terça-feira, 30 de novembro de 2004

O FEITIÇO DA PIA


as duas escovas de dente, conversando

O feitiço da pia

Essa é uma história sobre uma pia. Uma pia de um palácio. E saiba, pias de palácios tem o poder de enfeitiçar.
Bom, um dia estava em Brasilia e fui almoçar no Palácio da Alvorada. Isso mesmo, no palácio do presidente. A minha amiga era filha do presidente da época, o Palácio da Alvorada era a casa do pai dela, e assim como eu poderia ter chamado uma amiga para comer na casa da minha mãe, ela me chamou para almoçar lá. Não havia ninguém no local, só eu e ela.
É bastante esquisito, confesso, ir simplesmente almoçar num lugar como aquele. Por mais que você tente achar que aquilo é apenas uma casa, por mais que no andar de cima tudo seja exatamente como uma casa, ainda assim não parece casa. Parece palácio. Nem de olho fechado - até o barulho e o cheiro são de palácio.
Almoçamos muito bem, depois sentamos numa saleta para tomar um café.
- Onde que tem um banheiro? - perguntei.
Ela apontou uma porta.
- Aquela porta ali.
- Você tem pasta de dente? - pedi.
- Pasta... hum... aqui não.
Ela se levantou e me chamou. Fomos andando pelo palácio, entrando e saindo por diversas portas. Eu não tinha a menor idéia onde aquilo ia acabar. Claro que eu entendo plantas, e ainda mais daquele projeto do Niemeyer, mas nessas horas não há quem não fique atrapalhada. Porque no meio do caminho eu tive certeza que ela, a minha amiga, estava me levando para o único banheiro que ela tinha certeza que tinha pasta de dente.
O banheiro do morador daquela casa.
Eu sei que devo estar parecendo a maior caipira, mas pensa: que brasileiro que tem chance de ir visitar um banheiro desses? Que arquiteto que já? É coisa até para colocar em currículo, gente. E a curiosidade de saber o que tem em cima daquela pia? As marcas, etiquetas? E as histórias que já devem ter acontecido lá dentro? Do Juscelino ao Collor? Aquele é o mais misterioso e mais enigmático banheiro desse país, gente. Pensa bem.
- Aqui, chegamos, olha ali a pasta. Sabe de quem é, não? Eu vou ali do lado, no da minha mãe. Falamos já-já.
E então eu fechei a porta e olhei em volta. Eu e o banheiro. Olhei para frente. A pia. Ah. Que momento aquele.
Bom, eu não vou fazer fofoca de nada. Levarei para o túmulo o segredo do que tinha ali. Só sei que usei a pia rapidinho, escovei meus dentes com um pouquinho de nada da pasta, e, quando me olhei no espelho tive um acesso de riso.
Me arrumei voando e saí. Estava com dentes limpos, tinha usado o banheiro mais presidencial do Brasil e já era hora de ir embora.
Foi quase na garagem, indo embora, que me lembrei. Abri a bolsa, fuxiquei em tudo, ai, cadê?
A escova de dente. A minha escova de dente, no meio daquela atrapalhação, ficou na pia. Fui relembrando todos meus movimentos naquele banheiro, um a um. Escovei o dente, bochechei, lavei a escova, bati a escova no cantinho da pia, e... e... e coloquei no potinho! MeuDeus, que equívoco! Onde é que já se viu?
- A escova! Eu tenho que voltar! - gritei para a minha amiga.
- Quê?
Saímos correndo as duas até o local do crime. A cena era, realmente, patética. Aquelas duas escovinhas pertinho uma na outra, naquela bancada de pia presidencial enorme, conversando.
A dele, branquinha. A minha, lilás.
Que vergonha.
Vê o perigo de uma pia famosa? Foi ela, a pia, que me enfeitiçou daquela maneira. Culpa da pia, gente. Da pia.

O REI ESTÁ NÚ


ALÔ, FHC!

Adorei as declarações do FHC no jornal de hoje.
Não que eu concorde com tudo que ele diz, como o Zé (um dia o Zé me disse que o FHC era um gênio e que ele faria TU-DO que o FHC mandasse. "E se ele te mandar pular dum abismo, Zé?", perguntei, "você salta?". "Há, eu pulo, claro! Ele deve ter uma boa razão para acabar comigo..."), mas volta e meia concordo com ele.
Hoje me surpreendeu a capacidade de síntese da análise dele sobre o governo do Lula. Saber resumir a opinião em poucas frases é das coisas que eu mais admiro hoje em dia. E não sou só eu, claro.
As frases do FHC eram tão boas que voaram rapidamente para a capa do jornal.
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"Este governo é incompetente. Ele é incompetente. Incompetência não é ofensa. E competência é a análise de um conjunto de ações e de seus resultados. Vejam o que está acontecendo. Digam, comparem, mostrem. É verdade. Quem sabe ele melhore a sua competência. E o governo só não deixa transparecer mais a sua incompetência porque o presidente Lula é competente em falar com a população. Mérito dele. E isso de alguma maneira embaça a percepção de quanto a coisa não anda"... Segundo FHC, foi preciso passar "por toda a experiência do PT" para descobrir "que eles não têm proposta alguma diferente da proposta que estava em marcha no país". "Zero."
.
Pois é exatamente essa a questão que me tortura, exatamente isso que o FHC falou: as propostas.
Quem tem proposta para as coisas que faz?
Zero, como diz nosso ex-presidente. Zero. Quase ninguém tem mesmo. E acho que esse que é o divisor de águas do nosso mundo: os que tem propostas x os que não tem proposta.
Sabe, ter proposta é das coisas mais complicadas que existe. Quem começa a ter propostas entra entra num mundo que não sai mais: se você resolve um dia ter proposta, nunca mais faz nada sem proposta na sua vida.
Isso parece complicado, mas vou tentar explicar. Um sábado a minha amiga Silvia veio aqui. Sentamos no jardim e conversamos muito. Quando ela ia embora, ela me disse que saia da minha casa feliz porque tínhamos pensado muita coisa inteligente e bacana. Contamos, eram 3 coisas boas que tínhamos discutido. Digamos que nossa conversa resultou em 3 propostas.
Depois de uma semana, nos encontramos de novo. Falamos e falamos. Na hora de embora, ela me disse, triste, voltando para dentro de casa: "Iii, não posso ir ainda, nós ainda não tivemos nenhuma idéia hoje!". Ou seja, depois que descobrimos como é bom ter idéias e propostas, não há mais volta. Mas isso não significa que seja uma prisão. Ao contrário, é exercer a liberdade. E assim, queremos mais. A coisa vicia. É é delicioso.
Ter proposta é tudo. É preciso ter proposta na hora de escrever uma crônica, na hora de escrever um livro, na hora de conversar com alguém, na hora de escrever um email, na hora de escrever o post no blog. É preciso ter proposta para comida, proposta para a festa, proposta para o projeto e até proposta para montar um esquema de instalações elétricas. Proposta para criar filho, proposta para morar, proposta para trabalhar. Essa ideia vai longe. É apenas a ponta do iceberg.
Como viver sem proposta? Hein, seu Lula?

segunda-feira, 29 de novembro de 2004

ABRAÇOS


egon schiele, "embrace"
Minha irmã acredita piamente no médico homeopata que cuida dela e do filho. Lê os livros que ele escreveu e fala as palavras dele. Tem pessoas assim, crédulas temporárias. Acreditam tanto que até usam as palavras dos outros, quando interessa.
Ela estava no sofá, lendo, empolgadíssima, o livro do médico. Me falou para olhar um dos capítulos. Já li muito sobre crianças e educação, afinal, uma grande porcentagem do meu tempo nesses últimos 15 anos foi essa convivência com crianças.
O livro falava sobre as famosas "birras". Crianças precisam de limites, ele dizia, e arrematava de uma maneira bonita. Dizia que esse limite tinha que ser dado pelo corpo da mãe, pelos seus braços. Que os limites não são somente broncas ou castigos, que é necessário também dar um limite físico, e que esse limite físico que a criança precisa é o do diâmetro dos braços da mãe.
O limite do abraço forte.
Segurar nos braços.
Apertar.
Essa imagem me pareceu muito importante, pois vai muito além da educação infantil. Não acredito que “aprendemos” os limites na infância. Os limites nos são colocados ao longo da vida toda, nos deparamos com eles o tempo todo, até na velhice. Talvez sejamos um pouco crianças a vida toda, carregamos os meninos e as meninas dentro de nós. Não “adquirimos” limites como coisas prontas, acabadas. O tempo se encarrega de transformá-los a cada dia, ao longo da vida. Precisamos nos conter, e muitas vezes precisamos ser abraçados para cabermos dentro do mundo.
Sinto que às vezes, transbordamos, e esse derramar-se pode ser sempre perigoso.
Talvez na idade adulta tenhamos mais consciência deste transbordar do que quando somos crianças. Mas esse perceber pode ser facilmente encoberto com nossas atribulações diárias, tanto trabalho, tanta falta de tempo... e tanto medo de ser abraçados que temos. Foi dito aos adultos que já sabemos os limites, que já acabou o tempo de aprender, que o abraço deve ser dado pela mãe, na infância. E que somos adultos, ou seja, que chega de abraços com diâmetros do braço. Chega de sermos enlaçados e limitados.
E então, nos esperneamos sós, calados e solitários. Esperneamos por dentro, latejantes, estupidamente sós. Engolimos em seco, crescemos essas linhas tênues das pontas dos abismos. E quando caímos, quando estouramos, quando ainda fazemos as famosas “birras”, nos machucamos e somos condenados pelo mundo e por nós mesmos, na nossa solidão.
Assim eu penso das amizades, nos nossos amigos: com braços enormes, longos, elásticos, capazes de nos enlaçar longamente. Braços de amigos devem ser muito mais fortes que braços de mães, pois somos muito mais resistentes e não acreditamos que podemos estar indo longe demais.
Abraços ilimitados.

DE PIJAMA?


JR de pijama na revista Veja no anúncio da VIVO

Bem, uma vez que ele já apareceu mesmo de pijama na Veja São Paulo, não vejo problema em colocá-lo de pijama aqui no blog.
Aqui temos um dos meus mais comentados personagens, o famoso JR Rodrigues Jr; também conhecido por George Polack, escritor; também conhecido por Passarinho, executivo; numa das suas multiplas atividades artísticas.
Só achei que o olhar dele para a menina, que deveria ser um olhar de pai, não está lá muito fraternal...

domingo, 28 de novembro de 2004

"O Conktroulk"


"um conktroul"

Depois de ler ontem umas histórias sobre presentes no blog da Sheila, me lembrei de um fato que aconteceu comigo e com o Zé.
Na época morávamos num apartamento em Higienópolis e as crianças estavam numa escolinha maternal ao lado de casa. A escola funcionava numa casinha pequena e muito simpática, mas por causa dos prédios, a escola não tomava uma réstia de sol. Eu e o Zé gostávamos do lugar, mas nos incomodávamos com a insalubridade. Resolvemos nos mudar para um prédio na frente do clube Pinheiros e colocar as crianças na escolinha maternal do próprio clube. Eles teriam um espaço enorme e muito sol.
Mas nesse meio tempo, enquanto ainda morávamos em Higienópolis, uma família se mudou para o prédio. Encontrei a moça com os filhos no elevador. Estavam todos com a camiseta da escolinha-sem-sol, aquela que eu tinha tirado os meus filhos.
- Oi – falei para ela – Foi você que se mudou para cá? Os seus filhos estão na escolinha?
- Sim – ela sorriu – Eu coloquei... você conhece? É boa?
- Ah, é ótima. Os meus filhos estudaram lá, só tirei porque vamos nos mudar para perto do meu Clube - respondi, achando melhor não comentar sobre a falta de sol – Ei... escuta, quer os uniformes dos meus filhos? Tenho um monte, posso te dar todos.
- Claro que quero, que bacana! – a moça exclamou - Mas que ótimo!
Assim que cheguei em casa, coloquei tudo numa sacola e mandei para a casa dela. Pelo menos os filhos dela estariam agasalhados naquele local gelado.
No dia seguinte encontrei com ela de novo no elevador.
- Lúcia! Que gentileza a sua, adorei os uniformes! Não precisarei comprar nada! – ela exclamou – Sabe, falei com o meu marido e resolvemos que, para agradecer, vamos dar um “conktroulk” para vocês.
- Hã?
- Um “conktroulk”! Deixarei na sua casa amanhã.
O elevador chegou, ela me deu um beijo e saiu. “Conktroulk”? Não tinha a menor idéia do que ela pretendia me dar. O que seria aquilo?
- Hã? “Conktroulk” o quê? Mas o que é isso? – espantou-se o Zé, à noite, quando contei para ele.
- Sei lá. Ela me disse que eles iam nos dar um “conktroulk” e saiu do elevador.
- Mas você não perguntou o que era isso?
- Ela repetiu a mesma palavra, Zé! “Conktroulk”! E saiu!
O Zé começou a andar pela casa.
- Hum. “Conktroulk...” ? Seria “controle”? Um controle remoto? Será que é uma comida típica? Um tipo de roupa? Um brinquedo de criança? Uma fruta? Hum... conktroulk, conktroulk... Lú, tenta se lembrar “como” ela falou a coisa.
- “Conktroulk”.
- Droga. Deve ser um tipo de equipamento eletrônico com esse nome. Mas controle de quê? Um controlador de vídeo game? Ou TV? Vai ver que ele trabalha com isso. Ora, ora, que gente mais esquisita, que estranho...
- Vamos esperar até amanhã, Zé.
- Mas gente esquisita a gente trata à altura! Ei, Lú, temos que arrumar um presente mais esquisito para eles. Muito mais esquisito que esse tal de “conktroulk”.
- Como que é, Zé?
- Isso mesmo! Lú, o que pode ser bem estranho para se dar para um vizinho que a gente não conhece ? Hum... deixa ver... já sei! Um sapato social!
- Zé, você quer dar um “sapato social” pro marido da nossa vizinha a troco de nada?
Ele gesticulava, falava e ria sozinho.
- Hahaha, vai ser o máximo! Quer um presente mais surrealista do que dar um sapato social para um vizinho que você nunca viu? Hahaha! A gente dá, mas não fala nada! “Olha, compramos um presente para você, espero que você goste”! Hahaha, eles vão ver quem é esquisito nesse prédio, se são eles e esse “conktroulk” ou nós e nosso sapato social!
No dia seguinte, a vizinha apareceu em casa, toda sorridente. Olhei para a cara de sapato social da moça e tive vontade de rir da idéia do Zé, mas antes de qualquer coisa ela estendeu a mão e me deu um embrulho de presente.
Era uma garrafa de bebida, um licor.
Contreau.
E assim não precisamos comprar o sapato social para o marido dela.
Pena, né?

MÁXIMO & mínimo


Anel da coleção de Murtogh Guinness no Morris Museum

Olha que coisa mais maravilhosa: acabei de ganhar dois presentes estupendos, inusitados e sensacionais.
Um deles mínimo, o outro gigantesco.
Um deles, vejam só, é um anel "virtual", que está na foto acima. Imagina que loucura: um anel, uma coisa mínima, que contém uma figura com tantas informações, vejam! Tentei ampliar a imagem para entender a cena, franzi a cara toda. Consegui ler uma cena de uma mãe sentada costurando, ao lado de uma criança que brinca com uns pássaros. Porém a cena parece interna e não externa, o que me confunde um pouco. Mas é essa a mágica de algumas coisas - não as entendermos completamente.
Ah, a magia das coisas mínimas e resumidas, que eu tanto almejo...
.
O outro presente, que me deu minha amiga Sheila, foi uma lista imeeeeensa de nomes! São maravilhosos, mais de 50 mil! É uma ajuda e tanto, não precisarei mais ficar abrindo livros e jornais, elaborando listas e screvendo em cantinhos de papel.
Sheila, você não tem idéia da maravilha que é um presente desses para quem gosta de escrever novelas e peças de teatro. 5o mil obrigadas pra você.
Ah, a magia da generosidade e da fartura ao nosso dispor...


sábado, 27 de novembro de 2004

Um amigo, uma barriga


"falaí, barriga"

Estou aqui envolvidíssima "gerando" uma peça de teatro. Toda texto tem um tempo de germinação e um tempo de crescimento dentro da gente. Uma hora nasce e temos que criá-lo até a maioridade.
Mas enquanto é gerado, precisa ser alimentado.
Estava reescrevendo o roteiro quando parei e travei. Tinha uma coisa que me incomodava. Um dos personagens não tinha nome. Eu tinha que chamá-lo por "moço", ou "homem", ao contrário dos outros, que já eram quase humanos.
Começei a ficar aflita, quando abri o MSN.
Olhei. Somente três pessoas on-line, afinal, é sábado a noite. Um deles era meu filho (lá no micro dele no andar superior), o outro um amigo que nunca desliga o micro (acho que nem é ele que fica on line, e sim o servidor) e um terceiro, que quando olhei sorri: um amigo escritor.
"Ôba. Ele deve estar se divertindo como eu", pensei. Mandei uma mensagem imediata.
- B., me ajuda uma coisa? É rapidinho.
- Digue - ele falou.
- Preciso de um nome de um personagem - eu expliquei, contando a ele quem era o homem - tem alguma idéia? A primeira que te vem a cabeça?
- Barriga - ele respondeu, sem pestanejar.
"Genial", pensei, "falaí barriga!". E assim nasceu o Barriga, um personagem que é tudo, menos um homem barrigudo. Aliás, deve e precisa ser magérrimo. E saibam, o nome é perfeito!
Pensando bem, é engraçado.
Eu doida para perder a minha barriga e arrumo mais uma...

CARÍCIAS


... bem, e de algum modo eu concordo com o meu avô: o mar é um pouco triste sim.

sexta-feira, 26 de novembro de 2004

OS CABELOS


a bad hair day...

Ah, eu a-do-ro essa crônica. Lembrei dela hoje, não aguentei de vontade e coloquei de novo, para melhorar o dia.

OS CABELOSS...!

O que aconteceu com a cor dos cabelos das mulheres?
Não conheço nenhuma amiga minha que não pinte o cabelo. Todas, sem exceção alguma, usam algum tipo de tinta ou truque. Juro que já nem me lembro mais quem era naturalmente morena, loira ou ruiva na nossa juventude. O motivo de tanta transformação é simples: os cabelos brancos.
Tudo culpa deles.
Cabelos brancos são sempre associados com velhice, e, claro, ninguém quer ficar velha. Mas acontece uma coisa estranha: primeiro que não é só o cabelo que diz que você está ficando velha. Teu rosto, teu corpo e tua pele também falam a mesma coisa e que eu saiba, ninguém pinta o corpo de vermelho com a idade. Mas como todo mundo sempre te viu com a tua cor de cabelo natural, você não acha que quando você, de um dia para o outro, vira ruiva, as pessoas não vão perceber que é justamente porque você fez quarenta e teus cabelos estão ficando brancos? Na minha opinião, as pessoas vão achar estranho do mesmo jeito que achariam estranho você ter cabelos brancos. Não, é ainda pior, pois os cabelos brancos vem aos poucos, devagarinho, dando tempo para a gente se acostumar, mas as tinturas ruivas, castanhas, loiras e pretas retintas chegam de sopetão. Damos o maior susto, logo de cara: nossa eu não tinha nem te reconhecido! Está diferente!
Eu implico é com uma coisa: porque temos que usar cabelos de cores diferentes da cor do nosso? Melhor passar de uma cor de cabelo (a que você nasceu) para outra cor (branca), do que desfilar por ai feito um... arco íris.
É que a minha irmã, no verão passado, apareceu um dia de cabelo novo. Pintado. Um tipo de castanho claro, uma cor até que bonita. O resultado final incluía uma escova e uma "chapinha", que deixou os fios sedosos e brilhantes. Até eu invejei aquilo - o meu cabelo me pareceu mixuruco, perto daquela massa esvoaçante e linda sobre a cabeça dela. Nossa. Um dia eu ia até querer imitar.
E assim, lindona, ela foi para nossas férias na praia. Eu, ela e nossas famílias.
Chegamos para ficar quinze dias. E eu acho que nunca vi uma coisa igual à aquela. Minha irmã foi totalmente metamorfoseada ao longo desse período. O cabelo dela, nos primeiros dois dias, estava mesmo bastante castanho claro. Ela passou cremes e protetores solares, como mandam a gente fazer, mas, mais ou menos no quarto dia ela já era uma mulher ruiva. Vermelhinha de tudo, tinindo ao sol, com a maior cara de estrangeira. Ninguém entendeu nada.
Depois de uma semana, estava com tudo cor de laranja. Laranja, aquela cor mesmo, a cor da fruta, a cor da caixa do lápis de cor. Não dava para acreditar, ela parecia uma boneca de mentira, ou uma moça modernérrima, daquelas que vão a boates e tem um monte de piercings. Olha, acho que se alguém quisesse pintar os cabelos exatamente daquela cor não conseguiria nunca. Ela até colocou um lenço para os vizinhos não acharem que ela era uma bandida e estava diariamente se disfarçando para não ser reconhecida.
Mas não parou por ai. A revolta dos cabelos dela contra aquela tintura foi muito mais além. Depois de mais uns dias, umas mechas ficaram completamente amarelas. Amarelo ovo, bem forte. E depois apareceram outras, num tom meio acinzentado, esquisito.
Ela entrou em pânico. Total. Aquilo não terminava.
- Só falta ficar tudo azul! Depois, verde limão! Socorro!
Todo mundo disfarçava para ela não ficar chateada. Imagina. Ela estava linda. Aquilo era só um tipo diferente de “loiro”. Não era nada, nem dava para notar...
Olha o perigo que é pintar o cabelo. No final dos quinze dias, ela conseguiu: estava loira clara, com os cabelos quase brancos mesmo (graças à Deus, pelo menos não ficaram azuis), mas com a textura de uma... vassoura de piaçava.
Foi quando eu arrisquei, delicadamente:
- Escuta, Ângela, mas por que você foi pintar? Você tem tanto cabelo branco assim? Ainda está tão longe dos quarenta!
- É que apareceram só uns fiozinhos. Mas tão feios, brancos...
Feio? Que podia ser mais feio que aquele cabelo pintado e espirrado para todos os lados?
Olha, não adianta tentarem me convencer. Não é melhor ter cabelo pintado do que ter cabelo branco. Nosso único consolo é que, graçasaDeus, ao menos é só cabelo que muda de cor com a idade. Imagina se os dentes da gente resolvessem ficar... pretos?

TOURO FURIOSO



E hoje é dia de tourada. O touro está furioso.
(um toureiro deve gostar disso, não...?)
Ufa, lá vou eu.
Olé!

quinta-feira, 25 de novembro de 2004

A PÉLVIS NA PRAIA


Pensando bem, a pélvis é um osso lindo - parece uma borboleta!

Meu pai era médico ortopedista. Quando eu era pequena, íamos para a praia nas férias de janeiro, mas ele não colocava o pé na areia. Gostava dos ares do litoral, mas detestava o sol. Preferia ficar no hotel, lendo e descansando.
Minha mãe nem ligava. Entendia os homens (como faz até hoje) do jeito dela.
"Teu pai não gosta de praia, é enjoado, iii, filha, deixa ele ai no hotel", ela resolvia, arrumando as filhas e as tralhas todas, "sabe, o meu pai, avô de vocês, é igualzinho: também não gosta de mar, mas não é enjoamento como o teu pai - ele não vem na praia porque fala que o mar é triste", ela explicava para nós duas, eu e minha irmã. Continuava falando por horas (minha mãe fala muito sozinha) "ora, triste, triste... não sei o que é triste no mar, mas ele insiste que é e não vem, diz que fica aflito com a tristeza. Olha! Onde que tem tristeza aqui? Ah, quem sabe quando eu for velha eu vou entender, tsc...".
Assim meu pai ficava no hotel e nós na praia.

Um dia ele apareceu. Eu devia ter uns 7, 8 anos e me assustei ao vê-lo de shorts ali na areia.
- Que vocês estão fazendo? - ele perguntou.
- Um castelo - dissemos, animadas - Você ajuda, pai?
- Castelo eu não sei fazer, lúcia...
- E o que você sabe fazer, pai?
- Hum... - ele pensou um pouco - Um esqueleto eu sei - ele declarou - Que acham?
Acho que nunca vou me esquecer desse dia. Meu pai ficou horas na praia, calado e trabalhando sob o sol. Fez um enorme esqueleto de areia, osso por osso, vértebra por vértebra, perfeito e magnífico, diante dos nossos olhos embasbacados. Ficamos maravilhadas com aquele homem que ele criou ali na areia, morto, estatelado, adormecido.
Era inédito, mágico e único.
E sem falar mais nada meu pai deu um beijo em nós duas, olhou o esqueleto, sorriu e voltou para o hotel.

ooolé!!!


OOOLÉ!!!
.
Achei um poema maravilhoso
João Cabral de Melo Neto
ALGUNS TOUREIROS
(Paisagem com Figuras - 1954 - 1955)
.
Eu vi Manolo González
E Pepe Luís, de Sevilha:
precisão doce de flor,
graciosa, porém precisa.
.
Vi também Julio Aparício,
de Madrid, como Parrita:
ciência fácil de flor,espontânea,
porém estrita.
.
Vi Miguel Báez, Litri,
dos confins da Andaluzia,
que cultiva uma outra flor:
angustiosa de explosiva.
...
Mas eu vi Manuel Rodríguez,
Manolete, o mais deserto,
o toureiro mais agudo,
mais mineral e desperto,
.
o de nervos de madeira,
de punhos secos de fibra,
o de figura de lenha,
lenha seca de caatinga,
...
sim, eu vi Manuel Rodríguez,
Manolete, o mais asceta,
não só cultivar sua flor
mas demonstrar aos poetas:
.
como domar a explosão
com mão serena e contida,
sem deixar que se derrame
a flor que traz escondida,
.
e como, então, trabalhá-la
com mão certa, pouca e extrema:
sem perfumar sua flor,
sem poetizar seu poema.

quarta-feira, 24 de novembro de 2004

Varig vôo 3933 para São Paulo


vuuuummm... voltei do Rio.
.
No aeroporto perguntei ao Luis S., que me acompanhava na viagem, como os diretores dos aeroportos achavam mulheres com aquela voz para falarem nos microfones de todos os aeroportos do Brasil. Incrível, é sempre igual: uma voz anasalada e incompreensível.
Ele riu. "É uma voz-montagem", explicou. "Eles pioram a voz das moças para ficar assim".
Não é possível.
.
No avião, durante o vôo silencioso, ele notou e me cochichou:
- Já pensou se "deixassem" as pessoas falarem no celular aqui dentro?
Ia ser o caos.
E ninguém responderia para as aeromoças se quer suco ou refrigerante.
.
Pegamos um taxi até São Conrado. O taxista se meteu em to-das as nossas conversas, como se fosse, assim, um amigo íntimo nosso. Deu palpite na obra, riu das minhas histórias, indicou lugares, lojas e fornecedores. Inacreditável. Mas afinal, estávamos na casa dele.
.
Um outro taxista, ontem, aqui em SP, também era muito tagarela. Começou a me contar todos os famosos que já tinham andado no seu táxi.
"Eu já fui até na casa do Antônio Ermírio" explicou, "fui levar uma moça lá e tive que esperar. Me deixaram estacionar o carro e ficar na copa, sabe?"
"Que bacana", eu disse.
"Olha, é impressionante... nunca imaginei que fosse assim... sabe como é a cozinha e a copa da casa do Antonio Ermírio? Olha que ele é famoso e milionário, né moça, mas a cozinha e a copa da casa dele é igualzinha a nossa... tem assim, banana... cebola... batata... fruta na mesa... panela de pressão..."
.
E estava um dia lindo no Rio. Ainda bem que sobrou um tempinho para sentar na frente da praia e olhar o mar.

A CRÔNICA DA SEMANA



Andar ou correr?

Uma hora na vida temos que decidir: andar ou correr?
Eu ando. Sei lá porquê, mas dia sim, dia não, ando na praça aqui ao lado de casa.
Quando eu era criança, íamos para as pracinhas no interior e passávamos horas zanzando, brincando e namorando. Ficávamos nos bancos ou caminhando a esmo. As praças nunca eram usadas como pista de corrida ou clube. Praça era coisa séria, domingueira, sagrada.
Vejam agora o que aconteceu: as pracinhas da cidade viraram estádios esportivos, órbitas planetárias do universo saudável, onde um bando de pessoas roda sem parar em torno de umas poucas e mirradas árvores. E sempre sérias, como se “andar” fosse a coisa mais importante da humanidade.
Chamamos a nossa praça de “praça dos enfartados”, devido (obviamente) ao número de pessoas cardíacas que se recuperam rodando em volta dela. Ataques do coração, pontes de safena e colesterol são assuntos corriqueiros.
- Nossa! Olha quem começou a andar aqui... aquele senhor carequinha da casa branca da esquina! Que será que ele teve?
Eu ando, apesar de não ter tido enfarte. Ando, ando até cansar e me sinto absolutamente ridícula por isso. Sabe, me incomoda não ter um “destino”. Andar por andar, em círculos, parece coisa de gente maluca: igual a ter um carro, ligar diariamente na garagem e esquentar por meia hora para não “arriar a bateria”. Nós desaprendemos a andar e temos que rodar o motor? Já existe até professores de caminhada (ou não?), o que é a coisa mais absurda desse mundo.
Porém o público da minha praça não se restringe somente os que “andam”. Também existem os que “correm”. Os que correm estão, na hierarquia da praça, acima dos que andam, por um motivo óbvio: os que “correm” também podem “andar”, mas os que “andam” não agüentam “correr”. Assim, os que “correm” são naturalmente mais exibidos e vivem de peito empinado. Passam altivos e esnobes, rapidamente, sorrindo, saudáveis.
Puxa. E eu morro de inveja das pessoas que correm.
Outro dia estava caminhando quando passaram por mim duas moças que corriam e faziam alongamento, conversavam, gargalhavam e riam ao mesmo tempo. Invejei. Olha, quem não tem fôlego sabe muito bem o que é isso. Se é difícil andar, andar e falar é muito pior; e andar, falar e fazer exercícios é um horror. E as duas, além de tudo, ainda corriam.
De raiva fingi que não vi. Mas num relance reconheci uma delas.
- Luciana?
Era uma prima. Deu um sorriso alegre, me cumprimentando, toda serelepe.
- Oi lúcia! Quanto tempo! – ela começou uma conversa, correndo no lugar com aqueles “pulinhos”.
Respirei fundo e me preparei para um cooper forçado. Ela jamais pararia de correr para trocar duas palavras comigo. Existem regras na sociedade que não há como burlá-las, gente. Quem “anda” está abaixo de quem “corre”, e, se quem “anda” precisa falar com quem “corre”, tem que correr junto.
É a hierarquia e pronto.
Quase tive um enfarte, mas enfrentei os primeiros 200 metros. Depois disso eu já não falava mais. Saíam de mim uns nacos de palavras esganiçadas, e eu quase caí dura. Pensando bem, vai ver que é por causa dessa hierarquia que tem tanto enfartado aqui no bairro.
Ah, mas um dia eu vou conseguir correr como eles. Embora uma amiga minha (que anda) tenha me dito que “quem corre é índio e bicho, gente civilizada anda”, confesso: morro de vontade. Acho que correndo eu teria menos vergonha de estar sem destino – pelo menos eu estaria mais rápido, o que disfarçaria mais.
Enquanto isso lá vou eu, esquentando os meus motores, com minha cara de enfartada civilizada. E morrendo de vontade de subir na vida esportiva. Existe assessor de imprensa esportivo?

terça-feira, 23 de novembro de 2004

À SOMBRA DA CORNUCÓPIA


à sombra da cornucópia (da SILVIA, foto da Beá)

Copiei aqui a escultura da Silvia que acabei de colocar no Blog FAUNOAR. Ela me chamou a atenção para a sombra do esqueleto, que reproduz o desenho da cornucópia de letras que ilustra o blog.
As esculturas da Silvia são lindas e poéticas. Cada pequeno pedaço tem um significado especial, assim como cada atitude na vida dela. Ela é a minha Clarice Lispector, a amiga que me chama a atenção para todas as baratas e rosas que nos rodeiam na vida cotidiana.
E juntas comemos as piores baratas e as mais lindas rosas.
Sem mastigar. E nos deliciamos.
Essa é uma das muitas sementes que ela plantou nesses anos todos, que ela teceu, tramou, costurou e encapou para fazer germinar uma nova parte da vida. Acho que ela conseguiu. As sementes estão brotando, a Silvia está brilhando e me sorri da beira do abismo.
Não existe perigo, ela me diz, girando nas sombras cornucopianas preto e brancas.
Eu sei, Silvia. Eu sei.


segunda-feira, 22 de novembro de 2004

A PÉLVIS


o nosso Fernando e suas idéias estapafúrdias

- Iii, Fernando, a lúcia agora não sai mais do computador - reclamou o Zé na hora do jantar.
- Ô Zé, não implica - me defendeu o Fernando - Eu já fui no blog dela, é bacana. Mas ela fala muito pouco de mim... - ele resmungou - Só uma foto, e de lado. Ora...
Eu intervim.
- Gostou, Fernando? Do blog?
- Muito. Li tudinho.
- Você precisa ler os blogs dos meus amigos blogueiros, a Sheila, o Charles e o Edu. Eles são o máximo - eu propagandeei - Por exemplo, a Sheila hoje contou uma história muito maluca sobre uma amiga dela que ganhou um crânio mexicano dos pais. Verdadeiro. Humano.
- Nossa - falou o Zé - Eu já vi um desses, é impressionante. Os indios "encolhem" os crânios para guardar.
- Um crânio? - espantou-se o Fernando - Um crânio, uma caveira de gente? Era de alguém importante?
- Importante? - Eu perguntei - Importante como?
- Ora - ele explicou - Tudo bem guardar ossos. Eu até guardaria, se fosse um osso famoso. Um crânio de um gênio, por exemplo.
- Osso famoso? - estranhou o Zé - E... que osso que é famoso, Fernandinho?
- Ah, por exemplo, a pélvis do Elvis. A pélvis do Elvis é um osso super famoso. Deve valer uma fortuna a pélvis do Elvis. Mas esse osso ai, de um mexicano descerebrado, deve ser uma pechincha. Eu ia ficar bem bravo com meu pai se ele me desse um osso desses.
- Ah, já se fosse... - conjeturou o Zé.
- Ah... Hahaha, mas se fosse a pélvis do Elvis eu ia a-do-rar! Até colocar na sala!
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Fernando! A pélvis do Elvis???

a roberta me mandou um presente


sou a menina maior
a menor é a Ângela

A Roberta, minha amiga de infância que atualmente mora em Londres, me mandou essa foto por email ontem.
Acho que eu tinha uns 9 anos.
Era um domingo de chuva, eu e Angela começamos a fuçar numas roupas antigas da minha mãe e achamos esses casacões. Nos fantasiamos e achávamos que estávamos "pavorosas", verdadeiras vampiras da Transilvânia.
Obrigada, Rô, por me dar de presente um pedacinho de memória.

domingo, 21 de novembro de 2004

uma escultura havaiana


bigo, a havaiana, vestida pelo chico (só faltou a sandália)

sábado e havaís


niver da nani

Um monte de meninas e meninos, muita musica e dança, comida e casa lotada, mais uma vez.
Ontem fizemos uma festona para para a Nani, que fez quatorze anos. Nós? Não, foi ela que fez tudo. Se não fosse a organização da nossa filha, nada tinha acontecido. Acho que são nessas coisas que se definem as características dos adultos. É só observar.
O que a Nani gosta são das coisas pla-ne-ja-das. Ela pensa em tudo muito antes: a roupa, a decoração, o convite, os convidados, as bebidas, onde vão ficar, que musica vão ouvir. Cobra e exige de todos, até dos irmãos. Pobre de mim e do Zé que não programamos nada nunca (é, nós nos merecemos nesse ponto) e sempre nos vemos correndo, desesperados, a meia hora das festas daqui de casa e rindo da nossa desorganização. Mas a nossa menina até pensou no perfume que ia usar, me pediu para comprar incenso. Juro, nunca vi alguém se preocupar com o cheiro da festa! Nunca!
Quando vimos, estávamos eu e o Zé perguntando a ela "o que fazer agora". Bem, nada me tira da cabeça que a liderança em algumas situações é espontânea e natural. E independe da idade e do grau de relação entre você e pessoa.
A festa foi linda, colorida, cheia de flores pela casa, cheia de decorações e velas que nós mesmos fizemos, gargalhadas e muitas alegrias.
Sobrou até para a Bigo, a escultura do jardim do fundo, que ganhou um sutiã de flores! Vou colocar ela num post acima.
ALOHA!

meus três amores


na festa havaiana da minha nani

sábado, 20 de novembro de 2004

A barata do Cícero


Melancolia, Cicero Dias

Conheço esse quadro, está na casa de um cliente. E adoro o termo "melancolia".
Em geral, cria-se muito sob sombras melancólicas. Eu mesma sou assim.
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Há um ano e meio atrás, morreu uma tia minha, historiadora. A tia Alice era irmã da minha avó, morava sozinha e tinha uma bela coleção de quadros. Depois da morte dela, eu e minha mãe fomos desmontar a casa para alugar, quando minha mãe achou um papel no armário. "É um quadro, lúcia, um desenho pintado" - ela disse, me mostrando o papelão. Era um quadro comprido e grande do Cícero Dias, de 1930 e pouco, da fase surrealista. Socado no armário, perdido. Um guache ou aquarela em papel. Estava todo fungado, amassado e em péssimo estado, e eu fiquei apavorada.
O quadro era muito maluco. No meio do papel existia uma enorme barata voadora de barriga para cima, voando, toda animadona. Não tinha dúvida nenhuma, aquilo era um baratão mesmo - não era avião, nem nave espacial, nem fantasma. Era barata e cheio de pernas, antenas, gosmas e cracas. Atrás dela, umas arcadas, ao redor um monte de gente minúscula: umas pessoas de bicicleta, carrocinhas, gente a cavalo, cachorrinhos, montanhas e arbustos, tudo minúsculo. E a baratona lá, dominando, voando sobre todos. Não estava nem ai com a humanidade, com a medíocre vida cotidiana. Era nojenta e aquilo não era problema de ninguém.
Sabe? O quadro era uma mensagem. Era sábio.
Me indicaram uma restauradora para restaurar o quadro, ficou bem bonito. Mas todo mundo desprezava a barata. Ninguém dava nada por ela. "É uma barata!", falava um, "ninguém coloca uma barata na sala!", "Uma baratona dessas não vale nada, é feia!", dizia outro.
Ninguém entendia a barata do Cícero. Acho que nem minha tia, pois trancafiou a coitada no maleiro.
Passei dias encasquetada com ela, como a Clarice Lispector. Barata. Que barata que nada. Aquilo era muito mais que isso. Pensa bem. Arte não é para colocar na sala e decorar. Arte é para interagir com você, para te cutucar, para te ensinar. É uma conversa, uma idéia.
Eu adoraria ficar com a barata para mim, mas foi vendida e eu nem sei para quem. Ela ia me inspirar muito nas horas que eu sou careta e sem graça. Ela ia iluminar minhas maluquices, e ia mostrar como somos sem graça perto desses insetos que tanto desprezamos.

sexta-feira, 19 de novembro de 2004

atrás das montanhas II


cicero dias
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Vamos continuar o atrás da montanhas, parte II. Arquitetura e obras nos dias de hoje.
O que me deixa chateada é perceber que com todas essas especializações a arquitetura não melhora, ao contrário, piora a cada dia. São autores demais, cada um com um ego desse tamanho, todos querendo defender muito a sua autoria e pouco a autoria dos outros. Não vejo muita generosidade entre as partes.
Aliás, nenhuma.
Assim, são construídos camelos, enormes camelos, sem pensamento algum, ocos. Os espaços ecoam qualquer questionamento, de tão desprovidos de sensibilidade. As idéias vem da mídia, que vendem espaços como se fossem roupas; os materiais vem do mercado e da propaganda e os sonhos vem do mundo da decoração. E ninguém pensa no viver, morar e trabalhar dentro das edificações de um jeito pioneiro, inovador.
Exceções? Um monte, claro. Falo do mundo que eu vivo, esse mundo de milionários, desses arquitetos cheios de acessores de imprensa, onde eu assisto de camarote o declínio da nossa profissão. Esse mundo poderoso, que está levando todo o talento dos meus amigos por água abaixo, esse mundo medíocre da casa cor, esse mundo desesperador das reforminhas nos jardins, esse mundo que envolve a vida mais sem graça do universo.
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Melhor, bem melhor é o mundo atrás das montanhas. Ah, e pobre Cícero, que me ilustrou mas que não teve nada a ver com isso.
Calma Cícero. Aguarda um pouco que já falamos de você.

O VINHÃO


olha o vinhão que eu mandei pro dok colocar no blog dele...

O mais engraçado é a cara de orgulho do fulano.

atrás das montanhas 1



atrás das montanhas 1

Ah, que saudade do tempo que o arquiteto projetava tudo numa obra.
Explico melhor: hoje em dia, para se fazer um projeto e uma obra de uma casa, não basta um (1) arquiteto e um (1) engenheiro. Precisamos de mais de vinte profissionais especializados para fazer mais de vinte projetos e mais de vinte engenheiros especializados que tem que fazer obras paralelas. Ninguém se entende, a posição de líder se confunde, ninguém sabe a quem deve obedecer e o que acaba prevalecendo no processo todo é assitirmos a vitória daquele que melhor domina o grupo.
Muitas vezes o pobre do arquiteto passa longe, lá longe.
E perde-se completamente a idéia da obra, se é que ela existe ainda, nos projetos atuais.
Antes faziamos projetos assim (era bem simples, embora pareça que não - hoje que as coisas são complicadas): Você projetava a casa e a estrutura juntas. Assim aprendi com meus professores. Impossível pensar arquitetura x estrutura em dois tempos diferentes. A construção tinha que ser mágica e bela com a estrutura. Desprezávamos aqueles que faziam cenários. Aquilo era falso, era reles.
Assim, projetávamos nossos edifícios e suas estruturas, para depois estudarmos o programa, seus fluxos e relações, até chegarmos nos detalhes.
Tudo junto com o desenho da cobertura, com o desenho dos jardins, com a iluminação e com os forros da casa, tudo, absolutamente tudo dependia de você. Quanto precisamos de luz num quarto? Ora, era você que definia isso, afinal, você que sabia quem ia morar ali e o que se adequava melhor ao seu projeto.
Jardins? Você definia como seria, e até o que se plantaria ali.
Sei lá quando começou essa coisa da especialização e como as pessoas se adequaram a isso. Mas é triste ver um arquiteto parar a planta na soleira da porta, pois dali em diante é território dos paisagistas. É mais triste ainda ver profissionais se recusarem a desenhar uma planta de forro, ou não saberem palpitar sobre a posição de uma luminária. E é mais, muito mais desesperador ver arquitetos desprezarem a estrutura dos edifícios como se aquilo fosse uma coisa menor.
Tou berrando mesmo. Onde isso vai parar?

fontes-editore-setnof


uma turminha em 83 - santa cruz das palmeiras
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O Alexandre mandou um texto para todos nós, que nos reencontramos depois desses vinte anos e que desde então, não paramos de nos escrever e brincar. A Mona me mandou uma foto de uma viagem da época da faculdade, onde nós, na linha do horizonte, apontávamos o futuro. Olha que lindo.
Tá todo mundo ai de novo, e agora na escrita, onde, como diz o texto, somos todos mais próximos da verdade.
Obrigada, mais uma vez, Alexandre.
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"Lembro-me, adolescente, de ter trocado cartas com certa garota de quem estava perto todos os dias, no liceu, com quem falava, e, entretanto, as cartas formavam entre nós um laço mais essencial, mais profundo, mais íntimo. As vezes elas passavam pelo correio, as vezes de mao para mão, e isso nunca nos pareceu extravagante nem absurdo. Por que se escrever quando é possível falar-se, quando se fala efetivamente? Porque nem sempre se pode falar, nem de tudo, porque a fala pode criar obstáculo para a comunicacão, por vezes, ou condena-la a tagarelice, porque é preciso ter tempo de ficar sozinho, porque é doce pensar no outro em sua ausencia, ainda que se deva ve-lo no dia seguinte, dizer-lhe o lugar que ocupa em nossa vida, mesmo quando ele não está presente, em nosso coracõo, em nossa solidão, e é isso que a fala jamais podera fazer, uma vez que ela a suprime. A fala não nos aproxima de outrem, com muita frequência, senão nos separando de nós mesmos, e assim nos aproxima do outro apenas ficticiamente, apenas em supeficie ou pela vitrina. Numa carta, ao contrário, só atingimos o outro ficando o mais proximo de nós. Mas o atingimos, pelo menos isso acontece, e numa profundidade que as falas só alcançam raramente.
A escrita é mais próxima do silêncio, mais próxima da solidão, mais próxima da verdade. Ao menos pode sê-lo, e é isso que a justifica. Que adianta escrever, se é para fingir?"
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"Bom Dia, Angustia", de André Comte-Sponville.

quinta-feira, 18 de novembro de 2004

um dia em itacaré


sentada na piscina de pedras
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Pronto, cheguei, depois de uma viagem deliciosa com uma turma enorme e divertida, com a mala cheia de pedras lindas, com diversos cachos de banana que ganhei de um tal de Laurence, com quinze fitas do Bomfim (hum... não seria Bom Jesus da Lapa?) para dar para a filha e entupida de poeira da obra.
E com mais de vinte histórias absurdas de todo esse exército montado para acabar a casa do F. Mas o que ficou de melhor? O fim de tarde diante do mar, lá embaixo, na piscina de pedras.
O mar que vai e vem, envelhecendo as pedras.
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quarta-feira, 17 de novembro de 2004

a Fé e a Fê


e, para acabar o dia, uma foto do meu "pântano" de trabalho...

Era um encontro da catequese do João, na escola. Todas as mães foram até a classe para encontrar as crianças e rezarem o terço juntos.
A professora se chama "Fernanda". Na lousa estava escrito, com letras caprichadas: "Encontro de fé e da Fê".
Antes de começarmos a rezar, a Fernanda avisa as mães:
- Olha, as crianças resolveram mudar um pouco a Ave Maria. Ficou assim: ao invés de rezarmos "rogai por nós, pecadores", eles trocaram por "rogai por nós, seus filhos".
Uma menina explicou.
- É que criança não é pecadora.
A professora continuou.
- E no final, ao invés de "agora e na hora da nossa morte", eles trocaram para "agora e até a hora da nossa morte".
- É que vai demorar muito a morte - um outro menino explicou - até lá, demooora...
E assim rezamos o terço sem pecadores e com a morte lááá longe.
Foi muito mais alto astral.


Arte ou Arquitetura?


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o presente do PVP
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No dia do meu aniversário, o Paulo Von Poser me ligou.
- lúcia, não sei se vou conseguir ir te dar um beijo, mas estou fazendo um presente para você.
- Ô pena, Paulo. E obrigada pelo presente - eu disse - O que é?
- Olha. O presente não é assim... "arte", viu?
- Como?
- Não é uma "obra de arte", o meu presente - ele explicou.
- Ora, Paulo, acha que eu "vendo" os presentes que você me dá? Comercializo?
- Não, é que é estranho, estou fazendo e adorando, mas não é uma obra do PVP, tipo um desenho, uma pintura.
- Hum... É alguma coisa de tricot? Bordado? Um bolo? Biscoitos? Fala o que é, Paulinho!
- Não, lú, é segredo. Você vai ver.
- Hum... não é arte, nem uma meia de tricô...
Ele riu.
- Acho que é quase... arquitetura, lúcia! - ele completou, gargalhando sozinho - Isso! Arquitetura!
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Fiquei curiosa, e o presente chegou ontem. Maravilhoso. É uma casinha para uma familia passarinha, tem uma portinha para cada um de nós aqui de casa!
Adorei inspirar um vôo tão divertido e tão pouco "arte" num amigo. E, como não dava para colocar lá fora no terraço a noite, colocamos um passarinhos de brinquedo para testar.
"A casa da familia passarinha".
Genial.

Dona Baratinha


o casamento da dona baratinha, imagem do disquinho de 1970
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Olha o presente que recebi:
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DONA BARATINHA (para a minha amiga blogueira)
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Ele se comporta como barata . Cheira como barata . É aceito pelas baratas como uma delas, mas não é uma barata. É um robô e os cientistas dizem que a invenção é uma revolução na luta humana para controlar o reino animal. O robô, InsBot, desenvolvido por pesquisadores da França, Bélgica e Suiça, é capaz de se infiltrar em um grupo de baratas, influenciando-as e alterando seu comportamento.
Em uma década os inventores acreditam que o robô estará tirando suas "semelhantes" dos cantos escuros da cozinha para que possam ser devidamente eliminadas.
Saiu ontem no Estadão.
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Obrigada, Edu.
Um beijo da Dona Baratinha.

FRANKA CANDANGA


é visita? entre, bem vindo!

blog, ploft!


ploft!
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- Gente, novidade – falei para a família na mesa do jantar - Fiz um blog, olha que coisa mais moderna.
O Zé arregalou olho. Os meninos, já adolescentes, bocejaram.
- Tá, mãe... – falou o mais velho – ...mas não exagera. Blog é a coisa mais normal do mundo. Todo mundo é blogueiro hoje em dia – ele esnobou.
- Hã? Blogueiro?
Ichi. Nem sabia que tinha um nome para isso.
Ah, adoro blogs. Encontrar um deles, cheio de frutos, é como achar uma jabuticabeira carregada: você pára e se delicia. Blogs são bancos de idéias. São espaços generosos, férteis, onde você pode compartilhar gratuitamente os pensamentos dos outros. Assim, três meses atrás, resolvi que teria um só meu.
Uma decisão como essa é terrivelmente séria. Assumir um espaço, virtual ou real, e tomar conta dele sozinha não é mole. É como um casamento, como ter um filho, como ter um cão: é você tem que cuidar, na alegria e na tristeza, na chuva ou no sol, nas férias ou durante o trabalho.
Um blog é coisa séria, gente.
Hoje, com a entrada dos sites de relacionamento como o Orkut e o Multiply, os blogs já estão um pouco desvalorizados. Nesses locais você também pode montar uma página só sua, mas não é a mesma coisa. É a mesma diferença de morar numa casa ou num hotel: num blog você tem a posse do endereço.
Lá fui eu. Escolhi um site de blogs e segui o“passo a passo”: me cadastrei, entrei e ploft, caí dentro do blog. “Frankamente”, resolvi que ele iria se chamar.
Francamente, pensei. Um blog.
A primeira fase foi fácil. Já tinha um lugar para escrever, um endereço e um nome. Perfeito. Mas mal sabia eu que a coisa estava apenas começando.
Resolvi colocar fotos. Mas como colocar imagens lá dentro? Comecei a fuçar, mas não sabia nem onde era porta da entrada. Instalei uns programas, não dava certo, eu perdidaça. Uma hora desisti, tomei coragem e fui até os filhos.
- Gente. Não consigo colocar fotos no meu blog.
- Mãe – eles disseram em uníssono, rindo – Isso é complicado, não é coisa para mãe. Desiste, esquece.
Como assim? Ora, virou uma questão de honra.
- Seus chatos. Tem blogueiro de sessenta, setenta anos – declarei, emburrada.
De birra, nem fui dormir, até conseguir.
O blog estava quase perfeito. Já tinha texto, fotos e nome quando, nos meus passeios nos blogs alheios, descobri uma caixinha de comentários que fica ao lado do texto. Era muito legal, eu não podia ficar para trás.
Ô saco. Lá fui eu achar como se coloca a tal “caixinha de comentário”. Foi preciso ir até as entranhas e colocar lá dentro, tipo uma operação. Dá o maior medo, juro. E, depois aberta a barriga do blog, resolvi colocar um monte de coisa: contador de visitas, número de pessoas on-line, reloginho e até fases da lua.
Ficou tudo pronto, o máximo. Mandei e-mail para os amigos visitarem, me sentindo a própria dona Baratinha, aquela da história infantil, com fita no cabelo, dinheiro na caixinha e blog vermelhinho.
Foi quando descobri mais uma coisa, essa terrível: blogueiro tem turma, e eu, como conheço pouquíssimos, estava sozinha! Sem uma turma jamais serei uma verdadeira blogueira. Um bom blog tem uma lista de outros blogs, e perto dos outros o meu é to-tal-men-te desenturmado. Caramba, como fazer? Existe assessor de imprensa de blog?
Bem, paciência... As coisas ainda estão no começo, e eu vou conseguir chegar lá. E, para quem quiser visitar o blog da dona Baratinha aqui, o endereço é esse: www.frankamente.blogspot.com.
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terça-feira, 16 de novembro de 2004

balangandãs


um monte de balangandãs
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Foi numa vernissage da Brito Cimino. Nota: a galeria Brito Cimino é da prima da Zé, a Luciana, e o projeto da galeria é do próprio Zé.
Bem, eu estava com a Luciana quando o vi.
- Luciana, aquele ali é o Nelson Leirner?
- É, num conhece ele? Vem aqui que eu apresento.
Antes que eu tivesse tempo de negar, ela me puxou e me colocou na frente dele. Me assustei. Nas fotos ele é aterrorizante, de longe é grande e de perto, enorme. Quando me dei conta, a Luciana se mandou e eu estava diante daquele gigante matusalênico com um monte de balangandã e não tinha a menor idéia do que falar.
Ele, gentil, falou para eu me sentar. Sentei, mas ao mesmo tempo virei minha bolsa no chão com tudo que tinha dentro. Foi uma vergonha. Minha bolsa, além de ter muita tralha, tem pedaço de tijolo e lixo.
Foi como ficar nua na frente dele.
- Se deixou cair, é porque queria que eu olhasse - ele provocou. E continuou - Posso escolher?
Nem tive tempo de dizer não. Ao menos ele não escolheu minha bolsinha de modess, pensei. Contentou-se com uma piranha de cabelo, a melhor que eu tinha, e colocou no bolso. Catei tudo rapidinho, me levantei e sorri, pronta para uma conversa inteligente e bem exibida. Mas ele foi mais rápido.
- Quem é você? - ele perguntou subitamente, se dar me tempo de começar o meu teatro.
Eu começei a gaguejar antes de começar a responder (vou tentar reproduzir minha catastrófica resposta nas integra).
- Ah, é, sou a lúcia, arquiteta, ah, mulher do zé, quer dizer, formei arquiteta, mas trabalho com obra, quer dizer, com coordenação e gerenciamento de obra, trabalho pra um milionário, coordeno as coisas dele, não sou assim arquiteta de desenho, mas já fui muito, ah, mas eu escrevo também, quer dizer, ainda não publiquei mas sou escritora, não, sim, acho que sou, e também sou cronista, quer dizer, um pouco cronista, médio, não escrevo no jornal ainda, tento, tento uma hora vai dar, tou tentando mesmo, o Prata me publicou nos livros dele um monte de vezes, e eu escrevo peças de teatro, minha paixão, ainda não deram certo, apesar de todo mundo ler e adorar, eu...
Ainda bem que ele interrompeu aquele mantra histérico e desesperador.
- Ah. Igualzinho eu.
E olha que delícia que ele falou para me salvar.
- Veja. Eu sou artista plástico hoje. Mas quando crescer, se tudo der certo, vou ser um fotógrafo.
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Desde então, eu tenho essa frase na cabeça todos os dias.
E descobri que quando eu crescer eu também posso ser alguma coisa.
Que tal dramaturga?

nani, parabéns!


parabéns a você...

Hoje é o aniversário da minha Nani.
Parabéns minha querida!


a frase da espada do lorca


santa juana de arco

O fim da peça no original
Bodas de Sangue, Garcia Lorca


Mãe -
Vizinhas; com uma faca,
com uma faquinha,
por um dia assinalado, entre as duas
e as três horas,
se mataram êstes dois homens do amor.
Com uma faca,
com uma faquinha
que mal nos cabe na mão,
mas que penetra tão fina
pelas carnes assombradas,
e vai parar lá no sítio
onde emaranhada treme
a escura raiz do grito.

(tradução de cecilia meireles)
Obrigada, J. Vamos começar o dia com uma punhalada.

segunda-feira, 15 de novembro de 2004

fim de feriado, um monte de idéias e pensamentos


"Um pouco de kitsch não faz mal a ninguém...", falou a Sheila.
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1) Lorca, ainda...
Noiva:
"E eu dormirei a teus pés
para guardar o que sonhas.
Nua, contemplando o campo
como se fosse uma cadela.
E é o que sou! - Pois, se te te miro,
me abrasa tua beleza"

(Bodas, página 139)
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2) Um grito
A Silvia veio aqui hoje com uma questão complicada na cabeça. Sentamos para tomar um café e ela me fala:
- Onde foram parar os gritos, lúcia? Os gritos que nós, seres humanos, temos que dar? Nesse processo civilizatório todo, onde é o lugar de gritar?
Eu ia sugerir a ela que gritasse ali mesmo, ao meu lado, mas ela continuou.
- Eu acordei noite passada com um grito na garganta. Eu não podia gritar de modo algum, e aquilo me incomodando. Tive que desenhar aquele grito. Mas não pude gritar.
Sim, minha amiga. É irritante mesmo. Você desenha, eu escrevo, nós duas somos duas moças civilizadas, articuladas, organizadas, sabidas, que não podemos dar um berro em lugar algum.
Foi quando eu tive um clic.
- Silvia! Já sei onde! No jogo de futebol! Que time você torce? Vamos lá! Vamos reunir uma turma de mulheres quarenteens sussurantes e vamos todas berrar num jogo qualquer!
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3) A casquinha
O Jefferson me disse que toda a civilidade que existe na humanidade é só uma casquinha.
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4) O uísque
"Nunca é tarde para você ser o que poderia ter sido", fala um cartão do uisque Johnnie Walker aqui na minha frente. A frase é do Churchill.
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5) O comentário do Edu
O Edu me escreveu esse comentário depois que lembrei da minha infância falando de Dogville. Sabe, acho que são essas coisas que nos unem a alguns amigos na vida: essa percepção da magia de alguns momentos.
"Lembrei de outra coisa, essa bem esquisita. Eu estava sentado na mesa da cozinha, era a casa da Hans Nobling, a mesa era de fórmica azul e tinha uns desenhos ameboides. Eu devia ter uns cinco anos, no máximo.
O sol entrava através da tela da porta e dava pra ver aquelas poeirinhas voando. Minha mãe estava no quintal conversando com o papagaio. Acho que eu estava comendo alguma coisa muito gostosa, porque tudo parecia absolutamente perfeito.
De repente me veio uma daquelas certezas inapeláveis de que fala o Nelson Rodrigues: um dia eu vou esquecer essa cena! Foi um pouco angustiante meu primeiro contato com esse mistério, e, claro que eu não tinha fumado nenhunzinho. Mas ai eu disse: Essa eu não esqueço, vou lembrar pra sempre.
E não é que anos a fio, quando eu ficava meio assim, eu me lembrava dessa tarde. Tinha me esquecido e voce me lembrou.
Grande Lucia, valeu.
Edu"
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E eu ainda me lembro do Lorca de ontem. Maravilhoso.

LORCA = MEGADEUS


garcia lorca II

Depois de um longo tempo ser ver um palco pela frente, ontem o meu amigo Jefferson me chamou para ir com ele assistir uma peça do Lorca, lá no Sesc: Bodas de Sangue, uma montagem do Ventoforte.
Ele me disse que eu entenderia essa peça, que se parece muito com o meu teatro (ahhh, quem me dera...). Ele só estava assim-assim com a montagem, se seria boa ou não (achei linda, o batuque tinha tudo-a-ver).
Não costumo largar a familia domingo-a-noite, mas nesse caso não deu. E lá fui eu descobrir o meu novo ídolo.
Caraaamba, que texto maravilhoso!
Estou em transe até agora.
Desde a última montagem de uma peça do Nelson Rodrigues que fui ver (com a Leona Cavalli, há dois anos, também foi lindo) que eu não via um texto tão legal. Tão forte. Tão-tão. É denso, é pesado, é dolorido, é triste, é carne viva, é poema.
As duas horas e meia se passaram em segundos, eu mergulhada nas palavras daquele homem. Onde estava eu nesse tempo todo que não conheci nada do Lorca? Que burra que eu sou!
Cheguei em casa ofegante, peguei meu bloquinho de notas e tive que escrever imediatamente três frases:
1 - "Quando a coisa chega no sangue, não há o que fazer"
2 - "Uma boda é uma cama reluzente, um homem e uma mulher"
3 - "Eu quero entrar no seu peito para me esquentar"
E a frase mais linda de todas, a frase da espada e do grito, que, como não vou me lembrar exatamente, preciso do J. para me ajudar.
Assim, a partir de hoje, declaro que serei fã incondicional do Garcia Lorca, e que lerei todos seus livros e peças eu conseguir.
Como diz meu filho Chico, de quinze anos:
Lorca = MegaDeus.

domingo, 14 de novembro de 2004

ôba, hoje eu vou ao teatro


garcia lorca

O POETA PEDE AO SEU AMOR QUE LHE ESCREVA

Amor de minhas entranhas, morte viva,
em vão espero tua palavra escrita e penso,
com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.
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O ar é imortal. A pedra inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.
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Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de kordiscos e açucenas.
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Enche, pois, de palavras minha loucura
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.

( tradução: William Agel de Melo )

sábado, 13 de novembro de 2004

andando pela cidade


valverde, anatomia feminina

Que dor no corpo. Caramba.
Acho que eu já posso falar sobre isso: parar de fumar. Enquanto eu não tivesse certeza que tinha parado mesmo, achei melhor ficar caladinha. Agora, quase dois anos depois, acredito que devo ter parado de fumar. Ainda tenho algumas dúvidas, mas espero estar enganada.
Bom? Não, foi bem ruim parar de fumar. Eu adorava aquilo, e perdi uma coisa que eu adorava. Isso nunca é bom, desculpaí os que acham diferente, mas foi péssimo. Foi como perder um amigo, e isso nunca é bom. Não houve nada que substituisse o prazer de fumar, tive apenas que dar tempo ao tempo, esperar a vontade passar e esquecer o cigarro.
Foi quando eu dei aquela "engordadinha". Olha, não passei a comer muito mais não. Acho que cigarro emagrece e muito, só pode ser isso. Ao longo de um ano, além de perder meu amigo cigarrinho de todas as horas, perdi, lentamente, todas as minhas calças jeans (o caso que contei no livro do Prata é verídico), todas as saias e vestidos. Muito? Não, uns cinco, seis quilos, o suficiente para me deixar arrasada e mal vestida.
Relutei uns seis meses para acreditar que aquilo estava acontecendo comigo, até o dia que a calça apertada passou a me machucar. Fazer o quê? Regime? Ginástica?
Regime eu faço na medida do possível, sempre. Que mulher que não faz? Pensei em começar uma ginástica também, mas achei que deveria ir com calma, pois tendo fumado tanto tempo, tive receio de ter um treco e cair dura na primeira corridinha. Achei que deveria deixar meu corpo, um corpo de fumante, se acostumar a ser um corpo não-fumante antes de exigir muito dele.
Olha que idéia ridícula para uma preguiçosa como eu.
Uma hora num deu mais. Tava me dando falta de ar para subir no andar de cima da casa, e, mesmo falando para mim mesma que corpo de mulher não é feito para fazer ginástica porque os peitos balançam muito, resolvi tomar uma atitude. Era bunda na cadeira, bunda no carro, bunda no sofá, mas tava tudo travando, desengrenado, eu com aquelas roupas apertadas, com aquela falta de ginástica, com aquela pele meio mole.
Tive a maior aflição, parecia que eu tinha um corpo desintegrado, com umas partes meio perdidas aqui e ali.
Um, dois e já. Comprei três calças um número maior, comprei umas batas indianas mais folgadas, um tênis e uma calça de ginástica. E sai pelas ruas para andar, andar, andar.
Tou toda dolorida.
Quer saber? Parar de fumar também dá isso: dor no corpo todinho.

um sábado, uma pizza


Foi há dois anos:
"Proteja-me do que eu quero", falou o Fernandinho no jantar.
Ele me disse que adorava essa frase. Eu imprimi e colei ao meu lado.
Pra me proteger - eu quero muitas frases.

sexta-feira, 12 de novembro de 2004

Dogville, Michele e as casinhas de carvão


dogville I

Ontem assisti Dogville. Não vi no cinema, não sabia do que se tratava, e vi o filme como um cego que abre o olho e se depara com uma coisa inédita.
Bem. Tenho um certo receio de falar dos filmes que assisto. É que conheço tantos críticos, jornalistas e entendidos que sempre acho que minha opinião é meio boboca (... apesar de eu sempre ter uma, pois tá cheio de gente que nunca tem nenhuma, ou que usa opiniões alheias ou de jornais).
Acho que eu tenho opinião de "foco quebrado", ou de "orelha" de livro. É que sempre eu me interesso por alguns detalhes, pelo cantinho, pelo jeito da moça respirar, pela foto da orelha do livro, pela lembrança que me trouxe a cena menos interessante. Essas coisas.
Bem, sobre o Dogville, que tanto se falou.
Perdões, ML, JDR, LH e RD, mas vou dar aqui a minha humilde opinião.
.
Impossível não gostar de um tema tão bacana como a psicanálise de um grupo e as reações desse grupo com a chegada de um intruso. Quem não tem medo da moça loira linda que chega para atrapalhar a estabilidade da vida medíocre que a gente leva no dia a dia? Quantas vezes, eu mesma, nos meus anos de "pântano pós filho", não me chafurdei pelos mesmos pensamentos maus que todos ali tinham? E não fazia maldades, inconscientes mais reais com tanta gente que me rodeava?
Ah, isso incomodou demais. Me deu raiva daquele filme. Pra que me lembrar disso? Para que trazer a tona o medo que temos de perder nossos lugares, medo que nos torna tão fracos e invejosos?
Saco de Dogville, pensei. E ainda tinham que colocar aquela voz monótona e sonífera falando sem parar?
.
Mas que lembrei de uma coisa ótima (hoje eu estou falando muito da infancia, pensando bem). Lembrei do quintal da casa dos meus avós, no interior de SP, onde ficava a jaboticabeira do outro post.
Bem, passávamos as férias nesse quintal, cheio de árvores, com uma casinha com um tanque (chamávamos de "ranchinho") e com um quarto cheio de segredos lá no fundo. O chão do quintal, que antes era de terra, foi cimentado a mando do meu avô quando eu era pequena.
Minha avó adorava escrever nomes no cimento, perpetuando assim a familia na solidez do piso. A cada nascimento de um neto ela pegava um galho e escrevia os nomes de todos, com maridos e filhos. Tudo no chão, impresso, posto, nascido da terra. Túmulos de nascimentos, tumulos de vida.
No banheirinho do fundo existia um saco de estopa cheio de carvão. E é ai que começa o meu Dogville. Meu maior divertimento era pegar aqueles carvões e rabiscar o quintal todinho, junto com minha irmã e minhas primas. Faziamos cidades, com casas, ruas, florestas, montanhas, nas nossas tardes de férias. Entrávamos ali e brincávamos de viver. Respeitávamos as casas de todos, levávamos alguns móveis, abríamos portas, exatamente como no filme. E sobre as letras da minha avó, sobre os nossos próprios nomes.
Sei o que é o cenário desse filme. Olha, acredito em brincadeiras de crianças mais do que em críticas cheias de triquitraques. E essa "idéia" do Lars von Trier, tida como "sensacional", de desenhar as casas no chão, me pareceu pra lá de boba. Ora. Se nós esquecíamos da vida lá no quintal, nada mais certo que os atores se esquecerem das vidas deles lá no estúdio. É uma idéia legal, mas nada de excepcional.
Sobre a maldade? Sim, há maldade e há vingança no mundo. Muita. E tem gente que não se arrepende mesmo. Não há como julgar. As vezes acho que não somos só uma raça. Somos um monte de bichos que querem sobreviver, cada um com seus medos.
Ah, e o cachorro?
Existia a cachorrinha do meu avô, a Michele (isso lá é nome de cachorro?). Era uma cadelinha vira lata, meio pequinesa, que entrava no meio do nosso Dogville de casinhas de carvão como uma cadela-fantasma: atravessava as paredes sob nossos protestos, desrespeitando todo o nosso "filme".
- Pára, Michéleee... sai daí!
Mas um dia meu avô ficou cego, e foi a Michele que passou a o guiar pelas ruas, sem entrar em nenhuma parede. Nenhuminha. Um dia ela morreu, e também foi enterrada no chão cimentado do quintal, com seu nome.
Aqui jaz a Michele, minha avó escreveu, sem citar que ela era cachorra...


dogville II

as jabuticabas do blog



Era isso que eu queria postar, um monte de jabuticaba no pé, como as da minha infância no interior, na casa dos meus avós.
Escrevi uma crônica para o site agora, falando de jabuticabas e blogs. A crônica é sobre blogs, mas de manhã, durante o banho, começei a pensar em jabuticabas e a associação ficou perfeita. Eu não podia esquecer das jabuticabas, dai me pus a escrever "jabuticaba" no vidro do box, todo vaporado. Depois escrevi no espelho "compatilhar gratuitamente".
Jabuticaba.
Compartilhar gratuitamente.
Isso mesmo.
Depois coloco a crônica aqui. Ficou engraçada.

quinta-feira, 11 de novembro de 2004

escrúpulos


ah, é apenas o meu mundo...

O Chico, meu filho mais velho, quando tinha uns... onze anos, me perguntou, seríssimo:
- Ô mãe. O que são “escrúpulos”?
Quando vou começar a responder, o João, que na época tinha seis, se adiantou:
- Você não sabe, Kiko?
Todo mundo olha para ele. Ele continua.
- Eu tenho alguns, mas a Luciana tem muito mais do que eu. Um montão de escrúpulos.
- Como assim, ô Joãozinho - eu indaguei - Você tem um monte de... escrúpulos?
- Tenho sim - ele disse, balançando a cabeça afirmativamente - Aqui, olha. Nesse joelho.
E ele calmamente exibe umas casquinhas de ferida, já meio secas.
- Olha aqui. Escrúpulos. A Luciana tem muito mais que eu porque ela caiu da bicicleta fazendo acrobacia. Vocês não sabe, Kiko? Escrúpulo é isso aqui, olha. Passa a mão...

caramba, como chove!


o melhor presente? um email só pra gente.

a sky e o circo


Chagall - Le Cirque - Plate II

Vez ou outra tenho que falar de arquitetura, de obra e trabalho. Afinal, trabalho com isso o dia todo. Mas impossível pensar só nisso: a vida é muito maior.
Fui correndo para a casa do F., para resolver mais um problema de instalações: esse meu cliente adora equipamentos eletrônicos. Compra todos que existem, tem consultoria com uns americanos malucos e liga tudo com tudo: computador com som com telefone com tv com dvd com receiver com luz com lutron com cortina com creston com antena sky com teve a cabo com servidor e com central telefone. Acho que um dia ele vai ligar tudo isso com a geladeira, o fogão e as máquinas de lavar e secar, que (sério) são mais modernas e cheias de recurso que o meu pobre computador.
O problema é quando aparece um aparelho novo na casa. Nessas horas ele me convoca para ajudar, e é preciso chamar uma turma de 10 pessoas, desmontar armários, reenfiar os cabos, refazer instalações e reprogramar tudo. E foi isso que houve: apareceu um novo aparelho da Sky+.
Depois de uns 20 telefonemas, organizei a "festa" e fui encontrar com minha turma para resolver o problema. Fuxica aqui, olha em planta, abre tomada, entra dentro de estante, abaixa debaixo da mesa, resolve por onde vamos enfiar, ufa, enfim, resolvido. Eu estava ajoelhada ao lado do eletricista. "Bom, é isso", ele me disse, "vamos agora começar o trabalho". Eu suspirei e me sentei no chão daquela sala de TV para acompanhar a obra. Foi quando olhei para o lado.
Lá estava ele, no chão, encostado na parede.
O quadro do Chagall.
Era um verdadeiro Chagall, ali, parado ao meu lado, e ele quase escapou aos meus olhos por causa da quantidade de fios. Esse meu cliente coleciona obras de arte, a casa dele parece uma galeria. Era um quadro azul, grande, em papel, parecia um gouache. "Le Cirque", dizia uma etiqueta dourada, abaixo da pintura.
Eu estava muito perto dele, daquele enorme universo mágico criado por um homem no começo do século. Havia muita gente naquele quadro, muita gente dentro do picadeiro, artistas a cavalo, um apresentador, bailarinas, malabaristas e palhaços. Era deslumbrante. E todos, literalmente todos, voando pelo espaço da tela. Ninguém, abolutamente ninguém criado por aquele homem tinha os pés no chão.
Isso que ficou na minha cabeça.
O vôo.
Ah. Para criar um circo desses, a gente precisa saber voar, querer voar e viver voando. Só assim podemos criar voando.
Olhei para os lados, para o meu circo, cheio de eletricistas, instaladores, marceneiros. Estava a maior bagunça no apartamento. Tive vontade de rir.
Eles não sabem, mas subitamente vi todos voando ali também, naquele sky+. A gente se vira como pode, não?

quarta-feira, 10 de novembro de 2004

mais lembranças da festa do parmesão


êêê isaura!

hipa gargalhando, mais uma vez

um brinde a todos nós, JR

Mona e seus presentes

Ganhei de presente da Mônica um CD com todas as fotos da festa de 20 anos da FAU, inclusive as recusadas, onde as pessoas estavam meio tortinhas, de olhos fechados ou borradas. Adorei o CD. É fantástico, ainda mais para uma moça-sem-máquina como eu. Desde o dia do assalto que eu, uma grande clicadora de cenas cotidianas, não clico nada por falta de máquina.
E, tá, eu ainda não comprei um celular com máquina fotográfica, apesar da crônica a respeito e da vontade.
Adoro foto meio errada. Principamente porque eu sempre saio errada em foto. Dificil eu não estar de olho fechado, torta, fazendo careta ou cena. Quando eu era pequena, minha mãe adorava usar o termo "fotogênica". Ela sempre falava:
- Não, não tira foto minha que eu não sou fotogênica!
Como se na hora do clic ela mudasse de cor, ou tivesse algum tipo de alergia a foto e começasse a se coçar... Nunca acreditei e nem entendi esse negócio de fotogenia. Melhor a gente encarar a realidade, sabe? Acho que, se minhas fotos saem tortas, eu devia estar bem torta naquela hora; se eu saio de olhos fechados, é melhor abrir bem o olho; e devo ser a maior careteira do mundo, porque sempre estou com a maior cara exagerada.
Que fotogênia que nada: melhor eu parar de matraquear e me comportar.
Adorei essas 3 fotos ai em cima. São lindas, querida Mona, e são as escolhidas de hoje.
1. A Isaura, se desintegrando de alegria e estabanamento,
2. Franka de perfil, pensativa, e Hipa gargalhando,
3. E um belíssimo recorte num JR fazendo um brinde a todos nós.

o banheiro da arquiteta lucia (eu!)


Foi assim que muita coisa começou na minha vida: na coluna do Mário Prata, em 2001, com a crônica dos banheiros. Para quem quiser lembrar, ai vai de novo a famosa crônica do banheiro, na íntegra, postada pela autora...

O Estado de São Paulo, 25 de julho de 2001, Mário Prata
O banheiro da arquiteta lucia

Há duas semanas, escrevi aqui sobre banheiros e arquitetas. Pois uma arquiteta, chamada Lúcia Carvalho, me mandou o texto abaixo. Na minha crônica eu dizia que gostaria de ser arquiteto, se não fosse escritor. Pois a Lúcia só não será escritora se não quiser.
"Eu li tua matéria sobre banheiros. Este assunto me intriga, também sou arquiteta e fiquei pensando um pouco mais sobre isso e resolvi te contar mais umas coisas sobre este lugar completamente clandestino e indiscutível.
Pensa bem. Existe um grande respeito das pessoas por duas situações. Uma delas é o banheiro. É assim. Cadê o fulano? Tá no banheiro. Pronto. Ninguém fala mais nada, ninguém bate na porta, ninguém atrapalha. Claro que, se o tal fulano demora, as pessoas riem um pouco, mas um homem no banheiro é digno de respeito total. É a mesma coisa quando alguém vai para a Europa.
Ninguém discute, sempre te cobram, te acham em qualquer canto aqui neste país, te solicitam o dia inteirinho com trabalhos para ontem, sempre, mas quando você fala que não pode porque vai para fora do país, todo mundo aceita, resignado, sensato, e você fica importante. Estar na Europa e estar no banheiro, quase a mesma coisa.
Mas o assunto, o assunto são os banheiros que hoje em dia na nossa profissão são talvez a parte mais importante. Horas e horas de reunião com o cliente discutindo cada detalhezinho deste lugar. Posso estar exagerando, mas cada vez mais tem acontecido assim. Não sei o que houve com as pessoas, sinceramente. Quando eu era menina, a gente tinha só um banheiro em casa, fora o da empregada. Quase todas as casas eram assim, o banheiro da família, o banheiro da empregada. A gente, às vezes, até usava o banheiro da empregada quando precisava. Depois inventaram que cada casa, apartamento, por mais "ovo" que fosse, tinha que ter um lavabo. Como se as pessoas que vão te visitar não pudessem ver o teu banheiro, como se fosse proibido, tivesse segredos por lá.
Hoje em dia, quando uma casa não tem lavabo, eu fico até envergonhada. É tão raro entrar no banheiro dos outros que inconscientemente eu acho aquilo meio enigmático, misterioso, fico verificando os produtos de beleza, os shampoos, os armários, a marca da toalha. Acho que para ver se é igual, pior ou melhor que as nossas, que também ninguém deve ver. Não tem por quê, mas a gente acaba olhando mesmo. Quando eu me formei, é, foi mais ou menos nesta época, que começou a aumentar. O negócio de "quarto suíte". Quarto com banheiro, individual, cada um tem de ter o seu, nem que seja um bebezinho. Todo mundo queria o seu banheiro próprio, ninguém ia saber do seu cheiro, da sua bagunça, ninguém vai usar sua pasta, nada. Era só seu e inventaram que aquilo era o máximo. A maioria das casas de hoje em dia tem mais privada do que gente morando, pode reparar.
Mas tinha um problema ainda naquela época. O casal. O casal tinha de dividir o banheiro, e geralmente "o casal" significa os "donos da casa", e os donos da casa, bem eles, os mais importantes, eles tinham de dividir o banheiro.
Pimba! Tiveram uma idéia. O banheiro do casal ia ser maiorzão, bem grande mesmo, com duas pias, uma para cada um. Foi assim por muito tempo, era um grande luxo ter duas pias, uma do ladinho da outra. Mas não estava bom, tem casal que não é tão desencanado que um escova o dente e o outro usa a privada, assim junto. Resolveram (acho que na verdade quem resolve e dá as idéias são mesmo os arquitetos, nós, infelizmente) que era melhor então separar as duas pias das privadas e bidês e chuveiros, começaram a parecer umas cabininhas com o vaso, bidê (esse então dá o maior assunto em reunião...) e chuveiro longe das pias.
Mas um dia acharam que era melhor cada um ter o próprio banheiro, separado.
Olha os prédios de luxo de hoje como são. Tem o banheiro da mulher, esse geralmente tem banheira, tem cara de mulher, mármore rosa, muito espelho, essas coisas, e do marido, austero, clássico, menorzinho, mas separado. Na verdade, acho que a gente quando vai projetar para uma família a gente quase que só faz banheiro. É uma quantidade sem fim, imensa, estúpida. Se procriaram. Agora até deixam de ser banheiros, são "salas de banho". Pois é.
Nas reformas então, nem se fala, a maioria só quer mexer nos banheiros. Toda vez é assim: a gente vai na reunião com o casal, moderninho, filhos, o cara já vai falando: olha, nós queremos reformar o apartamento/casa, a reforma é a seguinte: queremos fazer um outro banheiro para nós (a mulher já vem nesta hora com um monte de revista recortada), queremos fazer outro banheiro para as meninas (mais revista), queremos um banheiro para a babá, mas precisamos muito mesmo de um para o motorista e um para o guarda na guarita nova, e, claro, queremos reformar o lavabo (mais revista e o cara já fica bravo com a mulher) e reformar os outros, antigos. Só banheiro? E o resto da casa, eu pergunto? Só banheiro, o resto da casa tá ótimo, ele fala. Quando eles acabam de falar, já tem de comprar pelo menos umas setes privadas, cinco bidês, um monte de cubas, cada uma de um jeito, e chuveiros, e aquele monte de revista me olhando.
Somos agora arquitetos higiênicos, é um grande símbolo de status ter privadas em excesso, vai entender... O assunto dentro do mundo dos arquitetos vai crescendo, é uma maluquice, não acaba nunca, as casas daqui a pouco serão uns banheirões com umas salinhas adjacentes. E num outro dia dei até entrevista para uma dessas revistas, só pedi para não tirar foto, credo.
Mas o pior, o pior é que as pessoas nunca experimentam antes, entende?
Ninguém compra privada e bidê sentando neles, eu não entendo por quê.
Deveria sentar, claro, verificar se é cômoda, se é alta, baixa, fina, se o posicionamento das pernas (isso no caso dos homens, em pé) é bom, essas coisas. Mas ninguém faz, também, pensa bem, fazem uma lojas lindas de banheiro, todas chiques, brilhantes, parecem o palácio das mijadas (palavrinha mais feia, perdões), colocam (literalmente) os vasos sanitários como tronos, quem tem coragem de posar de rei na frente da vendedora-simpática-de-preto?"