quarta-feira, 24 de agosto de 2005

o purgatório dos perdidos





Onde vão parar as coisas que a gente perde?
Bom, moro numa casa que é um buraco negro. No começo isso me incomodava, agora nem ligo. As coisas somem todo dia, isso deixou de ser estranho para ser normal. Estranho é encontrar as coisas.
- Olha Zé! A tesoura grande! Não acredito!
É que meus filhos são todos uns cabeça-de-vento, o Zé é pior que eles e eu estou aprendendo direitinho. Na crônica de ontem eu contei que quando faço as malas dos meninos para os acampamentos, mando dúzias de meias mas só voltam duas. Acho que donos de acampamento devem revender as meias usadas.
Ou reciclar.
Será? Deve dar algum dinheiro a reciclagem de meias.
Casacos então, nem se fala. Agora eu só compro coisa barata, porque os meninos esquecem em todo lugar. Tenho desconfiança que a escola e o clube também vendem, deve ser imensa a rede do tráfico de casacos e meias. Eu ponho nome, marca, telefone, não adianta nada. Deveria colocar um rastreador. Dou tchau para os casacos todas as manhãs de frio. Quando incrivelmente eles retornam, é a maior alegria.
Além das meias e casacos, eu e os leitores lembramos dos desaparecimento dos guarda chuvas, das canetas bic, das lapiseiras 0.5, dos isqueiros, do durex, do controle remoto da net e o pior de todos: o desaparecimento das tesourinhas de unha. Acho que já comprei mais de sete mil tesourinhas. O Zé idem. Tesourinha de unha é item de primeiríssima necessidade, nada incomoda mais que unha quebrada. E são as que mais desaparecem.
Alguns objetos têm desaparecimento rápido, como a tampa da coca cola durante o almoço, o disco que você precisa achar pra mostrar para o amigo e o livro que você está lendo. Outros somem para sempre, como o boleto do IPTU de 1999 ou a chave extra do carro.
- Lúcia, eles vão para um lugar conhecido como purgatório dos perdidos – explicou a Anna – eu imagino o purgatório dos perdidos como um lugar cinza, com pouca luz, mas organizado. De tempos em tempos, sem qualquer aviso, uma mão recolhe somente um daqueles objetos devolve para o lugar de onde ele veio, sem que ninguém entenda como foi.
Concordo com a Anna, existe esse lugar sim. Mas vejo um homem taciturno organizando as prateleiras. Tudo que nas nossas casas é uma zona, lá é perfeito. As gavetas do criado mudo são organizadíssimas, as mesas da entrada idem, o cesto de roupa para passar nunca tem pés de meia sem par.
Isso me tranqüiliza. Todas as coisas que vivem na maior bagunça aqui estão organizadinhas no tal do purgatório. Já o Zé acha diferente. Ele tem uma teoria que diz que alguns itens do universo se tornaram totalmente socializados. Depois do ano 2000, todos os isqueiros, canetas bic e tuppewares não pertencem a ninguém. São largados pelo mundo. Usa-se quando precisa-se e larga-se novamente.
Acho essa idéia linda.
- Menos as tesourinhas de unha – ele completou – a minha tesourinha é minha e só minha, entende?

Nenhum comentário: