terça-feira, 23 de agosto de 2005

anestesia materna


Mães são terríveis. Atrapalhadas, obtusas. Meus filhos estão grandes, mas eu ainda não melhorei. Esqueço dos compromissos, das reuniões da escola, dos horários, das festas, do horário do dentista.
Sempre foi assim. Vez ou outra eu me lembro de uma história. Ontem me lembrei dessa.
A Nani, minha filha do meio, ia viajar com a escola. Ela estava no primário, era a primeira viagem que ela fazia sozinha.
Olha, mães de crianças no primário são totalmente descompensadas. Não tem a menor idéia de nada, são confusas, totalmente desavisadas. Se existisse algum teste ou concurso de capacidade para a função, como existe exame para tirar carta de motorista, tenho certeza que muitas de nós seriam proibidas de exercer a função.
Na escola, a orientadora perguntaria.
- Você é a mãe?
- Sou.
- Concursada?
- Errr.
Bom, lá estavamos nós, eu e ela, na porta da escola às seis e meia da manhã. Eu em pânico. Eu não conseguia nem pensar na viagem, nervosa, com medo de alguma coisa dar errado. Não existe anestesia para quando a gente vai no dentista? Não custava nada anestesiar as mães antes das excursões. É dez mil vezes pior.
Além disso, os professores, monitores e acampamentos só complicam. As malas têm que ser identificadas com fitas coloridas, é preciso levar boné e gorro, se alguém estiver tomando remédio é preciso levar anotado num papel, a mala deve ter todas as roupas da lista, as roupas têm que ter nome, é preciso levar sleeping ou roupa de cama com cobertor, casaco impermeável, lanterna com pilha, cuecas ou calcinhas, saco de lixo para a roupa suja, protetor solar e autan. Não esquecer o maiô. Ah, e a identidade ou certidão de nascimento.
Diversas coisas eu não entendo até hoje: se levamos sleeping temos que levar travesseiro? Como se coloca nome em meias? E nas roupas pretas? Será que algum dia algum filho meu passou filtro solar sozinho? Japona é impermeável? O tênis que a criança vai conta na quantidade de sapatos?
É coisa demais para uma mãe sem anestesia. E gente, eu não sou concursada.
Bom, entrei com minha filha no meio das mães. Éramos um monte de mães amontoadas e desesperadas. Ao nosso lado diversos ônibus e muitas professoras berrando.
Dei as malas para um homem, dei milhões de beijos na Nani, como se ela fosse para o Vietnã, repeti mais de dez vezes as recomendações e coloquei-a dentro do ônibus. Quando a porta fechou, começamos todas a pular, feito malucas, dando tchau, tchau.
Foi ai que notei.
- Ai. Minha bolsa.
- Como assim? Foi assaltada? – perguntou uma mãe ao meu lado.
- Eu... – comecei a olhar para os lados, apavorada – Estava com ela agorinha...
- Não deixou no carro?
- Não, eu coloquei a mala no bagageiro do ônibus e...
Céus. Óbvio. Na confusão coloquei a bolsa junto com a mala da Nani no porta malas do ônibus. A minha bolsa ia excursionar. Olha o ato falho. Eu queria ir junto, claro.
Sai correndo, desembestada.
- Pare! Por favor, páre esse ônibus agora! – berrei, esmurrando a porta.
Vexame. Implorei que o motorista abrisse o porta malas.
- A senhora tem certeza?
Lá estava minha bolsa, espremidinha no meio das malas.
Anestesia, gente.
Anestesia é a saída.

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