quinta-feira, 25 de novembro de 2004

A PÉLVIS NA PRAIA


Pensando bem, a pélvis é um osso lindo - parece uma borboleta!

Meu pai era médico ortopedista. Quando eu era pequena, íamos para a praia nas férias de janeiro, mas ele não colocava o pé na areia. Gostava dos ares do litoral, mas detestava o sol. Preferia ficar no hotel, lendo e descansando.
Minha mãe nem ligava. Entendia os homens (como faz até hoje) do jeito dela.
"Teu pai não gosta de praia, é enjoado, iii, filha, deixa ele ai no hotel", ela resolvia, arrumando as filhas e as tralhas todas, "sabe, o meu pai, avô de vocês, é igualzinho: também não gosta de mar, mas não é enjoamento como o teu pai - ele não vem na praia porque fala que o mar é triste", ela explicava para nós duas, eu e minha irmã. Continuava falando por horas (minha mãe fala muito sozinha) "ora, triste, triste... não sei o que é triste no mar, mas ele insiste que é e não vem, diz que fica aflito com a tristeza. Olha! Onde que tem tristeza aqui? Ah, quem sabe quando eu for velha eu vou entender, tsc...".
Assim meu pai ficava no hotel e nós na praia.

Um dia ele apareceu. Eu devia ter uns 7, 8 anos e me assustei ao vê-lo de shorts ali na areia.
- Que vocês estão fazendo? - ele perguntou.
- Um castelo - dissemos, animadas - Você ajuda, pai?
- Castelo eu não sei fazer, lúcia...
- E o que você sabe fazer, pai?
- Hum... - ele pensou um pouco - Um esqueleto eu sei - ele declarou - Que acham?
Acho que nunca vou me esquecer desse dia. Meu pai ficou horas na praia, calado e trabalhando sob o sol. Fez um enorme esqueleto de areia, osso por osso, vértebra por vértebra, perfeito e magnífico, diante dos nossos olhos embasbacados. Ficamos maravilhadas com aquele homem que ele criou ali na areia, morto, estatelado, adormecido.
Era inédito, mágico e único.
E sem falar mais nada meu pai deu um beijo em nós duas, olhou o esqueleto, sorriu e voltou para o hotel.

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