Andar ou correr?
Uma hora na vida temos que decidir: andar ou correr?
Eu ando. Sei lá porquê, mas dia sim, dia não, ando na praça aqui ao lado de casa.
Quando eu era criança, íamos para as pracinhas no interior e passávamos horas zanzando, brincando e namorando. Ficávamos nos bancos ou caminhando a esmo. As praças nunca eram usadas como pista de corrida ou clube. Praça era coisa séria, domingueira, sagrada.
Vejam agora o que aconteceu: as pracinhas da cidade viraram estádios esportivos, órbitas planetárias do universo saudável, onde um bando de pessoas roda sem parar em torno de umas poucas e mirradas árvores. E sempre sérias, como se “andar” fosse a coisa mais importante da humanidade.
Chamamos a nossa praça de “praça dos enfartados”, devido (obviamente) ao número de pessoas cardíacas que se recuperam rodando em volta dela. Ataques do coração, pontes de safena e colesterol são assuntos corriqueiros.
- Nossa! Olha quem começou a andar aqui... aquele senhor carequinha da casa branca da esquina! Que será que ele teve?
Eu ando, apesar de não ter tido enfarte. Ando, ando até cansar e me sinto absolutamente ridícula por isso. Sabe, me incomoda não ter um “destino”. Andar por andar, em círculos, parece coisa de gente maluca: igual a ter um carro, ligar diariamente na garagem e esquentar por meia hora para não “arriar a bateria”. Nós desaprendemos a andar e temos que rodar o motor? Já existe até professores de caminhada (ou não?), o que é a coisa mais absurda desse mundo.
Porém o público da minha praça não se restringe somente os que “andam”. Também existem os que “correm”. Os que correm estão, na hierarquia da praça, acima dos que andam, por um motivo óbvio: os que “correm” também podem “andar”, mas os que “andam” não agüentam “correr”. Assim, os que “correm” são naturalmente mais exibidos e vivem de peito empinado. Passam altivos e esnobes, rapidamente, sorrindo, saudáveis.
Puxa. E eu morro de inveja das pessoas que correm.
Outro dia estava caminhando quando passaram por mim duas moças que corriam e faziam alongamento, conversavam, gargalhavam e riam ao mesmo tempo. Invejei. Olha, quem não tem fôlego sabe muito bem o que é isso. Se é difícil andar, andar e falar é muito pior; e andar, falar e fazer exercícios é um horror. E as duas, além de tudo, ainda corriam.
De raiva fingi que não vi. Mas num relance reconheci uma delas.
- Luciana?
Era uma prima. Deu um sorriso alegre, me cumprimentando, toda serelepe.
- Oi lúcia! Quanto tempo! – ela começou uma conversa, correndo no lugar com aqueles “pulinhos”.
Respirei fundo e me preparei para um cooper forçado. Ela jamais pararia de correr para trocar duas palavras comigo. Existem regras na sociedade que não há como burlá-las, gente. Quem “anda” está abaixo de quem “corre”, e, se quem “anda” precisa falar com quem “corre”, tem que correr junto.
É a hierarquia e pronto.
Quase tive um enfarte, mas enfrentei os primeiros 200 metros. Depois disso eu já não falava mais. Saíam de mim uns nacos de palavras esganiçadas, e eu quase caí dura. Pensando bem, vai ver que é por causa dessa hierarquia que tem tanto enfartado aqui no bairro.
Ah, mas um dia eu vou conseguir correr como eles. Embora uma amiga minha (que anda) tenha me dito que “quem corre é índio e bicho, gente civilizada anda”, confesso: morro de vontade. Acho que correndo eu teria menos vergonha de estar sem destino – pelo menos eu estaria mais rápido, o que disfarçaria mais.
Enquanto isso lá vou eu, esquentando os meus motores, com minha cara de enfartada civilizada. E morrendo de vontade de subir na vida esportiva. Existe assessor de imprensa esportivo?
Uma hora na vida temos que decidir: andar ou correr?
Eu ando. Sei lá porquê, mas dia sim, dia não, ando na praça aqui ao lado de casa.
Quando eu era criança, íamos para as pracinhas no interior e passávamos horas zanzando, brincando e namorando. Ficávamos nos bancos ou caminhando a esmo. As praças nunca eram usadas como pista de corrida ou clube. Praça era coisa séria, domingueira, sagrada.
Vejam agora o que aconteceu: as pracinhas da cidade viraram estádios esportivos, órbitas planetárias do universo saudável, onde um bando de pessoas roda sem parar em torno de umas poucas e mirradas árvores. E sempre sérias, como se “andar” fosse a coisa mais importante da humanidade.
Chamamos a nossa praça de “praça dos enfartados”, devido (obviamente) ao número de pessoas cardíacas que se recuperam rodando em volta dela. Ataques do coração, pontes de safena e colesterol são assuntos corriqueiros.
- Nossa! Olha quem começou a andar aqui... aquele senhor carequinha da casa branca da esquina! Que será que ele teve?
Eu ando, apesar de não ter tido enfarte. Ando, ando até cansar e me sinto absolutamente ridícula por isso. Sabe, me incomoda não ter um “destino”. Andar por andar, em círculos, parece coisa de gente maluca: igual a ter um carro, ligar diariamente na garagem e esquentar por meia hora para não “arriar a bateria”. Nós desaprendemos a andar e temos que rodar o motor? Já existe até professores de caminhada (ou não?), o que é a coisa mais absurda desse mundo.
Porém o público da minha praça não se restringe somente os que “andam”. Também existem os que “correm”. Os que correm estão, na hierarquia da praça, acima dos que andam, por um motivo óbvio: os que “correm” também podem “andar”, mas os que “andam” não agüentam “correr”. Assim, os que “correm” são naturalmente mais exibidos e vivem de peito empinado. Passam altivos e esnobes, rapidamente, sorrindo, saudáveis.
Puxa. E eu morro de inveja das pessoas que correm.
Outro dia estava caminhando quando passaram por mim duas moças que corriam e faziam alongamento, conversavam, gargalhavam e riam ao mesmo tempo. Invejei. Olha, quem não tem fôlego sabe muito bem o que é isso. Se é difícil andar, andar e falar é muito pior; e andar, falar e fazer exercícios é um horror. E as duas, além de tudo, ainda corriam.
De raiva fingi que não vi. Mas num relance reconheci uma delas.
- Luciana?
Era uma prima. Deu um sorriso alegre, me cumprimentando, toda serelepe.
- Oi lúcia! Quanto tempo! – ela começou uma conversa, correndo no lugar com aqueles “pulinhos”.
Respirei fundo e me preparei para um cooper forçado. Ela jamais pararia de correr para trocar duas palavras comigo. Existem regras na sociedade que não há como burlá-las, gente. Quem “anda” está abaixo de quem “corre”, e, se quem “anda” precisa falar com quem “corre”, tem que correr junto.
É a hierarquia e pronto.
Quase tive um enfarte, mas enfrentei os primeiros 200 metros. Depois disso eu já não falava mais. Saíam de mim uns nacos de palavras esganiçadas, e eu quase caí dura. Pensando bem, vai ver que é por causa dessa hierarquia que tem tanto enfartado aqui no bairro.
Ah, mas um dia eu vou conseguir correr como eles. Embora uma amiga minha (que anda) tenha me dito que “quem corre é índio e bicho, gente civilizada anda”, confesso: morro de vontade. Acho que correndo eu teria menos vergonha de estar sem destino – pelo menos eu estaria mais rápido, o que disfarçaria mais.
Enquanto isso lá vou eu, esquentando os meus motores, com minha cara de enfartada civilizada. E morrendo de vontade de subir na vida esportiva. Existe assessor de imprensa esportivo?
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