quarta-feira, 3 de agosto de 2005

a caixa do telefonão


Tem um prédio na marginal Pinheiros, aqui em São Paulo, que foi embalado. Virou uma caixa gigante de um telefone celular.
Já viram?
Hoje o prédio todo é um único volume, enorme, com uma gigantografia imensa vestindo a edificação. Em algum lugar, lá atrás, está o prédio, com suas salas, quartos, cozinhas, banheiros. Dentro da embalagem estão os diversos apartamentos onde moravam famílias, onde foram criados filhos, onde pessoas se amaram, onde casais se separaram, onde foram escritas um monte de histórias. Hoje o prédio é, vergonhosamente, um telefonão. Sei lá, isso me dá um constrangimento enorme. Acho que é porque o volume dá para a cidade uma escala errada, como se aquela caixona fosse em tamanho real e nós, humanos, reles pigmeus.
Aliás, perto dessas megas blasters plus gulivers operadoras de celular, nós, nossas vidas, nossos amores, nossas famílias e nossos filhos somos pigmeus sim.
Mínimos.
Dias depois, descobri. O outdoor gigante esconde uma reforma de um edifício residencial para transformá-lo em comercial. Aquele é um prédio que, por enquanto, não é nada. Obras são momentos de transformação, são transições. E assim sendo, um nada, o prédio serve de apoio para propaganda.
Lembrei de um ditado que ouvia quando eu era pequena, no interior, na casa dos meus avós: “jacaré bobeou, virou borsinha”. Hoje é parecido. Bobeou, te embrulham e você vira propaganda.
Gente, embrulharam até o cine Astor!
Sei lá onde caberá mais apoio para propaganda nas nossas vidas. As praças e esquinas foram vendidas para lançamentos imobiliários: um dia o Zé e os meninos resolveram derrubar as placas de lançamentos daqui do bairro e quase foram presos, pois os responsáveis mostraram para eles a autorização.
É permitido entulhar a cidade. O prefeito deixa.
As portas dos táxis já foram vendidas. O teto deles também. As nossas pontes foram vendidas. Daqui a pouco serão as ruas, o chão das calçadas, nossos carros, nossas roupas, as fachadas das nossas casas. Seremos um mundo patrocinado pelas propaganda. Quer ganhar uma graninha a mais para pagar a gasolina? Patrocine seu carro. Quer comprar roupas novas? Patrocine seu corpo. Patrocine seus cabelos.
Sua mãe.
Seus filhos.
Céus.
Será que é essa será a forma de sobrevivência do futuro? Deveria eu arrumar patrocínios pra o “frankamente...” desde já? Estou aberta a propostas. Tem algum publicitário por ai para me dar uns toques?
Já imaginaram abrir o “frankamente...” e aparecer um... telefonão?

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