sexta-feira, 19 de agosto de 2005

a literatura e a realidade



Outro dia mandei o endereço daqui do blog para uma amiga. Ela me escreveu em seguida. Disse que adorou, que achou corajoso e bem escrito, mas confessou que morreu de aflição.
- Muito íntimo – explicou – mas estou conseguindo ler, muito devagarzinho, mas leio.
Fiquei assustada com aquela revelação. Muito íntimo? Lendo devagarzinho? Como assim?
- Você fala de coisas que são tuas, lá no íntimo, sentimentos, nascimento da filha, relação com o marido. Fico aflita.
Nossa, eu me assustei. Seria o "frankamente..." íntimo e pessoal demais? Talvez seja e eu não percebi, mas a promessa que eu fiz de escrever uma crônica, um texto ou uma idéia por dia é, pra mim, mais importante que a tal da intimidade. Talvez há vinte anos, quando eu escrevia meus arquivos secretos e rabiscava sem parar meus diários, escrever era coisa íntima.
Hoje acho que não é mais. É pensamento, idéia e, acima de tudo, literatura.
Não sei bem quando entendi que meus escritos eram literatura, mas aconteceu. Um dia descobri que tudo que ia para o papel não era mais eu. Era ficção, como qualquer história. E essas ficções eram iguais a todas que outros escreviam e liam.
Essa é uma diferença sutil para quem escreve, mas extremamente importante para você conseguir ter um blog. Colocar suas idéias e seu cotidiano no papel não é fácil. No começo eu me sentia praticamente uma prostituta das letras, eu exagero mas é sério, era como estar nua em público. Depois de cada post eu tinha vontade de morrer de vergonha. No dia a dia sou bastante tímida. Morro de vergonha de entrar sozinha num espaço público, nunca vou a uma festa sozinha.
Numa das primeiras vezes que um texto meu ia publicado no jornal eu nem consegui dormir. Eu fiquei apavorada.
- Depois que qualquer coisa que você pensa vira letra, esquece, ô lúcia. É literatura. Mesmo que seja a maior das verdades, é tudo literatura, sua boba – me disse um amigo escritor.
Demorou, mas aceitei. Literatura.
Outra amiga escritora, a Ivana, do blog “Doidivana”, me contou que publicou no blog um conto chamado “o fim de semana de uma solteirona”, onde uma mulher fala sobre sua solidão (é lindo, vale a pena ler). A Ivana é uma excelente escritora, e pessoas que escrevem muito bem convencem a gente. Ela disse que recebeu um monte de comentários consolando, convidando para ela ir à casa da pessoa, falando para ela não ficar triste.
Ele ficou rindo.
- É que muitos blogs são diários íntimos, Ivana – eu falei.
- O que está escrito é literatura – ela decidiu – Escreveu, pimba, é ficção.
Tem toda razão, a Ivana. O que existe aqui é só literatura.
E literatura, é verdade ou mentira?
Ora.
Tudo mentira, claro!

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