quinta-feira, 11 de novembro de 2004

a sky e o circo


Chagall - Le Cirque - Plate II

Vez ou outra tenho que falar de arquitetura, de obra e trabalho. Afinal, trabalho com isso o dia todo. Mas impossível pensar só nisso: a vida é muito maior.
Fui correndo para a casa do F., para resolver mais um problema de instalações: esse meu cliente adora equipamentos eletrônicos. Compra todos que existem, tem consultoria com uns americanos malucos e liga tudo com tudo: computador com som com telefone com tv com dvd com receiver com luz com lutron com cortina com creston com antena sky com teve a cabo com servidor e com central telefone. Acho que um dia ele vai ligar tudo isso com a geladeira, o fogão e as máquinas de lavar e secar, que (sério) são mais modernas e cheias de recurso que o meu pobre computador.
O problema é quando aparece um aparelho novo na casa. Nessas horas ele me convoca para ajudar, e é preciso chamar uma turma de 10 pessoas, desmontar armários, reenfiar os cabos, refazer instalações e reprogramar tudo. E foi isso que houve: apareceu um novo aparelho da Sky+.
Depois de uns 20 telefonemas, organizei a "festa" e fui encontrar com minha turma para resolver o problema. Fuxica aqui, olha em planta, abre tomada, entra dentro de estante, abaixa debaixo da mesa, resolve por onde vamos enfiar, ufa, enfim, resolvido. Eu estava ajoelhada ao lado do eletricista. "Bom, é isso", ele me disse, "vamos agora começar o trabalho". Eu suspirei e me sentei no chão daquela sala de TV para acompanhar a obra. Foi quando olhei para o lado.
Lá estava ele, no chão, encostado na parede.
O quadro do Chagall.
Era um verdadeiro Chagall, ali, parado ao meu lado, e ele quase escapou aos meus olhos por causa da quantidade de fios. Esse meu cliente coleciona obras de arte, a casa dele parece uma galeria. Era um quadro azul, grande, em papel, parecia um gouache. "Le Cirque", dizia uma etiqueta dourada, abaixo da pintura.
Eu estava muito perto dele, daquele enorme universo mágico criado por um homem no começo do século. Havia muita gente naquele quadro, muita gente dentro do picadeiro, artistas a cavalo, um apresentador, bailarinas, malabaristas e palhaços. Era deslumbrante. E todos, literalmente todos, voando pelo espaço da tela. Ninguém, abolutamente ninguém criado por aquele homem tinha os pés no chão.
Isso que ficou na minha cabeça.
O vôo.
Ah. Para criar um circo desses, a gente precisa saber voar, querer voar e viver voando. Só assim podemos criar voando.
Olhei para os lados, para o meu circo, cheio de eletricistas, instaladores, marceneiros. Estava a maior bagunça no apartamento. Tive vontade de rir.
Eles não sabem, mas subitamente vi todos voando ali também, naquele sky+. A gente se vira como pode, não?

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