assoar o nariz, tossir e espirrar.
Quer saber?
Coisa mais irritante.
O Paulo, meu ex-sócio, compartilha dessa minha implicância. Quando trabalhávamos juntos, ele e eu não agüentávamos ver pessoas fazendo cena de resfriado. Olha. Dá para ficar resfriado, falar normalmente, devagar e não ficar fanha. A gente um dia tentou.
E conseguiu.
Ontem recebi um e-mail do Paulo sobre isso, implicadíssimo com uma mulher. Ele conta que ligou para a loja de material de construção onde ela trabalha para fazer um pedido.
- Alou.
- Ãlôuãrrr.
- Por favor, a dona Geni.
- Sõu êu.
- Dona Geni, é o Paulo. Tudo bom?
Lá veio a mulher. Ela estava resfriada.
_ Oi Bãulo. Êu êstôu com ûba grîpe incrîîîvel, ãrrr, já tôôôbei divééérsos analgééésicos, antitééérbicos, antialééérgicos êêê nãããda. Vãlã, Bãulo, pôôôde vãlãr ãrrr.
Ele conta que teve tanta raiva da mulher que quase desligou. Será que ela não podia fazer um pouquinho de esforço para disfarçar aquilo?
Eu sei que é errado ter raiva de gente doente. Mas essas pessoas ficam doentes e parece que se vangloriam de estar doente. Exageram e fazem teatro pra piorar, como se estar doente desse um... certo status. A dona Geni, ele me afirmou, era o exemplo típico da pessoa que estava fazendo de propósito, provavelmente porque queria ouvir todas as pessoas falando dela.
- Nossa, a dona Geni está péssima. Gripada demais, coitada.
Bom, eu mesma já fiz isso diversas vezes, até perceber como isso é irritante para as pessoas que tem implicância de resfriado. Acho que esse exagero tem um pouco a ver com desculpa. A gente, no fundo, adora ficar resfriada porque trabalha menos, pode ficar em casa, pode delegar as tarefas domésticas pro marido, pode virar um pouco “coitadinha.” Mas nem sempre um resfriado é assim tããão forte, tem uns até que bem mixurucos. E para o resfriadinho virar um resfriadão e ter a credibilidade necessária para você ser paparicado, é preciso um certo teatro. Isso inclui a caixa de lenços, os olhos com olheiras, o descabelamento e principalmente a voz anasalada que encomprida as vogais.
Ãããrrr.
Então dona Geni, que saco, pára com isso.
Maldade a minha, não é? Mas implicâncias são assim, vão além do bem e do mal.
Saúde a todos.
Em busca da amiga perdida II: aviso a todos que até o presente momento eu ainda não consegui contato com a Liliana. Deixei recados e mandei emails, ambos sem retorno. Onde estará Liliana?

sábado, 23 de julho de 2005

dona franka e seus dois blogs


Meu Deus.
Esse negócio de ter dois blogs deixa qualquer um doido. Parece que eu tenho dois maridos e duas casas. No começo achei que seria baba, facinho, mas estou ficando maluca. Ontem postei um capítulo da novela-blog “Tertuliano” aqui no crônica-blog “frankamente...”, na hora de comentar os cometários desse blog eu comentei como Tertu, depois tive que corrigir tudo correndo. Me senti uma velha gagá, esquecendo as coisas pela casa, confundindo shampoo com detergente de pia, trocando sal por açúcar e vestindo roupa do avesso.
Acho que eu fiz tudo errado na hora que eu criei a novela-blog completamente separada do “frankamente...”. Mas eu não queria confundir as coisas. Esse “frankamente...” é o meu xodó, eu amo isso aqui e não quero colocar uma novela aqui dentro. Não combina, é como... colocar um terno na praia, entende? Além disso, o “frankamente...” tem seus leitores, seu público, gente que gosta de crônica, gente de gosta de idéias rápidas, de um assunto diferente por dia. Já o “Tertuliano” é diferente, é novela-blog, só lê quem acompanha, precisa ter paciência, entender os personagens. Resolvi separar completamente os dois e até criei um e-mail pro Barão Tertuliano (pode uma coisa dessas?).
Foi ai que eu acabei me casando com dois blogs e arrumei duas casas virtuais para cuidar. Digamos que sou uma versão, assim, virtual, webiana e internética da nossa famosa Dona Flor.
Dona Franka e seus dois Blogs.
Taí. Se algum cineasta de plantão quiser fazer uma refilmagem, sou candidata à roteirista. Experiência eu tenho.
Ichi, dispersei. Vou voltar ao assunto.
Gente, eu trabalho o dia todo. Eu não vivo de escrita e nem de blog, apesar de passar o dia todo escrevendo e na frente do computador, o que facilita. Comentei sobre as minhas gagázices com o Pecus (outro excelente roteirista de novelas-blogs) e ele lembrou de um personagem do Nelson Rodrigues que tinha uma amante e que se mata porque não agüentava mais jantar duas vezes, na casa dele e na casa da amante.
Engraçado.
Eu comento em duas casas, é quase a mesma coisa. Comentar é um tipo de alimentação, não acham?
Não vou me matar nem mesmo interromper a novela-blog, que dentro em breve será “o” gênero literário do momento (aguardem, aguarde, ouçam o que eu estou falando...), mas peço paciência se eu começar a cometer erros, trocar as bolas e inverter os blogs.
É apenas o começo, depois...
Bom, depois provavelmente piora.

sexta-feira, 22 de julho de 2005

em busca da amiga perdida


essa sou eu recebendo a minha primeira cartilha do diretor da escola
Estava no meio de uma crônica, falando sobre gente que come torrada fazendo barulho, quando citei uma amiga de infância, a Liliana. Quando escrevi o nome dela, subitamente tive a maior saudade. Eu e ela fomos inseparáveis do primário até o final do colegial. Depois fomos cada uma para uma faculdade, casamos e eu nunca mais ouvi falar dela.
Tive um clic.
E se eu fosse procurar o nome dela no Google?
Ah, é por essas e por outras coisas que eu adoro Internet. Lá fui eu, completamente esquecida da crônica das torradas, me perder em navegações Googleanas no passado longínquo. Imagens, web, pesquisa avançada, páginas semelhantes.
Liliana, Liliana, Liliana.
Liliana, cadê você, Liliana.
Ô animação que eu tenho quando eu me disperso.
Parei e olhei para a tela. Ichi. Será que eu deveria continuar? O pai de um amigo do João me contou que ficou meses atrás de um amigo de infância, mas quando achou foi a maior decepção. O cara era depressivo, cheio de problemas e virou um estorvo na vida dele. Foi até preso por causa de uma briga de rua, ele teve que ir buscar o homem na cadeia, um horror.
Ah, mas a Liliana é a Liliana, pensei. Aquela menina alegre, animada, que dá gargalhadas o tempo todo e que arregala os olhões azuis quando leva um susto. Resolvi ir em frente, tive saudades dela.
Caramba, esse treco de Internet é fantástico. Em dois ou três toques lá estava ela, com foto e tudo. Ali, na minha frente, 25 anos depois. E ainda por cima sorrindo.
Arrepiei.
Mas a coisa apenas começava. Aquela foto das imagens do Google era a ponta do iceberg. Eu tinha que saber mais sobre a Liliana. Onde trabalha, onde mora, e-mail, telefone. Me senti a própria Franka do Tertuliano, de roupa de couro preta e peruca loira, em ação numa perigosa e importante missão: “Em busca da Liliana perdida”.
Gastei uns vinte minutos em todos os links com o nome dela, até que num deles achei uma diferença. Em vez de “Liliana – sobrenome”, estava escrito “Liliana – sobrenome 1 – sobrenome 2”. Claro, ela casou e adotou o nome do marido! Como eu não pensei nisso antes?
“Liliana – sobrenome 1 – sobrenome 2”, pesquisa google.
Apertei o botãozinho.
Um monte de links. Num deles, a Liliana falava numa revista especializada. Uau. Uma executiva, a minha Liliana? Ela fazia tanta palhaçada, como que pode? Noutro, o nome dela associado a um nome de uma empresa. Ahá!
Mais uma dica. Passei a procurar tudo junto.
"Liliana - sobrenome 1 - sobrenome 2 - empresa"
Nada. A coisa se confundiu e eu fui parar na Itália. O que era para refinar, espalhou. Olhei no relógio. Já era tarde, e eu nem perto da Liliana.
De repente, uma luz. Uma tabela de um seminário com nomes e empresas. Lá estava o nome dela junto a diversos outros. Bom, alguém da mesma empresa deveria conhecê-la e me ajudar. E se eu procurasse por algum colega de trabalho? Li e reli os nomes. Os homens eliminei todos, eles nunca entenderiam uma coisa dessas. Quanto às mulheres, hesitei. Optei por uma moça de sobrenome japonês. Foi uma escolha aleatória, mas me pareceu a mais correta.
Lá voltei eu pro Google.
“Juliana - sobrenome japonês - empresa da Liliana”, pesquisa Google, botãozinho.
E sem querer, achei o email da Juliana. Sorri diante do meu sucesso.
Mandei um email para a Juliana, curto e rápido. Já era tarde.
“Juliana, quero entrar em contato com a Liliana + sobrenome 1 + sobrenome 2. Você sabe como posso encontrá-la? Agradeceria se você pudesse me ajudar”
Fui jantar, mas estava com a cabeça na lua. Coisa mais estranha que eu estava fazendo. Dez da noite voltei pro micro. Lá estava o email da Juliana.
“A Liliana está de férias. Caso necessite, entre em contato com a Tatiana no telefone tarararara. Se eu puder ajudar, me ligue, meu telefone é tarararara.”
Eu dava pulinhos na cadeira. Mandei rapidinho uma resposta explicando quem eu era. E qual não foi minha surpresa quando abri o outlook hoje de manhã e li a outra resposta da Juliana, com o e-mail e o celular da Liliana.
Pronto. Achei a Liliana, e onde quer que ela esteja hoje, vai levar um susto, pois eu vou ligar.
Mais notícias das minhas aventuras virtuais, só amanhã.
Lá vou eu, cara Liliana!

quinta-feira, 21 de julho de 2005

ichi, impliquei


Às vezes passamos a vida toda sem perceber algumas coisas. Mas quando notamos é tarde demais. Vira implicância.
Implicâncias são complicadas porque não tem volta. Eu tenho algumas, por exemplo, detesto ouvir barulho de outras pessoas comendo coisas duras. Sabe quando a pessoa come amendoim japonês e faz aquele barulhão? Odeio esse barulho. Sou capaz de sair da sala quando ouço. Essa é uma típica implicância que duvido que um dia eu perca.
Implicâncias são para sempre, nem analista resolve.
Bom, nessas curtas férias adquiri mais uma. Impliquei com o café da manhã de hotel. Agora, nunca mais.
Um dos hotéis que ficamos na viagem era muito grande. Um mega hotel, com muitos quartos, cheio de gente até a tampa.
O lugar era infernal. Era criança correndo por todo lado, monitores infantis vestidos de urso panda cantando em microfones, monitores da melhor idade vestidos com trajes típicos, programação para adultos, um monte de babás, um monte de vovós e muitos argentinos. E a quantidade de hóspedes não cabia no salão do café da manhã. Era preciso fazer uma espécie de rodízio. Ou seja, você acordava e pimba, tinha que entrar numa fila.
Acredita nisso?
Pode acreditar. Eu devia ter fotografado.
Precavido, o Zé acordou e correu pro salão. Como era cedo, ele conseguiu, milagrosamente, pegar uma mesa. Um dos meninos voltou correndo para me chamar.
- Mãe. Corre. O papai conseguiu uma mesa, está lá sentado e pediu para você ir rápido. Se ele levantar para pegar um café, alguém pega o lugar dele. Precisa ver a fila que está do lado de fora, mãe.
Era verdade. Entrei no local e vi o Zé, de braços cruzados, guardando nosso lugar.
Engraçado.
- lúcia, repara numa coisa – ele me disse, apontando para a mesa buffet, antes de eu me levantar para me servir – Olha o que acontece com um país como o nosso, onde a economia gerou uma classe média tão grande.
- Como assim, Zé?
Ele tinha uma teoria. Ficou ali filosofando, claro.
- Perceba. A classe média vive muito apertada, muito sem dinheiro, na maior dificuldade para pagar as contas. Tudo é sempre contadinho, até o último centavo, sempre.
- Sim, Zé, e daí?
Ele apontou o buffet.
- E aí que todos chegam aqui e dão de cara com uma mesa farta dessas. Grátis. Você pode pegar o que quiser. Nada é contado. A classe média explode! É o gozo total. É a conseqüência do aperto que o governo faz à classe média. Sim, sim - ele falava, boquiaberto, balançando a cabeça.
Olhei para o lado. Uma moça bem arrumada, toda maquiada e com uns tênis novinhos passou por nós com um prato entupido de coisas. Tinha bolo de cenoura, rosca de coco, muffins de chocolate, croissants e pães de queijo.
- Acha que essa moça come tudo isso na casa dela? – ele apontou.
Passou um senhor de abrigo. O prato dele estava lotado: queijo, salame, pão, uma cumbuca de coalhada, ovos mexidos e salsichas.
- É um modo de se vingar de todas as contas que você paga o ano todo. As pessoas comem para compensar... – o Zé explicou a teoria, animado – ... e é impressionante como comem! Ninguém come assim em casa. Isso não é café da manhã. É vingança!
Ficamos todos olhando ao redor, eu o Zé e os meninos. Era realmente um avanço total, uma coisa maluca. Tudo que era colocado na mesa acabava em segundos. Os pratos sumiam, os copos idem. A senhora do meu lado implorava por uma faca. Os meninos da mesa em frente comiam bombas de chocolate sem parar.
Que coisa mais impressionante. E naquele instante, impliquei com café da manhã de hotel. Levantei e peguei só uma xícara de chá. Só uma. E chá de camomila. Bem sem graça. Credo.
Ainda observávamos aquela fúria matinal quando ouvimos uma voz baixinha.
- Paiê.
Era o João.
- Fala, filho.
- A gente é da classe média?
O Zé hesitou.
- Bom. Bem. Somos, né...
- Oba. Posso então pegar um monte de pão de queijo?

quarta-feira, 20 de julho de 2005

brrr...



- Oi! Chegou de férias, lúcia? – me perguntou uma amiga ao telefone.
- Cheguei.
- Pra onde vocês foram?
- Para o Rio Grande do Sul. Alugamos um carro, passeamos pela serra gaúcha, ficamos em quatro cidades por lá.
- Hum... que friozinho, né?
- Muuuito frio – respondi – Vixe, como estava frio naquele lugar.
- Ai, que delícia! – ela disse, animadona – Vocês congelaram? Que maravilha!
Tá vendo? Eu pago o que eu falo. Falei outro dia que achava completamente errado esse hábito que a gente tem de viajar para o lugar mais frio do mundo no inverno e para o lugar mais quente do mundo no verão, elaborei a maior teoria sobre férias e bem estar, disse que devíamos fazer como a família real que ia para as montanhas no verão e para a praia no inverno, e pimba.
Brrr.
Acabei indo com minha família no inverno para o lugar gélido do Brasil. Fomos para o sul, praticamente para dentro de um freezer (falando em freezer, antes que alguém me pergunte, a minha leitoa ainda descansa deitadinha lá dentro), onde geou, onde congelamos com nossa falta de roupas, onde tivemos que comprar luvas, cachecóis e gorros, onde tremíamos o dia todo e onde comemos até não poder mais.
Aliás, a culpa de engordar no inverno é toda do excesso de roupa. A gente nem percebe onde está o corpo. Alguém deveria bolar uma roupa de inverno com um visor de plástico na barriga, para a gente ter noção do que acontece por ali. Não é possível emagrecer olhando a barriga somente uma vez por dia na hora do banho. Para acreditarmos que a comida engorda, precisamos ver o resultado do excesso de fondue no corpo logo após a ingestão.
Não acham?
Tá tudo errado. Para que ir para um lugar gelado no inverno e congelar? Para que ir para um lugar quente escaldante no verão e praticamente derreter? Qual o prazer que podemos ter nisso? Isso não faz bem a saúde, e vivemos num mundo onde a saúde e o bem estar são o motivo da nossa existência. Acho até que a nossa era é a era do conforto e do descanso. Vivemos e trabalhamos para isso: para estar confortáveis e descansados.
Falaverdade.
Mas a verdade é que estava ótimo, e isso que eu não entendo. Nos divertimos muito, as cidades estavam lotadas e animadas, com feiras nas ruas, com restaurantes cheios e muitos programas para fazer, com passeios em parques, mirantes, teleféricos e trens. Não sei se no verão seria tão divertido. Fiquei imaginando aquelas cidades fantasmas e quentes. Acho que não teria graça nenhuma. Minha teoria não tem muito sentido, queremos viajar também para ver gente, para participar de festas e para entrar na dança.
E assim eu assumo meu erro e minha antipatia de falar que não devemos viajar para o frio no inverno e mostro aqui a foto que eu, o Zé e nossos filhos tiramos, animados e saltitantes, do termômetro do centro de Canela, às 8 da noite, quando ele finalmente marcou 0º.
Viva!
Taí. Vai entender...



E para completar a volta do frankamente, outra ilustração divertida do !

sexta-feira, 15 de julho de 2005

franka sai uns dias de férias...

... e volta no meio da semana que vem. Até breve!

na varandinha



Fui numa reunião agora a pouco. Estava desprevenida para isso, era uma reunião de supetão, daquelas não programadas. Saí correndo, atabalhoada, confusa. Durante o trajeto nem pensei sobre o que deveria falar, coisa que costumo fazer durante as idas à reuniões. Me desliguei temporariamente da realidade.
Sei porquê. Uma braveza que me deu de manhã. E uma braveza de manhã tira a gente do sério o dia todo. Fiquei irritadíssima com um rapaz que vendeu um carpete para uma obra prometendo entregar em quatro dias. Eu deveria desconfiar deste número, o número quatro nunca foi bom número pra mim. Resumindo: o carpete não veio em quatro dias e nem virá tão cedo. E eu me irritei profundamente ao me ver enganada por um vendedor ligeiramente gago e de fala mansa. Vejam. Eu o chamo, desprezivelmente, de gago. Carrego ainda uma fúria do homem. Esbravejei com ele, meu corpo ficou fragilizado com a descarga de adrenalina o meu dia inteiro foi-se por causa disto.
Mas como a vida continua apesar das bravezas, apareceu a reunião fora de hora e lá fui eu com o gago dos carpetes na cabeça.
Entrei pronta a resolver os problemas, concluir e escapulir dali rapidinho, sem gaguejar. Fui atropelando os assuntos e soluções feito uma executiva tarada. Uma gralha, uma mulher chata, prepotente. Nem gosto de lembrar da minha atuação.
Minha mente ainda estava irritada com o gago, nesta hora completamente distante, mas eu ainda tinha vontade de atropelar até minha eficiência como forma de vingança.
Porém, em reuniões, sempre temos um interlocutor. E lá estava ele, na minha frente: o homem reunido comigo. Como eu estava com raiva do gago, me sentia poderosa e, de um certo modo, desprezava o pobre coitado. Nem olhava pra ele. Sei lá, talvez tivesse medo de ser enganada novamente, mas só sei que precisava soterrar aquele homem de qualquer maneira. Foi quando aquilo aconteceu.
O sorriso.
Eu não acreditei. Quê? Ele sorria para mim? Eu vomitei toda a minha magnífica competência, toda a minha capacidade de ser chata e ele... sorriu? Fiquei muito sem graça. Parei um pouco, respirei fundo e continuei. O homem me ouviu direitinho e da segunda vez foi pior. Ele calmamente se recostou na poltrona, como se estive na cadeira da varanda da casa de praia em plenas férias, colocou os braços atrás da cabeça e sorriu de novo. Puxa vida.
Fiquei muda. Ele disse que entendia o que eu falava, que estava disposto a resolver os pepinos e descomplicar. Não se incomodou com minha atitude e me surpreendeu com os sorrisos. E, pior de tudo, aqueles sorrisos eram sinceros. Aqueles sorrisos não eram sorrisos sensatos para acalmar um temperamento descontrolado de uma mulher meio histérica. Eles vinham de dentro, eram legítimos e verdadeiros. Tinham raízes profundas e estavam firmes no solo. Ele sorria porque estava tranqüilo e provavelmente bem feliz.
Como estava com a estrutura fragilizada, com meus pés fora do chão e minha mente possuída, sucumbi. Era única saída. Ele venceu, pois no fundo a virtude está ai, no entendimento dos erros. Parei de falar, parei de ouvir minha própria voz e respirei, coisa que não fazia desde que entrei naquela sala. Meu corpo foi, lentamente amolecendo e encostando na cadeira. E eu também recostei, estiquei as pernas e, incrível, sorri também.
Esqueci de tudo que eu ia falar. Fiquei oca, só consegui sorrir. Nunca fui tão burra numa reunião. Ficamos os dois sentados, de braços para trás, tomando café e falando amenidades, como se realmente estivéssemos numa varanda duma casa de praia. Uma hora nos lembramos dos ítens que ainda não tinham sido resolvidos, nos aprumamos, dissemos uns dois ou três “pode ser assim, pode ser assado” e recostamos de novo nas nossas cadeiras, jogando a âncora novamente e sorrindo. Veio o sol naquela tarde nublada e me iluminou.
Só para lembrar uma coisa: a reunião era sobre um projeto de uma casa na praia, com varanda e tudo. Sem carpete e sem nenhum gago.

quinta-feira, 14 de julho de 2005

a soja



Estava conversando com uma tia avó minha, uma senhora idosa mas muito saudável. Ela me contava que agora só toma leite de soja. Que é uma delícia, pura energia, faz bem para a saúde.
- Você já tomou leite de soja, lúcia?
- Já, tia. O meu filho menor tinha alergia a leite de vaca e durante dois anos só tomou leite de soja. Já experimentei muito para ver se estava quente ou frio. Éca. Não gostei não.
- O problema do leite de soja é o nome. Leite.
- É horrível, tia. Precisamos esquecer o gosto do leite de vaca para tomar o de soja.
- Leite de soja não é leite, lúcia. Soja é uma comida, como... como uma laranja. Existe suco de soja. Não é leite. É suco. Não sei porque não acreditam na soja, coitada. Não entendo porque ela não pode ser suco, tem que querer ser leite.
- Mas parece leite, é branco.
- Mas não é leite. Leite vem de animal. Não entendo porque a soja tem que ficar disfarçada, enigmática, escondida, fingindo que é leite. Não entendo porque não pode se expor, assim como a laranja, e ser um suco.
- Carne de soja eu também não gosto.
- Carne de soja? Imagina, carne. Carne é carne. Leite é leite. Laranja é laranja. Mas soja é soja e não pode ser soja. Tem sempre que fingir que é outra coisa.
- Mas não é esquisito comer só soja, tia?
- Mais esquisito é comer uma essa completamente clandestina. Uma comida mascarada, que fica se fingindo. Acho que a gente deveria fazer alguma coisa. Falar com alguém sobre isso. Denunciar a soja.
- Lembrei do queijo de soja. Se chama tofu.
- Tá vendo? Nome de máfia japonesa. Estou achando esquisito demais. O quem tem por detrás disso? Se é uma comida tão nutritiva, porque precisa ser tão misteriosa?
- A senhora já comeu soja pura, tia? Soja, soja?
- Não. Mas já fiz muita coisa escondida, que nem ela. A soja - e ela me olhou com uma cara divertida - Hahaha. Um dia te conto, lúcia, um dia te conto...

quarta-feira, 13 de julho de 2005

o barão tertuliano

Seguindo os conselhos dos amigos, paralelamente ao blog de crônicas postarei uma novela on line. Vocês podem conferir, todos os dias, as aventuras do Barão Tertuliano e da agente Franka.

os gatos e a porta


Tocou o telefone. Era o marido da minha prima.
- Lúcia?
Ele queria o telefone de uma faxineira.
- Que faxineira?
- A da tua tia. Da minha sogra. Você conhece ela, não? Sabe o telefone?
- Como assim?
A história era engraçada. Ele, a mulher e os filhos vieram para São Paulo para ficar na casa da mãe dela, que estava viajando. Na hora de sair, sabemos como é aquela confusão. Marido, mulher, filho pequenos, brinquedos, mala, sacola, lanchinho, travesseiro, cobertos, e pimba, esqueceram de deixar a chave do apartamento com o zelador , conforme orientação da mãe, minha tia. E levaram a chave embora com eles.
O problema não era a chave, eram os gatos. Dois gatos, a paixão da minha tia.
- E agora eles estão presos lá dentro, os gatos. Sem comida, sem água, sem chave. E nós estamos aqui na fazenda, no Paraná. Longe pra burro. Achamos que a faxineira deve ter uma outra chave da casa, afinal ela sempre vai lá para limpar.
- Puxa. Eu não tenho o telefone dessa faxineira – expliquei, depois de procurar em todas as agendas - E agora?
O tempo foi passando. Quem tinha o telefone da faxineira? Foi um tal de mobilizar a família toda para resolver o problema da alimentação dos gatos. Eu, minha mãe, os filhos, até a Maria.
- Estou quase indo lá – ela me disse, compadecida – Coitados. Devem estar miando até não poder mais.
- Maria, tem cabimento? E você vai fazer o quê, cantar para eles pelo buraco da fechadura?
Minha prima, lá longe, começou a ter pesadelos. Imagine a mãe chegar e encontrar os gatos mortos de fome. Uma tragédia. Colocou até um comentário aqui no blog, o que me deixou profundamente comovida. Imagine, o frankamente servir de serviço de apoio aos animais abandonados.
“... você viu a confusão que eu arrumei com as chaves da casa da minha mãe e os gatos? Não entendi que deveria deixar as chaves para que os gatos fosse alimentados. Fui embora e levei as chaves da casa da minha mãe. Ontem à noite o porteiro ligou aqui pro Paraná desesperado porque estava sem as chaves e não podia entrar para dar de comer aos gatos. Eu entrei em pânico, imaginando os bichinhos em depressão pela falta de comida (com a água eles se viram, tomam a água das plantinhas), morrendo de fome, tendo ataque cardíaco pela falta da comida (a vida deles é comer!). Mandei as chaves pelo Sedex 10 e amanhã lá pelas 10 da manhã eles finalmente poderão ser alimentados. Espero que eles não morram até lá!..”
Bom, pensei, dois dias sem comida não matam ninguém. Se as chaves chegariam no dia seguinte, ou seja, hoje, o problema estaria resolvido.
Mas mesmo assim, fiquei pensando como alimentar os pobres bichinhos sem a chave. Pensei que minha prima poderia pedir ao zelador que esmigalhasse pão e comida de gato e assoprasse por debaixo da porta. Como a questão estava on line, o Pecus deu uma idéia genial: colocar fatias de presunto sobre uma folha de sulfite e passar por debaixo da porta.
Explicou que a idéia não era dele, e sim do Seinfeld, aquele do seriado. Tanto faz de quem seja, o que importa é que é coisa de gênio essa idéia. Imagine, podemos passar queijo prato, peito de peru, carpaccio, pão sírio, alface, salame, tomate, rúcula. Fatias de frutas. Chocolatinho de menta. Chichetes. Bobeou dá para passar até um bife, se você não fizer questão de um medalhão. Olha. A quantidade de comida que pode ser passada por debaixo de uma porta é imensa.
Isso me sossegou. Ufa. Afinal, o que aconteceu com os gatos pode acontecer a qualquer um, até com um humano. Mas com essa idéia ninguém morre de fome se ficar trancado sem uma chave. Basta uma folha de papel e muita imaginação.
Bom, até o momento ainda não tive nenhuma notícia da libertação dos felinos, afinal, ainda não são 10 horas. Mas assim que receber, sério, avisarei a todos.



(ilustração: zérramos)

terça-feira, 12 de julho de 2005

tlim, tlim, tlim



Uma das coisas que a gente mais faz hoje em dia é ir ao shopping. Os shoppings roubaram tudo que a gente precisa e colocaram lá dentro. Falaverdade.
Nada contra, mas o problema do shopping é o estacionamento. Nunca tem vaga suficiente para todo mundo, a gente precisa ficar rodando, e claro, brigando com os outros motoristas. A coisa é feita para você ter raiva de todos os outros motoristas: o cara que entrou na sua frente, o que fica paradinho de bituca no meio do corredor, o espertinho atrás de você que diz que não vê o teu pisca alerta ligado pra entrar na vaga.
Eu tenho horror de estacionamento de shopping.
Não acho vaga nunca, e assim, desisto logo de cara. Todo dia eu vou lá pro último subsolo, e estaciono na última vaga de uma vez , mesmo com o shopping vazio. Como uma derrotada.
- Você vai direto para o terceiro subsolo, mãe? – me perguntou um dos meninos – Sempre tem vaga aqui no primeiro!
- Eu sou azarada, filho. Nem adianta procurar.
Bom, outro dia tive que ir ao shopping com o Zé. Era sábado e a gente precisava comprar um presente. O Zé dirigindo o carro, eu ao lado dele e aquela fila de morrer para entrar e estacionar, e ele nem ai.
Não deu outra, pimba, ele entrou no estacionamento do térreo. O estacionamento mais difícil. Virou na primeira rua, em frente à porta principal. A rua mais difícil.
- Você tá louco, Zé? Acha que vai conseguir parar aqui?
- Que é que tem?
Uma fila de carros na nossa frente. O Zé nunca vai no shopping, não sabe do meu trauma, é um desavisado. Suspirei. Éramos os sextos, sétimos, décimos da fila, sei lá. Uma coisa impossível arrumar vaga ali.
Mas, de repente, o carro do lado do Zé... pimba, saiu.
E a gente, pimba, embicou.
E pimba, entrou.
I-na-cre-di-tá-vel.
O Zé trancou a porta do carro, inflou o peito e me olhou.
- Vamos?
Eu inflei o peito também, respirei fundo e segui caminho. Calada. Como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo, apesar de nós dois nos sentimos os mais poderosos e importantes daquele estacionamento. Era como vencer uma batalha, uma competição.
E ganhar.
De lavada.
E pela primeira vez naquele estacionamento, eu me senti super feliz. Orgulhosa. Convencida. Vencedora. Sábado a tarde, na porta!
Não aguentei fingir.
- Não acredito nessa vaga, Zé! – eu disse, dando pulinhos – é a melhor de todas!
Eu estava rindo sozinha. Olhei para o Zé, e percebi que ele olhava para os outros motoristas sem vagas como se provocasse cada um deles com seu olhar de vencedor.
- Zé. A gente está se achando, não?
- Eu? Eu não – ele respondeu, fingindo tranquilidade – comigo sempre é assim – ele disse, tentando disfarçar a felicidade imensa.
Foi quando eu percebi que ele estava balançando a chave do carro, discretamente, se exibindo.
Tlim, tlim, tlim.
Ahá! Aquele barulhinho denunciou tudo!
A situação era ridícula, mas, queira ou não, eu e o Zé estávamos nos exibindo muito naquele caminho de dez passos do carro até a porta do shopping.
E eu fiquei pensando numa coisa. Repara como as pessoas que arrumam vagas na porta dos shoppings tem auto estima lá no alto. Se existe uma coisa que melhora a auto estima dum humano civilizado é isso: arrumar a vaga na porta e no térreo. Conquistar essas pequenas vitórias no burocrático e emperrado mundo cotidiano é como vencer na vida. Brigar por causa de uma vaga, gastar mais de meia hora para estacionar, ser ludibriado por outros motoristas, tudo isso é muito deprimente e gera uma angústia danada. É impressionante como uma coisa pequena dessas pode mudar todo o rumo do teu dia.
Uma vaga.
Compramos o presente. E na hora de pegar o carro, percebi que o Zé, discretamente, mais uma vez, inflou o peito e sacou a chave.
Tlim, tlim, tlim.
Exibiiido...



(ilustração de Zérramos)

segunda-feira, 11 de julho de 2005

nas cuecas do robin hood


Sabe aquela história do Robin Hood, que rouba dos ricos para dar aos pobres?
Não sei porquê, mas acho que a turma do PT tem esse mesmo pensamento. Só que o caminho que eles fazem para tirar dos ricos para dar aos pobres é bastante longo. E meio desvirtuado.
Por exemplo. Acho que eles acreditam que, se pegarem dinheiro dos ricos (para eles o governo é rico), para darem aos deputados corruptos (dos outros partidos, pois eles não são corruptos) vão obter maioria no congresso e terão mais poder. E como eles, os petistas, são da turma dos pobres (afinal, eles tem o Lula lá na presidência), com o poder nas mãos garantirão que os pobres estarão preservados.
Entenderam?
Médio?
Eu também. Mas minha teoria é boa, gente. Pensa bem.
A questão é que os petistas que saíram do governo nesses últimos dias não acreditam que tem culpa. Aliás, acho que eles nem acham que roubaram alguma coisa. Não ficaram com nada para eles, ora!
Os dois governos, do Collor e do Lula, desviaram dinheiro. Mas existe uma abismal diferença entre o destinos do dinheiro em cada um dos casos. E eu estou falando é dessa coisa do destino. E esse destino que tira a culpa dos petistas.
A turma do PT, Genoino, Delúbio e Dirceu, não desviavam dinheiro para eles mesmos. Não compraram carros novos, nem roupas, nem contratarm decoradores. Eles não se corrompem assim, com bens de consumo fúteis. São Robins Hoods Petistas, furtaram para uma causa maior, nunca para eles próprios. É exatamente como deviam fazer na época da repressão, da luta armada. Os ativistas radicais, como eles, assaltavam bancos, seqüestravam pessoas e eram capazes de cometer crimes para assegurar a liberdade de expressão, acabar com a repressão e libertar os companheiros.
Ora, hoje em dia eles tem o mesmo pensamento.
Óbvio.
Todo o dinheiro que foi desviado e colocado em malas e cuecas não ia para o bolso deles, e sim para o bolso de outros. Por isso que nenhum deles deu a mínima para a quebra do sigilo bancário. Ninguém vai achar nada nas contas do Dirceu ou o Genoino. Eles não se sentem culpados, pode reparar na cara deles. Nossos Robins Hoods estão limpos, sem nada nos bolsos, sem nada a declarar e com a cueca cheinha de dólares para dar aos pobres.
Agora, quanto a aquele dinheiro guardado dentro da cueca, sério, ninguém merece. Nem os ricos, nem os pobres.
Toda hora que alguém mostra aquela montanha de dólares eu penso: que nojo...!
Será que as pessoas lavaram as mãos depois de pegar naquilo?

domingo, 10 de julho de 2005

o tufinho





Quando eu abri a página principal UOL, levei um baita susto. A imagem era forte demais, o brilho muito intenso. Era quase como uma bola de cristal, de tão reluzente. Tinha um quê de objeto de plástico, de metal, de vidro lapidado. Passei uns bons minutos olhando para ela, fascinada.
Eu estou falando da careca do Marcos Valério.
Essa, ai em cima.
Gente, essa careca não é real. Brilha demais, é lisa demais, é caprichada demais. Tem alguma coisa errada na careca desse homem.
- Ele tem uma doença – explicou uma amiga quando ouviu o meu comentário.
- Uma doença?
- Daquelas que caem todos os cabelos do corpo. Pelo menos é o que dizem.
Olhei de novo para a foto. Doença? Que esquisito. O Marcos Valério está recheado de sobrancelha. Analisei com calma. Vi as sobrancelhas grossas, férteis, volumosas e aparentemente bastante saudáveis. Que diabo de doença é essa que cai o cabelo em cima e não cai logo abaixo?
Resolvi conferir na tv. Pimba, lá estava ele na CPI.
- Zé, olha para as laterais da cabeça dele. Acima da orelha. Vê?
- O que tem?
- Você vê umas manchas azuis meio acinzentadas?
- Sim, eu vejo.
- Aquilo é marca de cabelo, Zé. Ele tem cabelo mas raspa todo dia, olha lá!
- É mesmo...
- Essa careca é falsa, Zé!
- Óbvio que é, lú. E não dá para confiar numa pessoa, assim, sem nenhum cabelo.
- Como assim?
- Se ele deixasse um cabelinho, um tufinho, vá lá. Seria uma coisa mais... natural, digamos. Mas assim, com esse couro cabeludo pelado, é demais. Isso é puro exibicionismo. Pornografia.
Concordo plenamente. Expor em praça pública, ou melhor, em internet e televisão públicas, aquela careca nua é indecente demais. Ainda mais quando fica evidente que aquela calvície não é natural.
O que leva um homem a raspar todos os pelos da cabeça e andar por ai sem nenhuma proteção? Seria uma prova de poder, de autoridade? Será que dizer que não há nada entre o mundo e o couro cabeludo é prova de coragem, de valentia? Ou será que uma careca reluzente é prova de riqueza, como se ele ostentasse uma pedra preciosa no topo do corpo?
Tudo que é excessivamente radical assusta. Nenhum homem é, por natureza, peludo ao extremo, careca ao extremo, liso ao extremo. Isso mostra um lado maníaco, um comportamento ligeiramente obsessivo. Os pequenos defeitinhos, as pequenas irregularidades dão a dimensão humana da pessoa. Essa plasticidade do Marcos Valério mostra que ele não quer parecer humano.
Que idéia aparecer mais burra aparecer assim numa CPI. Que burrada, na minha opinião. Ninguém confia num homem com um crânio de rolopac.
O Zé tem toda razão. Quer que confiem em você?
Deixa ao menos um tufinho.



(... e mais uma canja do !)

sábado, 9 de julho de 2005

jovem guarda


e viva a jovem guarda...
Estávamos conversando, eu e o João, antes dele dormir.
- É feio chamar um velho de “velho”, mãe?
- Eu acho. Você deve falar “senhor” ou “senhora”.
- E “ancião” e “anciã”, eu posso falar?
- Bem – respondi – ancião é um termo usado para pessoas muito velhas, João. Não para pessoas, assim, digamos, de meia idade.
- Ah, mas se a pessoa for de meia idade a gente chama de “moço” e “moça”, não é?
- Claro que não. Fale “senhor” e “senhora”.
- Mas mãe, por acaso uma pessoa de meia idade é... velha? Que idéia!
- Claro que é.
- Claro que não, mãe!
Eu olhei para ele.
- João, você sabe o que é uma pessoa de meia idade?
- Claro que sei - ele me disse, todo exibido - Uma pessoa de meia idade é uma pessoa que tem só a metade da idade uma pessoa de idade inteira. Uma pessoa de idade inteira tem uns trinta, quarenta anos, igual a você. Assim, adulto, idade inteira. Uma pessoa de meia idade tem a metade: uns...15 anos. Mas a gente pode também chamar de adolescente. Não é isso não?



(ilustração do Zérramos!)

sexta-feira, 8 de julho de 2005

surpraize!


- Alô! Boa noite, aqui é a secretária da Franka, tudo bem? Estou ligando para avisar todos os visitantes do "frankamente" para darem um pulo JÁ no Grafolalia para dar parabéns pro nosso grande João Antônio Buhrer, que é aniversário dele.
* Parabéns, João! Beijo da lúcia! E vamos à crônica:

Eu não tenho secretária. Mas já tive. Muitas.
No começo, quando somos recém formados, achamos o máximo ter uma secretária. Alguém que resolve todas as burocracias chatas para você, telefona, atende, te serve café. Há algum tempo que não tenho, mas convivo com muitas e me lembro com saudade das secretárias que tive.
A primeira foi a Adriana. Era muito menina quando veio trabalhar comigo e com meus sócios, mas era muito eficiente, esperta e rápida. Fazia qualquer coisa no maior bom humor, dando gargalhadas. Mas tinha um problema: não conseguia deixar de achar que todo mundo era amigo íntimo dela, inclusive os nossos clientes, que ela tratava como os colegas de escola. Dava a maior vergonha. Chamava todo mundo pelo primeiro nome, puxava conversa, isso quando não punha apelidos.
- Oi, Marcelo, tudo jóia?
- Alô, Silvinha? Tá boa? Eu tou na maior gripe hoje, não repara. E você?
- Falaí, ô Dudu! Quanto tempo que você não telefona aqui!
Eu ouvia esses desastres de longe. Saía correndo.
- Adriana, ô menina, que negócio é esse de “falaí ô Dudu”? Você nunca viu o sr. Eduardo na frente, Adriana, ele pode ser seu avô! Não faz isso!
Um tempo depois tivemos outra secretária, uma moça alta, que adorava se arrumar. O problema é que ela se arrumava demais para apenas trabalhar. Parecia que ia para um casamento todo dia. O escritório tinha uma porta de vidro que dava para a rua e ela ficava ali, numa espécie de vitrine, e a cada dia inventava uma moda. Um dia resolveu ir de chapéu. Parecia que ela era uma madrinha de casamento, fantasiada e completamente inadequada na nossa vitrine. Ensaiamos diversas maneiras de pedir que tirasse aquele troço preto com florzinhas da cabeça sem magoá-la, mas ninguém tinha coragem. Até que um dos sócios se encheu. Foi até ela, olhou sério e não deu explicação nenhuma.
- Tira esse negócio da cabeça. Aqui é proibido trabalhar de chapéu.
E ponto final.
Ô coragem, foi de tirar o chapéu a atitude dele.
O Zé teve durante anos uma secretária, a Sandra. Ela era a secretária com mais cara de secretária que eu já vi. Era branquela e magra, com a pele exatamente da cor da pele. Sabe aquela cor, a cor de pele? Era a cor da Sandra. Um dia ela arrumou uma roupa diferente. Veio de “tomara que caia” com um casaquinho por cima, e era tudo de uma cor só.
Cor de pele.
Como no meio do dia estava muito calor, ela tirou o casaquinho e ficou só de “tomara que caia”. Só que ela trabalhava atrás dum computador, e todo mundo que entrava, olhava de relance e achava que ela estava... pelada. Era um atrás do outro arregalando um olhão. Imagina a Sandra de topless.
A Sandra era nervosa e tinha muitas dores no estômago. Mandaram ela para o médico, podia ser uma úlcera. Ela voltou assustada:
- Ai, tive que fazer um negócio horrível! Aquele troço imenso entrando dentro de mim, lá dentro!, você não imaginam!
A Sandra era solteira, e todos achavam que aquela foi a primeira experiência sexual dela.
A endoscopia.
Mas a secretária mais engraçada foi a de um amigo meu. Esse amigo faz muita festa para os clientes dele, fala alto, faz teatro, é o jeito dele.
- Mas que surpresa, Marião!
- Ôpa, que visita boa, Rubem!
- Fala, Jorge, tudo firme?
A secretária nova só olhando, de bituca. Só olhando, o dia todo reparando. Um hora chegou um cliente que meu amigo não conhecia direito. Ele estava no telefone e ela não podia anunciar. A moça não teve dúvida: pegou o cliente pela mão, levou ele até a sala do meu amigo, abriu a porta num sopetão, e gritou para ele, sorrindo:
- Surpraize! Olha quem está aqui!
O cliente queria virar pó de vergonha, e meu amigo, boquiaberto, atônito. Bom, essa moça acabou ficando anos e anos com ele, e ele sempre contando a gracinha dela.
Vai entender...

quinta-feira, 7 de julho de 2005

A CPI das bolsas


essa é uma legítima pochete

Estava indo pra uma reunião quando ouvi meu nome.
-Luciiinhá.
Era uma prima. Estava numa loja em obras com um engenheiro acertando os detalhes de uma reforma. Essa prima tem uma fábrica de bolsas e me contou que ia montar uma loja. As bolsas dela são bacanérrimas, de super bom gosto.
- Que legal... – eu disse a ela - esse endereço é ótimo.
- Daqui a dois meses passe aqui para ver como ficou – ela me disse.
Foi quando resolvi perguntar uma coisa que me intriga muito.
- Falando em bolsas... você acha que existe alguma chance da pochete voltar a entrar na moda?
Ela fez uma cara de susto.
- Pochete?
- É, pochete. Aquela bolsinha que a gente coloca na cintura, tipo um cinto.
- Porque? – ela perguntou assustada, dando um passo para trás.
- Ora, porque é ótimo pochete – eu disse - Eu adoro. Como eu vivo em obra, nada melhor que pochete. Como você acha que a gente consegue correr daqui pra lá, subir em andaimes, em terrenos – eu olhei para o engenheiro, pedindo concordância - e ainda carregar uma bolsa pesada dessas? – argumentei, mostrando a minha bolsa – é caneta, celular, trena, máquina fotográfica, agenda...
- Lucinha, você não vai me dizer que você...
- O quê?
- Não, nada... – ela desconversou, sem graça - Olha, eu tenho umas bolsinhas de lado que resolveriam, eu acho. A tiracolo.
Minha moral deve ter caído uns mil pontos com essa prima tão chique. Eu e minha boca. Virei a “prima da pochete”, óbvio.
Gente, perdão, mas eu adoro usar pochete. Acho que a pochete é uma das melhores invenções do mundo das bolsas. É um bolso, solto, que você usa por cima da sua roupa, como se fosse um cinto. Além disso, ela serve de cinto também, além de servir de apoio para celular, porta toalha e gancho para casacos.
Uma beleza pochete.
O único problema é que é cafona.
Cafona não.
Cafonérrimo.
Cafonetésimo.
Cafonetesimoérrimo.
Eu não posso nem pensar em usar pochete porque meus filhos me abandonarão, o Zé me largará, minha mãe me deserdará e meus amigos me repudiarão. Ninguém gosta de gente que usa pochete.
Agora, alguém pode me explicar? Porque a gente tem que sofrer? Eu carrego essa bolsa pesadérrima e que me deixa toda torta só para não ser chamada de cafona. É um sofrimento, além de eu estragar todas as minhas bolsas nas obras, pois sou obrigada a colocar em tudo quanto é canto e muitas vezes até no chão. Porque uma coisa tão útil como essa inócua bolsinha pode ser considerada cafona?
Pochete é ótimo para quem trabalha e precisa das mãos livres; para mães de filhos pequenos e que ficam naquele abaixa e levanta - quer lugar melhor para guardar a chupeta?; para quem vai fazer compras – é uma sacola a menos para carregar; para quem vai viajar – cabe o cartão de embarque direitinho, o resto você despacha; além de ser super segura contra assaltos e roubos. E tudo isso vai por água abaixo pochete é cafona.
Só posso supor uma coisa. Isso é um complô. Está na cara essa calúnia faz parte de uma trama para difamar a pochete e acabar com o seu uso.
Sim, sim. Provavelmente o Monsieur Luis Vuitton, o sr. Lê Postiche e Sir Kipling se reuniram um certo dia, bolaram um plano e resolveram exterminar as pochetes do mercado de bolsas.
- Senhores, estamos correndo perigo – disse um deles, cochichando.
- Essa bolsinha ridícula vai acabar com minha nova coleção – desesperou-se o outro – ela é útil demais, demais!
- Vamos difamá-la já, se demora. Diremos que é cafona, deselegante, brega. Espalharemos o boato através da mídia, dos estilistas, dos modelos, dos empresários. Nenhum produto resiste ao estigma de cafona. E, se for preciso, conseguiremos chegar até na SPFW! – declarou o terceiro homem, inflamado, dando uma gargalhada maléfica.
Pobre pochete.
Pois na semana do Fashion Week eu estava eu zapeando quando captei uma entrevista com um estilista. O repórter perguntou.
- Na sua opinião, o que está na moda?
- Acredito numa elegância discreta, sem romantismos.
- E o que você aconselharia nossos telespectadores a nunca usar?
- Pochete, óbviamente.
Ô implicância, pensei.
Nessa hora tive certeza. É um complô. Vale uma CPI.
CPI das bolsas.



e mais uma vez, uma canja do (estou a-do-ran-do essa nossa parceria, Zé!)

quarta-feira, 6 de julho de 2005

a fila do Banco Itaú




Descobri uma coisa esquisitérrima.
Um das coisas mais importantes para o controle do meu estado mental é a fila do Banco Itaú. Não que eu tenha alguma coisa errada na minha cachola, mas de quando em quando é bom medir o quão malucos estamos ficando por causa das modernices do mundo contemporâneo.
É o seguinte. Desde que sou gente que tenho conta em banco. E desde então controlo a tal conta: deposito dinheiro, saco dinheiro, checo o saldo, essas coisas. Quando crescemos, além de tomar conta da comida da nossa casa, temos que tomar conta do nosso dinheiro no banco.
Ou do saldo negativo do banco, tanto faz.
Quando eu era mocinha, quase todos os bancos tinham filas imensas. Não existia essa coisa maravilhosa que é a “fila única”, gente. Acreditem. Em todos os bancos existiam um montes de filas, uma para cada caixa, e obviamente você sempre caia naquele que não andava. Na tua frente, sempre surgia um boy com todos pagamentos da empresa. Era de morrer. Com toda a certeza a invenção da “fila única” foi uma das grandes invenções do mundo moderno, quiçá a maior delas, tão importante como o computador ou a luz elétrica, mas não sei porque ela foi totalmente esquecida.
Acho até que ela definiu uma era: vivemos na era pós-fila única.
Um dia inventaram o caixa eletrônico. Era a coisa mais lerda do mundo, mas eu achava rapidíssimo. Pra você sacar uns trocados você levava uns 10 minutos, em média, parecia que a coisa era movida a manivela. E era bárbaro, acreditem. Aquela casinha moderna, fechada, envidraçada.
Daí os bancos começaram a se modernizar, tudo se informatizou e hoje, se você não quiser, nem precisa mais ir ao banco. Pode resolver tudo da sua casa, do seu micro.
Virtualmente.
Sabe, eu quase entrei nessa. Quase, quase. Eu adoro uma novidade de informática, sou apaixonada por novas tecnologias e tal. Mas pensei muito, muito mesmo, e resolvi não aderir.
Eu quero continuar indo ao banco, quero entrar na fila e quero esperar.
Isso mesmo.
É que descobri que a fila do caixa do Banco Itaú é, para mim, um teste de paciência. E é muito bom a gente ter paciência. A fila do Itaú é o meu medidor de neuroses causadas pela rapidez virtual.
Imagina se alguma coisa demora vinte minutos para acontecer no teu micro. Você aguenta esperar vinte minutos diante da tela? Eu não, pra mim é o caos. Nesse mundo virtual, a gente não pode esperar nem trinta segundos pra nada. Se eu ligo o computador e ele não acende logo, eu começo, furiosamente, a apertar todas os botões, a bater nas teclas com ódio, a checar os cabos, sacudir o monitor, chamar o Zé, desligar e ligar a tela sem parar, falar drogaporcaria drogaporcaria, e imediatamente telefono pro Edu, meu técnico e guru. E imagina se cada site, blog ou página demorasse vinte minutos para abrir? Sério, eu teria um treco. Nunca ia ser blogueira.
Resumindo, a cada dia tenho menos paciência.
Gente, isso é ridículo e eu sou uma ridícula. Por isso toda semana eu vou ao Banco Itaú pra pagar minhas contas e entro na fila.
Para eu deixar de ser besta.
É esquisito de falar, mas é a verdade: a fila do banco é a minha terapia. Eu paro na fila e espero, como todo mundo. Sem tela. Sem blog. Sem site. E ali eu reaprendo, toda semana, a esperar a minha vez. A fila única do banco é um lugar calmo e democrático. Todos são pacientes, ninguém dá ataque, nada. Demora mesmo, então é melhor relaxar.
Ontem demorou 25 minutos.
E, mais uma vez, descobri que ainda sei esperar.



gente, eu falo tanto de regime que olha como o Zé me desenhou gorducha!

terça-feira, 5 de julho de 2005

as lombadas e a terceira idade


O meu carro não é mais o mesmo.
Tá ficando velho, creio.
Acho que os carros são iguais aos cachorros nessa questão da idade. Para você descobrir a idade de um cachorro, me disseram, basta multiplicar os anos dele por sete. Um ano de cachorro é igual a sete anos de gente. Se um cachorro tem oito anos de idade (de cachorro), significa que ele terá cinqüenta e seis anos de idade de gente.
Acho que com carro é a mesma coisa, mas acredito que um ano de carro é mais que um ano de cachorro. Um ano de carro deve equivaler a uns... quinze anos de gente, na minha opinião. Assim sendo, como o meu carro tem cinco anos anos, calculo que ele já está nos seus setenta e cinco anos.
Olha lá, tudo suposição minha, viu?
Bom, mesmo na terceira idade, ele ainda está ótimo. Funciona direitinho, anda muito bem e ainda me leva de cá para lá com muita dignidade. Mas está apresentando uns sinais de velhice, como todas as pessoas que já passaram dos quarenta. As articulações, gente, as articulações não são as mesmas.
E meu carro começou a dar uns gemidos.
É, gemidos. Meu carro geme quando cai num buraco, quando tem que passar numa valeta ou numa lombada. É engraçado, pois ele está extremamente parecido com um ser humano. Olha, digamos que ele se parece com a minha mãe, por exemplo, que para transpor um obstáculo, dá uma gemidinha.
Hueimmm.
Já levei o carro em tudo quanto é canto e ninguém achou nada. Já coloquei óleo, fluido, água e também não era isso.
- É a idade – falou o Zé – Precisamos trocar esse carro.
Mas enquanto isso, o pobrezinho anda e geme.
Seria reumatismo?
Hueimmm.
Foi ai que eu descobri umas coisas. Percebi que tem buraco, valeta e lombada demais nessa cidade, e, principalmente, no meio do meu caminho.
Bom, buraco é buraco, e qualquer piso asfaltado, cimentado ou construído sofre com as movimentações do solo. Isso acontece mesmo. Embaixo de uma rua tem terra, tem pedra, tem água, tem cano, e, queríamos ou não, tudo isso se desloca, pois faz parte da cidade. O que eu não entendo são as lombadas, gente. Desde que meu carro começou a gemer que eu encasquetei com as lombadas dessa cidade.
Bom, só no meu quarteirão, aqui em frente a minha casa, tem duas. Em todas as ruas ao redor tem mais. A cidade está cheia, cheinha de calombo.
A minha implicância com a lombada é porque me parece uma coisa muito, muito burra. É um obstáculo que um humano faz para um humano, ou seja, é uma autopunição em estado puro.
O homem faz lombadas para ele mesmo!
Claro que qualquer pessoa pode andar devagar se quiser. Claro que não é preciso correr ou acelerar, se no lugar não é permitido. Mas não. Ao invés de reduzirmos a velocidade, colocamos uma barreira no meio da rua, para nos obrigarmos a parar e pular. É como colocar caco de vidro na comida para você não conseguir comer, é como colocar cinto de castidade nas pessoas para elas não se entregarem ao prazer, é como fazer cigarros com explosivos para as pessoas não fumarem, é como fazer teclas com espinhos para você não poder digitar o nome do site pornográfico. As coisas erradas estão e sempre estiveram na nossa frente, mas sabemos o que é certo e o que é errado.
Fazer uma lombada no meio da rua, ou seja, criar um empecilho no meio do seu próprio caminho é a coisa mais anticivilizada que existe. Pressupõe que somos seres irracionais, burros ao extremo, que precisam de um calombo incômodo para se condicionar a não correr na rua feito um louco endoidecido.
Com esse monte de lombada essa cidade nunca vai se modernizar. Civilização se faz com o cérebro, acho eu. E os carros idosos não precisam passar por isso.
Hueimmm.
É. Nada como a idade para nos tornar sábios.



e a lucia e o calhambeque da lucia ganharam uma ilustra especial e exclusiva do Zé do OIEUOI!

Brigadão, Zé!

segunda-feira, 4 de julho de 2005

os jantares do futuro


A Maria, minha empregada, acabou de entrar aqui no meu escritório.
- Ô Lúcia.
- Fala, Má.
- Fazemos o quê para o jantar?
Olhei no relógio. Uma hora da tarde. Eu tinha acabado de almoçar.
Suspirei.
- Não sei, Maria.
- Tiro o quê do freezer?
- Que é que tem pra tirar? Não estou lembrando o que tem lá dentro além da leitoa.
- Carne moída, frango e carne para assar.
- Hum. Faz carne assada.
- Da última vez que eu fiz e ninguém comeu.
- Eu comi.
- Talvez seja melhor fazer a torta de frango.
- É. Pode ser, Maria.
- Ichi. Mas não tem ervilha.
Ser mulher é isso. Óbvio que nem todas são assim, e óbvio que todas as moças que moram fora do Brasil vão apitar aqui e me dizer que eu tenho que dar graças a Deus de ter a Maria, blá, blá, blá, que ter uma empregada é uma coisa ótima, imagina ter que cozinhar, lavar, passar e trabalhar.
Sim, graças a Deus que eu tenho a Maria.
Mas tivesse ou não a Maria, eu tinha que saber, de qualquer jeito, o que fazer de jantar todos os dias. E bem antes do jantar. Muito antes do jantar, numa hora que você não tem fome ne-nhu-ma. E não é apenas saber o que você vai comer. É saber o que você, seu marido e seus filhos e todos em casa vão comer.
Ser mulher é isso: é saber o que todos vão comer.
Não sei se fica clara a importância dessa definição. É como se nós ainda amamentássemos, entende? É como se eternamente amamentássemos. A alimentação da família depende da mãe, e essa verdade acontece há milênios. Ser mulher não é prever o futuro: é prever apenas o jantar.
Aliás, uma mulher que tem uma casa tem que ter um certo controle da própria despensa e da geladeira. E planejar essa despensa e essa geladeira não é fácil não. Alguns produtos acabam antes, outros precisam de controle, outros duram muito e outros ainda precisam ser consumidos num certo tempo. Eu, por exemplo, quando me casei, descobri que os tomates e as batatas não desaparecem da frente. Descobri que se você não fizer os brócolis em dois dias ele amarela e babau. E descobri que temos que pensar na comida da semana toda quando vamos ao mercado, para não ter que voltar lá todos os dias.
Foi duro pra mim entender a questão da alimentação. Foi duro deixar de ser alimentada e me alimentar sozinha. Mas uma hora consegui.
E hoje sei o que toda a família vai jantar, almoçar, tomar de lanche, tomar de café da manhã.
Isso me tira um pouco a fome. Nada que vai à mesa é surpresa. Eu tenho que pensar em comida quando não estou com fome. É uma atitude evoluida de planejamento alimentar, uma coisa nada selvagem, entende? É programar, armazenar, é estocar, poupar o alimento.
Quando eu trabalhava fora e não tinha filhos, almoçava na rua todo dia. Era maravilhoso. Como eu tinha ticket, ia aos restaurantes e podia escolher, todo dia, uma coisa diferente. Não sei se vocês entendem a maravilha que é isso. Uma coisa é saber, à uma da tarde, que à noite você vai comer uma carne assada, arroz, lentilha e salada. Além disso, você sabe de todo o histórico daquela carne, se você se esforçar dá pra lembrar até da cara do açougueiro; sabe qual é a marca da lentilha, sabe que o arroz é o de ontem, e sabe que a salada só vai ter alface e rúcula. Coisa mais sem graça. A outra coisa é se sentar na frente de um cardápio e sonhar. Peixe, carne, frango, macarrão? O universo alimentício é enorme. E delicioso.
Mas como isso é raro, pois almoço e janto em casa todos os dias, olhei para a Maria e decidi.
- Panquecas, Maria. Hoje à noite, panquecas.

domingo, 3 de julho de 2005

posta ou filézinho?



Era a hora do almoço na casa de praia que estava em reforma. Como a casa tem empregada e fora da temporada não há onde comer ali por perto, a moça cozinhou para nós quatro: eu, o arquitetos, o empreiteiro da obra e o dono de uma empresa de que trabalha com madeiras.
Arroz, salada, peixe, feijão, suco.
Na minha frente aterrizaram duas travessas, cada uma com um tipo de peixe. Resolvi servir a todos.
- Posta ou filezinho? – perguntei para o arquiteto.
- Posta – ele respondeu.
- E você, posta ou filezinho? – perguntei ao dono da empresa que trabalha com madeiras.
Ele me interrompeu.
- Ah, é horrível esta palavra: “posta”. Nem parece nome de comida. Não vou comer de jeito nenhum um peixe em posta. Só filezinho, por favor, lúcia.
Mas peixe em postas está uma delícia, falou uma das pessoas, insistindo.
- Não, não, por favor – e ele encerrou o assunto fazendo cara de nojo.
Ele estava ao meu lado. Respirou fundo e começou a falar. Disse que ele é assim mesmo, que vez ou outra implica com alguma comida e não há quem tire da cabeça.
- Sabe, tenho aflição de outra “coisa” – desabafou – na minha casa, quando falam nessa “coisa” eu fico péssimo.
Ele fazia uma cara de ânsia, retorcia o rosto, falava baixinho. Como se a tal comida não merecesse virar um assunto a ser falado alto.
Alguém perguntou, cauteloso.
- Mas você tem nojo... da palavra ou da “coisa”?
O homem nem olhava para a comida no prato dele.
- Sei lá - ele disse - sei lá... acho que primeiro tive nojo da palavra, depois da "coisa". E ela, a minha mulher, fala dessa “coisa” todo santo dia!
- Mas fala o que é! – alguém implorou.
Ele não olhou para ninguém. Disse bem baixinho:
- Soro.
Ninguém entendeu.
Soro?
Ele continuava ali, de olhos fechados, boca torta. Parecia que tinha comido uma posta podre.
- Mas como... soro? – alguém cautelosamente perguntou – Você... detesta soro?
O homem tomou ar e continuou. Falava devagar, olhos fechados.
- Ela faz isso todo dia. Ela fala que vai fazer coalhada e diz que.. que ... vai tirar o ... soro. Fica repetindo, toda animada, alheia ao meu nojo: “já dá para tirar o soro”, “vou guardar o soro”, “vou colocar o soro”, o dia inteiro aquele negócio de soro, soro, soro, martelando na minha cabeça. Quer saber? Eu detesto soro, odeio soro, tenho nojo de soro e um dia não vou mais agüentar. Olha, é sério - ele desadafou - Um dia vou me separar dela por causa do... soro!
Ficou o maior silêncio na mesa. Acho que ficamos todos pensando sobre os casamentos, as separações e sobre o tal de "soro". Seria aquele líquido amarelado, despregado do leite? Não tive coragem de perguntar. Nunca mais verei um sorinho inócuo com os mesmos olhos. Bom, e até o final do almoço ninguém se atreveu a falar mais nada o homem das madeiras, que ficou deprimido e calado.
Como eu me envolvo muito com as mulheres, me deu vontade de ligar imediatamente para a esposa dele.
- Moça, salve seu casamento de um naufrágio nesse fluido aquoso-leitoso: pare imediatamente de falar de soro, vamos!
Na volta, me lembrei de uma palavra que eu detesto: “buço”. Palavra feia demais essa, e o pior é que ela é uma palavra meio feminina. Homem tem bigode, mulher tem esse tal de "buço".
Bom.
Pensando bem, vou pedir para o Zé nunca falar "buço" na minha frente.

sábado, 2 de julho de 2005

uma sopa de letras



Alguém comentou que falar na Internet é como falar na língua do “pe”, só que invés do “pe”, a gente põe o “e”.
Lembra da língua do pê? Era uma brincadeira de criança, principamente de meninas. Existiam dois tipos de língua do “pe”. O primeiro era mais fácil, bastava colocar um "pe" antes de cada sílaba da palavra.
Pevo pece peen peten pede peo peque peeu pefa pelo?
Dava pra entender, era só pegar o jeito.
Mas existia outro tipo complicadíssimo. Esse outro era, na verdade, a língua da “letra p”. Eu nunca consegui falar essa língua muito bem, e geralmente não entendia nada quando minhas amigas falavam. Era assim: tínhamos que pegar cada sílaba, colocar o “p” antes, mas o “p” não vinha sozinho – ele tinha que ter a mesma vogal da tal sílaba. Uma zona.
Pifi paca pava pupu pama poco pii pasa pasass pimsim.
Nem sei se tá certo isso que eu escrevi ai em cima.
Pra mim, sempre foi grego.
Mas a internet é mesmo a língua do “e”. E-mail. E-comerce. E-service. Tudo eles colocam um “e” na frente. A letra “e”, que andava um pouco e-esquecida, virou um e-sucesso total. Famosíssima nos dias de hoje, é uma letra que lembra tecnologia, avanço. Tudo que tem a letra “e” na frente é visto com outros e-olhos.
Claro que existem outras letras famosas, que são até usadas sozinhas, sem precisar de sílaba alguma. A letra “x”, por exemplo,"...temos que definir o x da questão...”. A letra “n”, “...nossa, hoje tenho n coisas para fazer...”. A letra “h”, usada de duas maneiras, com dois significados: “ ... e eu cheguei em casa na hora h...” ou “... ele é homem mesmo, com h maiúsculo, viu?” E até a letra “q”, numa expressão meio esquecida “... ela tem um q de alguma coisa, não me lembro...”. Nossa, e eu quase me esqueci do “d”, gente, aquele do “dia... d”! Algumas outras letras ganharam fama juntas, como fhc, jfk, os partidos, psdb, pdt, pt... e até o tal do mm (o chocolate). Deve ser um grande trunfo para uma letra ser assim, famosa.
Além do som, algumas letras são bonitas por causa do desenho. Hoje em dia a gente pouco escreve à mão, é tudo digitado, já repararam? Eu tinha um calo do dedo indicador que foi para a cucuia. Acho que nem sabemos mais escrever a mão, nos cansamos, doem os dedos, as articulações, os ossos. Não temos mais letras próprias, com personalidade. Escolhemos um “tipo” de uma lista de dentro do computador. E nunca é uma letra cursiva, é sempre letra de forma.
Repara.
Uma pena. As letras escritas à mão eram ótimas, sempre davam a mão uma para a outra, caminhando juntas dentro das palavras. Hoje em dia não tem mais essa moleza. Dona letra, nada de dar a mão! Ande ao lado da sua colega e não reclame. Olhe como você já sai retinha quando escrita, não precisa se segurar em nada!
É. Nosso mundo é um pouco assim, mais individualista. No mundo de hoje pouca gente anda mesmo de mãos dadas, se a gente pensar bem.
Pois há uns anos atrás fui ajudar o Joãozinho na lição.
- Ô mãe, preciso colocar todo o alfabeto em maiúsculas.
- Vamos lá - falei – Eu te ajudo.
Que vexame. Comecei a escrever, mas quando cheguei na letra “i”, me embananei. Como era mesmo o “i” maiúsculo? Tentei uma vez, mas o João me disse que aquele era o “t”. O “v” eu também errei, ficou torto, grandão no começo e pequeno no fim. E também me confundi no “d”, no “l”, e o “s”. Foi quando cheguei na rainha de todas, a mais complicada: o “h” maiúsculo. O João me olhou com um ar de dúvida, mas eu tomei coragem e fui.
Comecei devagar, cautelosa, mas quando cheguei na hora “h”, na última argolinha e percebi que tinha conseguido sem errar, até suspirei, cheia de “h” s: ahhhhhhh!
E-consegui!

sexta-feira, 1 de julho de 2005

a cocada e o vôo


Foi novamente na hora de embarcar para São Paulo que a coisa aconteceu. Com o cartão de embarque na mão, com minha mochila e duas sacolas cheias de cocada, percebi uma alteração nos monitores de partidas e chegadas do saguão do aeroporto de Ilhéus ontem à noite:
“Vôo cancelado”.
Olhei para os engenheiros que estavam comigo. Eles conversavam animadamente.
- Gente. Olha... – apontei a palavra amarela que piscava – Cancelado!
- Iii.. – falou um deles - Lá vai a lúcia armar um novo barraco no balcão da TAM – falou um deles, rindo.
Não precisei. Um outro passageiro já estava fazendo isso no meu lugar, e, sem dúvida alguma, com muito mais maestria.
Acho que tem gente que tem o dom de armar um bom barraco. Loco de cara percebi que ele era um profissional. Muito, muito boa a performance do homem. Perto dele, sou uma principiante, uma amadora no assunto. O homem, um médico, dizia sem parar em alto e bom tom:
- Não existe a menor possibilidade de eu não estar em São Paulo em duas horas. Vocês entenderam?
Ele não berrava, não gritava. Apenas falava muito alto e claro que "não existia a menor possibilidade dele não estar em São Paulo em duas horas". Pronto.
O grupo todo que embarcaria em Ilhéus se dividiu imediatamente em dois. Quando uma pessoa se afirma como um líder absoluto de forma tão inesperada, adquire imediatamente uma legião de adoradores. Os demais, os conformados, eram absorvidos pelas desculpas repetidas das atendentes da companhia aérea, que trocava o problema por outros prêmios: estadia paga em um ótimo hotel, jantar, café, condução, táxi para casa, atendimento personalizado, e mais um monte de mimos, como se você fosse a pessoa mais legal do mundo.
Mas o médico estava decidido:
- O senhor ouviu? Não existe a menor possibilidade de eu não estar em São Paulo em duas horas. O senhor ouviu?
Quando reparei, o homem que estava na frente dele era o sr. Waldemar, o gerente da TAM que tentou me consolar quando eu armei o meu barraco, há alguns meses. Depois daquele episódio que marcou o aeroporto em Ilhéus, eu e o seu Waldemar ficamos amigos. É como se ele soubesse do que eu sou capaz e como se eu soubesse como ele é paciente e compreensivo com as clientes histéricas vítimas dos muitos overbooks da TAM. Temos atualmente, eu e o seu Waldemar, uma certa cumplicidade, que eu não sabia se ia funcionar dessa vez.
O médico percebeu que tinha uma legião de seguidores e se animou. Quando alguém te incentiva numa hora dessas, você infla muito mais. O médico virou um tipo de chefe. Ele não ia deixar por menos, avisou a todos. No mesmo instante, sacou o celular e mostrou a todos.
Parecia que o celular dele era uma arma, uma bomba. Era como se até então ele estivesse apenas brincando, mas ali a guerra ia começar. Nossa. Para quem ele iria ligar? Para algum político, para o presidente da TAM, para o prefeito da cidade, para o governador?
Pior.
Ele ligava para o advogado dele, explicou à todos.
Puxa. Um verdadeiro barraqueiro tem o número do advogado na caixa postal do telefone. Eu sou mesmo uma principiante, pensei, admirada.
- Preciso papel, caneta e de testemunhas !– ordenou, com o advogado ao telefone – Vou escrever agora um documento processando a TAM.
- Eu! – levantei a mão imediatamente – Eu quero ser uma testemunha.
Foi quando seu Waldemar me viu. Ficou boquiaberto.
- Dona lúcia...!
Acho que ele achou que aquilo era um levante de passageiros, que eu estava infiltrada ali para surgir na hora de maior impacto. Percebi que ele suspirou fundo, resignado.
A coisa mudou de figura. Enquanto quase metade dos passageiros já tinha se conformado e estava pegando o táxi para o hotel, a TAM chamou o médico para conversar num canto. Como se tivesse arrumado uma saída para ele.
- Olha lá, Z. – cochichei para o engenheiro - Isso me cheira bem...
Nos aproximamos, pé ante pé. Ele ainda repetia que tinha que voltar para São Paulo, mas estava mais calmo. Acho que alguma coisa muito terrível ia acontecer se ele não voltasse. E como ele era médico, era melhor nem perguntar. Vidas poderiam estar em perigo, óbviamente. E além disso, tinha o tal advogado dele. Acho que turma da TAM resolveu não brincar em serviço.
E eu decidi que era hora de agir.
- Waldemar, venha aqui - pedi ao homem - O que foi que você cochichou para o médico?
- Como assim?
- Eu vi você propondo alguma coisa para ele. Eu também quero voltar hoje e nem comecei ainda a me revoltar. O que foi?
Ele olhou fundo nos meus olhos e não falou nada.
- E além de tudo, tenho um monte de cocada, seu Waldemar. Vamos, diga.
O senhor Waldemar a-do-ra cocada.
- Bom... – ele começou a falar bem baixinho - Tem um vôo que vai para Salvador às 11 horas da noite. E de lá tem um outro vôo que vai para São Paulo à meia noite. Chega em Cumbica às duas. Que acha?
- Quantos lugares?
- O vôo está lotado. Mas arranjo para vocês.
- Eu topo – resolvi – fechado.
- E as cocadas? – ele lembrou, sorrindo.
Abri a sacola e dei dois pacotes para ele. Valia a pena.
Chegamos em São Paulo de madrugada, mas chegamos. O médico me deu um cartão e eu ofereci umas cocadas. Sei lá, a gente precisa sempre ter um trunfo para uma hora dessas.
Quem não tem advogado, que tenha ao menos cocadas.