sábado, 2 de julho de 2005

uma sopa de letras



Alguém comentou que falar na Internet é como falar na língua do “pe”, só que invés do “pe”, a gente põe o “e”.
Lembra da língua do pê? Era uma brincadeira de criança, principamente de meninas. Existiam dois tipos de língua do “pe”. O primeiro era mais fácil, bastava colocar um "pe" antes de cada sílaba da palavra.
Pevo pece peen peten pede peo peque peeu pefa pelo?
Dava pra entender, era só pegar o jeito.
Mas existia outro tipo complicadíssimo. Esse outro era, na verdade, a língua da “letra p”. Eu nunca consegui falar essa língua muito bem, e geralmente não entendia nada quando minhas amigas falavam. Era assim: tínhamos que pegar cada sílaba, colocar o “p” antes, mas o “p” não vinha sozinho – ele tinha que ter a mesma vogal da tal sílaba. Uma zona.
Pifi paca pava pupu pama poco pii pasa pasass pimsim.
Nem sei se tá certo isso que eu escrevi ai em cima.
Pra mim, sempre foi grego.
Mas a internet é mesmo a língua do “e”. E-mail. E-comerce. E-service. Tudo eles colocam um “e” na frente. A letra “e”, que andava um pouco e-esquecida, virou um e-sucesso total. Famosíssima nos dias de hoje, é uma letra que lembra tecnologia, avanço. Tudo que tem a letra “e” na frente é visto com outros e-olhos.
Claro que existem outras letras famosas, que são até usadas sozinhas, sem precisar de sílaba alguma. A letra “x”, por exemplo,"...temos que definir o x da questão...”. A letra “n”, “...nossa, hoje tenho n coisas para fazer...”. A letra “h”, usada de duas maneiras, com dois significados: “ ... e eu cheguei em casa na hora h...” ou “... ele é homem mesmo, com h maiúsculo, viu?” E até a letra “q”, numa expressão meio esquecida “... ela tem um q de alguma coisa, não me lembro...”. Nossa, e eu quase me esqueci do “d”, gente, aquele do “dia... d”! Algumas outras letras ganharam fama juntas, como fhc, jfk, os partidos, psdb, pdt, pt... e até o tal do mm (o chocolate). Deve ser um grande trunfo para uma letra ser assim, famosa.
Além do som, algumas letras são bonitas por causa do desenho. Hoje em dia a gente pouco escreve à mão, é tudo digitado, já repararam? Eu tinha um calo do dedo indicador que foi para a cucuia. Acho que nem sabemos mais escrever a mão, nos cansamos, doem os dedos, as articulações, os ossos. Não temos mais letras próprias, com personalidade. Escolhemos um “tipo” de uma lista de dentro do computador. E nunca é uma letra cursiva, é sempre letra de forma.
Repara.
Uma pena. As letras escritas à mão eram ótimas, sempre davam a mão uma para a outra, caminhando juntas dentro das palavras. Hoje em dia não tem mais essa moleza. Dona letra, nada de dar a mão! Ande ao lado da sua colega e não reclame. Olhe como você já sai retinha quando escrita, não precisa se segurar em nada!
É. Nosso mundo é um pouco assim, mais individualista. No mundo de hoje pouca gente anda mesmo de mãos dadas, se a gente pensar bem.
Pois há uns anos atrás fui ajudar o Joãozinho na lição.
- Ô mãe, preciso colocar todo o alfabeto em maiúsculas.
- Vamos lá - falei – Eu te ajudo.
Que vexame. Comecei a escrever, mas quando cheguei na letra “i”, me embananei. Como era mesmo o “i” maiúsculo? Tentei uma vez, mas o João me disse que aquele era o “t”. O “v” eu também errei, ficou torto, grandão no começo e pequeno no fim. E também me confundi no “d”, no “l”, e o “s”. Foi quando cheguei na rainha de todas, a mais complicada: o “h” maiúsculo. O João me olhou com um ar de dúvida, mas eu tomei coragem e fui.
Comecei devagar, cautelosa, mas quando cheguei na hora “h”, na última argolinha e percebi que tinha conseguido sem errar, até suspirei, cheia de “h” s: ahhhhhhh!
E-consegui!

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