terça-feira, 5 de julho de 2005

as lombadas e a terceira idade


O meu carro não é mais o mesmo.
Tá ficando velho, creio.
Acho que os carros são iguais aos cachorros nessa questão da idade. Para você descobrir a idade de um cachorro, me disseram, basta multiplicar os anos dele por sete. Um ano de cachorro é igual a sete anos de gente. Se um cachorro tem oito anos de idade (de cachorro), significa que ele terá cinqüenta e seis anos de idade de gente.
Acho que com carro é a mesma coisa, mas acredito que um ano de carro é mais que um ano de cachorro. Um ano de carro deve equivaler a uns... quinze anos de gente, na minha opinião. Assim sendo, como o meu carro tem cinco anos anos, calculo que ele já está nos seus setenta e cinco anos.
Olha lá, tudo suposição minha, viu?
Bom, mesmo na terceira idade, ele ainda está ótimo. Funciona direitinho, anda muito bem e ainda me leva de cá para lá com muita dignidade. Mas está apresentando uns sinais de velhice, como todas as pessoas que já passaram dos quarenta. As articulações, gente, as articulações não são as mesmas.
E meu carro começou a dar uns gemidos.
É, gemidos. Meu carro geme quando cai num buraco, quando tem que passar numa valeta ou numa lombada. É engraçado, pois ele está extremamente parecido com um ser humano. Olha, digamos que ele se parece com a minha mãe, por exemplo, que para transpor um obstáculo, dá uma gemidinha.
Hueimmm.
Já levei o carro em tudo quanto é canto e ninguém achou nada. Já coloquei óleo, fluido, água e também não era isso.
- É a idade – falou o Zé – Precisamos trocar esse carro.
Mas enquanto isso, o pobrezinho anda e geme.
Seria reumatismo?
Hueimmm.
Foi ai que eu descobri umas coisas. Percebi que tem buraco, valeta e lombada demais nessa cidade, e, principalmente, no meio do meu caminho.
Bom, buraco é buraco, e qualquer piso asfaltado, cimentado ou construído sofre com as movimentações do solo. Isso acontece mesmo. Embaixo de uma rua tem terra, tem pedra, tem água, tem cano, e, queríamos ou não, tudo isso se desloca, pois faz parte da cidade. O que eu não entendo são as lombadas, gente. Desde que meu carro começou a gemer que eu encasquetei com as lombadas dessa cidade.
Bom, só no meu quarteirão, aqui em frente a minha casa, tem duas. Em todas as ruas ao redor tem mais. A cidade está cheia, cheinha de calombo.
A minha implicância com a lombada é porque me parece uma coisa muito, muito burra. É um obstáculo que um humano faz para um humano, ou seja, é uma autopunição em estado puro.
O homem faz lombadas para ele mesmo!
Claro que qualquer pessoa pode andar devagar se quiser. Claro que não é preciso correr ou acelerar, se no lugar não é permitido. Mas não. Ao invés de reduzirmos a velocidade, colocamos uma barreira no meio da rua, para nos obrigarmos a parar e pular. É como colocar caco de vidro na comida para você não conseguir comer, é como colocar cinto de castidade nas pessoas para elas não se entregarem ao prazer, é como fazer cigarros com explosivos para as pessoas não fumarem, é como fazer teclas com espinhos para você não poder digitar o nome do site pornográfico. As coisas erradas estão e sempre estiveram na nossa frente, mas sabemos o que é certo e o que é errado.
Fazer uma lombada no meio da rua, ou seja, criar um empecilho no meio do seu próprio caminho é a coisa mais anticivilizada que existe. Pressupõe que somos seres irracionais, burros ao extremo, que precisam de um calombo incômodo para se condicionar a não correr na rua feito um louco endoidecido.
Com esse monte de lombada essa cidade nunca vai se modernizar. Civilização se faz com o cérebro, acho eu. E os carros idosos não precisam passar por isso.
Hueimmm.
É. Nada como a idade para nos tornar sábios.



e a lucia e o calhambeque da lucia ganharam uma ilustra especial e exclusiva do Zé do OIEUOI!

Brigadão, Zé!

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