segunda-feira, 25 de abril de 2005

embeiçamento teórico


engels

- Mas lúcia, isso que você fala tem embasamento teórico?
Ichi, de novo? Toda hora esse fantasma do “embasamento teórico” vem me assombrar.
Quando eu era solteira, mocinha e estudante, eu e meus amigos falávamos tudo que passava pela cabeça. Não existiam limites, não existia “bobeira”. Tudo era assunto e tudo era muito importante. Um dia crescemos, entramos para o mercado de trabalho e para a vida, até o dia que alguém te pergunta se existe “embasamento teórico” naquilo que você falou.
Não, não tem...
Onde você leu isso? Mas fulano já dizia isso de modo diferente. Sicrano fala o contrário. Nomes, nomes, citações. Livros, textos, apostilas. Já leu Engels? Já estudou a respeito? Precisa ler tal livro. E depois de muitos “nãos”, você chega a conclusão que não sabe de nada.
Como teve a coragem de falar alguma coisa?
É essa a semente da rolha que passa a tapar as nossas bocas adultas. Passamos a acreditar que sem embasamento teórico nada pode ser dito. A nossa intuição vai para a cucuia, que diabo de intuição é essa sem embasamento nenhum? Assim nos calamos. Melhor não falar nada.
Todo mundo é seduzidos pelo embasamento. Ter algum tipo de intuição selvagem hoje em dia de nada vale. É preciso estudar, ler e citar. As idéias por si bóiam e ficam à deriva.
E porque não estudar para não “embasar” mais? Ah, fala a verdade, porque é muito, muito chato ficar decorando nomes e teorias. Talvez por pura preguiça, perdões, e porque o acaso reserva muitas surpresas. Por exemplo, para continuar esse texto fui olhar no dicionário o real significado da palavra “embasamento”. Acabei achando outra, bem parecida e mais divertida. Embeiçamento. E pensei: já que não me embaso mesmo, quem sabe não me embeiço?
Claro que intuição não é tudo. É preciso estudar, e muito. Mas estudar, ler, e aprender, é muito diferente de usar nomes, citações e teorias alheias o tempo todo nas conversas.
Lembrei de uma coisa engraçada, um fora que eu dei na semana passada por causa do blog. Num post abaixo eu falei sobre armários. No dia seguinte, o Dudi me mandou por email uma imagem de um quadro lindo, onde se via um quarto com um armário. No quadro existia uma cama, um armário, um pente enorme e um copo enorme. Acho que era uma aquarela. Linda mesmo e cheia de significados. Eu rapidamente olhei o quadro, me encantei com a idéia do armário ser menor que o copo e respondi, animadona.
“Que desenho mais lindo, foi você que pintou, Dudi?”
E ele respondeu, acho que meio sem graça.
“Não, Lúcia... é um Magritte... achei que um quadro do Magritte não precisasse de legenda...”
Uia, que gafe! Vê o que dá não ter nenhum embasamento teórico?
Ma não falo isso à toa. Tem horas na vida que muita teoria não vale nada. Por exemplo, quando você é mulher e volta da maternidade com um filho no colo, não tem a menor idéia de como vai sobreviver com ele na vida. Depende só dos instintos. Nenhum embasamento teórico vai ajudar em nada. Embasamentos não dão leite, não trocam fraldas, embora dêem o maior sono e talvez façam dormir, sem esforço algum.
Eu, talvez indevidamente, tento achar mais uma chave para o entendimento da vida sem muitas teorias prontas. Deixo fluir cada pensamento, por mais pequeno que pareça. Pois comecei a entender o quanto somos minúsculos. E mesmo sendo minúsculos, podemos alcançar a enormidade.
Sem ter lido Engels.

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