Moro perto de um rio. Como uso esse rio mais como avenida do que como rio, volta e meia esqueço que o rio é rio. E rios têm pernilongos, muitos pernilongos. Resumindo, basta o tempo esquentar um pouco que minha casa fica infestada deles.
Pernilongos.
Muitos pernilongos.
É um martírio. Eu não consigo dormir com os zumbidos, acordo toda picada, tenho alergia. E como à noite os problemas aumentam, a minha aflição piora.
Antes de morar aqui, eu morava longe do rio. Claro que sempre existiram pernilongos nas minhas noites, mas eram poucos, uns coitados, filhos únicos, uns sobreviventes. Eu reclamava. “Essa noite nem dormi, tinha um pernilongo no meu quarto”.
Um, imagine.
Um.
Piada.
Eu não sabia o que é não dormir por causa de pernilongos, assim, no plural. O meu problema hoje é que tenho que dormir com dúzias, centenas, milhares de pernilongos e possivelmente, pernilongas. Para ter tantos, minha casa deve ser um ninho, cheio de reprodutoras.
- É psicológico – me disse um amigo biólogo - se você desencanar, nem percebe.
Ah, vá. Psicológico é nariz dele. Desde quando zumbido e picada são psicológicos?
Coloquei telas nas janelas, achei que estava a salvo. Na primeira noite, lá veio o zumbido.
- Não é possível! Como eles entraram aqui, Zé? Tem tela!
- Eles já deviam estar aqui. Agora não tem mais como sair, nós os aprisionamos. Vamos abrir para eles saírem.
- Eles não vão querer sair, Zé. Você preferiria o que, ficar na rua, perdido, picando cachorro ou aqui dentro, no silêncio, gostosinho, picando gente cheia de sangue? Isso aqui deve ser uma delícia.
Os tais aparelhinhos de tomada nunca funcionaram, nem coloco mais. O spray só mata quando coloco nos olhos, senão, nem tchum. E haja spray. Tenho que lançar quase um tubo para matar apenas uns 10.
Já o Zé usa o método “não ouço - não sinto”, onde ele dorme com a cabeça entre dois travesseiros. Como não ouve nada, não sente nada. Eu não consigo fazer isso, me sinto sem ar, sufocada. Assim, todas as noites quentes eu acordo com os zumbidos, e resignada, começo minha batalha solitária contra eles.
Bom, antes eu matava com o tapete do banheiro e com o meu chinelo. Durante anos e anos as eliminações foram feitas com esse método. Um dia percebi a quantidade de restos mortais que estavam estampados nas paredes e no teto do meu quarto. Quando me ative, achei nojento. Aquele monte de pernilongo espatifado com sangue, perpetuado no meu lugar de descanso era mórbido e podre demais. Sabe quando você não repara numa coisa e uma hora começa a reparar? De uma hora para outra, olhei as paredes e percebi que estava rodeada de pequenos cadáveres.
Eca.
Chamei um pintor que refez a pintura e resolvi reavaliar o método de matança. Foi quando ganhei a raquetinha do Sérgio e da Ana, meus vizinhos. A raquetinha, um instrumento super bacana com pilha que dá um choque e frita o pernilongo, é bem mais higiênica. Mas não é fácil se acertar com ela. É preciso ter mira e vista boa. É como jogar tênis. No começo eu era péssima de raquetinha, agora sou a maior craque. Sei pegá-los no ar, deitada, sei caçar nas paredes, nos cantinhos. Os mais cheios de sangue explodem. Plóft. Os com sangue velho, fritam e deixam um cheiro horrível. Chiiiii. Esse relato está assustador, mas é essa a verdade com que convivo diariamente. Com a prática da mira da raquetinha, adquiri também mira nas mãos. É repugnante, mas não é sempre que tenho tempo para pegar a raquetinha. Assim, mato com as mãos, batendo palma. Não é um bom método, a mão fica porca e eu tenho que ir até o banheiro para lavar. Além disso, o barulho acorda o Zé.
- Lúcia! Não bate palma feito doida no meio da madrugada! Eu me assusto!
Tá, tá, é coisa de maluco mesmo. Mas o mais maluco é que, até os dias de hoje, ninguém tenha inventado um modo eficiente de eliminar pernilongos. Tudo que nos aborrece, como abrir o vidro do carro, sentir calor, levantar para trocar o canal da tv, ralar queijo parmesão, tudo foi aprimorado para dar mais conforto, mas para matar pernilongos, neca. Eles estão sempre ai, firmes, fortes e cada vez mais poderosos. Se por um lado, durante o dia estou cada vez mais no futuro, com minha webcan, meus dvds, meus ipods, blogs e palms, a noite eu entro na pré história, inventando modos arcaicos e instrumentos antiquados para eliminar os inimigos e poder dormir em paz.
Não é absurdo isso?
Chamei um pintor que refez a pintura e resolvi reavaliar o método de matança. Foi quando ganhei a raquetinha do Sérgio e da Ana, meus vizinhos. A raquetinha, um instrumento super bacana com pilha que dá um choque e frita o pernilongo, é bem mais higiênica. Mas não é fácil se acertar com ela. É preciso ter mira e vista boa. É como jogar tênis. No começo eu era péssima de raquetinha, agora sou a maior craque. Sei pegá-los no ar, deitada, sei caçar nas paredes, nos cantinhos. Os mais cheios de sangue explodem. Plóft. Os com sangue velho, fritam e deixam um cheiro horrível. Chiiiii. Esse relato está assustador, mas é essa a verdade com que convivo diariamente. Com a prática da mira da raquetinha, adquiri também mira nas mãos. É repugnante, mas não é sempre que tenho tempo para pegar a raquetinha. Assim, mato com as mãos, batendo palma. Não é um bom método, a mão fica porca e eu tenho que ir até o banheiro para lavar. Além disso, o barulho acorda o Zé.
- Lúcia! Não bate palma feito doida no meio da madrugada! Eu me assusto!
Tá, tá, é coisa de maluco mesmo. Mas o mais maluco é que, até os dias de hoje, ninguém tenha inventado um modo eficiente de eliminar pernilongos. Tudo que nos aborrece, como abrir o vidro do carro, sentir calor, levantar para trocar o canal da tv, ralar queijo parmesão, tudo foi aprimorado para dar mais conforto, mas para matar pernilongos, neca. Eles estão sempre ai, firmes, fortes e cada vez mais poderosos. Se por um lado, durante o dia estou cada vez mais no futuro, com minha webcan, meus dvds, meus ipods, blogs e palms, a noite eu entro na pré história, inventando modos arcaicos e instrumentos antiquados para eliminar os inimigos e poder dormir em paz.
Não é absurdo isso?