segunda-feira, 4 de abril de 2005

o fusquinha do meu pai


ele e eu

Quando éramos crianças, brincávamos de contar marcas: sentados no banco de trás, eu, minha irmã e meus primos apostávamos quem achava mais fuscas, mais opalas, mais variants, mais karman-guias.
Agora eu não sei mais qual carro é qual. Os meninos ficam bravos, falam que sou distraída, velha, fim-da-picada, essas coisas de adolescente. Mas são tantos carros, ainda mais com os importados, que nem dá mais pra brincar daquela brincadeira.
Os carros daquela época tinham um “quê” de casa. As pessoas mexiam nos carros, adaptavam, decoravam, assim como fazemos com as casas. Muitos tinham cortininhas de pano nas janelas, de diversas cores, que abriam e fechavam. Os estofamentos também podiam ganhar capas, às vezes até bem peludonas, modernas. As pessoas trocavam a direção e colocavam umas mais fofinhas, menores. Também trocavam o botão do câmbio por uns de acrílico, mais gordões. Além disso, pintavam partes da lataria de outras cores. Eu ficava encantada com aquilo.
Parecia que os carros daquela época eram mais nossos. Hoje eles já vem prontos, tem tudo e resolvem todos os problemas sozinhos. Os vidros tem filtro contra o sol, os bancos tem estofamento contra manchas, o desenho não permite nenhuma alteração e algumas coisas ótimas que existiam nos carros, puft, sumiram.
Uma delas foi o quebra vento. Aquilo era ótimo para ventilar o ar quando você estava na estrada. A gente podia abrir só um pedacinho do vidro, podia fumar e bater a cinza ali sem medo de causar um incêndio ou da cinza voar no fulano do banco de trás. Cadê o quebra vento? Não ficou nem cheiro dele.
Outra coisa foram as calhas. Sim, os carros de antigamente tinham calhas em cima das portas, nas laterais do teto. Aquilo era ótimo, principalmente quando parava de chover e você abria o vidro, pois a água não pingava no teu braço. Mas como hoje os carros ficaram estanques, fechados, para quê abrir o vidro? Acho que foi o ar condicionado que acabou com a calha.
Quando eu era menina, meu pai tinha um fusquinha. Azulzinho. Ele adorava aquele carrinho, tinha desde moço. O carro tinha uma coisa muito engraçada. Era um pisca- pisca para virar a direita ou à esquerda que era uma orelhinha que saía do lado. Era uma espécie de dedo. Era uma coisa singela, inocente, diferente desta massa modulada de design dos carros de hoje. Se o meu pai queria virar à direita, o carro punha para ele um “dedinho” para fora e pedia licença. Sei lá. Acho que os carros de antigamente pediam por favor, pediam desculpa.
Sem dúvida, tinham muito mais educação.
Os fusquinhas eram apertadinhos, a gente guiava o fusquinha encostado na porta, afundado. Acho que era erro de design, mas quer coisa mais humana do que erro de design? Todo mundo tem um defeitinho, um dente que falta, uma bunda meio grande, um nariz arrebitado, porque um carro não pode ter? O meu pai andava com o braço para fora, segurando a porta com o sovaco, o carro debaixo do braço. Cuidando, como se fosse um animal de estimação.
Longe de mim ficar falando que naquela época era melhor e tal, mas me pareceu interessante lembrar que, se antes as pessoas abraçavam os carros carinhosamente, hoje andamos em tanques de guerra, assustados e irritados.
E como são mal educados esses nossos tanques de guerra.
Ou não?

Nenhum comentário: