sexta-feira, 22 de abril de 2005

sim, leite...



Num post anterior falei sobre amamentar. Desde então estou com esse assunto na cabeça. Peitos, leite, maternidade, bebês. Ô época boa da vida. Adoro ser mãe. Se pudesse, teria mais uns 10 filhos.
Tudo é legal na maternidade. Absolutamente tudo cresce, evolui e dá prazer.
Amamentar então, é uma maluquice. Você coloca a criança ali, grudada, e inexplicavelmente, sai um líquido quente de dentro de você, sem a gente precisar fazer nada. Dizem que no começo dói. Não é que dói. É outra sensação, mais esquisita ainda. Assemelha-se a um arrepio, um tipo inexplicável de aflição esquisitíssima. Os primeiros momentos são os mais impressionantes. São instantes solidificados: é como se você fosse uma rocha quente e explosiva, e o bebê, um ser deliciosamente amoldável e flácido. Imediatamente depois, tudo repuxa, num percorrer crescente dentro do corpo, até o fundo mais fundo da sua barriga. Acho que é ali, naquele último lugar dentro do corpo da mulher, o útero. O profundo, afundado e tão perdido útero materno. Adoro essa palavra, “útero”. Só um “útero” que poderia se chamar “útero”. Amamentar é lembrar que você tem um lugar misterioso, quente e profundo dentro da sua barriga, o útero.
Gente, e é muito esquisito, falo sério. Parece que o leite vem dali, não do teu peito.
O leite sai de você e entra dentro do teu filho. A sede instantânea que dá no corpo todo é incompreensivelmente compreensível. Tudo é denso e imenso, não adianta nadar para o outro lado, não adianta querer parar o tempo, não dá para desistir. É absolutamente inevitável, como é inevitável nascer e morrer. Dói na alma, como dói nascer e como deve doer morrer. É angústia pura, sintética e jamais mapeada na nossa pobre existência cotidiana. Se, naqueles primeiros momentos de pura amamentação, nos fosse permitido chorar, nos fosse permitido urrar e berrar, ah, como a gente berraria... Acho que isso que seria natural. Mas não. Temos que engolir em seco aquele momento, nós todas, as mães caladas, modernas e civilizadas, dando aquele previsto sorriso maternal ao bebê. Temos que seguir as regras dos nossos mundos desenvolvidos, lembrar do manual de instrução e sorrir, sempre sorrir, indiferentes ao nosso corpo, piegas e tão bobas.
Uma ficção civilizatória, a nossa vida.
Como somos imbecis. Otárias.
Mas é contraditório, também. A dor sucumbida estabiliza, o dilúvio contido é cômodo. Foi dito que ter controle de si agiganta nossa eficiência, não foi? Vivemos dentro dessa guerra, ora olhando para o abismo, ora olhando para trás, para a terra firme. É bom senti-la ali, nas suas costas. Pode também ser uma saída.
E às vezes, é mesmo, embora melancólica.
Ah, Ter um filho. Ter um filho é ter saudade no instante seguinte. É melancolia atrás de melancolia. Um tipo de sentimento lindo, nada mais. Ter filhos é tê-los grudados, sempre. Seja na barriga, seja nos peitos, seja no andar de mãos dadas, seja no fundo do pensamento cotidiano.
É amamentar eternamente.
É alimentar até não sobrar mais nada no prato.

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