quarta-feira, 31 de agosto de 2005

franka X pernilongos



Moro perto de um rio. Como uso esse rio mais como avenida do que como rio, volta e meia esqueço que o rio é rio. E rios têm pernilongos, muitos pernilongos. Resumindo, basta o tempo esquentar um pouco que minha casa fica infestada deles.
Pernilongos.
Muitos pernilongos.
É um martírio. Eu não consigo dormir com os zumbidos, acordo toda picada, tenho alergia. E como à noite os problemas aumentam, a minha aflição piora.
Antes de morar aqui, eu morava longe do rio. Claro que sempre existiram pernilongos nas minhas noites, mas eram poucos, uns coitados, filhos únicos, uns sobreviventes. Eu reclamava. “Essa noite nem dormi, tinha um pernilongo no meu quarto”.
Um, imagine.
Um.
Piada.
Eu não sabia o que é não dormir por causa de pernilongos, assim, no plural. O meu problema hoje é que tenho que dormir com dúzias, centenas, milhares de pernilongos e possivelmente, pernilongas. Para ter tantos, minha casa deve ser um ninho, cheio de reprodutoras.
- É psicológico – me disse um amigo biólogo - se você desencanar, nem percebe.
Ah, vá. Psicológico é nariz dele. Desde quando zumbido e picada são psicológicos?
Coloquei telas nas janelas, achei que estava a salvo. Na primeira noite, lá veio o zumbido.
- Não é possível! Como eles entraram aqui, Zé? Tem tela!
- Eles já deviam estar aqui. Agora não tem mais como sair, nós os aprisionamos. Vamos abrir para eles saírem.
- Eles não vão querer sair, Zé. Você preferiria o que, ficar na rua, perdido, picando cachorro ou aqui dentro, no silêncio, gostosinho, picando gente cheia de sangue? Isso aqui deve ser uma delícia.
Os tais aparelhinhos de tomada nunca funcionaram, nem coloco mais. O spray só mata quando coloco nos olhos, senão, nem tchum. E haja spray. Tenho que lançar quase um tubo para matar apenas uns 10.
Já o Zé usa o método “não ouço - não sinto”, onde ele dorme com a cabeça entre dois travesseiros. Como não ouve nada, não sente nada. Eu não consigo fazer isso, me sinto sem ar, sufocada. Assim, todas as noites quentes eu acordo com os zumbidos, e resignada, começo minha batalha solitária contra eles.
Bom, antes eu matava com o tapete do banheiro e com o meu chinelo. Durante anos e anos as eliminações foram feitas com esse método. Um dia percebi a quantidade de restos mortais que estavam estampados nas paredes e no teto do meu quarto. Quando me ative, achei nojento. Aquele monte de pernilongo espatifado com sangue, perpetuado no meu lugar de descanso era mórbido e podre demais. Sabe quando você não repara numa coisa e uma hora começa a reparar? De uma hora para outra, olhei as paredes e percebi que estava rodeada de pequenos cadáveres.
Eca.
Chamei um pintor que refez a pintura e resolvi reavaliar o método de matança. Foi quando ganhei a raquetinha do Sérgio e da Ana, meus vizinhos. A raquetinha, um instrumento super bacana com pilha que dá um choque e frita o pernilongo, é bem mais higiênica. Mas não é fácil se acertar com ela. É preciso ter mira e vista boa. É como jogar tênis. No começo eu era péssima de raquetinha, agora sou a maior craque. Sei pegá-los no ar, deitada, sei caçar nas paredes, nos cantinhos. Os mais cheios de sangue explodem. Plóft. Os com sangue velho, fritam e deixam um cheiro horrível. Chiiiii. Esse relato está assustador, mas é essa a verdade com que convivo diariamente. Com a prática da mira da raquetinha, adquiri também mira nas mãos. É repugnante, mas não é sempre que tenho tempo para pegar a raquetinha. Assim, mato com as mãos, batendo palma. Não é um bom método, a mão fica porca e eu tenho que ir até o banheiro para lavar. Além disso, o barulho acorda o Zé.
- Lúcia! Não bate palma feito doida no meio da madrugada! Eu me assusto!
Tá, tá, é coisa de maluco mesmo. Mas o mais maluco é que, até os dias de hoje, ninguém tenha inventado um modo eficiente de eliminar pernilongos. Tudo que nos aborrece, como abrir o vidro do carro, sentir calor, levantar para trocar o canal da tv, ralar queijo parmesão, tudo foi aprimorado para dar mais conforto, mas para matar pernilongos, neca. Eles estão sempre ai, firmes, fortes e cada vez mais poderosos. Se por um lado, durante o dia estou cada vez mais no futuro, com minha webcan, meus dvds, meus ipods, blogs e palms, a noite eu entro na pré história, inventando modos arcaicos e instrumentos antiquados para eliminar os inimigos e poder dormir em paz.
Não é absurdo isso?

terça-feira, 30 de agosto de 2005

a van, as velhinhas e o prata


Na época não existia seu Loreto, eram só mulheres.
- Já que você pergunta tanto como é, quer ir hoje com a gente? – sugeriu minha mãe.
- Eu? Na van?
- É.
- Eu... eu posso ir, mãe?
- Claro que pode, oras. A dona Isabel já levou a filha dela, eu levo você.
- Oba. Então eu vou.
- Olha, se arruma que é cedo. Seis, seis e meia.
- Seis horas? Que horas que é o teatro, mãe?
- Nove. Mas é aquele pinga pinga para pegar todo mundo. Se prepara. Demora.
- Ichi. Vou tomar um dramim.
- Melhor.
O Zé estranhou.
- Porque tão cedo? Credo. Vai com seu carro, lúcia.
- Agora não posso, Zé. A minha mãe avisou que eu ia, não quero ser antipática.
- Mas três horas antes? Onde que é esse teatro, em Piracicaba?
A van chegou, ainda era dia. Minha mãe já estava lá dentro, sentadinha. Os meus filhos saíram na calçada para ver como era. O Zé idem.
O motorista, muito educado, saiu e colocou uma escadinha para eu subir. Imagina. Escadinha. Lá dentro, a Vera, a organizadora, a minha mãe e uma senhorinha. Entrei e me sentei do lado delas. A velhinha me cutucou, com uma cara de sem vergonha.
- Aposto que o seu marido está morrendo de ciúme. Olha a cara dele... – ela apontou para o Zé, que estava se segurando para não rir – Humpf. Aposto que ele veio aqui fora para verificar se iam só mulheres mesmo. Que ciumento!
A van prosseguiu. Pegou duas senhoras em Pinheiros, uma no Itaim, uma nos Jardins, outra na Bela Vista, outra perto da Pamplona. A cada senhora que entrava, eu era apresentada como a novidade do dia, aquela com marido mais ciumento do mundo. E pimba, a primeira velhinha começava de novo a contar a impressão que ela teve do Zé.
- Vocês não sabem. O marido dela veio investigar, na porta! Queria ver se não tinha homem aqui com a gente. Ciumento!
Engraçado. O Zé nem imagina como ele tinha ciúmes de mim ali, dentro daquela van.
Quando a última senhora entrou, a Vera sacou um microfone e anunciou que a noite ia começar. Explicou qual era peça que íamos assistir, falou sobre os autores, sobre os atores, sobre o enredo, deu uma pequena aula. Depois me apresentou e me deu o microfone. Eu, envergonhada, contei quem eu era, bem rapidamente.
- Oi, eu sou a Lúcia, a filha da Hebe, sou arquiteta, casada e tenho três filhos.
Pronto.
Foi quando minha mãe resolveu me exibir. Acho que ela achou muito pouco. Sabe mãe como é.
- Ah, vá. Lúcia, dá licença aqui – ela pegou o microfone - Gente. Minha filha, além de arquiteta, é escritora e amiga do Mário Prata. Está até dentro do livro dele.
- Aaa! – elas todas gritaram ao mesmo tempo – Jura?
Foi uma gritaria, um berreiro, um alvoroço. A simples menção daquele nome deixou as senhorinhas todas completamente histéricas. O homem era um Deus ali dentro. Elas ficaram excitadíssimas, animadíssimas.
- A gente acha ele lindo de morrer, o Pratinha! – todas falavam – Vamos em todas as peças dele. Somos fãs, fãs de carteirinha! Lemos tudo que ele escreve!
- Conta tudo que você sabe sobre ele, vamos!
- Como ele é ao vivo?
- Ele é engraçado?
- Ele é alto? Magro? Bonitão?
A Vera me deu o microfone de novo. Eu olhei para a minha mãe, ela começou a rir e eu entendi. Era melhor agradar as senhorinhas. Contei um monte de histórias, exagerei muito, o Prata nem imagina as coisas que eu inventei sobre ele. Depois ele acha que as fãs dele são as mocinhas. Que nada. Quem gosta dele é a turma da terceira idade... E como gosta, que assanhamento.
Foi quando a primeira velhinha me olhou, desconfiada.
- Humpf. E seu marido, o ciumento? O que ele acha?
E por falar em teatro.
Estou um bagaço hoje por causa da noitada teatral de ontem. Coisas da minha nova GRANDE amiga escritora Ivana. Mais informações, podem conferir no blog dela, o Doidivana, a história "O inesquecível aniversário de Indigo Girl".
Ela merece uma linkada.

segunda-feira, 29 de agosto de 2005

o microfoninho


- Sabe uma coisa que eu não agüento mais ver? – disse o Zé, enquanto lia o jornal.
- O quê?
- Esse maldito microfoninho.
- Que microfoninho?
- Esse, da CPI – ele respondeu, me mostrando uma foto no jornal.
- Porque, Zé? O que tem o microfoninho a ver com a história? Você devia falar que não agüenta mais ver CPI, isso sim.
- É que o microfoninho está sempre lá, desde o começo. Em pé, paradinho, ouvindo e falando tudo. Todo durinho com essa bolinha na ponta, firme e forte. Meio nojento, porque duvido que tenham trocado a espuminha desde o começo. Deve ter cuspe do Roberto Jefferson, do Delúbio, da Renilda, da secretária pelada, do Duda Mendonça.
- Éca. Então você tem nojo?
- Não é nojo, é implicância. Não vê que o microfoninho virou motivo de piada? Os repórteres fotográficos ficam fazendo gracinha com ele o tempo todo. Isso que me irrita.
- Os fotógrafos? Não estou entendendo nada.
- É, repara aqui nas fotos do jornal. Eles tiram a foto de um jeito que o microfoninho fica ora no nariz do cara, como se ele fosse um palhaço, ora na boca, de um modo indecente, ora no olho, como se fosse um soco...
- É mesmo...
- É a farra dos fotógrafos. O microfoninho. Repara. Só que tá perdendo a graça. Chega, né?

domingo, 28 de agosto de 2005

pra quem nunca viu




Como prometi, ai está a foto da imagem do meu São Longuinho, aquele do versinho, que ajuda a gente a achar as coisas em casa.
Fala a verdade. Ele não é exatamente como todo mundo imaginou?
Óbvio que ele teria uma lanterna, afinal, muitas coisas (inclusive o juízo e a razão) a gente perde à noite.
Acho que no mundo de hoje nem existem mais lanternas, nem dessas de querosene nem tampouco das de pilha. Aliás, tenho a impressão que no mundo de hoje sequer procuramos muito as coisas: quando elas somem, compramos outras iguais. Mas outro dia descobri que, embora eu achasse que não, eu ando com uma lanterna sim.
O meu celular.
Fui visitar uma obra num prédio, e como o elevador estava demorando muito, resolvi subir pela escada de serviço. Já estava no meio do caminho quando a coisa aconteceu. Uma escuridão total, absoluta e súbita naquele lugar enclausurado.
- Começei a pular, pular, para que algum sensor de presença me notasse ali.
Nada. Breu. Noitona. "Ora", pensei, "ou estou muito, mas muito magra (o que efetivamente eu acho que não é o caso) ou não havia sensor nenhum ali, e sim algum interruptor em algum canto". Óbvio. Em escadas de serviço, os mortais acendem as luzes. Sensores são para escadas e halls sociais.
O que fazer?
São Longuinho, São Longuinho. Me tira dessa escuridão, por favor.
Que nada. Por mais que eu apalpasse as paredes, o Santinho não me ajudou. Eu naquela cegueira devia estar ridícula, rodando e me agarrando nos corrimãos. Foi quando eu lembrei.
Ora, o celular!
Celular é lanterninha, gente. Abri o bichinho e pimba. Ele deu a luz.
E com meu celular e sem São Longuinho nenhum, achei o botão da luz e subi no claro.

(Bom, ai está para quem queria ver mais. Olha o olhar do São Longuinho... não é assustador?)

sábado, 27 de agosto de 2005

aos pedaços


Carro custa muito, mas muito caro, na minha opinião. É um absurdo a gente ter que pagar tanto apenas para se locomover.
Veja no caso dos imóveis. Todo mundo se vira como pode. Uns compram terrenos e constroem, outros compram apartamentos no osso, sem nada, outros compram só a laje e reformam.
Já os carros não. Temos sempre que comprar carros como as lojas vendem e temos que levar tudo que vem dentro das latas, mesmo que a gente não precisa. Hoje em dia quase não existe mais carro sem vidro elétrico, sem direção hidráulica e ar condicionado. Mas acho que a gente deveria poder comprar carros com menos coisas, para colocar depois, quando tivesse dinheiro. Eu, por exemplo, não tenho ar condicionado em casa. Pra que ter no carro? Aqui eu abro as janelas manualmente. Pra que tenho que ter vidros e travas elétrica? Mas mesmo tirando tudo isso, os carros ainda custam caro.
O mínimo que a gente precisaria comprar deveria ser o motor, as quatro rodas, uma direção e uma cadeira. Ah, e os faróis. Capota? Não precisa. Tanta gente anda de moto sem reclamar. O resto, todo o resto, deveria ser opcional.
Imagine que baratinho que ia ficar. E que delícia que seria montá-los aos poucos.
- Bom dia. Eu queria um carro básico.
- Sim, senhora. Com quantos assentos?
- Dois. O do motorista e um ao lado. Mas sem estofamento, que eu vou pedir para meu tapeceiro fazer. Atrás vou aproveitar um sofá ótimo que tenho em casa.
- A senhora quer colocar uma capota?
- Quero. Mas uma capota simples, por favor. A mais simples que você tiver.
- Pintada ou não?
- Não, só com fundo. Pintarei daqui a uns meses.
- Quer vidros nas janelas?
- Não, coloque só o vidro da frente. O parabrisa.
- Limpador? Está em oferta.
- Pode colocar. Mas um só.
- Porta luvas?
- Não, não precisa. Nem pára choques, nada.
- Carpete interno?
- Não, tenho uns tapetes ótimos em casa, vou aproveitá-los.
- Algum relógio? Termômetro? Velocímetro?
- Não precisa. Tenho meu relógio de pulso, e o velocímetro vou aproveitar o do outro carro.
- Só isso?
- Só. Quando posso pegar?
- Amanhã. Ficará em dois mil e quinhentos reais.
- Ótimo. Aceita cartão?
Não seria uma maravilha?
Como a gente complica a vida. Avemaria.

sexta-feira, 26 de agosto de 2005

uma água, por favor.



Já experimentou pedir alguma bebida em restaurante ou balcão de bar? Se você não fala a longa lista de adjetivos antes do pedido, é imediatamente enterrado por uma avalanche de perguntas.
O Zé vive sempre esse martírio. Ele, antes de pedir qualquer bebida, pede uma "água". Uma garrafa de água, só isso. Ele gosta de beber apenas água antes da bebida. Parece tão simples, não? Mas não é. Ninguém acredita nele.
- O senhor quer o quê?
- Uma água.
- Gelada?
- Não, natural.
- Com gás?
- Não, obrigado.
- Gelo e limão?
- Não.
- Só limão?
- Não.
O garçom estranha. Não arreda pé dali.
- Só água mesmo, doutor?
- É.
- O senhor quer escolher a marca? São Lourenço, Prata, Minalba?
- Tanto faz.
O garçom sai arrasado. Parece impossível alguém não adjetivar uma água. É como se você fosse uma pessoa muito, mas muito sem graça.
Agora, o cúmulo da adjetivação que já vi acontecer foi num laboratório de análises aqui ao lado de casa. É, aquele lugar onde a gente faz os exames de sangue, lá mesmo. Acredite.
É assim: eles pedem que você venha de jejum e te dão um papelzinho que vale um lanche para depois que você faz o exame. Na saída tem uma lanchonete onde você pode tomar um café, comer um sanduíche, um biscoito. Você chega branco de fome e dá o vale lanche para a moça. É bem nessa hora que começa.
É de arrancar os cabelos. Ou melhor, de arrancar o sangue mesmo.
Você – Um café, por favor.
Moça – Café ou capuccino?
Você – Café.
Moça - Descafeinado ou normal?
Você - Descafeinado.
Moça - Com ou sem leite?
Você - Com leite.
Moça - Com ou sem espuma?
Você - Sem espuma.
Moça - Açúcar ou adoçante?
Você - Adoçante.
Passa um tempo e ela te olha de novo.
Moça – Bolacha?
Você – Sim.
Moça - Salgada ou doce?
Você - Hum. Doce.
Moça - Recheada ou sem recheio?
Você - Sem recheio.
Moça – Um pacotinho?
Você – Tá, dois.
Tempo. Ela arruma a bandeja e te olha mais uma vez. Impassível.
Moça – Suco ou água?
Você – Suco.
Moça - Maracujá ou uva?
Você - Maracujá.
Moça - Açúcar ou adoçante?
Você - Açúcar (nessa hora a gente já começa a falar qualquer coisa).
Moça - Gelado ou sem gelo?
Você - Gelado.
Lá vem ela com o suco. E a coisa continua.
Moça –Sanduíche?
Você – Sim.
Moça - Peito de peru ou queijo branco?
Você - Queijo branco.
Moça - Pão normal ou integral?
Você - Integral.
Moça - Um ou dois?
Você – Um.
Moça – Quer sal?
Você – Quero comer em paz, ô moça. Posso?
Se você ficar olhando, ela repete igualzinho com todo mundo, sem pular nenhuma opção. E naquele interrogatório laboratorial, se ela te perguntar lá no meio e bem rápido "sangue ou urina?", tenho certeza que todo mundo responde um dos dois, sem perceber.
Bem... só água sem nada que não dá, né? Chegar num bar e pedir água pura, sem nenhum dos três tradicionais “gs”, ou seja, "sem gás", "sem gelo" e “sem gim”, é demais, né? O Zé que me perdoe, isso não tem graça nenhuma.
São quatro “gs”: sem gás, sem gelo, sem gim e... sem graça.

quinta-feira, 25 de agosto de 2005

a turma da van




- Oi filha.
- Oi mãe. Tudo bom?
- Tudo. Estou telefonando para te contar uma coisa. Sabe aonde eu vou amanhã?
- Não.
- Na Daslu.
- Daslu? Você? Tá louca?
- Vou com minhas amigas.
- E você lá tem amiga que vai na Daslu, mãe?
- São as senhoras da van. Aquela turma que vai comigo ao teatro toda semana.
- Ah, sei. Mas o que a turma do teatro vai fazer na Daslu?
- Conhecer, ué. Pedimos para a Vera, a organizadora, e ela vai nos levar. Vamos todas de van, conheceremos a loja e tomaremos um café lá na lanchonete.
- Conhecer a Daslu vai ser um programa? É isso?
- Que é que tem?
- Nada. Que turma engraçada, hein mãe? Mês passado aquele passeio, agora Daslu...
- Que passeio?
- Vocês não foram num bar gay?
- Fomos, ué. Uma das senhoras tocou piano com os rapazes, um bar tão fino, elegante... adoramos.
- Aproveita e compra alguma coisa lá, mãe.
- Só se tiver uma lembrancinha da loja. Baratinha, claro. Será que tem souvenir da Daslu?
Minha mãe sai toda semana com essas senhoras. Uma moça, a Vera, organiza os passeios e pega uma por uma nas suas casas. O tempo da “viagem” de ida e volta é o dobro do tempo do teatro, mas elas adoram. “É um modo da gente sair de casa”, explica minha mãe.
Mas ir ao teatro começou a ser pouco. As senhoras e o seu Loreto (sim, há um único homem que sai com elas) vão a qualquer lugar. Não precisa ser teatro, explicou minha mãe, “aliás, minha filha, tem lugares muito mais divertidos do que teatro”.
No começo achei que elas apenas faziam turismo na própria cidade, são mulheres sozinhas, viúvas, separadas ou até casadas, avós e bisavós. Antes só saiam de dia, a noite era considerada perigosa. Mas com essa chance puderam conhecer outro mundo, antes proibido. Um tipo de turismo na noite.
Mas não é isso. Na verdade, o que elas procuram são apenas boas histórias, de dia ou de noite. Estão todas com suas vidas prontas, definidas, com suas missões cumpridas. Agora querem assistir de camarote tudo que acontece como se vissem um bom filme, uma trama fantástica, um boa narrativa, para interpretar e falar a respeito. Já foram em programas de TV, em bailes, em restaurantes exóticos, no centrão da cidade, em bares gays. E cada dia inventam outros programas: não me espantaria se elas fossem à bolsa de valores, em velórios de famosos, em shows de heavy metal, em bailes funk. As boas histórias não estão apenas no teatro. Aliás, tem muita peça que é muito mais chata que a realidade.
E tenho certeza que, se a CPI fosse em São Paulo, elas estariam todas lá, sentadinhas no fundo, se divertindo. Ô história boa.

quarta-feira, 24 de agosto de 2005

o purgatório dos perdidos





Onde vão parar as coisas que a gente perde?
Bom, moro numa casa que é um buraco negro. No começo isso me incomodava, agora nem ligo. As coisas somem todo dia, isso deixou de ser estranho para ser normal. Estranho é encontrar as coisas.
- Olha Zé! A tesoura grande! Não acredito!
É que meus filhos são todos uns cabeça-de-vento, o Zé é pior que eles e eu estou aprendendo direitinho. Na crônica de ontem eu contei que quando faço as malas dos meninos para os acampamentos, mando dúzias de meias mas só voltam duas. Acho que donos de acampamento devem revender as meias usadas.
Ou reciclar.
Será? Deve dar algum dinheiro a reciclagem de meias.
Casacos então, nem se fala. Agora eu só compro coisa barata, porque os meninos esquecem em todo lugar. Tenho desconfiança que a escola e o clube também vendem, deve ser imensa a rede do tráfico de casacos e meias. Eu ponho nome, marca, telefone, não adianta nada. Deveria colocar um rastreador. Dou tchau para os casacos todas as manhãs de frio. Quando incrivelmente eles retornam, é a maior alegria.
Além das meias e casacos, eu e os leitores lembramos dos desaparecimento dos guarda chuvas, das canetas bic, das lapiseiras 0.5, dos isqueiros, do durex, do controle remoto da net e o pior de todos: o desaparecimento das tesourinhas de unha. Acho que já comprei mais de sete mil tesourinhas. O Zé idem. Tesourinha de unha é item de primeiríssima necessidade, nada incomoda mais que unha quebrada. E são as que mais desaparecem.
Alguns objetos têm desaparecimento rápido, como a tampa da coca cola durante o almoço, o disco que você precisa achar pra mostrar para o amigo e o livro que você está lendo. Outros somem para sempre, como o boleto do IPTU de 1999 ou a chave extra do carro.
- Lúcia, eles vão para um lugar conhecido como purgatório dos perdidos – explicou a Anna – eu imagino o purgatório dos perdidos como um lugar cinza, com pouca luz, mas organizado. De tempos em tempos, sem qualquer aviso, uma mão recolhe somente um daqueles objetos devolve para o lugar de onde ele veio, sem que ninguém entenda como foi.
Concordo com a Anna, existe esse lugar sim. Mas vejo um homem taciturno organizando as prateleiras. Tudo que nas nossas casas é uma zona, lá é perfeito. As gavetas do criado mudo são organizadíssimas, as mesas da entrada idem, o cesto de roupa para passar nunca tem pés de meia sem par.
Isso me tranqüiliza. Todas as coisas que vivem na maior bagunça aqui estão organizadinhas no tal do purgatório. Já o Zé acha diferente. Ele tem uma teoria que diz que alguns itens do universo se tornaram totalmente socializados. Depois do ano 2000, todos os isqueiros, canetas bic e tuppewares não pertencem a ninguém. São largados pelo mundo. Usa-se quando precisa-se e larga-se novamente.
Acho essa idéia linda.
- Menos as tesourinhas de unha – ele completou – a minha tesourinha é minha e só minha, entende?

terça-feira, 23 de agosto de 2005

anestesia materna


Mães são terríveis. Atrapalhadas, obtusas. Meus filhos estão grandes, mas eu ainda não melhorei. Esqueço dos compromissos, das reuniões da escola, dos horários, das festas, do horário do dentista.
Sempre foi assim. Vez ou outra eu me lembro de uma história. Ontem me lembrei dessa.
A Nani, minha filha do meio, ia viajar com a escola. Ela estava no primário, era a primeira viagem que ela fazia sozinha.
Olha, mães de crianças no primário são totalmente descompensadas. Não tem a menor idéia de nada, são confusas, totalmente desavisadas. Se existisse algum teste ou concurso de capacidade para a função, como existe exame para tirar carta de motorista, tenho certeza que muitas de nós seriam proibidas de exercer a função.
Na escola, a orientadora perguntaria.
- Você é a mãe?
- Sou.
- Concursada?
- Errr.
Bom, lá estavamos nós, eu e ela, na porta da escola às seis e meia da manhã. Eu em pânico. Eu não conseguia nem pensar na viagem, nervosa, com medo de alguma coisa dar errado. Não existe anestesia para quando a gente vai no dentista? Não custava nada anestesiar as mães antes das excursões. É dez mil vezes pior.
Além disso, os professores, monitores e acampamentos só complicam. As malas têm que ser identificadas com fitas coloridas, é preciso levar boné e gorro, se alguém estiver tomando remédio é preciso levar anotado num papel, a mala deve ter todas as roupas da lista, as roupas têm que ter nome, é preciso levar sleeping ou roupa de cama com cobertor, casaco impermeável, lanterna com pilha, cuecas ou calcinhas, saco de lixo para a roupa suja, protetor solar e autan. Não esquecer o maiô. Ah, e a identidade ou certidão de nascimento.
Diversas coisas eu não entendo até hoje: se levamos sleeping temos que levar travesseiro? Como se coloca nome em meias? E nas roupas pretas? Será que algum dia algum filho meu passou filtro solar sozinho? Japona é impermeável? O tênis que a criança vai conta na quantidade de sapatos?
É coisa demais para uma mãe sem anestesia. E gente, eu não sou concursada.
Bom, entrei com minha filha no meio das mães. Éramos um monte de mães amontoadas e desesperadas. Ao nosso lado diversos ônibus e muitas professoras berrando.
Dei as malas para um homem, dei milhões de beijos na Nani, como se ela fosse para o Vietnã, repeti mais de dez vezes as recomendações e coloquei-a dentro do ônibus. Quando a porta fechou, começamos todas a pular, feito malucas, dando tchau, tchau.
Foi ai que notei.
- Ai. Minha bolsa.
- Como assim? Foi assaltada? – perguntou uma mãe ao meu lado.
- Eu... – comecei a olhar para os lados, apavorada – Estava com ela agorinha...
- Não deixou no carro?
- Não, eu coloquei a mala no bagageiro do ônibus e...
Céus. Óbvio. Na confusão coloquei a bolsa junto com a mala da Nani no porta malas do ônibus. A minha bolsa ia excursionar. Olha o ato falho. Eu queria ir junto, claro.
Sai correndo, desembestada.
- Pare! Por favor, páre esse ônibus agora! – berrei, esmurrando a porta.
Vexame. Implorei que o motorista abrisse o porta malas.
- A senhora tem certeza?
Lá estava minha bolsa, espremidinha no meio das malas.
Anestesia, gente.
Anestesia é a saída.

segunda-feira, 22 de agosto de 2005

as coisas super fáceis




Eu simplesmente adoro as coisas super fáceis.
Ontem fui passear com minha filha na pracinha. Ela estava ouvindo música com uns fones de ouvido.
- Quer ouvir música comigo, mãe? Eu te dou um dos fones e a gente anda abraçada.
- Quero.
- Vou colocar uma música pra você – ela resolveu.
Escolheu o Lulu Santos.
-Porque você gosta do Lulu, mãe?
- Porque é fácil de ouvir, ora.
É apenas isso. Eu gosto de Lulu Santos, do Roberto Carlos, do Zezé de Camargo e Luciano, gosto até do Fábio Junior. E gosto porque são músicas facílimas de ouvir e cantar.
Ah, tem mais essa. Eu também gosto de cantar junto com o cantor.
Tempos atrás eu achava isso sinal de cafonice. Eu devia gostar de músicas “melhores”, mais “bacanas”, mais “inteligentes”. Esse foi o pensamento que aprendi, todo mundo ao meu redor falava mal das músicas fáceis, mas hoje percebo que ia contra a minha real vontade.
Quando estudamos muito, fazemos faculdade, lemos, estudamos, adquirimos um nível de sofisticação intelectual. Acho isso terrível, porque isso nos impede de gostar das coisas fáceis e gostosas, como o Lulu Santos. Temos que gostar de músicas complicadas, elegantes, elaboradas, complexas. Não podemos chorar ouvindo Amada Amante, nem cantarolar as Metades da Laranja.
Eu resolvi me revoltar anos atrás. Hoje assumo diversos gostos músicais fáceis, diversos gostos televisivos fáceis, diversos gostos teatrais e literários fáceis. Tá, tá. Assisto Zorra Total e leio Paulo Coelho. Felicíssima com isso. Tento escrever de modo fácil, tento simplificar o texto e a escrita para minhas crônicas serem tão leves quanto uma música do Lulu. E tento levar essa teoria para os meus filhos, que estudam nesses colégios modernos que formam pessoas iguais a mim. Mês passado comprei dois livros do Sidney Sheldon para a Luciana.
- Que é isso, mãe?
- Livro fácil de ler. Você precisa saber como são.
Ela adorou. Pediu para comprar mais.
Mas a teoria das coisas super fáceis não é minha. Ela surgiu na minha vida quando eu tinha dezoito anos, estava na faculdade e arrumei um namorado.
Nós nos conhecemos, gostamos um do outro e imediatamente começamos a namorar. Não houve nenhum percalço, nenhum problema, nenhum choro, ciumeira, traição, nada. Foi tudo super fácil.
Um dia ele me mandou uma carta que dizia exatamente isso. “É tão bom quando é super fácil, né Lucinha?”. Eu nunca me esqueci disso.
Era fácil e era bom.
Pra que complicar a vida?
Mas o namoro não durou. Sei lá, gente. Acho que como era super, super fácil, fácil pra burro, perdeu a graça e acabou rapidinho.

domingo, 21 de agosto de 2005

espírito de leitoa





Sim, ontem fizemos a leitoinha. Foi uma experiência e tanto. Foi preciso estômago para preparar e muito vinho para comemorar.
O Zé resolveu cortar a coitadinha ao meio. Falou que a mãe dele sempre preparou assim, em duas “bandas”. A mãe dele é de Minas, viveu em fazenda a vida toda.
- É melhor não inventar moda.
Achei estranho. No começo fui contra separar o bicho em dois, mas ele me disse que se fosse para fazer inteira eu que teria que me responsabilizar. Como sou uma mulher pouco selvagem, resolvi aceitar as duas partes. Ele e a Maria colocaram a pobre bichinha no carro e foram direto para o Mercado de Pinheiros passar a serra no meio do crânio dela.
Depois o Zé começou a achar que, como vivemos num mundo cheio de gente politicamente correta, alguns dos nossos amigos jamais comeriam uma leitoinha.
- Essa é quase uma comida proibida – ele conjeturou – gordura pura, completamente inadequada para quem quer cuidar da saúde. E aqueles com problemas cardíacos?
Concordei. Era melhor criar um cardápio alternativo.
- Porco combina com o quê? – perguntou o Zé.
- Sei lá. Com porca.
Depois de um certo tempo, ele teve um clic.
- Passarinhos!
Ficou decidido assim. Porcos e passarinhos. Saí, comprei diversos galetinhos (inteiros, não em duas bandas) para os amigos impedidos de porcos. A leitoa foi preparada como se deve, vinha d’alho e nada mais, os galetos idem, do modo mais tradicional possível. Tutu de feijão, arroz e farofa.
Pronto.
O tempo de hibernação da nossa leitoa no freezer foi um tempo de grandes descobertas. Primeiro descobrimos que todos nossos amigos chefes de cozinha, donos de restaurantes e donos de buffet nunca fizeram leitoas na vida. Nem sabiam por onde começar. Onde que já se viu?
Depois descobrimos que as melhores comidas são as mais simples. Comidas muito sofisticadas, cheias de trec trec só são boas porque você não tem nenhum parâmetro de comparação. Um “pato com canela e pimenta ao molho de aveia” pode ser muito bom, mas nunca será melhor ou igual a outro simplesmente porque nunca existiu outro.
- Ah, vá – falou um amigo meu – é muito fácil ser chefe de cozinha assim. Você inventa umas comidas que ninguém fez e depois fica se achando. Quero ver essa turma fazer um bom arroz com feijão e bife acebolado.
Descobrimos ainda que, depois de umas garrafas de vinho, todo mundo adora comidas politicamente incorretas. Da leitoa só sobrou a cabecinha, tadinha. Cortada em dois, claro.
Quando a minha amiga e seu marido, M. & M., os que nos deram a leitoa, iam embora ontem a noite, anunciaram.
– Agora vamos mandar outro presente para vocês.
- O que é? – perguntou o Zé.
-Um avestruz. Que acham, já comeram avestruz? Topam?

sábado, 20 de agosto de 2005

CUIDADO, CENA VIOLENTA



Demorou, mas chegou o dia.
Da Rita. A leitoinha que eu ganhei da minha amiga M. e do seu marido M.
M. & M. e mais alguns amigos comuns vamos iniciar daqui a pouco o ritual de degustação da pobre leitoinha.
Hoje não tem crônica, gente. Tem leitã.
Ai que meda, mas lá vou eu!

sexta-feira, 19 de agosto de 2005

a literatura e a realidade



Outro dia mandei o endereço daqui do blog para uma amiga. Ela me escreveu em seguida. Disse que adorou, que achou corajoso e bem escrito, mas confessou que morreu de aflição.
- Muito íntimo – explicou – mas estou conseguindo ler, muito devagarzinho, mas leio.
Fiquei assustada com aquela revelação. Muito íntimo? Lendo devagarzinho? Como assim?
- Você fala de coisas que são tuas, lá no íntimo, sentimentos, nascimento da filha, relação com o marido. Fico aflita.
Nossa, eu me assustei. Seria o "frankamente..." íntimo e pessoal demais? Talvez seja e eu não percebi, mas a promessa que eu fiz de escrever uma crônica, um texto ou uma idéia por dia é, pra mim, mais importante que a tal da intimidade. Talvez há vinte anos, quando eu escrevia meus arquivos secretos e rabiscava sem parar meus diários, escrever era coisa íntima.
Hoje acho que não é mais. É pensamento, idéia e, acima de tudo, literatura.
Não sei bem quando entendi que meus escritos eram literatura, mas aconteceu. Um dia descobri que tudo que ia para o papel não era mais eu. Era ficção, como qualquer história. E essas ficções eram iguais a todas que outros escreviam e liam.
Essa é uma diferença sutil para quem escreve, mas extremamente importante para você conseguir ter um blog. Colocar suas idéias e seu cotidiano no papel não é fácil. No começo eu me sentia praticamente uma prostituta das letras, eu exagero mas é sério, era como estar nua em público. Depois de cada post eu tinha vontade de morrer de vergonha. No dia a dia sou bastante tímida. Morro de vergonha de entrar sozinha num espaço público, nunca vou a uma festa sozinha.
Numa das primeiras vezes que um texto meu ia publicado no jornal eu nem consegui dormir. Eu fiquei apavorada.
- Depois que qualquer coisa que você pensa vira letra, esquece, ô lúcia. É literatura. Mesmo que seja a maior das verdades, é tudo literatura, sua boba – me disse um amigo escritor.
Demorou, mas aceitei. Literatura.
Outra amiga escritora, a Ivana, do blog “Doidivana”, me contou que publicou no blog um conto chamado “o fim de semana de uma solteirona”, onde uma mulher fala sobre sua solidão (é lindo, vale a pena ler). A Ivana é uma excelente escritora, e pessoas que escrevem muito bem convencem a gente. Ela disse que recebeu um monte de comentários consolando, convidando para ela ir à casa da pessoa, falando para ela não ficar triste.
Ele ficou rindo.
- É que muitos blogs são diários íntimos, Ivana – eu falei.
- O que está escrito é literatura – ela decidiu – Escreveu, pimba, é ficção.
Tem toda razão, a Ivana. O que existe aqui é só literatura.
E literatura, é verdade ou mentira?
Ora.
Tudo mentira, claro!

quinta-feira, 18 de agosto de 2005

verdades e mentiras


(olha o dedo do artista dudi sobre a ilustração! - dudê, brigada! agora sim!)


Ô coisa. Está um tal de falar de verdades e mentiras, não é?
Acho que todo mundo mente, difícil é admitir. Eu sempre digo que na vida real eu minto um pouco, já aqui no blog eu minto muito.
Explico. É que quando a gente escreve a coisa deixa de ser mentira e vira literatura, me disse um escritor que eu conheci um dia.
Hahaha. Tou salva.
Lembrei de uma coisa que me disse uma psicóloga que cuidava da minha filha, anos atrás. Na verdade, ela não era psicóloga, era fonoaudióloga e psicóloga. E era uma super psicóloga apesar de ser fonoaudióloga. Ah, ficou confuso, mas deixa.
A Lú tinha um problema de dislexia. Ela trocava as letras na hora de escrever, os sons que ouvia não eram os mesmos que escrevia. Quando tinha que escrever p, escrevia b, quando tinha que escrever v, escrevia f. Passei anos levando a menina no consultório da dra. Taís para ela desaprender o que o cérebro dela aprendeu errado.
Bom, como ela trocava tudo, ela ia mal na escola. Mas inventava que não estava indo mal, para me enganar e para enganar a ela mesma.
Eu ficava aflitíssima. Descobrir que um filho da gente fala mentiras é terrível. E a Lú inventava sem parar. Me enganava, imaginava coisas, tramava. Numa das reuniões com a Taís, desabafei.
- Ela mente, Taís. Inventa que foi bem nas provas, que tirou dez. Eu fico arrasada.
Ela tirou os óculos e disse, irônica.
- Ah, é-é? E você não?
- Como?
- Lúcia, vai me dizer que você não mente?
Eu fiquei sem fala. Claro que eu não mentia, ora bolas.
A mulher começou a rir.
- Essa é boa. Todos mentimos, nem vem que não tem. Vai me dizer que você nunca pediu para alguém dizer ao telefone que você não está quando não quer falar com a pessoa que ligou? Nunca disse que não ia a algum lugar porque estava resfriada quando não estava?
- Ah, Taís, claro. Mas isso...
Ela me olhou seriíssima.
- Isso é mentir.
Ela tinha razão.
Naquela hora, entendi. Eu mentia. Aquilo caiu feito uma pedra sobre minha cabeça. Que mãe horrorosa que eu era.
- Como você quer que sua filha ache que mentir é errado se você mente descaradamente na frente dela? Não tem tamanho pra mentira, ainda mais na cabeça de uma criança. Mentira é mentira.
Bom, a Tais, sábia como sempre foi, jamais deu uma fórmula para resolver o problema inevitável das minhas mentiras. Tento ensinar o que pode e o que não pode do meu jeito. Procuro, na frente dela e dos meninos, mentir o mínimo possível para dar exemplo. Quando eu minto, explico o tamanho e o porquê da mentira.
Não acho que nenhum tipo de radicalismo seja saudável. Inventar um pouco, burlar as regras é necessário, faz parte da vida, faz parte da encenação social para não magoar os outros. Cabe a nós sabermos a medida certa. É igual a comer. Nem muito, nem pouco.
Muito engorda, pouco mata.
Mas toda hora que toca o telefone e minha empregada me chama, sempre penso se vale a pena.
-Lúcia, telefone pra você. É a fulana.
- Ichi. Fala que eu não est...
E ouço a voz da Tais, feito uma assombração, e geralmente mudo de idéia.
- Peraí. Já vou atender.
O problema desse nosso país é que ainda não chamaram a Taís para a CPI.


quarta-feira, 17 de agosto de 2005

o acesso de riso



Como ontem eu tinha que fazer um trabalho burocrático, liguei o computador na CPI. O entrevistado do momento era o tesoureiro, o Jacinto Lamas.
Bom, eu estava só ouvindo o som, mas não agüentei. Fui até a imagem para verificar se era verdade, e era. O Jacinto tinha acessos de riso, gargalhava por qualquer motivo, descontroladamente.
Era puro nervoso, claro. Mas isso prova que o tesoureiro, corrupto ou não, tem senso de humor. No primeiro instante, não gostei daquilo. É curioso, pois não conseguimos admitir, dentro da nossa moral e das nossas virtudes, que um homem como esse possa ser divertido. É errado rir de um ladrão.
Mas sem querer começei a rir com ele.
É que acesso de riso pega, né?
É engraçado como relutamos em aceitar que pessoas corruptas, mentirosas e sem moral, que são coisas ruins, possam ter senso de humor, que é uma coisa considerada boa. Tive de parar o meu trabalho burocrático e chato para tentar entender aquilo.
Ao mesmo tempo em que eu ria junto com o Jacinto, sabia que não devia rir. Mas percebi que todo mundo na CPI ria também, pois gargalhada incontrolável e acesso de riso pegam mais que vírus. O problema é que a coisa não tinha graça nenhuma, óbvio. O Jacinto ria quando contou quanto ganha por mês e quase explodiu quando teve que revelar que tinha uma Land Rover.
Aliás, Land Rover virou carro de corrupto, repararam? Tenho um amigo que tem uma, hoje pela manhã o Zé disse que ia avisá-lo para tomar cuidado pra não ficar mal falado.
É esquisita essa coisa do acesso de riso. E estranho notar como o riso e o choro estão próximos. Risos e choros são desestabilidades, o choro compadece a todos, o riso contagia a todos. Ora, é permitido chorar, mas rir não. Ontem ficou comprovado que o tanto faz rir ou chorar. Nenhum dos dois sentimentos é melhor que o outro.
Não cheguei a nenhuma conclusão, mas lembrei de duas coisas. Uma delas foi de um episódio do Seinfeld, onde ele e a Elaine tem um acesso de riso absurdo num concerto de piano de uma namorada do Seinfeld porque eles olham para uma embalagem de PEZ em pé no braço da cadeira. A embalagem, que simulava o bonequinho do Piupiu, era simplesmente ridícula, e o cena do bonequinho de PEZ assistindo o concerto pomposo era hilária. Os dois foram vaiados e tiveram que sair dali.
A outra coisa aconteceu com o Zé, numa apresentação da classe do Chico, meu filho. Os adolescentes tinham que declamar poemas, encenando, recitando. Eu e ele sentamos na primeira fila, e, por algum motivo, o Zé, sozinho (eu não consigo entender como alguém tem a idéia de rir sozinho), achou uma das meninas muito engraçada. Começou a se sacudir todo, eu achei que ele estava tendo um treco, um espasmo, mas não. Era um acesso de riso daqueles. Ele teve o bom senso de tapar a boca e sair correndo, segurando a risada. Foi gargalhar lá fora. Olhei para trás e vi a orientadora e duas professoras rindo junto com ele.
É que pega, né?
Não sei o que se passou na cabeça do Jacinto, se foi descontrole por excesso de emoção, se foi o fato de se ver numa cena ridícula tendo que mentir, se algum dos deputados era muito engraçado ou se o presidente da mesa estava com uma embalagem de PEZ. Só sei que eu não agüentei e ri muito com ele.
Perdão, gente.
É que pega, né?

terça-feira, 16 de agosto de 2005

que Lúcia?


Eu não sei se acontece com todo mundo, mas comigo é sempre assim. Eu falo meu nome e logo em seguida alguém pergunta:
- Lúcia de onde?
- Lúcia de quem?
- Lúcia?...
Isso que dá ter esse nome comum. Acho que tenho que arrumar um codinome, nome artístico, apelido, sei lá. Ou talvez adotar o "Franka" de vez, pois não consigo ser identificada apenas pelo meu nome. Preciso sempre explicar a Lúcia, dizer de onde vim, como apareci, com quem ando.
Uma vez escrevi uma crônica sobre as “Sirás”. Nós, mulheres que nos casamos, de um dia para outro viramos "Sirás". Basta olhar a sua correspondência:
“Para o Sr. Fulano e Sra.”
As Sirás, aquelas depois do marido, somos as nós, as esposas. A crônica é engraçada, mas como não gosto de colocar crônica repetida, vocês conferem aqui.
Bom, além de eu ser a Sirá do Zé, descobri que tenho diversas identidades.
- Consultório médico, boa tarde.
- Oi, boa tarde.
- Pois não?
- Aqui é a Lúcia.
- Hummm. Lúcia...?
- Lucia, mãe do Chico, da Luciana, do João.
- Ah! Oi Lúcia, tudo bem?

Um outro exemplo:
- Alô.
- Alô.
- Por favor, a dona Ester.
- Sou eu.
- Oi Tia. Aqui é a Lúcia.
- Lúcia? Que Lúcia?
- A Lúcia do Zé, tia...
- Ah! Oi Lucinha!

E mais um exemplo irritante.
- Alô.
- Alô.
- Boa tarde, eu queria falar com a Ana, a vendedora de móveis.
- É ela. Quem é?
- A Lúcia.
- Lúcia? Lucia de onde?
- Lúcia. Lúcia arquiteta.
- Hã...
- Lúcia do dr. Fernando, que está construindo a casa na praia.
- Ah! Diga, meu bem!
Pois é. Isso não acaba. Sou a lúcia-arquiteta, a lúcia-do-zé, a lúcia-do-outro-cliente, a lúcia-da-hebe (minha mãe), a lúcia-da-ângela (minha irmã), a lúcia-da-silvia (minha amiga), e um mais um monte de combinações que faço para ser reconhecida.
Acho que isso acontece por dois motivos. O primeiro, claro, é porque não sou nada famosa. Se eu fosse a Marília Pêra ou a Merril Strip, ninguém ia gaguejar ou reticencear depois de ouvir meu nome. O segundo motivo é porque me falta um nome esquisito. Alguma coisa que marcasse profundamente a minha presença. Só Lúcia Carvalho não dá, é banal, carne de vaca, apenas um nome e um sobrenome simplórios. Deve existir umas duzentas mil Lúcias Carvalhos no mundo, igual às Sirás.
Lucia Franka Carvalho melhora um pouco, mas tem cacófago. Frakacá. Feio, né? Nome de fruta é bom. Lúcia Manga? Lima? Não, chega de frutas. Lú Montebravo? Clésia Sanatinna Ofuroca. Meu filho deu uma idéia: Nova Pomar. Ou, quem sabe, Sirá Táqui? Olha gente, aceito contribuições. Podia até fazer um concurso:
“Um nome para a Lúcia”.
Enfim, acabei de receber da minha vizinha a conta do pagamento do guarda na nossa rua. Todo mês sou eu que pago. Mas agora que reparei o que está escrito no envelope: “Ao Sr. José”. E sem Sirá.
Quer saber?
Não vou pagar nada, vou dar para esse tal de senhor José.

segunda-feira, 15 de agosto de 2005

as palavras do domingo


- Tem uma palavra que eu acho muito estranha – falou o Zé no café da manhã, enquanto lia o jornal.
- Qual?– perguntei.
- É “reconduzido”. Lembra quando meu irmão foi reconduzido do cargo? Esquisito, né? Parece que estão carregando a pessoa morta num caixão.
- Caixão?
- É. Parece que a ação de “reconduzir” foi feita por outra pessoa, não por ele. Outra palavra esquisita é “redirecionar”. Coisa de gente morta, ser “redirecionado” ou “reconduzido”. Acho que gente viva, bem viva mesmo, se direciona e se conduz. Sozinha.
- Eu não gosto de “evacuação” – falou a Luciana – Sabe quando falam que “evacuaram o prédio”? Não preciso nem falar porque, né? Eca.
- Já eu não gosto da palavra analista – resolveu o João.
- Como que é?
- Analista – ele insistiu – Eu não gosto dessa palavra.
- Você está falando da profissão, filho? – perguntei, curiosa – Analista, o homem que faz análise?
Todo mundo olhou para ele.
- É profissão? Pode ser, mas olha que palavra horrorosa. Analista. A-na-lis-ta. Anal e lista. Ou então lista anal – o menino começou a rir - Horrível. Tem alguma coisa a ver com essa profissão ai?

domingo, 14 de agosto de 2005

o dia dos pais



Pois é dia dos pais.
A Anna, que sempre comenta aqui mas que não tem blog, escreveu uma história linda sobre o pai dela quando eu falei de depilação. Ela conta:
"Lúcia, você que puxou o assunto, então vamos lá. Quando era freak e da praia, não tirava nenhum pêlo de lugar nenhum do meu corpo, e usava minúsculos biquínis. Bem, constrangi amigos, perdi namorados, mas não estava nem aí.
Até que viajei com meu pai, só eu e ele. Quando fomos à piscina do hotel , o constrangimento do coitadinho era palpável. E lá fui eu, amor incondicional de filha, numa depilação qualquer daquela cidade e me desfiz de todos os pêlos."

Fiquei emocionada. Não me lembro de ter visto meu pai como alguém que ficasse constrangido, ou nem mesmo como alguém fosse um dia para um hotel comigo.
Meu pai morreu quando eu tinha doze anos. Lembro pouco dele. Quando ele se foi, eu não sabia o que era morte. Acho que foi esse desconhecimento que me faz não lembrar dele. Se naquela época eu soubesse que as pessoas somem, morrem e acabam, aproveitaria mais meu pai. Vivi ao seu lado quase levianamente, não economizando nada, não poupando memória, usando e em seguida esquecendo todos os nossos melhores momentos, infantil demais, ingênua demais.
Depois de sua morte me vi sem lembranças, sem temas para chorar, sem muitas recordações. É difícil sofrer assim. Não sofri a sua perda naqueles meus doze anos. Não sei se fica claro. Sofremos quando fantasiamos a realidade. Quando a vivemos com intensidade, com furor e sem sonhos, não há sofrimento.
O sofrimento mora na memória.
Eu cresci sem pai e nunca senti esse sentimento da Anna. Gente que cresce sem pai é sempre meio esquisita. Meio órfã, meio sem líder, meio sem condutor, sem eira nem beira, como um carro ladeira abaixo amarrado à mãe, com todo mundo tentando dirigir, brecar, dar ré, acelerar. Pais olham para frente, mães olham para a gente. Gente sem pai não tem a quem provocar, não sabe para onde a vida vai, não deixa os pêlos crescerem, não provoca, não cria caso, simplesmente porque precisa olhar para a estrada senão todo mundo capota. Acho que é essa a diferença. Gente sem pai não inventa muita moda. Tem muito perigo no mundo pra quem não tem pai.
Linda essa história da Anna. É uma história de amor entre um pai e uma filha que, um dia, conseguiu olhar de um jeito bonito para os olhos dele.

sábado, 13 de agosto de 2005




Existem uns termos que muitas mulheres falam (principalmente eu) que eu acho odiosos. Fiz uma lista, vou explicar porque implico e eliminar do meu vocabulário.
Tentar, ao menos.
Vamos lá.
Ah, agora que caiu a ficha! – ô gente, “caiu a ficha” é odioso de ouvir. Se você já começa se comparando a uma máquina emperrada de refrigerante, melhor nem continuar, não acha?
O boy foi fazer banco – alguém me explica uma coisa: o boy foi construir um banco? Foi montar um banco de madeira? Essa mesma frase também é repetida quando as pessoas vão para a Europa. Lá, sabe-se lá o porquê, os brasileiros costumam fazer Paris, Roma e Amsterdã. Depois fazem as ilhas. Gregas.
Vamos agendar a reunião – porque as pessoas não dizem que vão marcar uma reunião? Não é todo mundo que usa agenda, e se a pessoa, como eu, usa um caderno para anotar as coisas? Eu caderno a reunião?
Me deixe despachar o boy – isso é pura implicância minha, detesto essa frase, fico com pena, parece que a pessoa vai lançar o pobre do boy para o espaço, coitado.
Ai, eu não acredito! – termo muitíssimo falado por mulheres que ouvem segredos e geralmente vem junto um monte de gestos faciais e corporais de desespero e animação. É uma mentira deslavada que me incomoda muito, pois na maioria das vezes acreditamos em tudo, ficamos animadíssimas com a fofoca e vamos espalhar para meio mundo.
Num brinca! - variação do "não acredito" quando a história contada é mais triste. Essa frase sempre é falada baixinho, com uma voz cavernosa, olhos fechados, cara preocupada. Repara. Horrível.
Quem gostaria de falar com ele? – em muitos telefonemas que a gente dá a gente não gostaria nada de ter que falar com a tal pessoa. Na maioria das vezes que ouço esse termo, tenho vontade de explicar: olha, gostar, gostar mesmo eu não gostaria. Gostaria de estar de férias, de ir ao cinema, essas coisas. Mas chama ele para mim.
Olha, o que a gente se divertiu... - olha, é dos termos mais broxantes que existe. Se você já se divertiu numa outra situação, não adianta contar a história rindo e gargalhando que não vai ter a menor graça para o teu interlocutor. Desiste.
Nossa, tô bôba! – Ô droga, eu vivo falando isso. E me detesto. Ah é? Está boba, lúcia? Se a pessoa está boba e ainda declara, como podemos continuar a conversa?
O cara é dez! – quer dizer que esse tal cara é muito bom. Só que na minha opinião a pessoa que fala é um. Ou, no máximo dois, depois desta frase. Implicância pura.
É show, esse filme. Você precisa assistir – escuta, show é show, e filme é filme. Não gosto desse termo porque, se você inverter, dá errado. Imagina alguém falando “é filme, esse show”. Ou que “é livro, esse teatro”. Porque só “show” que é show?
Foi uma loucura, a casa caiu – olha, gente, uma casa cair é coisa muito séria, a maior judiação, ainda mais se você for arquiteta, como eu.
Ameeei! – Faz o seguinte: dá um presente para uma mulher qualquer, uma coisa, ninica de nada, e vê se ela não fala isso. Com as vogais repetidas, claro.
Que uva! – tem muita moça que ainda usa esse termo. O que eu não consigo entender o que tem a ver a fruta (nesse caso, a uva), com a coisa a que ela se refere (pode ser teu sapato, tua blusa, um brinco, teu cabelo, ou até um moço). Será que ela quer dizer que uva é bonitinha? Gostosinha? Que tem caroço? Que é doce? Porque não criamos, assim, variantes como “que manga! Que figo! Que mixirica!” ?
Vou na seqüência – na seqüência de quê? Seqüência é o ato de seguir. Não gosto de ouvir isso, dá a sensação de estar sendo perseguida.
Ah, não precisava! – outra exclamação odiosa que a gente fala quando ganhamos um presente. Dá vontade de arrancar o presente da mão da pessoa e levar embora, falando: ah, desculpa, pensei que você precisava. Perdões pela indelicadeza.
Finalizando, queria falar mais uma coisa: nós, mulheres, o usamos sem parar o tempo verbal do “futuro do pretérito”.
Eu adoraria, eu gostaria, eu queria.
O futuro do pretérito, se a gente pensar bem, é das coisas mais esquisitas deste mundo. Um futuro do nosso passado? Alguma coisa que a gente quis muito e que ainda não deu certo?
Deixa. É só preciso aceitar que ele está muito mais dentro de nós do que imaginamos. O tempo verbal das mulheres. O tempo verbal do sonho. Do desejo.
E isso não é bom?

sexta-feira, 12 de agosto de 2005

a cabine três e meio




E já que uma coisa emenda na outra que emenda na outra, cheguei lá.
Ô meu Deus, como eu começo uma crônica sobre esse assunto?
Bom, é , aquele lugar atrás da parte de baixo do biquíni. É sobre esse lugar que eu vou falar hoje.
Lá.
Bom, nós, mulheres, sempre fazemos depilação , desde mocinhas. Reza a lenda que é feio mostrar os pêlos rebeldes nas laterais dos biquínis, então vamos todas à depilação, que remédio. Já contei aqui minhas aventuras com a depilação "moicana" que fiz na maternidade quando tive minha filha Luciana e a vergonha que passei com os médicos bonitões. Se alguém quiser conferir, clique aqui. Porém nunca imaginei que hoje em dia existissem tantas novidades, modismos ou cortes diferentes para os pêlos daquela região.
Mas existe.
E haja invencionice.
Olha, vou falar o que eu sei, vi ou ouvi. Lembro a todos que sou a maior caipira, me impressiono com certas modernices e nunca faria. Podem me chamar de tonta, de ingênua, boboca, mas pra mim, se descobrir tudo isso foi um choque, imagine me olhar no espelho... fantasiada.
Os lugares onde eu faço depilação são todos parecidos. São salas com cabines separadas por cortinas ou biombos e com macas para a gente se deitar. Não dá para ver o acontece do lado de lá, porém ouvimos tudo. E as mulheres falam muito enquanto tiram os pêlos.
Foi ali que eu, a tonta da lúcia, comecei a perceber que existe um outro mundo que só eu não enxergava até aquele momento. Sabe a plataforma nove e meio, dos alunos da Hogwarts, do filme do Harry Potter? Sabe o andar sete e meio do prédio comercial do filme "Quero ser John Malkovitch", onde existia o portal que levava direto para a mente do John Malkovitch? Pois bem. Existe um lugar entre os biombos das salas de depilação, talvez a “cabine três e meio”, onde as mulheres são teletransportadas para um mundo de prazer, de erotismo, de gozo. Sim, meninas, ali, no biombo três e meio existe um outro mundo. Um mundo de deleite, lascívia, pornografia, prazer, sensualidade. Um mundo acessível só para as mulheres que tem coragem de fazer aquelas coisas esquisitas naquele lugar.
E olha, é esquisito mesmo.
Pois u dia eu estava deitadinha na minha maca tirando meus pelinhos quando ouço vozes vindas do biombo três e meio.
- Como vamos fazer, Cidinha? - perguntou a depiladora à cliente.
É incrível como as depiladoras são simpáticas. Como elas sabem que depilar dói, falam sempre na primeira pessoa plural, como se fosse com elas também.
- Tiramos tudo?
- Não, hoje não - respondeu a tal da Cidinha - Hummm. Deixa uma tirinha no meio, tá? Bem fininha.
- Ah, vai ficar bonitinho. E vamos pintar? – sugeriu a depiladora.
- Sim, de vermelho. Não aquela cor que usei no natal, vamos colocar um vermelho mais escuro.
- Não quer listadinho? Fiz um listada ontem, ficou tão bonitinha.
- Não. Quero uma cor só, uma coisa mais simples.
Fiquei muda. Como que era?
Claro que não tive coragem de perguntar nada para a Marcia, a moça que me depilava. Aquilo devia ser um enorme engano. Listado? Vermelho? Listinha? Bom, como os pêlos crescem, dali a quinze dias voltei para a mesma sala. Deitei na maca e fiquei atenta.
- E ai? – perguntou uma depiladora à alguém atrás do biombo – Ele gostou?
- Nossa, adorou. Nunca mais deixo nem um fio – falou outra voz de mulher, que passou a cochichar coisas incompreensíveis entremeadas por risadinhas.
Passei a me sentir uma freira, com meu corte tradicional. Era o mesmo que usar um hábito.
- Que corte a senhora quer, dona Lúcia?
- O corte das monjas, por favor.

Na semana passada, como o lugar estava meio vazio, tomei coragem e perguntei.
- Escuta, Márcia, me conta. Como que é isso?
Ela se animou.
- Iii, lúcia, você nem imagina. Umas tiram tudo, falam dá um prazer imenso, uma coisa do outro mundo. Outras fazem desenhos, a gente sugere. Uma linha no meio, um triângulo, quadradinho, pipa, coração. Tem aquelas que deixam em cima e tiram tudo debaixo – como se fosse uma franja, entende? São as que gostam dos pêlos mas não abrem mão do prazer. Além disso, tem a pintura. Pode-se fazer de duas cores, bandeirinha do Brasil, bandeira de time de futebol, listrado, vermelhinho, azulzinho. Elas dizem que é para fazer surpresa pros maridos ou amantes, entende?
- Não.
- E pensa que é só as mulheres que depilam? Aqui temos uma sala de homens que vive lotada. Mas eles não tem tanta coragem, dizem que dói muito. Outro dia um se agarrou tanto nos meus braços que eu fiquei roxinha. E nem queira saber o que eles fazem...
Vixe. Resolvi não perguntar mais nada.
Será que na ala dos homens também tem a tal cabine três e meio?

quinta-feira, 11 de agosto de 2005

homens, homens...




Adoro quando um assunto gruda no outro que gruda no outro que emenda no outro.
Pois bem, o assunto de ontem era pêlo, e eu falei de homens peludos e tal. E hoje eu vou falar de homens, com ou sem pêlos.
Issoaí.
Ora bolas, não é porque eu sou casada há duzentos anos que eu não posso ter opinião sobre esse assunto. O Zé me conhece, sabe como eu sou, então vou dizer o que eu acho, doa a quem doer, incomode a quem incomodar.
Sempre achei interessante homem peludo. É esquisito, e eu gosto de gente esquisita. Tenho uma teoria que tenho a respeito de namoros, casamentos e relacionamentos. Eu vivo repetindo essa teoria para minhas amigas solteiras e separadas, se elas me ouvissem iam ser muito mais felizes.
Acredito que a gente precisa ver as esquisitices, os erros e os defeitos das pessoas do sexo oposto com mais atenção. E temos que mudar a nossa cabeça para, ao invés de criticar os defeitinhos, passar a apreciá-los.
Descobri isso quando tinha uns dezessete anos. Um dia a minha irmã comentou que os namorados mais bonitos que ela teve tinham se tornado gays.
- Todos os bonitos, Ângela? Até o Marcelo? – perguntei.
Marcelo era o namorado dela da época. Lindão o Marcelo.
- Bom, menos o Marcelo – ela respondeu – mas a gente nunca sabe...
Passei a reparar. Dos namorados que eu tive, alguns bonitos tinham também se tornado gays, já os não tão bonitos ainda davam samba. Deixa eu explicar uma coisa: na minha época homem bonito ou era moreno-olho-verde ou loiro-olho-azul. Era um padrão de beleza, e poucos se encaixavam nesse padrão.
Depois dessa coisa que minha irmã falou, inconscientemente passei a achar que os bonitos, uma hora ou outra, seriam gays. E meu inconsciente passou a desgostar de homens bonitos. Isso mesmo. Não que todos fossem virar gays. É coisa de inconsciente, não tem muita explicação nem julgamento. Só sei que quando tinha dezoito anos, achava horrível homem lindo. E passei a olhar os feios.
Feios? Olha, para quem olha de outro modo, não tem feio no mundo não. O universo dos feios-bonitos é muito, mas muito mais numeroso do que o universo dos bonitos-lindões, porque existe muito mais diversidade no erro do que na perfeição. Mais ou menos o seguinte: um nariz certinho é uma coisa única, já um nariz errado pode ser enorme, pontudo, largo, arrebitadinho, batatão ou ossudo.
Eu achava lindo todos os errados. E eles eram inúmeros.
Com essa teoria, descobri coisas interessantíssimas. Um nariz grandão é o máximo, uma careca reluzente é interessantíssima, pernas ligeiramente grossas são maravilhosas. Um homem com muitos pelos é atraentíssimo, as magrezas esquálidas são sedutoras. Os erros, vistos com os olhos certos, podem ser a saída para um mundo onde a beleza é rara e onde muitos lindos não são necessariamente... homens.
Quando descobri isso, pirei. Achei o máximo. Não tinha chance de eu encalhar na vida. Naquela parcela mínima dos não-gays olhos-verdes-moreno e olhos-azuis-loiros eu teria uma chance de 0,01% de me casar. Já com os maravilhosos erradinhos, a chance pulava para 99,99%.
Mas, ironias do destino, acabei me casando com o Zé, que é normal, bacana e não tem nenhum defeito. Porém sempre explico essa teoria para as minhas amigas, mostrando apontando qualquer pessoa ao redor. Elas dão gritos de horror, acho que ainda não sabem ver. Difícil achar um homem feio, eu acho. Sempre tem uma coisa bacana, é só prestar atenção.
E pêlos, ah, pêlos podem ser o máximo.

quarta-feira, 10 de agosto de 2005

os pêlos e o sabonete


Ô meu São Benedito, eu estou ficando cada dia vez cheia de nojo das coisas. Onde vai parar essa assepsia civilizatória do nosso mundo?
Pois bem, vou confessar aqui um grande segredo. Tenho o maior nojo de pêlos e cabelos. Desde menina que sou assim. Cabelos e pêlos grudados no corpo eu aceito numa boa, até gosto, mas cabelos e pêlos fora da pele, ou seja, no chão, na mesa ou no ralo me causam um asco terrível. Urgh. Acho que é um problema digno de terapia. Um dia, quando eu tiver muito dinheiro e não tiver mais onde gastar, vou procurar um analista (careca) e bem bonitão, vou me deitar no divã Lê Corbusiê e desabafar.
- Ah, doutor, tenho tanto nojo de cabelos e pêlos... de onde vem isso?
- Seus pais era peludos, lúcia? Vocês tinham um único banheiro em casa?
Porque esse assunto hoje? Ora, porque ontem o Márcio, um leitor e vizinho, fez uma piadinha nos comentários falando de pentelhos. Como pentelho é pêlo e pêlo é cabelo, lembrei desse meu nojo.
Urgh.
Ele disse o seguinte “... e tem aquela velha piada: festa de criança é que nem sabonete em casa de família; tem sempre um pentelho que ninguém sabe de quem é...”. Engraçado. Mas fiquei pensando sobre isso e até comentei que essa piada não tem mais sentido.
Pensa bem, hoje em dia é impossível achar um pentelho desconhecido no teu sabonete simplesmente porque não se divide mais sabonete. Se tem um pentelho lá, é seu. As pessoas têm seu próprio sabonete, que fica no seu próprio chuveiro, que fica no seu próprio banheiro que fica no seu próprio quarto. Coisa mais rara é dividir banheiro, como acontecia antigamente. Assim sendo, gente, não existe mais sabonete comum. Um sabonete é um acessório de uso íntimo, privado e particular. Acho até que é por isso que, cada vez mais, os lavabos têm agora sabonete líquido, daqueles que a gente aperta e sai uma gosminha.
Para ninguém colocar mais a mão no sabonete dos outros.
Bom, quem era da época que se dividia sabonete sabe muito bem. Acho que meu nojo veio daí mesmo. Se você está com mãos imundas e lava as mãos, você suja o sabonete. Se você é um homem muito peludo e toma banho, gruda um monte de pêlos no sabonete. É uma coisa natural e bem difícil de tirar, principalmente se você tiver unha curta. Urgh. Antigamente isso era aceitável, mas agora é nojento. Simplesmente repugnante encontrar um pêlo alheio num sabonete seu.
Urrrgh..
Os casados que dividem banheiro (como eu) estão, a cada dia, mais intolerantes. A pressão da mídia, o excesso de assepsia e a brancura dos banheiros imposta pelos arquitetos nos faz querer, desejar e almejar um banheiro particular. Até eu, que sou uma pessoa de idéias, de opinião forte e fixa, me vejo desejando um banheiro só meu. O sonho é inevitável, e, no meu caso, eu só ainda suporto a divisão do banheiro porque o Zé é pouco peludo. Se ele fosse peludão tenho certeza que nosso casamento de banheiro já teria acabado há tempos.
Eu não suportaria. Não o Zé, o sabonete com pêlos.
Olha, daqui a pouco a gente vai medir as pessoas pelos sabonetes. Eu não queria ser assim. Melhor antecipar essa terapia. Alguém conhece um analista? Depilado?

terça-feira, 9 de agosto de 2005

João, me salva!




Quem já não ficou deslocado numa festa?
Eu sempre acho que isso vai acontecer comigo. Acho não, tenho certeza. Saio de casa sempre prevendo o pior: que eu vou ser a primeira a chegar, que não vai ter ninguém conhecido, ou o pior pesadelo: errar o dia. Até antevejo a cena, eu tocando a campainha e dando de cara com a dona da casa, de camisola: Festa? (bocejo)... a festa foi ontem, não sabia?
Acho que é impossível nunca ter se sentido assim e também acho que é preciso muita análise para não dar a mínima quando uma situação dessas acontece. O que fazer quando você chega num lugar e não conhece ninguém?
Às vezes isso ocorre em lugares que você nunca imaginaria. Fui levar o João no aniversário de um amigo dele. Ele tinha, na época, uns seis anos, tinha mudado de escola e estava com vergonha de ir sozinho.
- E se eu ficar desenturmado, mãe?
- Não vai ficar.
- Vai comigo? Por favor...
Concordei. Não custava nada.
Chegamos na tal festa. Era um salão de festas de um prédio, um monte de crianças correndo, aquela tradicional bagunça. Eu olhei para lá, para cá.
- Filho, ajuda. Quem são os teus colegas?
- Aquele, mãe. Aquele outro, de vermelho, tá vendo? E aquele ali...
Chegamos perto dos meninos. Mostrei o João e eles o chamaram para brincar. Em três tempos o Joãozinho corria daqui para lá, feliz da vida, com um monte de crianças.
Enturmadíssimo.
Bom, eu sosseguei. Peguei um guaraná, um sanduichinho, fui passear pela festa. Andei de lá para cá, olhei aqui e lá. Um monte de turma de mães. Grupinhos. Todas falando, felizes, animadas, mas eu não conhecia nenhuma delas.
Vamos lá, pensei. Agora, é minha vez de me enturmar.
Cheguei perto de umas mães, ali ao lado. Mas, opa, levei um susto. Bem naquele momento uma delas disse alguma coisa e todas começaram a gargalhar altíssimo, segurando umas nos braços das outras para não cair. Sabe aquele tipo de gargalhada de acesso de riso? Olha. Não dá para enturmar com gente gargalhando, gargalhada não é uma coisa... receptiva. Para mim, foi praticamente repelente. Não deu, saí de perto, disposta a arrumar outro papo de mãe.
Fui para fora, com meu guaraná na mão. Lá estava um outro grupo de três mães. Fiquei perto delas, em pé, ouvindo. Elas falavam mal de alguém, dava para perceber, pois cochichavam. Me viram ali ao lado e não gostaram, olharam de alto a baixo, e foram, discretamente, dando uns mini - passinhos para o lado, falando mais baixo ainda e me deixando sozinha do lado do trepa-trepa. Paciência. Em vez de me enturmar, passei por enxerida.
Nossa, a coisa estava difícil, pensei. Fui até a mesa do bolo e fiquei olhando os enfeites, sem graça. Ao meu lado, notei. Um pai, tão sozinho quanto eu, dando sopa para uma conversinha. Ôba. Cheguei perto, puxei um papo bem besta.
- Essas festinhas são todas iguais, né?
Ele riu, mas não pôde responder. Foi i-me-dia-ta-men-te arrancado dali por uma moça gordinha de taierzinho vermelho, provavelmente a esposa, que achou que eu passava uma cantada no cara. Piorei mais ainda minha situação ali. Além de enxerida, passei a ser vista como mãe-galinha, daquelas que dá em cima do marido das outras. SantoDeus.
Droga. Será que nem uma tiazinha ou uma avó estavam dando sopa? Fiz uma rápida investigação. Ahá. Lá estava a terceira idade, na salinha de estar. Mas estavam todas nos sofás, encaixadinhas, sem nenhum lugar disponível. Tinha tia até nos braços do sofá e na mesa de centro. Lotação esgotada.
Tudo bem. Ficarei sozinha, concluí. Ninguém tem nada com isso. O importante é que o João está feliz.
Mas me lembrei da mãe do aniversariante. Quem seria ela? Uma dona duma festa tem, obrigatoriamente, que ajudar os convidados que estão com problemas ou que estão desenturmados. Eu sempre faço isso na minha casa, sempre fico de olho nos convidados perdidos nos cantos. Ela iria me ajudar. Cadê? E quem seria?
Nada. Ninguém ali tinha cara de organizadora e líder absoluta. Achei um que devia ser o pai-marido, mas nem ousei chegar perto. Bastava uma mãe furiosa ali, me confundindo com mãe galinha.
Tinha que existir uma mãe de aniversariante ali. Ah, só podia ser aquela. Uma mocinha cheia de presentes nos braços, falando com uma senhora que chegava, de roupa branca, salto, maquiada.
- Oi. Você que é a mãe do aniversariante?
- Não, senhora. Sou a babá dos meninos. A dona Estela está lá em cima, amamentando. A senhora quer que guarde a sua bolsa?
- Não, deixa. Obrigada.
Mas minha vontade era de falar para ela, moça, socorro. Me salva. Sou a pessoa mais solitária dessa festa, mais incompreendida, estou sofrendo, me ajuda. E terei que ficar mais três horas aqui, sozinha, abandonada, bebendo guaraná quente, com toda essa gente gargalhando, segredando, sentada em sofá e tendo ciúmes de mim. Socorro! E a minha bolsa fica aqui. Pelo menos ela está comigo!
Foi quando alguém me puxou. Era o João.
- Mãe. Eu estava te olhando de longe. Você tá muito desenturmada e sem graça, está me dando a maior vergonha. Vai para casa e me pega depois. Tá?
Quer mico maior que ficar desenturmada em festa infantil?
Saí dali sem dar nenhum tchau. Mas, para quem?

segunda-feira, 8 de agosto de 2005

boa sorte, comandante...


Ontem a noite fui dormir com o ônibus espacial na cabeça. De um certo modo, dormi aflita, pensando se aqueles astronautas flutuantes comandados pela comandante Eileen Collins iriam conseguir entrar na atmosfera as 5 horas da manhã de hoje. Não entraram, soube pelo UOL, por causa do tempo nublado lá na Flórida. A entrada ficará para amanhã, e terei que passar outra noite apreensiva.
Ficar aflita e ansiosa por causa de uma possível tragédia me parece uma coisa mutio feia, mas é um sentimento controverso para mim. Ao mesmo tempo que eu sei que é horrível desejar o mal dos outros, anseio por uma tragédia. Já tentei, de diversos modos, entender porque gostamos tanto de tragédias e porquê torcemos por elas.
Não consigo entender.
Duvideodó que vocês não torçam também, eu estou apenas sendo sincera. Acho que é porque tragédias, escândalos e tumultos são boas histórias, e todos nós somos ávidos por boas histórias. Acho que é por isso que adoramos a CPI, adoramos a queda das torres, adoramos terremotos, adoramos artistas que fazem escândalos. Porque tanto interesse em coisa ruim?
Um dia comentei isso com o Zé, há anos atrás, quando ele chegou apressado do escritório para assistir o boletim médico do Tancredo Neves (ou seria alguma notícia sobre a morte do Airton Senna?).
- Zé, reparou como a gente gosta de tragédia, eu e você? Veja, nos sentamos aqui com esses sanduíches na frente prontos para nos divertir a beça.
- Eu adoro mesmo. E daí? - ele respondeu, mastigando.
Minha mãe é igual. Outro dia ela me contou que tinha comprado um livro ótimo.
- Qual livro, mãe?
- É um livro só sobre tragédias.
- Um romance? Um épico?
- Não, não, você sabe que eu não tenho a menor paciência para essas coisas. É um livro sobre tragédias de verdade – acidentes de avião, incêndios, terremotos, naufrágios, maremotos, bombas. Essas coisas mais reais. Um livro muito bom – ela me explicou, sem constrangimento algum.
Por isso que eu levo em conta as opiniões da minha mãe. Ela é a opinião-sincera em estado puro, sem nenhuma crítica. Eu hesitaria muito em dizer que adoro uma tragédia. Mas vou aqui revelar um grande segredo meu.
Foi há alguns anos. Tive que acordar no meio da noite por causa de algum filho e não conseguia mais dormir. Resolvi ligar a tv e cai num canal americano de notícias, onde estava escrito: princesa Diana morre em acidente de carro.
Ali, em primeira mão.
Só para mim.
Olha a maluquice. Tudo escuro, silencioso, caladinho naquele sábado. Na minha cabeça, naquele momento da madrugada, parecia que só existíamos nós duas no mundo acordadas. Eu, viva, e a Lady Di, morta. Eu e a Lady Di, por um mísero instante, ficamos juntas.
Nem sei porque me lembrei disso hoje. Apesar das coisas que eu falei, tomara que a comandante Eileen faça um bom pouso amanhã de madrugada e que, por um bom tempo, fiquemos as duas vivas. Eu, viva e a Eileen, viva.
Ô meu São Benedito. Para que eu fui falar disso?

domingo, 7 de agosto de 2005

suco de maracujá



Hoje, domingo, acordei pensando em diversas coisas que terei que providenciar essa semana. Uma delas é uma visita à minha dermatologista.
Eu me entrego a esses mandamentos do mundo moderno, afinal a gente não pode brincar com a saúde e tal, mas tem um pouco de exagero. Falaverdade.
Por exemplo, essa coisa de dermatologista. Nós, mulheres doismilianas, vamos demais ao dermatologista, nossas mães e avós nunca foram tanto. Hoje em dia é normal entregarmos nossos corpos para investigação a cada semestre.
Pensa. Você tira a roupa, deita numa maca e lá vem um fulano com uma lupa, procurando pistas, vestígios, olhando pintinha por pintinha, analisando todas as nossas marcas, nossos sulcos, a nossa história, tentando em vão desamassar a nossa embalagem, às vezes já tão usada. E depois dá o veredicto: cremes, bisturi, injeções, jato de ar gelado, gel, nada de sol, chapéu e filtro solar.
Não é estranho?
Fico pensando se eles, os dermatologistas, pensam sobre isso. Parece que nada mais interessa para eles, só teu couro. Nada de carne, nada de miolos, nada de suco, nada de polpa. Será que existem dermatologistas poéticos, que entram dentro da alma? Que sabem porque você se arrepia quando lê um livro? Porque a pele arde quando nos apaixonamos ou porque nos coçamos quando somos enganados? Tudo isso mexe com a pele da gente, doutores. A pele dói. A pele se umidece e seca com as emoções.
E só a pele envelhece, doutor dermatologista. O resto eu acho que apenas amadurece. Envelhecer é uma coisa, amadurecer é outra. Envelhecer a gente envelhece com qualquer idade. Tira uma fruta do pé, ainda pequenina. Tira o alimento dela e vê se ela não se enruga toda, se ela não seca de tristeza, de solidão. Isso é envelhecer. Envelhecer é não ter saída.
Mas enquanto pudermos acreditar que a pele vai além da camada fina de carne sobre nossos ossos, enquanto pudermos nos alimentar dos nossos sonhos e da nossa realidade tão comum, estaremos apenas amadurecendo.
Até ficarmos irresistíveis para sermos comidas.

sábado, 6 de agosto de 2005

absorventes


Assunto delicado e bem íntimo, talvez não devesse nem ser abordado numa crônica. Quando eu vejo aquelas moças na televisão fazendo anúncio de absorvente e falando como se estivessem falando de um sapato, acho engraçado, mas não é todo mundo que é como elas.
Bom, estava numa viagem de trabalho eu, um arquiteto, um carpinteiro, um empreiteiro e uma moça que trabalha numa loja de iluminação. Os cinco num carro pequeno, ninguém se conhecia muito bem para estar tão próximo. É um pouco constrangedor ficar horas colado em alguém que não é íntimo seu.
Como o arquiteto era quem dirigia e o carpinteiro era enorme de gordo; eu, o empreiteiro e a moça da iluminação sobramos no banco de trás. O empreiteiro foi gentil com nós duas e disse que ficaria no assento do meio, que sabemos que é o pior lugar.
Tudo correu bem até chegarmos na serra. Eu conversava e a moça da iluminação fazia anotações num caderno com uma lapiseira quando tocou o celular do empreiteiro, que estava no bolso da calça dele. Ele se espremeu todo para alcançar o aparelho sem esbarrar em nós duas, mas não deu certo. Acabou enfiando o dedo na lapiseira da moça e deu um gritinho abafado.
- Ui, meu dedo!
O telefone parou de tocar. Pouco sinal.
- Eu te machuquei? – perguntou a moça da iluminação, com uma cara preocupada - Furou?
- Não foi nada, deixa – disfarçou o homem, sem graça, apertando o dedo com a outra mão.
Na verdade, doía sim. Muito. A lapiseira cortou fundo o dedo dele, mas ele ficou envergonhado e não quis falar para ninguém. Sorria sem graça, mas tinha a cara toda retorcida.
Foi quando olhei para a mão dele. Sangue. Um monte de sangue, escorrendo entre os dedos espremidos. Aquela gosma ia escorrendo devagar, chegando lentamente ao pulso e deixando um rastro vermelhão. Ele insistia, sem perceber o tamanho do estrago:
- Não foi nada, não preocupem.
Eu não agüentei.
- Como “nada”? Olha a sangueira, tá sujando tudo! – olhei ao redor – Gente, alguém acha um papel, um pano, qualquer coisa!
Ele estava confuso, melecado. Acho que a moça da iluminação estava com o maior nojo, pois recolhia todos seus pertences correndo, tratando logo de esconder a lapiseira perigosa e seus cadernos, ao invés de ajudar. O sangue escorrendo, quase no cotovelo, o carro rodando de lá para cá, tudo balançando e nada de papel. Não tive dúvida. Catei a minha bolsa rápido.
Bolsa de mulher sempre tem... modess. Peguei um e zupt. Embrulhei o dedo do rapaz. Com outro, limpei a mão e o braço dele. Em dois minutos, tudo foi ajeitado e completamente ab- sor- vi- do. Perfeito, pensei, feliz com minha solução.
A moça da iluminação me olhou com os olhos arregalados. Engoliu em seco e falou baixinho.
- Lúcia, o que é isso?
- É um modess – respondi, conchichando.
- Um absorvente?
- É.
- Mas lúcia... – ela retrucou – você...
Ela ficou pasma. Virou para o lado da janela e balançou a cabeça.
Eu entendo. Para ela aquilo foi indecente. Um absorvente meu, que eu guardo na minha bolsa, é uma coisa muito íntima minha. Na cabeça dela, os absorventes de uma mulher nunca podem ser usados por pessoas estranhas, e ainda mais se essa pessoa estranha for um homem. Pior ainda se considerarmos que aquele que eu escolhi e dei para o empreiteiro era um absorvente bem grosso, para os dias de “fluxo intenso”. Não importava, ela me dizia com seu silêncio indignado, absorventes nunca saem da bolsa de uma mulher para serem colocados em homens. São “íntimos”, “seus” e “femininos”. Eu não sabia disso?
A moça da iluminação não falou mais nenhuma palavra, mas eu soube, pelo seu olhar, o quanto me condenou por aquela indecência.
Eu piorei mais: falando bem baixinho para ela não escutar, mostrei ao nosso empreiteiro a tirar aquela fitinha adesiva e grudar o absorvente no dedo para não precisar ficar segurando com a outra mão.
- Obrigado por me ensinar – ele me disse, sorrindo – É que essa é a primeira vez que eu uso um absorvente.

sexta-feira, 5 de agosto de 2005

a ilha



Existe um lugar no mundo que fica exatamente entre as duas mãos da avenida Rebouças, um corredor de carros e ônibus daqui de São Paulo. Essa avenida é um dos lugares que mais conheço na vida, ou, pelo menos, um dos lugares por onde mais passei. Nasci lá em cima, no espigão da Paulista, hoje moro aqui em baixo, em Pinheiros. Já subi e desci aquela montanha milhares e milhares de vezes, menina, moça, solteira, casada, com filhos, sem namorado, apaixonada, com meu fiat, com meu gol, com minhas peruas, de ônibus, a pé, de carona, de táxi, bêbada, sã, raivosa, feliz, chorando, cantando, nervosa, sem grana, parindo, lacrimejando, com febre, suspirando, gargalhando.
E mesmo depois disso tudo ainda existe um lugar no meio das duas mãos da avenida Rebouças, exatamente como existia há vinte anos. Uma ilha de, no máximo, um metro de largura, com algumas árvores que sobrevivem apesar dos sopros de gás carbônico e do barulho ensurdecedor.
Que diabo de lugar é uma ilha no meio de uma avenida? Posso estar ficando maluca, mas tem gente bem mais maluca que eu. Pois a tal ilha, aquele lugar sem serventia alguma que não é calçada, rua nem praça, um lugar que não tem nem largura pra pista de cooper, foi reformada há dois anos pela nossa ex-prefeita para se tornar uma coisa que não sei explicar o que seja.
Olha, não escrevo para fazer uma homenagem pra São Paulo e muito menos pra fazer uma declaração de amor para a avenida, que, aliás, não lembro ter adorado. Ô transitozinho que tem ali. Queria era entender o que passa na cabeça dos governantes, ou, pelo menos, na cabeça da pessoa que resolveu reformar a ilha do meio da avenida Rebouças.
É isso mesmo. De onde é que tiraram que aquele espaço entre duas vias de tráfego tem que ser tratado como um canteiro, como uma jardineirazinha igual aquelas que ficam ao lado dos muros das nossas casas? Pois alguém decidiu que iria plantar, naquele espaço mínimo e afogado, arbustos e folhagens lindos e graciosos.
Um lindo jardim.
Óbvio que não tem cabimento por um único e básico motivo. Como que se “rega” uma jardineira no meio da Rebouças?
Com regador?
Como se cuida? Como se tira o mato, se nem dá para chegar ali?
Além desse fato óbvio que torna insólito o plantio, noto outra coisa interessante. Como as pessoas geralmente atravessam fora da faixa e destroem os arbustos, quem “bolou” o paisagismo resolveu duas coisas: as plantinhas e arbustos deviam ser bem espinhudas e tinham que ser plantadas bem pertinho umas das outras para dificultar a passagem de qualquer ser, humano ou animal.
Resultado: além de impor à vegetação um martírio, impôs-se aos pedestres desobedientes uma punição perigosíssima: cortes, machucados e, quem sabe, uma queda na pista de alta velocidade da avenida depois de tropeçar e se embaralhar nas plantas.
O que eu plantaria ali? Ora, nada, gente. Absolutamente nada. Ilha de avenida lá é lugar de plantar plantinhas rasteiras? Que idéia de girico. Faz um piso, coloca uma grade e planta árvores, que por serem altas podem respirar. Além disso, árvore tem autonomia, não depende de regas ou cuidados.
Inacreditavelmente alguns dos pobres arbustos ainda estão lá. Secos, maltrapilhos, esquálidos, mas vivos. Num lugar estranho entre duas vias de tráfego, sobrevivendo. Uma tristeza.
Toda semana, quando tenho de ir ao dentista, passo por ali. Sei lá. Morar numa metrópole como São Paulo é exatamente assim, e às vezes eu me sinto igualzinha a aqueles arbustos da Rebouças. Uma mulher seca, sem ar, esquálida, maltrapilha, vivendo no meio de veículos rápidos demais que sobem e descem, afogada na fumaça e na pressa dos outros, e inacreditavelmente viva.
Frankamente, quando eu crescer eu quero ser árvore, viu?

quinta-feira, 4 de agosto de 2005

instinto selvagem




Anteontem a noite. Todo mundo na sala assistindo os comentários sobre as CPIs, principalmente sobre o duelo entre o Roberto Jefferson e o Zé Dirceu.
Vossa excelência desperta em mim os instintos mais primitivos", disse o R. Jefferson mais uma vez no Jornal Nacional.
- Chico, quais são nossos “instintos mais primitivos”? – perguntou o João.
O Chico, mais velho, sempre dá boas respostas.
- É coisa de homem das cavernas.
- Como assim? – ele insistiu.
- Primitivo, selvagem, animal. Assim tipo comer carne crua, andar pelado, essas coisas.
- Dormir no mato... – completou a Luciana – ... não tomar banho...
- Andar imundo, não fazer a barba... – foi lembrando o Chico - ... comer vegetais crus, matar animais para comer...
- Inventar a roda... – brincou a Luciana – ... aprender a usar um martelo, grunir...
O João se animou.
- Desenhar coisas nas paredes das cavernas...
- Isso! – falou o Chico, rindo.
E ele resolveu dar um exemplo.
- Escuta, João. Sabe o gibi da Mônica e do Cebolinha?
- Sei.
- Sabe o Piteco? Aquele personagem que vive na época dos dinossauros?
- Sei.
- Issoaí. O Roberto Jefferson falou que quando ele vê o José Dirceu ele se sente, assim, igual ao Piteco.
- E o Dirceu é o dinossauro?
- É. Mais ou menos isso. Piteco Jefferson. Hahaha.
- Ah. Entendi.

quarta-feira, 3 de agosto de 2005

a caixa do telefonão


Tem um prédio na marginal Pinheiros, aqui em São Paulo, que foi embalado. Virou uma caixa gigante de um telefone celular.
Já viram?
Hoje o prédio todo é um único volume, enorme, com uma gigantografia imensa vestindo a edificação. Em algum lugar, lá atrás, está o prédio, com suas salas, quartos, cozinhas, banheiros. Dentro da embalagem estão os diversos apartamentos onde moravam famílias, onde foram criados filhos, onde pessoas se amaram, onde casais se separaram, onde foram escritas um monte de histórias. Hoje o prédio é, vergonhosamente, um telefonão. Sei lá, isso me dá um constrangimento enorme. Acho que é porque o volume dá para a cidade uma escala errada, como se aquela caixona fosse em tamanho real e nós, humanos, reles pigmeus.
Aliás, perto dessas megas blasters plus gulivers operadoras de celular, nós, nossas vidas, nossos amores, nossas famílias e nossos filhos somos pigmeus sim.
Mínimos.
Dias depois, descobri. O outdoor gigante esconde uma reforma de um edifício residencial para transformá-lo em comercial. Aquele é um prédio que, por enquanto, não é nada. Obras são momentos de transformação, são transições. E assim sendo, um nada, o prédio serve de apoio para propaganda.
Lembrei de um ditado que ouvia quando eu era pequena, no interior, na casa dos meus avós: “jacaré bobeou, virou borsinha”. Hoje é parecido. Bobeou, te embrulham e você vira propaganda.
Gente, embrulharam até o cine Astor!
Sei lá onde caberá mais apoio para propaganda nas nossas vidas. As praças e esquinas foram vendidas para lançamentos imobiliários: um dia o Zé e os meninos resolveram derrubar as placas de lançamentos daqui do bairro e quase foram presos, pois os responsáveis mostraram para eles a autorização.
É permitido entulhar a cidade. O prefeito deixa.
As portas dos táxis já foram vendidas. O teto deles também. As nossas pontes foram vendidas. Daqui a pouco serão as ruas, o chão das calçadas, nossos carros, nossas roupas, as fachadas das nossas casas. Seremos um mundo patrocinado pelas propaganda. Quer ganhar uma graninha a mais para pagar a gasolina? Patrocine seu carro. Quer comprar roupas novas? Patrocine seu corpo. Patrocine seus cabelos.
Sua mãe.
Seus filhos.
Céus.
Será que é essa será a forma de sobrevivência do futuro? Deveria eu arrumar patrocínios pra o “frankamente...” desde já? Estou aberta a propostas. Tem algum publicitário por ai para me dar uns toques?
Já imaginaram abrir o “frankamente...” e aparecer um... telefonão?

terça-feira, 2 de agosto de 2005

um, dois, três


- Mãe.
- Fala.
- Faz uma brincadeira comigo?
- Agora estou dirigindo o carro, João.
- Quando o carro parar.
- Tá. Como é?
- Você fecha os olhos, conta até três e abre. Daí olha pra frente e vê se tem alguma coisa escrita - ele explicou - E sempre tem. A coisa que mais tem nessa cidade é letra. Não tem um lugar na cidade que não tenha letra.
Para me explicar melhor, começou a brincar sozinho.
- Olhaí, vou fechar o olho. Um, dois, três. Padaria. Um, dois, três. Colégio Objetivo. Um, dois, três. Vivo celular. Um, dois, três. Kalunga. Um, dois, três. Bradesco. Um, dois, três. Proibido estacionar. Viu só, mãe? Letra, letra, letra.
Vi.
Vi e fiz o mesmo quando o carro parou num sinal. Fechei o olho, abri e tentei não ler nada. Tentei achar apenas uma árvore, uma casa, um arbusto, uma montanha. Nada. Só letras, imagens, propagandas.
A nossa cidade virou isso e a cada dia a coisa piora. Não existe mais skyline, o perfil da cidade no horizonte, não existem mais montanhas, rios, parques, não existe sequer horizonte. Antes, quando andávamos por grandes avenidas, podíamos ver de longe os bairros. Quando estávamos num lugar alto, era possível ver o fim da cidade, com suas montanhas e com a Serra da Cantareira.
Hoje andar numa via expressa é o mesmo que ver TV. Imagens, imagens, imagens. Propagandas, figuras, logotipos, fotos imensas. É quase impossível usar como referência o desenho dos edifícios, as ruas ou as praças. Andar pela cidade hoje em dia é uma coisa mais virtual que real. Estamos sempre antes ou depois da Gisele Bunchen ou do Ronaldinho, das propagandas da Claro ou da Vivo, dos outdoors do papel higiênico supermegamasterblaster ou dos bebês assolans.
Essa é a realidade.
Afe.
Outro dia assisti ao filme do festival de Woodstock, aquele, que aconteceu séculos atrás. Tinha alguma coisa estranha nos shows. Depois de um tempo, descobri. Nenhum tipo de propaganda ou patrocínio. Nenhuminha! O show era pelado, olhando não dava nem para acreditar.
É necessário alguém regulamentar esse uso indiscriminado de outdoors em todos os espaços que a gente anda. Não dá para abrirmos portas ou janelas só nos intervalos dos anúncios, gente. Isso é cidade, não uma feira publicitária.
Resolvi fazer só mais uma vez. Um, dois, três...
Droga. Óbvio que apareceu mais uma propaganda. Mas não falo de quem era, chega de fazer propaganda dos outros aqui.
Frankamente...