quinta-feira, 21 de abril de 2005

PRATICAMENTE


a linha do mar do dok - foto do charles (sem data)

Peguei emprestada essa linha do mar do blog do Charles, o MyMeMine, por um motivo interessante.
Ele conta que achou um filme de muitos anos atrás e que resolveu revelar (provavelmente com receio que dentro em breve não existam mais one-hour-fotos). No meio das fotos, aparece essa com uma maravilhosa linha do mar. Engraçado. Um pedaço de uma história que ele viveu anos atrás ressurge vivinha, feito uma deliciosa assombração.
Achei a maior maluquice essa coisa de alguém esquecer de revelar um filme durante anos. Que eu me lembre, eu nunca esqueci de revelar um filme. Sempre fui o contrário: como não agüentava de vontade de ver as fotos reveladas, chegava antes e tinha que esperar. Detesto coisas pela metade, é um problema. Quando vou escrever um texto gasto um tempão para que ele fique inteiro, revisado e até com título. Quando vou lavar a louça, então, nem se fala: quando vejo estou lavando os azulejos da parede, na maior obsessão de não deixar nada pela metade.
Mas percebo que algumas pessoas no mundo fazem tudo pela metade e não estão nem aí. São pessoas que “praticamente” fazem as coisas. Acho que é um traço da personalidade.
Gente, eu queria muito ser assim. Ô delicia que deve ser.
Outro dia, numa das minhas idas para a Bahia, foi junto um engenheiro que faz projetos de ar condicionado. Como o lugar é bonito, ele me pediu, me dando a máquina dele:
- Tira uma foto minha, Lúcia? Para eu mostrar para a minha mulher – ele explicou.
Tirei. O dia estava lindo, o lugar era deslumbrante.
- Vou tirar uma sua também, depois eu te envio por e-mail – ele ofereceu.
Concordei. Fiz uma pose, coloquei os óculos, sorri.
Tic.
Passou mais de um mês e ele não me mandou nada. Nos encontramos numa nova viagem, desta vez para o Rio de Janeiro. Numa certa altura, vi que ele fotografava a obra.
- Você não me mandou a minha foto – falei para ele – aquela, da Bahia.
- É mesmo... – ele lembrou – aliás, ela está aqui na minha máquina ainda. Eu não descarreguei.
Olhei para ele atônita. Um mês se passou e ele não descarregou a minha foto? Minha imagem está a um mês trancafiada dentro daquela maquininha cláustrofóbica, zanzando sabe-se lá por onde? Que homem mais maluco que é aquele?
Existe muita gente assim, que "praticamente" faz as coisas. Praticamente fazer é deixar a vida num estado letárgico, num limbo, numa outra estranha e indefinida dimensão. Um cunhado de uma amiga minha era o mestre do "praticamente" fazer. Tem até uma história célebre.
Ele tinha que pagar uma conta de luz atrasada, todo dia esquecia. Nesse dia ele saiu de manhã e a mulher dele lembrou.
- Não esquece de pagar a conta hoje, por favor.
À tarde ele voltou. A mulher olhou para ele.
- Pagou a conta?
- Fica tranqüila – ele disse calmamente – a conta está praticamente paga.
- Praticamente paga? – ela estranhou – o que quer dizer isso?
Ele colocou as mãos sobre os bolsos da calça.
- Tsc. Praticamente paga, ora. Veja, a conta está aqui... – e ele bateu a mão no bolso direito –... e o dinheiro, aqui – e ele bateu a mão no bolso esquerdo – Assim, a conta está praticamente paga, entende? Só falta ir ao banco, mas isso é o de menos...
Entenderam? Assim são as pessoas que praticamente fazem...

Taí, Charles, a tua linha deliciosa linha do mar.
Você me perguntou porque eu ainda não tinha colocado a sua foto aqui. Te explico: esse post está praticamente feito há uma semana, só faltava... postar. A foto demorou anos para ser revelada. Não seria muito estranho ela ser postada tão rápido?
Realmente é uma linda linha do mar, com esses canoeiros voltando do Bonete.
Todos temos uma linha do mar para nos equilibrar na vida, não é?

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