quinta-feira, 28 de abril de 2005

minha avó e as bananadas




Eu não gosto muito de doces em calda. Sabe esses doces antigos? Doce de cidra, goiaba em calda, marmelada?
Pois é.
nota: olha o que eu falei: "doces antigos"! "Doces antigos" é muito bom, não acham? Já pensaram nisso? Não falo de doces velhos, estragados, e sim de antigos, doces de antigamente. Eu acho que vou recussitar o hábito de comê-los todos os dias.

É que hoje eu sonhei com a minha avó, aquela que fez 100 anos nesse mês, e estou com ela na cabeça.
Um dia eu era pequena e estava na casa dela. Estavam todos os meus primos lá, pois era um dia de férias. Lembro que minha avó estava na cozinha fazendo bananada. Ela estava mexendo uma panela grandona com uma meleca gosmenta e marrom e falando pra todo mundo, "olha que delícia a bananada da vovó, olha que delícia".
Todo mundo olhou dentro da panela, mas não teve um neto que não gritou "ééécaaa!". Éramos 8 primos, todos crianças. Aquele "éca" que pronunciamos não era exatamente para a bananada dela. Era quase um grito de guerra de animação infantil, uma desculpa para exaltarmos a nossa alegria de estarmos juntos, um modo de nos unirmos, nós, as crianças primas entre si. Era parte da brincadeira, aquela coisa de gritar um "éca" comunitário.
Mas eu não gostei daquilo. Tadinha da minha avó. Ela parecia tão animada fazendo aquele doce para a gente. Me lembro que tive pena quando vi a cara dela. Achei que ela ficou triste com o desprezo geral pela tal bananada. Como sempre fui uma menina super-boazinha, daquelas que adoram fazer um dengo e agradar, eu esperei todo mundo sair dali para chegar perto dela.
- Ô vó, eu gostei. Tá um cheiro gostoso.
Ela colocou num prato e eu comi. Era quente prá burro e muito doce, na hora eu não gostei muito, ainda mais pelando daquele modo, mas fui comendo de teco em teco, falando "hum delíciavó, delíciavó".
Deste dia em diante, quando eu devia ter uns 9 anos, a minha avó passou a me definir como "lúcia, a minha neta que adora bananada".
A vida inteira eu ganhei bananada dela. Ela fazia um monte de bananada para me dar, ela mandava trazer bananada especial do interior para mim, ela falava para todo mundo que eu adorava a bananada dela. Eu já ganhei toneladas de bananada da minha avó.
Eu, lúcia, sou a neta rainha da bananada.
Isso faz mais de trinta anos. Ela ainda me dá muita bananada quando eu vou a casa dela, sempre saio de lá com uma sacolinha na mão. Quando ela passou a não enxergar mais e não pode mais sair de casa, passou a mandar alguém no mercado para comprar bananada quando eu aviso que eu vou visitá-la.
Eu não sei se eu adoro bananada de paixão. Eu gosto, eu como, tem gosto de doce antigo, é bom.
Mas bananada é um doce que me une a minha avó. E eu adoro a minha avó.

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