segunda-feira, 4 de julho de 2005

os jantares do futuro


A Maria, minha empregada, acabou de entrar aqui no meu escritório.
- Ô Lúcia.
- Fala, Má.
- Fazemos o quê para o jantar?
Olhei no relógio. Uma hora da tarde. Eu tinha acabado de almoçar.
Suspirei.
- Não sei, Maria.
- Tiro o quê do freezer?
- Que é que tem pra tirar? Não estou lembrando o que tem lá dentro além da leitoa.
- Carne moída, frango e carne para assar.
- Hum. Faz carne assada.
- Da última vez que eu fiz e ninguém comeu.
- Eu comi.
- Talvez seja melhor fazer a torta de frango.
- É. Pode ser, Maria.
- Ichi. Mas não tem ervilha.
Ser mulher é isso. Óbvio que nem todas são assim, e óbvio que todas as moças que moram fora do Brasil vão apitar aqui e me dizer que eu tenho que dar graças a Deus de ter a Maria, blá, blá, blá, que ter uma empregada é uma coisa ótima, imagina ter que cozinhar, lavar, passar e trabalhar.
Sim, graças a Deus que eu tenho a Maria.
Mas tivesse ou não a Maria, eu tinha que saber, de qualquer jeito, o que fazer de jantar todos os dias. E bem antes do jantar. Muito antes do jantar, numa hora que você não tem fome ne-nhu-ma. E não é apenas saber o que você vai comer. É saber o que você, seu marido e seus filhos e todos em casa vão comer.
Ser mulher é isso: é saber o que todos vão comer.
Não sei se fica clara a importância dessa definição. É como se nós ainda amamentássemos, entende? É como se eternamente amamentássemos. A alimentação da família depende da mãe, e essa verdade acontece há milênios. Ser mulher não é prever o futuro: é prever apenas o jantar.
Aliás, uma mulher que tem uma casa tem que ter um certo controle da própria despensa e da geladeira. E planejar essa despensa e essa geladeira não é fácil não. Alguns produtos acabam antes, outros precisam de controle, outros duram muito e outros ainda precisam ser consumidos num certo tempo. Eu, por exemplo, quando me casei, descobri que os tomates e as batatas não desaparecem da frente. Descobri que se você não fizer os brócolis em dois dias ele amarela e babau. E descobri que temos que pensar na comida da semana toda quando vamos ao mercado, para não ter que voltar lá todos os dias.
Foi duro pra mim entender a questão da alimentação. Foi duro deixar de ser alimentada e me alimentar sozinha. Mas uma hora consegui.
E hoje sei o que toda a família vai jantar, almoçar, tomar de lanche, tomar de café da manhã.
Isso me tira um pouco a fome. Nada que vai à mesa é surpresa. Eu tenho que pensar em comida quando não estou com fome. É uma atitude evoluida de planejamento alimentar, uma coisa nada selvagem, entende? É programar, armazenar, é estocar, poupar o alimento.
Quando eu trabalhava fora e não tinha filhos, almoçava na rua todo dia. Era maravilhoso. Como eu tinha ticket, ia aos restaurantes e podia escolher, todo dia, uma coisa diferente. Não sei se vocês entendem a maravilha que é isso. Uma coisa é saber, à uma da tarde, que à noite você vai comer uma carne assada, arroz, lentilha e salada. Além disso, você sabe de todo o histórico daquela carne, se você se esforçar dá pra lembrar até da cara do açougueiro; sabe qual é a marca da lentilha, sabe que o arroz é o de ontem, e sabe que a salada só vai ter alface e rúcula. Coisa mais sem graça. A outra coisa é se sentar na frente de um cardápio e sonhar. Peixe, carne, frango, macarrão? O universo alimentício é enorme. E delicioso.
Mas como isso é raro, pois almoço e janto em casa todos os dias, olhei para a Maria e decidi.
- Panquecas, Maria. Hoje à noite, panquecas.

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