domingo, 14 de agosto de 2005

o dia dos pais



Pois é dia dos pais.
A Anna, que sempre comenta aqui mas que não tem blog, escreveu uma história linda sobre o pai dela quando eu falei de depilação. Ela conta:
"Lúcia, você que puxou o assunto, então vamos lá. Quando era freak e da praia, não tirava nenhum pêlo de lugar nenhum do meu corpo, e usava minúsculos biquínis. Bem, constrangi amigos, perdi namorados, mas não estava nem aí.
Até que viajei com meu pai, só eu e ele. Quando fomos à piscina do hotel , o constrangimento do coitadinho era palpável. E lá fui eu, amor incondicional de filha, numa depilação qualquer daquela cidade e me desfiz de todos os pêlos."

Fiquei emocionada. Não me lembro de ter visto meu pai como alguém que ficasse constrangido, ou nem mesmo como alguém fosse um dia para um hotel comigo.
Meu pai morreu quando eu tinha doze anos. Lembro pouco dele. Quando ele se foi, eu não sabia o que era morte. Acho que foi esse desconhecimento que me faz não lembrar dele. Se naquela época eu soubesse que as pessoas somem, morrem e acabam, aproveitaria mais meu pai. Vivi ao seu lado quase levianamente, não economizando nada, não poupando memória, usando e em seguida esquecendo todos os nossos melhores momentos, infantil demais, ingênua demais.
Depois de sua morte me vi sem lembranças, sem temas para chorar, sem muitas recordações. É difícil sofrer assim. Não sofri a sua perda naqueles meus doze anos. Não sei se fica claro. Sofremos quando fantasiamos a realidade. Quando a vivemos com intensidade, com furor e sem sonhos, não há sofrimento.
O sofrimento mora na memória.
Eu cresci sem pai e nunca senti esse sentimento da Anna. Gente que cresce sem pai é sempre meio esquisita. Meio órfã, meio sem líder, meio sem condutor, sem eira nem beira, como um carro ladeira abaixo amarrado à mãe, com todo mundo tentando dirigir, brecar, dar ré, acelerar. Pais olham para frente, mães olham para a gente. Gente sem pai não tem a quem provocar, não sabe para onde a vida vai, não deixa os pêlos crescerem, não provoca, não cria caso, simplesmente porque precisa olhar para a estrada senão todo mundo capota. Acho que é essa a diferença. Gente sem pai não inventa muita moda. Tem muito perigo no mundo pra quem não tem pai.
Linda essa história da Anna. É uma história de amor entre um pai e uma filha que, um dia, conseguiu olhar de um jeito bonito para os olhos dele.

Nenhum comentário: