sexta-feira, 15 de julho de 2005

na varandinha



Fui numa reunião agora a pouco. Estava desprevenida para isso, era uma reunião de supetão, daquelas não programadas. Saí correndo, atabalhoada, confusa. Durante o trajeto nem pensei sobre o que deveria falar, coisa que costumo fazer durante as idas à reuniões. Me desliguei temporariamente da realidade.
Sei porquê. Uma braveza que me deu de manhã. E uma braveza de manhã tira a gente do sério o dia todo. Fiquei irritadíssima com um rapaz que vendeu um carpete para uma obra prometendo entregar em quatro dias. Eu deveria desconfiar deste número, o número quatro nunca foi bom número pra mim. Resumindo: o carpete não veio em quatro dias e nem virá tão cedo. E eu me irritei profundamente ao me ver enganada por um vendedor ligeiramente gago e de fala mansa. Vejam. Eu o chamo, desprezivelmente, de gago. Carrego ainda uma fúria do homem. Esbravejei com ele, meu corpo ficou fragilizado com a descarga de adrenalina o meu dia inteiro foi-se por causa disto.
Mas como a vida continua apesar das bravezas, apareceu a reunião fora de hora e lá fui eu com o gago dos carpetes na cabeça.
Entrei pronta a resolver os problemas, concluir e escapulir dali rapidinho, sem gaguejar. Fui atropelando os assuntos e soluções feito uma executiva tarada. Uma gralha, uma mulher chata, prepotente. Nem gosto de lembrar da minha atuação.
Minha mente ainda estava irritada com o gago, nesta hora completamente distante, mas eu ainda tinha vontade de atropelar até minha eficiência como forma de vingança.
Porém, em reuniões, sempre temos um interlocutor. E lá estava ele, na minha frente: o homem reunido comigo. Como eu estava com raiva do gago, me sentia poderosa e, de um certo modo, desprezava o pobre coitado. Nem olhava pra ele. Sei lá, talvez tivesse medo de ser enganada novamente, mas só sei que precisava soterrar aquele homem de qualquer maneira. Foi quando aquilo aconteceu.
O sorriso.
Eu não acreditei. Quê? Ele sorria para mim? Eu vomitei toda a minha magnífica competência, toda a minha capacidade de ser chata e ele... sorriu? Fiquei muito sem graça. Parei um pouco, respirei fundo e continuei. O homem me ouviu direitinho e da segunda vez foi pior. Ele calmamente se recostou na poltrona, como se estive na cadeira da varanda da casa de praia em plenas férias, colocou os braços atrás da cabeça e sorriu de novo. Puxa vida.
Fiquei muda. Ele disse que entendia o que eu falava, que estava disposto a resolver os pepinos e descomplicar. Não se incomodou com minha atitude e me surpreendeu com os sorrisos. E, pior de tudo, aqueles sorrisos eram sinceros. Aqueles sorrisos não eram sorrisos sensatos para acalmar um temperamento descontrolado de uma mulher meio histérica. Eles vinham de dentro, eram legítimos e verdadeiros. Tinham raízes profundas e estavam firmes no solo. Ele sorria porque estava tranqüilo e provavelmente bem feliz.
Como estava com a estrutura fragilizada, com meus pés fora do chão e minha mente possuída, sucumbi. Era única saída. Ele venceu, pois no fundo a virtude está ai, no entendimento dos erros. Parei de falar, parei de ouvir minha própria voz e respirei, coisa que não fazia desde que entrei naquela sala. Meu corpo foi, lentamente amolecendo e encostando na cadeira. E eu também recostei, estiquei as pernas e, incrível, sorri também.
Esqueci de tudo que eu ia falar. Fiquei oca, só consegui sorrir. Nunca fui tão burra numa reunião. Ficamos os dois sentados, de braços para trás, tomando café e falando amenidades, como se realmente estivéssemos numa varanda duma casa de praia. Uma hora nos lembramos dos ítens que ainda não tinham sido resolvidos, nos aprumamos, dissemos uns dois ou três “pode ser assim, pode ser assado” e recostamos de novo nas nossas cadeiras, jogando a âncora novamente e sorrindo. Veio o sol naquela tarde nublada e me iluminou.
Só para lembrar uma coisa: a reunião era sobre um projeto de uma casa na praia, com varanda e tudo. Sem carpete e sem nenhum gago.

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