sexta-feira, 31 de março de 2006

a missão de franka





Ontem fui para o Rio. Chovia, garoava, mas como é de hábito eu precisava tirar uma foto da linha do mar. Tirei. Nada de linha. Chuvas, nuvem. Mas como estamos cercados de tecnologia, nada como uma pequena fuxicada num desses programas de fotos para reinventar o horizonte. Sei lá como, mas com um ou dois comandos eu sumi com a chuva e com a nebulosidade. Quase que eu ensolarei o mar.
Olhaí.
Acho um perigo mexer com a realidade desse modo. Que mêêêdo. Esse fotoshópe deveria ser proibido pelo governo.
Mas queria falar de outra coisa: das minhas rotinas de viagem. Eu tenho algumas manias com essa coisa de viajar. E não consigo me livrar delas.
Uma delas é que eu sempre preciso de um objetivo. No caso de uma viagem de trabalho, o objetivo é muito claro, como ontem: reunião-duasemeia. Uma reunião-duasemeia é um objetivo indiscutível. Mas no caso de uma viagem para uma praia ou para um sítio, às vezes não há objetivo fora a viagem. Afe. Eu fico aflitíssima. Gosto de ir para um lugar para ver, fazer ou visitar uma coisa es-pe-cí-fi-ca. Por exemplo, ir para Curitiba para visitar o museu do Niemeyer. Ir para Brasília para olhar de longe o Alvorada. Ir para Nova York para tirar uma foto em frente ao Guggenhein. Ir para Ouro Preto para visitar uma mina de ouro. Ir para a Bahia para comer um acarajé em tal lugar. Um lugar, uma ação. Sem isso, para mim, há viagem, mas simplesmente não consigo me empolgar...
A outra mania é que, se eu vou para um lugar com mar, eu preciso tirar uma foto da linha do mar. Preciso. Fazer o quê? Claro que acontece de não dar certo: as vezes eu não tenho máquina, as vezes acontece de acabar a pilha da máquina (sempre achei que pilha recarregável era eterna), mas isso é culpa do destino inexorável da Franka. Em boas condições de temperatura e pressão, é como se eu tivesse que executar essa missão nesse mundo: fotografar a linha do mar.
Frankamente, sem missão a vida não tem graça.
A terceira tem a ver com a minha coleção de pedras-coração. Eu preciso encontrar uma a cada vez que saio daqui. Na verdade, não encontro. Elas que pulam em cima de mim e me acham. A primeira veio em 2001, num rio, numa viagem que fizemos em família para a Califórnia. Desde então, lá vem elas. Surgem como se o destino as enviasse. Eu não faço nada. E, delícia: os amigos também trazem. Acho que é como uma corrente. Corrente de pedras.
Eu sei que todo mundo tem manias. Gozado é o pensamento que vem à minha cabeça quando esqueço ou não consigo colocar em prática uma da manias/ missões: é como se uma coisa muito terrível fosse acontecer.
Eu, hein? Ontem cumpri tudo. Linha do mar, objetivo reunião-duasemeia, pedra-coração.
Ufa.
Missão cumprida, dona Franka.

E tem crônica nova na paradoXo: Essa coisinha ai...

quinta-feira, 30 de março de 2006

o tamanho das coisas



Outro dia reparei o quanto as coisas podem ser grandes ou pequenas dependendo do modo que a gente resolve olhá-las. A maioria das vezes resolvemos que as coisas ruins devem ser ligeiramente maiores do que são na verdade. Já as coisas felizes a gente tende a encolher um pouco, geralmente de vergonha, outras vezes de medo de falar da felicidade.
Acho que, em geral, as mulheres gostam mais de aumentar a infelicidade que os homens, mas isso não é uma regra. Claro que existem homens sofredores no mundo, mas homens se sentem mais a vontade com a alegria do que mulheres. Eu me lembro de algumas cenas da minha infância, onde minha mãe, minha avó e minhas tias conversavam na cozinha. Elas competiam sofrimentos. A cada vez que uma conseguia uma derrota horrível, as outras se impressionavam, como se aquilo fosse uma glória, um grande mérito. Mudavam o tom de voz, exclamavam. Uma mulher que sofria muito era virtuosa e crescia diante das demais. O mérito era o a dor, e não o prazer. Essa minha memória de cozinha se junta com a memória do bolinho de arroz, onde, de novo, minha mãe, minha avó e minhas tias abriam mão de comer bolinhos de arroz para deixar para os filhos, os pais, o avô. A gente cresce dentro dessas cenas, assistimos o filme, ele fica na memória. A infelicidade tinha lá o seu prazer, seja na conversa da cozinha, seja no bolinho de arroz.
Dizem que as pessoas desejam a felicidade. Olha. Eu não tenho certeza absoluta disso. Ando duvidando de muita coisa. Acho que tem gente que ainda prefere as glórias do sofrimento e que aumenta as coisas tristes por puro prazer.
A felicidade da infelicidade.
Por falar em tamanho, olha a coincidência: uma das pedras coração da minha coleção coube direitinho dentro dessa caixinha de vidro. É incrível como a gente fica feliz quando duas coisas tem o tamanho correto e se encaixam perfeitamente.

quarta-feira, 29 de março de 2006

o dinossauro



Senti que ele não estava legal. Saímos de uma obra de manhã e ele começou a tossir. Depois teve um engasgo horrível, parecia que ia morrer. Não estava andava direito também – dava umas paradas, era como se arrastasse.
Detesto quando sinto que o carro vai quebrar. Me sinto completamente sem mão nem pé, não sei o que fazer. Mas ontem não teve jeito. A tosse foi piorando, a falta de força idem, o carro capengava e nem conseguiu chegar até o mecânico. No meio do caminho, ferveu. E pra piorar a coisa, a tampa do capô quebrou e não abria de modo algum para esfriar. Levei um susto. Afinal, fumaceira + tampa travada = bomba. E eu ainda não me recuperei do trauma da uma panela de pressão. Peguei o telefone.
- Zé, se eu for devagar ele chega até o mecânico, mas está saindo muita fumaça.
- Pára o carro. Vamos chamar o guincho.
Ter um carro tem suas vantagens, mas as desvantagens são imensas. O pior é que carro é como filho: depois que você passa os percalços, você se esquece completamente e passa a amá-lo de novo. Não sei se é instinto de sobrevivência, necessidade ou pura paixão. Mas a mente simplesmente apaga esses chatérrimos problemas automotivos da memória. E no dia seguinte você está de novo todo feliz ao lado dele e nem pensa em abandoná-lo.
O problema de um carro quebrado, pra mim, não é exatamente ficar sem carro. Eu me viro muito bem de ônibus, táxis ou a pé. Aliás, adoro a liberdade de não precisar estacionar. Não sei porque fazem carros tão grandes – reparem, enquanto os celulares e computadores encolhem a cada dia, os carros se agigantam. Tem horas que teu carro vira um dinossauro. Um bicho enorme, inadequado e que depende de você.
Porque cá entre nós, gente. Carro é um trambolho. Um trambolho de marca maior. E quebrado então, é como se o tal dinossauro morresse na porta da sua casa. Você não agüenta carregar, não sabe o que faz, não consegue sair e não consegue esquecer.
Pesadelo.
Foi assim que me senti ontem. Acho uma loucura, um exagero precisar de um guincho. Um guincho é um caminhão imenso, é uma coisa descomunal.
Mas ele veio e levou para a oficina o meu dinossauro morto e quase explodindo. No final da tarde, liga o mecânico.
- Oi, dona Luiça.
- Oi, Altair. Que houve?
Ele suspirou. Ia começar o teatro.
- Ichi. O problema foi no catalisador do carro da senhora que é uma peça que sai do coletor na parte interna em baixo atrás e dentro tem uma cerâmica e essa cerâmica esquentou e torrou a forração que pegou fogo mas a tampa que estava com o pino quebrado não tem nada a ver com isso mas em todo o caso precisaremos trocar também.
- Hã?
- Um catalisador novo custa... – dona Luiça, a senhora tá em pé? – custa mais ou menos um mil e novecentos e setenta e sete reais a senhora veja que absurdo mas peça nova é cara mesmo isso fora o serviço.
- Altair, pode ficar com meu carro. Adeus.
- Mas eu posso dar uma arrumada na cerâmica no catalisador e colocar em baixo um diferente e trocar a forração por uma antichama e arrumar o capô trocando o pino e o carro fica novo de novo.
- Hã?
- Assim sendo, tem cinqüenta e seis mais noventa e sete mais sessenta e um mais cento e dezenove mais a mão de obra e fica tudo por quinhentos e trinta e quatro.
- Você tá maluco? Acha que eu tenho sobrando esse dinheiro? É o preço de uma televisão, Altair.
- Posso dar um desconto e a senhora paga em três vezes.
Óbvio que voltei pára a época dos dinossauros. Tudo no mundo atual, tão virtual e civilizado, tem sua lógica, sua razão, seu entendimento - menos a tua relação com um mecânico de carros. Desde que me conheço por gente que negocio no escuro com mecânicos. Me sinto uma jogadora de pôquer em pleno blefe. O pior é que nem sei por onde começar. Que diabos é uma cerâmica de catalizador?
Supirei.
Eu precisava tirar o meu dinossauro morto de lá.
- Baixa mais e me deixa pagar em 4 meses, Altair.
Também, gente, dane-se. A gente tem problema demais para resolver o mundo.
E assim hoje eu estou um pouco mais pobre e a pé.
E tadinho do meu dinossauro...

terça-feira, 28 de março de 2006

bye bye brasil



Vez ou outra eu compro uns filmes para assistir nos finais de semana. Domingo assisti Bye Bye Brasil, que já estava há alguns meses na fila. Resolvemos ver em família, o que causou um enorme constrangimento no Joãozinho.
- Esse filme vai me estragar mais ainda a minha infância, mãe! Ver o Fábio Júnior pelado, pô!
Eu não vou fazer crítica do filme - além de não ter embasamento, eu não tenho todos os olhos que é preciso ter. Só queria dar uma opinião sobre uma coisa que eu vi e que me deixou perturbada.
Para quem não sabe, Bye Bye Brasil é um filme de um casal de “artistas”, o José Wilker e a Betty Faria, que fazem shows pelo Brasil, principalmente pelo norte e nordeste. Eles têm caminhão todo enfeitado, a “Caravana Rolidai”. Chegam nas cidades, montam um tipo de circo e fazem uns shows muito mequetrefes. O José Wilker é uma espécie de mágico (muito do sem vergonha) e cafetão, a Betty Faria é uma dançarina de rumba (muito da canastrona) e prostituta.
O filme começa com os dois chegando numa cidadezinha. Lá são assistidos pelo Fábio Junior, um sanfoneiro pobrezinho que se encanta com eles e pede para ir junto. Eles aceitam, o Fábio Júnior vai e leva com ele a sanfona e a mulher grávida – nessa ordem.
Durante todo filme todo o tal do sanfoneiro fica atrás da dançarina de rumba, até que um dia eles transam. “Mas não pense que porque hoje eu te coloquei na minha cama que você terá direito a ela” – diz a Betty Faria para o sanfoneiro de um jeito muito engraçado. O mágico dá de ombros para o fato, pois conhece muito bem a mulher que tem. A questão toda, para mim, está na esposa do sanfoneiro. Ela percebe, desde o início do filme, o interesse do marido pela dançarina, mas não fala nada. E quando ele finalmente entra na tenda da dançarina, ela apenas aguarda, do lado de fora, o ato sexual acabar. Não reclama, não fala, não dá de ombros. É óbvio que aquilo a machuca, mas ela se mantém calada e paciente, como se não pudesse fazer nada diante da avassaladora inevitabilidade da natureza humana. Não há nada a fazer a não ser ficar à margem.
Além de ser coadjuvante do filme, ela é coadjuvante da vida do sanfoneiro, da Caravana Rolidai, da tranqueira da Betty Faria, da história. Assiste ao filme como nós, apenas gerando seu filho. Não é que ela abre mão da sua vida por causa do marido - ela nem tem essa vida. Ela é a abdicação. Ela é o apêndice.
É pesadíssima essa mulher.
Pois então eu fiquei pensando na resignação. Esse adjetivo, tão feminino dentro da nossa memória, quase não existe mais. As mulheres do mundo de hoje não são mais resignadas. Não devem ser. Mas o que me deixou intrigada, é que, por um ângulo um pouco torto, a posição da mulher do sanfoneiro no filme pareceu adequada. Olha. Existe um componente no espírito feminino que nos faz ser, inconscientemente, como ela. Meio sem querer, entende? Eu não estou falando que somos assim, nem que temos que aceitar que o marido da gente entre em tendas com dançarinas de rumba. Estou falando que nós, mulheres, tendemos à essas mini resignações ao longo da vida, e que para mim, de um certo modo, elas são naturais. Não sei se é da natureza feminina ou se é coisa cultural. Na nossa sociedade, a atitude de se entregar à um marido, à uma situação, à uma vida de mãe, é condenável. "Mulheres modernas não podem agir assim", nos dizem, "que absurdo". Falam que temos que viver a nossa vida, que ser independentes. Mas não sei não. Ali, na atitude da mulher do sanfoneiro, estava o extremo. Ali estava uma mulher sem desejos, sem idéias, sem projetos, apenas entregue a sua natureza. Mas durante uma gestação não resta muito além da espera, independente de que mulher você é. O que eu digo é que eu não tenho certeza absoluta que eu nunca agi daquela forma um dia.
Não falo do extremo, falo do médio.
Ichi. Sei que muita mulher vai me condenar por isso, mas acredito que alguma resignação é necessária. Não é todo mundo que tem tanta força para segurar tudo sozinha. E, ao exigirmos demais de nós mesmas, nos tornamos amargas, difíceis. Nenhuma balança pode pesar tanto para um único lado, que se desregula.
Sim. Na minha vida a minha natureza inconscientemente já se entregou à existência, como se eu fosse espectadora da vida de um homem. E não foi por cansaço, preguiça ou inapetência.
Foi apenas porque somos humanos, e é assim que a vida funciona.

segunda-feira, 27 de março de 2006

o hipócrita


-Saí daí, ô gordinho! – falou o Zé, brincando, no meio do trânsito ao passar perto de um sujeito meio avantajado que tentava atravessar a rua fora da faixa.
Deu uma buzinada e passamos por ele. Estávamos com os três filhos dentro do carro, no banco de trás.
- Zé.
- Oi.
- Isso aí que você falou não foi legal.
- Que foi que eu falei?
- Você disse “sai daí, ô gordinho” para aquele moço gordinho.
- Sim, e daí? Ele estava atravessando fora da faixa, quase se atirando sobre os carros. Perigoso. “Sai daí”, eu disse.
- Não é o “sai daí” o problema. O problema é o “ô gordinho”. Você chamou o cara de “ô gordinho”, assim, sem mais nem menos. Coitado.
- Mas, mãe... - interveio o Chico, de lá do banco de trás – O cara era um putz bujão. Uma rolha de poço!
- Eu sei, filho, eu vi. Mas o problema foi o modo que teu pai falou “ô gordinho”. Ele estava tirando sarro do rapaz, foi um jeito depreciativo. Como se fosse culpa dele ser gordinho. Como se ele pudesse ser julgado por isso.
A Luciana me interrompeu.
- Mãe, desculpa, mas se ele é gordo a culpa é dele.
- Claro que não é, filha. Tá, muita gente é gorda porque abusa da comida, mas muitas tem problemas de saúde, problemas psicológicos... a gente não sabe, por isso que não pode falar desse jeito que teu pai falou aí – expliquei – Olha, eu, vocês, qualquer um no mundo pode um dia ter um problema e de repente ficar gordão.
- Ô droga, então a gente não pode falar nunca nada de um gordinho? – desabafou o João.
Eu olhei para trás.
- Olha. A gente xinga e implica com pessoas que tem características ruins, não com quem tem problemas ou vícios. Por exemplo, é feio xingar um fumante de fumante, um drogado de drogado. As pessoas não têm vícios porque querem.
Acho que eu estava a maior chata ali, dando lição de moral, mas na hora achei necessário: adolescente sempre abusa da maldade. Aquela coisa sem fim de “tirar sarro” dos outros.
Continuei, empolgada.
- ... O que é é bem diferente de uma pessoa com má índole. Existem pessoas más, ladras, grossas, hipócritas, mal educadas, cínicas, que fazem o mal de verdade. Isso não é vício, é falta de moral mesmo. Essas podem ser xingadas.
- Como que você falou mesmo, mãe? – perguntou um dos meninos – Hipócritas, mal educadas e cínicas?
- É. Gente que faz o mal de propósito.
Ficou um silêncio no carro.
- Essas então a gente pode xingar? – perguntou o João.
- Pode.
Óbvio que virou motivo de piada. Desde então que, em qualquer situação, quando passamos por um gordinho, os meninos e o Zé me cutucam, rindo.
- Mãe, olha. Um hipócrita.

sábado, 25 de março de 2006

o peito


Na saída do exposição do Dudi, na terça feira, vi o Carlos Fajardo. O Fajardo é artista plástico e foi professor de todos meus amigos arquitetos aqui em São Paulo, pois ele dava aula de desenho em cursinho.
Eu tive aula com ele quando tinha uns quinze anos. Não fiz cursinho, mas fiz um curso no seu atelier durante dois anos. Eu sempre adorei desenhar.
Nunca mais vi o Fajardo até aquele instante, na porta da exposição do Dudi. O Zé sempre fica bravo quando eu abordo subitamente uma pessoa, principalmente se essa pessoa for um homem, mas não agüentei. Quando olhei o Fajardo me lembrei de uma história fantástica que aconteceu numa das aulas dele e tive a maior vontade de perguntar se ele se lembrava daquilo.
Óbviamente, abordei.
Foi o seguinte: a nossa aula era no meio da tarde e o nosso grupo era de mais ou menos umas oito pessoas. Eu, uma menina de quinze anos, e sete senhoras em torno de sessenta anos. A aula tinha um modelo vivo, que desenhávamos durante uma hora, depois colocávamos todos os desenhos expostos numa mesa e o Fajardo comentava. Ele falava das sombras, das linhas, do volume, do modo que colocávamos o desenho da folha, do modo que riscávamos o papel, mas ele falava muito, mas muito do olhar. Era isso que importava, ele dizia: saber olhar. O Fajardo nunca ensinou ninguém a desenhar. O Fajardo ensinava a olhar.
Um dia, sei lá porquê, nessa hora dos comentários ele começou a maior conversa com uma das senhoras por causa dos desenhos dela. Acho que ela não entendia o que ele explicava, só sei que ele ficou muito nervoso. Saiu da sala, entrou numa salinha ao lado e voltou com uma bandeja. E, em cima dela, uma maçã.
- Olhe para isso aqui – ele falou para a mulher, sério.
Ninguém entendeu nada, nem ela.
- Pronto, já olhei – ela disse.
- Então me diga. O que é isso?
- Uma... uma maçã numa bandeja...? – ela respondeu, confusa.
- Isso mesmo. Agora pegue - ele ordenou - Vamos, pegue!
A mulher, hesitante, pegou a maçã nas mãos, olhou e devolveu.
Foi quando ele fez uma coisa engraçada. Deu um rodopio no lugar, se colocou na frente da mulher de novo e falou bem alto:
- Agora olhe de novo.
Ela olhou, mais confusa ainda, a pobre da maçã.
- Sabe ainda o que é isso? – ele perguntou mais uma vez para ela. Mas, antes que ela pudesse falar qualquer coisa, ele próprio respondeu – Olheaqui. Isso aqui é um peito.
Todo mundo levou um susto.
Hã?
- Um peito – ele disse bem alto, olhando nos olhos dela – Peeeito.
Peito?
E virou-se para a mulher e ordenou:
- Agora pegue esse peito.
A mulher se encolheu toda. Deu um gritinho .
- Nããão..!
Foi muito engraçado. Depois que ele falou “peito”, a mulher se recusou a colocar a mão na maçã. Não tenho a menor idéia do que essa história tinha a ver com a aula e com o desenhos dela, mas nunca me esqueci. Pois, para aquela mulher, a imagem mudou completamente por causa de uma palavra. Uma única palavra, gente. Foi uma transformação literária. É o poder das palavras sobre o poder da imagem.
Peito.
Contei isso para ele logo após a abordagem, diante dos olhares atônitos do Zé e da moça que acompanhava o Fajardo.
Ele começou a rir. Não se lembrava de nada.
- Eu falei isso? – ele disse, pasmo.
- Falou, Fajardo. Acha que eu ia inventar uma história dessas?
- Nossa. Um peito?
- É. Peito.
Ele saiu rindo. Acho que nem ele entendeu até hoje.
Peito, gente.
Peito.

sexta-feira, 24 de março de 2006

o anel elepê



Já que todo mundo tá colocando post da própria mão, eu não vou ficar por fora. Podem conferir ai pela blogosfera a mão fedida do Pecus, a mão que segura livro do Dudi.
E aqui, em primeira mão, a minha mão com meu novo anel: o anel elepê.
Eu achei, não resisti e comprei esse anel que tem a forma de um disquinho de vinil. Achei que tinha tudo a ver, como se fosse assim uma homenagem ao passado.
Do elepê ao aipóde.
- Olha o que eu comprei - mostrei para a Nani, minha filha.
- Lindo, mãe.
- Iii... que pena... - comentei reparando num tracinho no meio das faixas - Mal comprei e já risquei.
- A, elepê de vinil risca mesmo, mãe... - ela me disse, como se aquilo fosse óbvio.
Bom, e atenção - tem crônica nova lá na revista paradoXO: os botões.
Podem ir conferir!

quinta-feira, 23 de março de 2006

o texto mais horrível que eu escrevi na vida


Desenho: Jim Atwell

Depois da história do meu amigo que ganhou mo porco preto de presente e depois que o Pecus postou uma foto de um porco ontem, lembrei de outra história.
De porco, óbvio.
Eu tive, num período, que fazer uma série e viagens para Angra dos Reis por causa de uma obra. Íamos de carro toda semana, eu e um empreiteiro.
A viagem demorava muito, cinco horas de ida e cinco de volta, e por mais que ele fosse calado, acabávamos conversando. Numa dessas conversas contei a história do meu amigo que ganhou um porco e não teve coragem de matar. Ele arregalou um olhão.
- Que absurdo uma pessoa não sabe nem matar um porco – ele disse, desprezando profundamente o pobre do meu amigo - Que homem é esse?
Como se matar porco fosse uma coisa normal, assim, tipo como ir à farmácia.
Aquele desprezo me deixou encafifada. Caramba. Eu também não sei matar porco. Aliás, eu não sei matar nada. Nem largartixa, nem porco, nem galinha, nem rato, nada. Matar não é comigo, digamos. Na hora, ali, ao lado daquele empreiteiro matador, fiquei incomodada e constrangida, me sentindo uma fresca de marca maior. Cheguei aqui em São Paulo e comentei com a Silvia, minha melhor amiga.
- Silvia. Você sabe matar algum bicho? Galinha, carneiro, porco?
- Eu? Eu não.
Contei para ela a minha conversa com o empreiteiro. Disse que era um absurdo que nós, mulheres modernas, que tivemos filhos, que somos estudadas, que trabalhamos e que somos sempre tão cheias de idéias, não soubéssemos fazer uma coisa tão simples.
- Matar um porco é simples? – ela perguntou.
- Para ele é.
Ela não se deu por vencida.
- É que eu não tenho um porco e nem a situação. Mas se eu precisasse mêêêsmo, Lúcia, matava.
- Sério?
A Silvia é corajosa. Falaverdade.
Ela continuou.
- Óbvio. Inventava um jeito, ué. Ainda mais se esse porco servisse de alimento para a minha família. Por um filho, minha cara, a gente faz qualquer coisa, civilizada ou não – e ela me olhou, seríssima – Ora, Lúcia. Você também faria.
- Eu? Tá, talvez... mas a pergunta é como.
- Como? Ah. Sei lá como.
- Não adianta ter só vontade. Precisa saber como fazer. Tem que ter um projeto.
- Projeto de matar porco?
Foi quando eu sugeri.
– Vamos supor que você está numa ilha deserta. Nessa ilha tem só você e um porco grande, preto e peludo. Você depende dele para viver. O que faria? Você consegue escrever essa história?
Pois foi assim que, num dia qualquer de semana, eu e a Silvia, cada uma no seu canto, resolvemos sentar na frente das nossas telas de computador e escrever um texto onde cada uma de nós mataria um porco. Combinamos tudo. O porco de cada uma tinha que ser preto, grande e peludo, e, como não entendemos de peso de porco, definimos um tamanho imaginário. Cada uma mataria à sua maneira, só não podia tacar fogo nem usar revólver. E o porco, depois de abatido, deveria servir de alimento – ou seja, não valia matar o porco de fome ou de doença. Depois leríamos os textos juntas, para comparar como cada uma resolveu o “ato”.
Olha.
Às vezes eu acho que minha vida não é lá muito normal.
Bom, mas nesse dia lá fui eu para o meu computador. Animadíssima. Avisei a família.
- Vou fazer uma coisinha ali já volto. Não me atrapalhem.
Olha, sério. Foi das coisas mais horríveis que eu já escrevi na vida. Não sei se a realidade não seria muito menos impressionante que a minha ficção. Sei lá, acho que matei o meu porco muito de perto, descrevi demais o bicho, me confundi toda com a coisa de matar. Eu resolvi enfiar uma faca no pescoço, mas para fazer isso eu tive que montar nele, o que me deu muito nojo. Tive que encostar naquela pele, cheirar aquele cheiro, lutar, era uma sangueira só. O pior é que ele quase ganhou de mim. Olha. Não me achei tão boa escritora nessa hora. Já a Silvia, mais esperta, fez uma lança de bambu e atirou meio de longe.
- Duvideodó que uma lança de bambu mate um porco.
- Era uma lança finíssima e afiadíssima – ela explicou.
Foi uma experiência horrível e inesquecível. O pior texto que já escrevi na vida. Mas mesmo assim aconselho a todas as mulheres civilizadas que um dia matem seus porcos.
O pior é que, depois dessa experiência, eu tenho certeza absoluta que matei um porco de verdade. Ahá. E esse empreiteiro que venha se exibir para o meu lado agora que ele vai ver o que é bom pra tosse.

quarta-feira, 22 de março de 2006

FRANKAMENTE mostra as CARAS


Da esquerda para a direita: Jayme, do Dito Assim; Pecus Bilis, o homem, a lenda; Franka, a autora desse blog; Dudi, o anfitrião; A. do Carne Crua e Ana Moraes, do Filosoclics.
Foto: Beto Sanovicks
Aqui, em primeira mão para todos vocês, a foto que registra a presença dos blogueiros amigos na exposição de ontem do DUDI, na galeria Brito Cimino. Obviamente, a pedido dos blogueiros, a foto será publicada com tarja.
ps. : caso vocês queiram visualizar a turma com outro modelo de tarja, dêem um pulo no Carne Crua que o A. usou um modelinho preto básico.

bummm!



Aconteceu um acidente aqui em casa anteontem. Nem falei sobre isso ontem pois estava me recuperando do trauma. É que, sem mais nem menos, no início da noite, a panela de pressão... bummm...!
Explodiu, gente.
Coisa mais perigosa uma panela de pressão.
Uma bomba dentro de casa e a gente não sabe.
O pior é que essa não foi a primeira vez que aconteceu comigo. Bem, comigo é modo de dizer, uma vez que sou uma mulher que não cozinha. É, é melhor ser sincera: eu sou uma mulher que não cozinha. Acho que essa é uma sina de filhas de mulheres que cozinham muito. As mulheres que cozinham muito sempre pulam uma geração, ou seja, minha mãe cozinha muito, eu não cozinho nada, minha filha Nani provavelmente vai cozinhar muito.
- Eu sou o vácuo alimentar da descendência familiar – eu disse um dia para o Zé, me defendendo das críticas à minha inabilidade - Sem esse vácuo a estabilidade da cadeia alimentar da humanidade poderá ser alterada e sabe-se lá o que vai acontecer... Sou um elo necessário.
Ele me olhou torto. Acho que não colou. Todo homem gosta de mulher que cozinha um pouco, fazer o quê.
Olha eu dispersando.
Mas voltemos às panelas e à pressão. Bem, a primeira explodiu com uma sopa, há doze anos. Eu estava grávida do João e morava num apartamento em Higienópolis. Era inverno, e, depois que os meninos dormiram, o Zé e a empregada resolveram fazer uma sopa. Eles colocaram os ingredientes na panela, o Zé veio ver TV comigo e a empregada foi tomar banho. De repente, bummm... Entramos correndo na cozinha e, no meio da fumaça, sentimos uma chuva quente. Era a sopa.
Ao invés de passarmos uma noite quentinha, passamos a noite limpando sopa do teto e explicando pelo interfone para os vizinhos que não pretendíamos demolir o edifício.
Desta vez foi com uma carne. A Maria colocou uma carne para assar, virou as costas e quando viu, bummm...!
Os meninos não estavam em casa, e eu cheguei no minuto seguinte. Óbvio que essa coisa de chegar no minuto seguinte foi uma mãozinha do meu querido São Benedito. E óbvio que a Maria também teve uma mãozinha do Santo dela, pois, mesmo estando do lado ela não se machucou: ficou surda por uns minutos e trêmula por mais de uma hora, mas intacta. Bem, se a culpa foi da Maria, da panela ou do destino, não sei. Mas só sei que toda minha casa, que estava tranqüila dentro da sua existência cotidiana, com seus barulhos e ronronares confortadores, foi para os ares depois da explosão.
Gente, a fumaça.
O cheiro.
O silêncio.
A carne espedaçada e úmida pingando sobre nossas cabeças.
O fogão em frangalhos, afundado quase dois palmos.
A coifa destruída.
Vidro por todo lado.
Carne por todo lado.
Eu não sei se quem nunca passou por isso sabe o que é uma explosão de uma panela de pressão. Acho que é o mesmo que explodir uma granada na cozinha. O barulho é o mesmo, o perigo idem, o estrago idem. Em alguns segundos, a cozinha foi aniquilada por ela mesma. E toda a estabilidade da casa foi alterada.
Na verdade, a sujeira a gente resolve, depois de muitos baldes de água e até esguichos no teto. A carcaça de lata foi bem aceita por um carroceiro naquele mesmo dia. O problema é ficar sem fogão. Ah, que vazio que dá olhar aquele buraco na cozinha. Fogão é chama, calor, comida, alimento. Embora possamos resolver a comida com lanches e comidas prontas, estamos todos meio perdidos aqui em casa. Só sentimos a falta de uma coisa quando percebemos a sua ausência. Nosso fogão morreu e estamos dentro da lacuna da sua não existência. A nossa casa está triste, eu acho. Uma família, um lar, a vida, são feitos de fogo, água, ar. A gente só sabe a importância do fogo quando não tem. Fica tudo frio sem fogo.
Mas ontem comprei um novo fogão em dez prestações. Um fogão lindão, precisa ver. O vendedor me disse que chega hoje mesmo.
É. A vida continua depois dos bummms...!

terça-feira, 21 de março de 2006

msm/pp


(corra franka, corra!)

- Ô Lu.
- Fala, Zé.
Era hora do jantar e ele me contava de uma entrega de uma concorrência para a prefeitura.
- Já reparou que eu faço tudo na última hora? – ele disse.
- A gente faz tudo de última hora, Zé. Eu também sou assim. Acho que foi por isso que a gente se casou. Todo mundo deve ter se casado antes, nós deixamos para a última hora, sobramos eu e você.
- Você não está entendendo, não é para achar graça nisso. Não é legal deixar as coisas para a última hora. Por exemplo. Eu tenho que entregar um trabalho daqui a duas semanas. Mas, por mais eu me esforce, eu sei que vou deixar tudo para o último dia. Para a última hora desse último dia.
Eu suspirei. Sei como é.
- Você não tem idéia de como eu te entendo, Zé.
- Eu quero fazer antes. Mas existe uma força maior que me leva para o lado oposto, para o lado do atraso. E quando eu vejo, catapimba. Último dia. Correria. Stress. “Ai, não vai dar tempo”. Aquele nervoso. Suadouro. Tsc. Caramba.
- Já reparou que a gente é assim também aqui em casa? Algum dia a gente conseguiu programar uma viagem? A gente liga para os hotéis sempre um dia antes. “Tem um quarto conjugado?”; “Para quando?”, pergunta a mocinha, “... errr... para amanhã a noite...”, a gente fala, com a maior cara de pau. Hahaha. Óbvio que nunca tem...
- É. E nas festas aqui é a mesma coisa. Os convidados estão quase chegando e a gente nem pôs a mesa. Nem tomou banho.
- Acho que é um modo de vida, Zé. Um estilo. A gente deve ser descendente daquele porquinho preguiçoso. Aquele, da casa de palha. Ou das cigarras.
- Mas eu não fico à toa tocando viola e dormindo. Eu trabalho para burro, isso que eu não entendo... Olha, não sei, só sei que isso não me faz bem. Me estressa. Esse excesso de adrenalina que percorre o corpo nesses últimos minutos é péssimo pra saúde. Eu queria entender porque é que eu busco essa adrenalina estressante. Será que é algum tipo de auto-destruição? Será que eu direciono as coisas para não entregar o trabalho a tempo justamente porque quero essa aventura contra o tempo? Talvez minha mente ache isso heróico, sei lá. Talvez eu...
- Não, Zé! Eu tenho uma teoria completamente diferente. Acho que na verdade tanto eu quanto você queremos apenas prolongar o prazer. Veja bem, participar de uma concorrência da prefeitura, entregar aquela papelada e cuidar da equipe é muito, mas muito chato. Já fazer as coisas que você gosta, como projetar e desenhar é muito legal! Então tua mente, inconscientemente, prolonga o prazer e empurra a chatice com a barriga. Entende? É o contrário do stress e da auto destruição. É o prolongamento do prazer em detrimento da irritante burocracia. É auto-preservação pura! E é assim que devemos viver a nossa vida. Prolongando o prazer. A cada dia mais e mais. Até que um dia conseguiremos abolir todas as chatices e... – e eu juro que eu estava acreditando piamente naquela minha teoria – ... e olha, é melhor viver onze horas e meia tranquilão, de bem com a vida e meia horinha estressado do que seis horas mais ou menos tranqüilo e seis horas mais ou menos estressado. Horrível gente assim, mééédia. Não acha?
Ele me olhou estranho e falou bem devagar.
- Não mesmo.
Bem, somos parecidos, mas nem tanto.
A vida é bem assim mesmo.
E outro dia a Vivian Makia do Volátil, que sempre comenta aqui, me disse o seguinte:
“Pelo jeito você faz parte do MSM - Movimento Sem Método. Os integrantes desse grupo se atrapalham com horários, vivem correndo e fazem mil coisas ao mesmo tempo, mas geralmente dão conta de tudo com doses de adrenalina por conta de deadlines apertados. Bem vida ao clube!”
Pois é, Vivian.
Mais uma vez o mundo se divide em duas partes. Depois dos com bidê e sem bidê, agora temos os MSM e os MCM. E dentre os Sem Método, onde óbviamente eu e o Zé nos incluímos, eu prefiro me incluir entre os MSM/pp.
Sem método mas acreditando piamente na teoria do prolongamento de prazer.
Hã?

Ô gente, bom dia.
E não esqueçam que hoje tem inauguração da exposição do Dudi. Nesse caso, encurtemos o dia que o prazer está.

segunda-feira, 20 de março de 2006

um zumbi em roupas típicas


(ah, nada como um homem sem tarja - obrigada à vivo que é a dona da propaganda e ao passarinho, meu amigo que veste esse lindo pijama!)


Quem é pai ou mãe sabe o que significa essa coisa de acordar cedo para levar filho na escola. É um longo e necessário período da vida, onde é preciso se desconcentrar totalmente de sua imagem para se concentrar na imagem de um filho vestido em tempo recorde, arrumado, alimentado e equipado para a atividade que ele precisa fazer. A gente sempre acha que uma hora eles vão resolver isso sozinhos, mas infelizmente descubro, depois de muitos anos, que isso não é bem verdade.
Meus filhos são grandinhos, mas ainda tenho que supervisioná-los. O problema não é a idade da criança ou adolescente. O problema é que, se existe um líder nas situações chatas, é com esse líder que as pessoas vão reclamar, folgar e fazer corpo mole. Assim, enquanto existir um pai e uma mãe que acorde ou leve para a escola, cursinho ou até para o trabalho, você pode ter cinco ou cinqüenta anos – que vai reclamar e pedir mais dez minutos de sono.
Não é fácil ser o líder da manhã. Aqui em casa eu fui líder absoluta e incondicional por uns dez anos. Acho que mães, como amamentam, têm o inconsciente da alimentação da prole. Um reloginho que te desperta, queria ou não. Porém, um dia, resolvi dormir. Não para sempre, mas dormir. Tive uma canseira absurda dessa coisa de acordar cedo, e, um dia, sem mais nem menos, enterrei a cabeça no travesseiro e declarei para o Zé:
- Zé. Mais de dez anos acordando cedo. Chega. É a sua vez.
Foi uma coisa fantástica. Como é bom dormir pela manhã. Ele passou cinco anos levando as crianças na escola e eu, rooonc... dormindo... Mas, como todo combinado e férias, acabou. E agora voltou a minha vez de acordar cedo.
Tudo isso para completar o post de anteontem, onde acordei atrasada para levar os filhos na prova, vesti qualquer roupa e sai. Era sobre isso que eu queria falar. Sobre vestir qualquer roupa. Na verdade, o que eu quero dizer é que os pais que acordam para levar os filhos não vestem roupas.
Vestem trajes típicos. É isso mesmo.
É que nessa hora insuportavelmente cedo onde somos obrigados a levantar da cama, na verdade não estamos acordados, gente. Esse momento é o limbo dos pais. É onde exercemos o entranho (e ainda não estudado) papel das mães-zumbi e pais-zumbi.
Na minha opinião, nós, pais, temos três estados de consciência. Consciência, inconsciência e estado de zumbi. Sabemos, desde que a criança nasce, como é difícil para um pai ou para uma mãe dormirem. Assim, acostumamo-nos a dormir a qualquer hora e em qualquer canto. E nos intervalos. E depois. E ja-já. E daqui a pouco. E só uma sonequinha. E um minutinho. Peraiqueridaqueeujavou.
Não sei. Há dezesseis anos que eu e o Zé sempre achamos que vamos dormir daqui a pouco. E é por isso que mães e pais são tão esculachados. Não é por mal. É sono.
Por isso a escolha da roupa para levar o filho na escola não tem nada a ver com o momento de levar: tem a ver somente com o dali a pouco, onde você vai despencar naquela cama deliciosa de novo.
O estado de zumbi é um gerúndio de sono. Portanto, entendam: uma mãe que leva o filho na escola não está ali. Ela está indo dormir. Quem está indo dormir não penteia o cabelo, não coloca brincos, não coloca salto alto e nem passa batom. Quer apenas tirar a roupa o mais rápido possível. Imagine se alguém leva um filho na escola de botas. Ou de calça jeans. Ou de camisa. Aliás, camisa é demais. Jamais me imagino desabotoando tudo aquilo antes de despencar de novo.
Um dia o Zé e eu acordamos de madrugada. Ele ia buscar o Chico num buffet.
- Vai assim, Zé?
- Como “assim”?
- Você está de short estragado, camiseta velha e havaiana.
- Que tem? Isso é roupa de buscar filho. Não estou de pijama.
- Eu sei, mas é quase.
- Tsc. Não vou nem entrar – ele falou bocejando - é pegar e voltar.
Dei de ombros. Mas óbvio que ele chegou na porta do buffet França e o menino não estava lá. Esperou e esperou. Nada. Só se entrasse e mandasse chamar. Me ligou.
- Alô. Lu. E agora? Tá todo mundo de smoking e eu assim, feito um mendigo.
- Quem mandou?
- Vou ficar aqui esperando. Estou tirando uma soneca aqui na porta, se o Chico ligar fala que estou do outro lado da rua.
Ficou uma hora dormindo ali mesmo, uma vez que não podia envergonhar o filho.
Coisa de pai zumbi.
E pais zumbis, para quem não sabe, não usam roupa nem pijama.
Usam roupas típicas.

domingo, 19 de março de 2006

nutella



- Lúcia
- Fala, Maria.
- Olha, se o João não jantar hoje, você não estranha. É que ele comeu três sanduíches enormes de pão com vitela de chocolate.

sábado, 18 de março de 2006

a manchinha no teto


Hoje acordei atrapalhadíssima, pois perdi a hora e meus filhos quase perderam umas tais provas importantíssimas.
- Mãããe! – entrou o Chico no meu quarto, desesperado – Olha a hooooora!
Que susto. Dei um pulo e corri pra o quarto da Nani.
- Acooorda Naaani!Olha a hora, tem cinco minutos!
Saco. Parecia que ia chegar um tsunami. Em questão de trinta segundos, minha vida entrou num estressante clima de “salve-se quem puder”, onde só tive tempo de pegar a bolsa, um casaco de lã (vai entender!), vestir uma havaiana e despencar escada abaixo até o carro.
Deixei todo mundo na escola e voltei resfolegante. Cheguei muito brava em casa. Chega. Não quero mais ser eu a responsável pela hora de toda uma família. Aliás. Aliás de novo. Uma pessoa como eu não pode ser responsável pelos compromissos de tantos adultos e adolescentes. Gente, eu sou muito desorganizada. Sou de uma irresponsabilidade total. Eles não têm a mínima idéia do perigo que correm ao estarem nas minhas mãos. Simplesmente não consigo nem saber o que tenho que fazer na segunda que vem, quanto mais pensar na vida dos outros. Esse blog, por exemplo, é uma coisa praticamente suicida, pois eu decido o que colocar minutos antes de colocar.
Nada é programado.
É como aqueles matinhos que nascem no meio da grama.
Apenas nasce.
Eu apenas sento e escrevo.
Pimba, post.
Essa coisa da desorganização me persegue a vida toda. Eu perco muito compromisso, esqueço reunião de escola, esqueço de retornar telefonema. Esqueço de comprar, esqueço de ir, esqueço de fazer a unha, esqueço da depilação, esqueço do presente, esqueço de dormir. Minha agenda é um vexame. Eu costumo me engambelar quando não tou muito a fim de fazer alguma coisa, e, além de tudo, vocês sabem que eu minto.
Pouco, mas eu minto.
Atualmente acho que tudo piorou por causa do mundo virtual, pois aqui os compromissos e as horas são outros. Normalíssimo uma pessoa comentar teu blog às 3 da manhã. Ninguém nem liga. Normalíssimo postar as sete e meia da manhã, tão normal quanto postar onze da noite ou duas da tarde. E, na minha opinião de maria-zoneira, isso que é delicioso.
Bem, resumindo, sábado era dia de dormir mais um pouquinho, mas obviamente não consegui. Voltei, tomei um banho e me deitei, suando um pouco. Todos já haviam saído. Ouvi apenas o barulho do aspirador de pó e da louça sendo lavada. Faz sol e ainda está um pouco de calor.
Olhei o teto. Nada além daquela única manchinha preta que fica perto da porta do armário. Todo o dia aquela manchinha me engana se disfarçando de pernilongo. Pernilongos me tiram o sono. O que deveria me tirar o sono não tira, o que não deveria tirar tira. Dizem que isso se entende com psicanálise, mas só entender não adianta. É preciso entender e achar uma solução. Não sei bem se adianta não ter problema nenhum. Ninguém é totalmente sem problemas. Se alguém for, vive do que? Escreve para que? Trabalha para que? É preciso ter problemas. Os pernilongos devem incomodar. O dinheiro deve dar medo. A gente deve esquecer as coisas sem graça. A rotina deve ser chata. E os esquecimentos ... ai.
O que eu ia falar mesmo?

sexta-feira, 17 de março de 2006

Uma questão de treino



- Ôba... ôba... ahhh...
Que seria aquilo?
- Que foi, Zé?
- Estou conferindo a loteria.
- E aí? Ganhou?
- Ainda não, mas estou melhorando a cada dia. Semana passada eu fiz só um número, hoje já fiz dois... Se eu for nesse ritmo, daqui a pouco a gente ganha.
Hã?

E hoje tem crônica nova lá na revista paradoXo, podem conferir: “a hora do clic!”

Uma novidade: ontem eu encontrei o poeta Carpinejar ao vivo e a cores ontem aqui em São Paulo. Vão conferir lá no blog da Ivana. E tem mais: as fotos são by Pecus.

quinta-feira, 16 de março de 2006

ÓINC!



Eu e meu sócio tivemos escritório num imóvel de um amigo nosso, que foi viajar por um ano e nos emprestou. Como o lugar era grande e cheio de salas, ele também emprestou para outro amigo dele, o Celsinho, que tinha uma pequena empresa de negócios e investimentos.
O Celsinho era um cara engraçado, falante, cheio de piadinhas, que adorava enturmar. Como trabalhava sozinho, volta e meia ele aparecia na nossa sala para conversar.
No nosso escritório iam sempre muitos engenheiros, empreiteiros, pedreiros, gesseiros, eletricistas, ao contrário da sala dele, que nunca ia ninguém. E sempre que aparecia alguém para falar com a gente, o Celsinho olhava pelo vidro e pimba, lá vinha tomar um cafezinho e fazer suas piadinhas. No final, acabou conhecendo todos os fornecedores e funcionários das nossas obras.
- Falai, Monteiro, e esse nosso “palmêra”, como vai?
- Ô Washington, quando é que você vai me vender aquela caminhonete?
- Opa, Geraldo! Como vão as obras? E esse coringão ai?

Pois nessas visitas ele conheceu o Geraldo, um empreiteiro mineiro muito sério, que não era de muitas palavras.
O Geraldo estava fazendo uma obra conosco e toda hora ia até nosso escritório. E sempre aparecia o Celsinho com as piadinhas, as risadas e conversas inconvenientes, apesar do Geraldo se manter sempre reservado e calado. O Geraldo ia todo mês ia para Minas para ver a família, e um dia o Celsinho, no meio do falatório, lançou.
- Ô Geraldinho, vai pra Minas aiô? Não esquece de trazer uma leitôinha 'daquelas' para o titio aqui, hein?
Bom.
O Geraldo foi para Minas no final de semana, viu a família e apareceu no escritório na segunda feira bem cedo.
- Bom dia dona luiça.
- Oi, Geraldo – eu falei, estranhando o homem ali – Quer alguma coisa comigo?
- Não. É com seu Celso. Ele está?
- Ainda não chegou.
- Posso esperar?
- Claro. Pega um café na copa, Geraldo.
Que ele queria?
Bem, o Celsinho chegou. Eram oito e meia da manhã e o Celsinho estava com a maior cara de ressaca. O empreiteiro se adiantou.
- Bom dia, seu Celso. Eu trouxe o leitão do senhor, tá lá no carro. Onde o senhor quer que coloque?
Hã?
Gente. Eu queria que vocês vissem a cara do Celsinho. Alguém já ganhou um porco numa segunda feira as oito da matina? O homem ficou em pânico, num terror avassalador.
- Ô Geradinho... - o Celsinho disse, coçando a cabeça - de que você está falando, meu filho?
O homem estava seriíssimo, como se estivesse concretando uma laje.
- Estou falando do porquinho que o senhor pediu, seu Celso. A leitoinha. Eu trouxe de lá de Minas e está na minha caminhonete. Vim deixar aqui para o senhor antes de ir pra obra.
O Celsinho arregalou o olho e me olhou. Como se eu pudesse salvá-lo.
- Geraldo, você... você trouxe uma leitoinha?
- Trouxe, sim senhor. Mas está viva. O senhor vai ter que matar, porque eu não sabia que dia o senhor ia fazer e tive medo de estragar.
Eu peguei na mão do Celsinho, rindo, e seguimos o empreiteiro até a garagem. Ele tremia todo. Não era possível. Quando olhamos o bicho, ele gelou mais ainda. Não era apenas uma leitoinha. Era um porco imenso, preto, peludo, quase do tamanho da caçamba. Quando o Geraldo se afastou, o Celsinho agarrou meu antebraço e falou baixinho, com voz esganiçada.
- Queeufaaaaço?
Eu ri. Olhei o bichão fedido.
- Coloca no seu Vectra, ué.
Ele disfarçou e disse pra o Celsinho que a leitôa era uma beleza, mas que ele não tinha como transportarnaquele momento, que tinha uma reunião fora, blá, blá.
Suava.
- Mas eu me arrumo até a hora do almoço, Geraldo – ele disse, ganhando um tempo – ... e te telefono na obra mais tarde...
- Sim senhor, seu Celso.
Subimos, o Celsinho transpirava de nervoso. Aquilo era um pesadelo. O que se faz com um porco vivo numa metrópole? Acho que foi nessa hora que eu percebi o quanto o nosso mundo é distante do mundo selvagem. Aquele porco era a natureza absurdamente pura e límpida diante dos nossos olhos virtuais e assépticos. Ele fedia, cagava, urrava, era nojento, inconveniente. Nós, humanos civilizados e estudados, não sabemos lidar com a natureza. Somos todos, eu, o Celsinho, uns bocós.
Ele falou com Deus e o mundo pelo telefone para tentar se livrar do porco. Todo mundo gargalhava no escritório.
Tadinho do Celsinho.
Quando era meio dia, ele declarou.
- Desisto. Eu pago qualquer coisa para alguém falar para esse Geraldinho que eu não quero esse porco nem morto! Aliás, alguém aqui me imagina matando um porco? Eu não sei nem matar lagartixa!
- Calma, Celsinho – meu sócio falou – Não precisa enfartar.
Ligamos para o Geraldo e dissemos que o Celso não ia querer a leitoa.
- Como não?
- Não cabe no freezer dele. Mas ele falou que te paga por ela.
O Geraldinho ficou super decepcionado. Como o seu Celso recusa uma leitoa dessas? Além disso, era presente, ele não tinha que pagar.
Não houve problema algum. O Geraldo e os peões mataram a leitoinha e colocaram no freezer de uma padaria na frente da obra. E no sábado fizeram a maior churrascada com ela.
E quer saber?
Me chamaram, chamaram meu sócio. Mas o Geraldo não chamou o Celsinho não.
Oras.

quarta-feira, 15 de março de 2006

O email real e o email virtual



- Oi Lúcia.
Era uma engenheira de uma obra que eu coordeno.
- Você sumiu – ela disse – Que houve?
- Eu sumi?
- Eu te mandei um monte de e-mails e todos ficaram sem resposta.
- Não. Como assim? Eu respondi a todos seus e-mails.
- Não, não respondeu. Nenhum.
- Respondi, tenho certeza!
- Não respondeu, Lúcia, eu não estou maluca.
Cheguei em casa e fui checar no Outlook. Nada. Será que sonhei? Estranho.
Eu realmente não tinha respondido nada, mas tinha certeza absoluta que havia escrito.
Absoluta!
Acho que foi em sonho, claro. Essa coisa, que parece caduquice, tem uma certa explicação. É que a cada dia passamos mais e mais tempo aqui olhando essa tela iluminada. O mundo que descobrimos aqui dentro é, às vezes, tão grande como o de fora. Eu, por exemplo, que tenho blog, acabei também arrumando amigos, conhecidos, gente de todos os lugares que vem aqui nessa minha casa para bater papo. E se a pessoa não quer falar junto com todo mundo, tem o email, tem o Messenger, tem o Skype. Micro virou um tipo de casa. Sala de visitas, sala de estar, sala de espera.
Mas tem acontecido coisas estranhas. Primeiro que tenho falado com um monte de gente ao mesmo tempo, como se estivesse na maior reunião – e não estou, estou sozinha. Abro o Skype e falo com dois, três pessoas, fica aquele vozerio aqui dentro. Depois passo a falar com outros por Messenger, e respondo emails ao mesmo tempo. Acho que quando desligo, não desligo, fico presa na virtualidade. Tem acontecido de estar no carro e lembrar de um e-mail, lembrar de um messenger, de um telefonema.
Tive uma amiga que, depois de velha e mãe, passou a jogar esses jogos medievais on line e quase pirou.
- O mais estranho é quando saio dali e entro na minha casa, com a mesa do jantar, com meus filhos, meu marido, Ao invés de achar aquilo normal - ela me disse, morrendo de rir - Eu olho e penso: ué. Onde estão os soldados? O castelo? Onde estão minhas armas? Esquisito mesmo...
Voltando aos emails da engenheira, eu sei o que houve. Devo ter pensado no email no carro ou em alguma reunião, devo ter escrito o email na minha mente, reescrito e pimba.
Enviado.
- Olha, eu te respondi sim- eu disse a ela no dia seguinte - mas o problema é que que não foi um email real, foi um email virtual. Entendeu?
Hã?

terça-feira, 14 de março de 2006

o VONSSOURA


Ela veio ontem do Rio para fazer uma reunião comigo. Faz isso quase toda semana.
- Sabe quem estava no meu vôo hoje? Jerry Adriane - ela me contou.
- Nossa, quanto tempo que eu não ouço falar nele.
- Ponte aérea tem de tudo, você sabe. Cauby, Wando...
- Já viu o Ronnie Von?
Ela começou a rir.
- Eu adorava o Ronnie Von quando era pequena! Você também?
- E quem não gostava?
- Olha, brincávamos de casinha, eu e a minha irmã. Na brincadeira, os maridos eram vassouras viradas ao contrário, ou seja, a parte que varre ficava para cima, como se fossem os cabelos. Andávamos com aquelas vassouras para cá e para lá o dia todinho – ela me contou, morrendo de rir – Bom, e a minha irmã, que é maior que eu, sempre escolhia o Ronnie Von para ser marido dela. E, por causa do topete, o Ronnie Von era sempre a vassoura de pelos. Penteávamos o topete dele direitinho, ficava lindo ...Eu tinha a maior raiva, pois tinha que escolher outro cantor... nossa, como brigávamos por aquela vassoura...

segunda-feira, 13 de março de 2006

uma festa de 15 anos



- E ai, Nani – perguntei para a minha filha – Como foi a festa?
Ela tinha ido numa festa de 15 anos no dia anterior.
- Foi legal. Daquele jeito, você sabe.
- Valsa, gelo seco, as damas de honra...
- Mãe, muito mais. Olha, deviam fazer um concurso para saber quem ganha de invencionice. Essas meninas exageram muito nas festas. Lembra daquela festa da semana retrasada que que eu te contei que a menina saiu do meio de uma nuvem?
- Lembro. E teve aquela que a menina desceu do teto, num tipo num elevador.
- A de ontem, nesse quesito, era mais discreta. Mas o resto...
- Conta.
- O lugar era legal. Música boa, diversos salões. Comida eu não sei, só vi umas coisas de padaria, tipo pão e torrada, mas eu não fui lá para comer mesmo.
- Sei.
- O absurdo veio à meia noite. Antes da valsa. Apagaram as luzes e começou um filme.
- Filme?
- É. Mandaram fazer um filme da vida dela, e quem atuava era um artista da Globo, um ator da novela das oito. Sei lá, disseram que ele era parente dela, mas se fosse parente ele estaria na festa, não acha? Não colou, acho que ele foi é contratado para fazer aquilo. Bom, o filme começou. O cara ficava falando dela, dizendo que ela era demais e tal. Em nenhum momento ele aparece ao lado dela, isso que era estranho... Uma hora ele mostrou uma foto que tirou com ela – uma, única. Ora, se ele fosse parente mesmo tinha um monte de fotos com ela, não acha? Pelo menos, sei lá, dos natais, das festas de família...
- Concordo.
- Isso foi só o começo. O filme era um longa metragem, mãe, um saco. Mais de uma hora! Bem, depois que o cara falou e falou dela, começou uma retrospectiva. Mãe, ela tem só 15 anos, nem tinha o que falar, foi a maior enrolação. E depois – você não vai acreditar – teve a parte onde ela e a mãe contavam como foi a execução da festa. Tipo assim... um... making off. Foi ai que a coisa virou baixaria.
- Como assim?
- Porque só tinha propaganda. Tá na cara que ela conseguiu desconto para aquela festa por causa daquela meia hora de filme. Que vergonha.
- Hã? Como é?
- Mãe, prestatenção que eu vou explicar. Ela ia numa loja. Aparecia uma cena dela com a mãe escolhendo o vestido, e atrás estava escrito bem grandão o nome da loja: Daslu. Depois aparecia ela escolhendo o buffet, o homem atendendo ela e a mãe, e o nomão do buffet atrás. Pimba. Depois a mesma coisa na loja das flores, na loja dos docinhos, na mulher das lembrancinhas, e até no cara que deu aula de valsa para ela. E sempre atrás dela e da mãe o lugar, a grife, a marca. O que você acha?
- Eu não acho mais nada, filha.
- A festa deve ter saído pela metade do preço.
- Quantos convidados?
- Quinhentos.
- Todos da tua idade?
- É. E Estamos no começo do ano, mãe. E todos vão fazer quinze anos.
- Putz. Bela propaganda...
- Também acho. Essa semana tem outra festa, eu te conto depois como foi. Ah, trouxe um monte de bem casados. Tem o logotipo da loja também. Quer ver?

domingo, 12 de março de 2006

o bolo



Hoje não fiz uma crônica, fiz um bolo.
Olhai. Tirei a foto dele quente, pois todo mundo come na mesma hora. Agora, nesse exato instante, ele já é um quarto do que vemos ai...
Dá um pouco de trabalho, pois eu sempre encasqueto de fazer o bolo que é receita da minha avó. Ela me ensinou quando eu era criança, é o bolo que minha mãe faz, é o bolo que minhas tias fazem.
Porém, se ela me visse fazer hoje, ia ficar uma fera. É que eu uso... batedeira. E para ela bolo se batia na mão, nunca na batedeira. Jamais! Bolo tinha que ter a mão da cozinheira. E era essa mão que fazia o bolo crescer, era essa mão que deveria ter a força para misturar os ingredientes, era essa mão que devia saber rodar sempre para o mesmo lado, era essa mão que fazia um bom bolo.
A mão, gente.
Já pensei muito sobre isso, e juro que gostaria muito de seguir a receita dela a fio. Não é preguicite minha, não. O problema é o primeiro passo da receita, que diz "misturar a manteiga e o açucar até virar um creme". É que a manteiga de hoje é muito dura, gente, tenho até que cortar com faca. Assim, no início, decido bater apenas a manteiga com a batedeira, mas quando vejo já fui até o fim com ela... Perdoa, vó...
Não acho que ela me tira tanto a "mão". Olha que bolo mais legal esse. Aliás, que belo termo. dá o maior samba:
"Ter mão para bolo".
Não acham?

sábado, 11 de março de 2006

um bum-bum eterno?

(ah, eu adoro essa crônica!)
Gente. Meus peitos estão diminuindo. Eu notei esse estranho fato outro dia. Eu era bem mais peituda quando era mocinha, eu tenho certeza disso. Será que é da idade? Das gravidezes dos filhos? Do monte de regime que eu invento de fazer? Ou algum será efeito colateral causado pelo uso excessivo de adoçante no café?
Minha filha não me deu muita bola.
- Pára de reclamar e coloca silicone logo, mãe. As mães das minhas amigas todas já colocaram, sabia?
Todas? No dia seguinte veio uma mãe aqui buscar uma menina. Fui lá fuxicar se era verdade. Cumprimentei e dei uma olhadinha (discretíssima) no decote. Uau. Que peitão enorme! Meu olho estatelou ali, mas juro, foi de susto! Acho que ela deve ter percebido e não gostou, pois não quis papo. Se despediu e foi embora rapidinho.
Acho que não teria coragem não. Tenho uma certa “aflição” de me imaginar com um peito falso, enorme e suntuoso como aquele.
Mas hoje em dia todo mundo só pensa em colocar silicone. Silicone ali, silicone ali, como se o corpo da gente fosse uma massinha de modelar. Virou moda, as pessoas colocam silicone como colocam uma blusa, uma calça ou um sapato. Não quero ficar falando se acho certo ou errado, feio ou bonito, bacana ou não. Acho que a gente deve fazer tudo que tiver vontade para se sentir melhor. Depois, para pessoas que realmente precisam, colocar silicone é coisa muito útil.
Mas às vezes acho que usar silicone é tão esquisito quanto... usar dentadura, sabe?
Uma vez tive uma empregada que usava dentadura. Tinha só 25 anos.
- Nossa. Como foi que você perdeu todos os seus dentes? - eu perguntei à ela.
- Eu não perdi – ela me disse – eu tirei.
- Tirou?
Ela me explicou, resolvidíssima.
- Tirei todos os meus dentes para colocar essa dentadura. A senhora veja como os dentes da dentadura são melhores, mais bonitos, mais branquinhos...
Gente, não é a mesma coisa? Os peitos e bundas de silicone não são tão falsos como dentadura e peruca? Além disso, as pessoas acham o fim da picada usar roupas e acessórios de grifes falsificadas, mas não acham errado usar um... peito falso? Uma bunda falsificada, que nem é de carne humana?
- Eu não coloco silicone nem morta – me disse uma amiga.
- Não?
Ela cochichou baixinho.
- Não que eu ache feio. Mas é que silicone não apodrece, sabia? Não é biodegradável, essas coisas.
- Hã?
Eu não estava entendendo mais nada.
- Vou explicar. Já imaginou se eu... pimba, morro?
- Morre? Por causa do silicone?
- Não, não, morro por qualquer motivo. Morro e sou enterrada. Pensa só. Daqui a uns anos meus parentes precisam me exumar, abrem o caixão, eu todinha já virei pó menos... a minha bunda? Que vergonha! Deusmelivre, imagina com que imagem que eu vou ficar para a posteridade!
Concordo. Por mais que a gente queira ter uma bunda boa ou um peito bacana, acho que não agrada a ninguém ter uma bunda tão... eterna, não é?
Enfim, mas, pelo sim, pelo não, resolvi consultar o meu marido, afinal ele também seria um dos interessados nos peitos grandões. Será que ele gostava da idéia?
- Zé, eu estava pensando numa coisa.
Ele estava lendo jornal, nem se mexeu do lugar.
- Hã. Fala.
- Olha só. Eu já tirei o aparelho, já acabei de arrumar os dentes. O que você acha se eu colocasse agora, assim, uns... peitões de silicone?
Ele nem prestou atenção no que eu disse. Apenas bocejou e respondeu.
- Uããã... colocar aonde, Lú?
Isso que dá estar casada há tanto tempo, gente.
- Ah, Zé, nada, deixa para lá. - eu me lembrei da minha amiga e completei a frase - depois eu morro...

sexta-feira, 10 de março de 2006

vídeo game




- Mariaaa!
- Oi.
- Cadê o João? Está na hora dele ir na aula de inglês.
- Ele tá se salvando.
- Ah.

E gente, hoje tem crônica nova na paradoXo, na minha coluna falaverdade!: "o selinho da banana".
Vão lá conferir!






(imagens gentilmente enviadas pelo queridíssimo betão)

(e ilustração gentilmente feita pelo querido zérramos! valeu, zé!)

quinta-feira, 9 de março de 2006

a Lu, a Ju, a Bru, a Pá, a Dri, a Lá, a Pri



Ela estava há horas no MSN com as amigas no computador do Zé, que fica atrás do meu. De repente, voltou-se para mim.
- Mãe.
- Fala, Nani.
- Sábado. Você não esqueceu que sábado tem a festa da Luiza, né? Eu te falei na semana passada.
-É, você deve ter falado, não me lembro. Você já me falou de mais de doze mil festas esse ano, Nani.
- Não tenho culpa que todo mundo da minha classe faz quinze anos no mesmo ano.
- Tá, tá. Que é que tem a festa da Luiza?
- Então, eu combinei assim. Você leva eu, a Pá, a Dri e Bru. Eu volto com mãe da Pri, mas vamos dormir na casa da Ana. Assim você não precisa buscar, como você pediu. Pode ser assim?
- Pode. Quem é que eu tenho que levar mesmo?
- É tranqüilo. É só a Dri e a Bru, porque a Paula vai estar na casa da Bru. Tudo perto.
- Tá bom. Alívio, não tenho que ir buscar ninguém no Campo Belo nem em Alphaville. É quando mesmo? Sexta ou sábado?
- Sábado. Ah. E não esquece que eu não tenho bolsa, eu te disse. Então eu não vou levar o celular se a gente não comprar uma bolsa decente. Já pensei, a gente podia ir amanhã a noite, que é sexta depois que eu voltar da casa da Bru.
- Que tem a minha bolsa? Aquela que eu sempre usei em casamento?
- Ai, mãe. Tosca. De velha.
Ela se virou para o computador e começou a digitar furiosamente. Mas parou, pois se lembrou de alguma coisa.
- Ah, manhê.
- Que foi?
- Não esquece que semana que vem tem show do Oásis.
- Tou sabendo.
- Vou direto da escola, eu e a Lalá. E quem vai levar a gente é o pai da Lu. A gente vai almoçar e vamos direto pra lá, encontrar a Lu e o pai dela.
- Há. O pai da Lu vai ficar lá na pista com vocês desde o início da tarde? Duvide-o-dó.
- Vai. Ai, mãe, que saco, você sempre duvida de mim. Tem pai legal, que não implica que nem você. Nesse dia a gente vai dormir na casa da Ana. Tá lembrada? Eu falei e não reclama, que nesse dia você não vai ter que fazer nada, pensa. Nem levar, nem buscar.
- Não estou reclamando, Nani. Mas você sabe que é quinta é dia útil e nem pensar em faltar na escola na sexta.
- Ninguém vai faltar, a mãe de ninguém deixou.
Ela respirou fundo e continuou.
- E na sexta que vem, nessa sexta ai depois do show, tem a festa da Ju. Aquela, que eu te disse que é super chique e que eu não tenho roupa. Que preciso de um vestido urgente.
- E que eu já disse para você ir com o mesmo que não tem cabimento comprar tanto vestido. Ai, que zona. Ei, nessa eu vou levar vocês também?
- Ah, mãe, ai é que eu não sei... Vou tentar segurar a sua barra, mas já te expliquei... Tooodas as mães querem só levar, é a parte mais fácil,né? Então a gente está fazendo um tipo de um rodízio, cada vez uma mãe busca, mas uma hora vai chegar a sua vez, né? Então presta atenção, é um saco, você nunca entende nada que eu falo, eu tenho que falar mil vezes: na festa da Luiza, essa, agora nesse sábado, você leva. Eu falei que você leva também na da Ju, que é naquele buffet perto da marginal, mas na da Carol, que é no final do mês, você vai ter que pegar. Não vou conseguir segurar sua barra mesmo...
Eu suspirei em silêncio.
- Maiêêê. Prestou atenção?

quarta-feira, 8 de março de 2006

a porta da geladeira


Foi a Sheila que começou.
Semana passada ela postou a porta da geladeira da casa dela. Fiquei um tempão olhando. Que sensacional. Acho que a gente descobre muito mais da vida das pessoas reparando nessas pequenas coisas do cotidiano do que conversando horas. A Sheila mora na França, óbvio que a vida e a porta da geladeira dela é diferente das nossas. Uma das coisas mais curiosas que notei foi que os imãs dela não são de propaganda. Aqui, 99% dos meus atualmente são. Bem, e um pouco envergonhada confesso que além disso a porta dela é infinitamente mais bonita e decorada que a minha, que é esse desastre.
Se não me engano, essa coisa de imã de geladeira surgiu no meio do século passado. Óbvio que alguém deveria desenvolver uma pesquisa a respeito. Imagine a vida que existe por trás dos imãs e portas. Quando começou foi uma moda meteórica, que veio com tudo. A gente via nos filmes americanos aquelas portas cheias de imãs e queria ter uma igual. Aqui no Brasil a gente só achava imãs artesanais, meio capengões, de madeira, fibra. Uma vez viajei para os Estados Unidos e voltei cheia de imãs para dar de presente. Lembro do primeiro imã de geladeira da minha mãe. Era uma arara. Ela tem até hoje, é um clássico, um dia valerá milhões. Depois ela comprou um tomate e uma bananas. Esses não sei onde foram parar.
Quando me casei, lembro de comprar alguns imãs para a minha primeira geladeira, que atualmente está na área de serviços e serve de reserva. Primeiros foram uns peixes, depois um Elvis Presley. O Zé comprou uma vez uma jaca, que era pesada demais e caia a cada abertura de porta. Ô saudade da jaca. Depois vieram as estrelinhas, uma boneca Emilia com uma cara de flor. Os meus filhos nasceram, e, quando eles choravam eu levava para frente da geladeira para eles acalmarem.
- Olha o peixinho. Tititi. Olha o gatinho. Miau, miau. A bonequinha.
E a noite, quando eles não dormiam e eu passeava com os bebês no colo pela casa, o Zé me lembrava.
- Não passa na frente da geladeira que ele distrai e ai que não dorme.
Depois minha geladeira ficou entulhada de letras e números, que um dia uma das crianças ganhou de presente. Era o alfabeto e uns números avulsos, coloridos, que ficavam todos lá em baixo, quase no chão, ao alcance deles. Eram grandes para não serem engolidos, acho. Mas todos esses imãs, por causa das brincadeiras e excesso de uso, já não existem mais. Acho que alguma estatística deve mostrar o tempo médio de vida de um imã de geladeira. Não deve ser mais de dez anos.
Há uns sete anos trocamos de geladeira. Fiquei pasma quando chegou a nova. A porta da frente era de plástico.
- Zé, como a Brastemp pode fazer isso? E os imãs? Esses caras não tem a menor noção.
Bom, a partir desse dia e até hoje, uma vez que esse não era um motivo para devolver a geladeira, eu tenho uma porta de geladeira lisa e um “lado” de geladeira com imãs e coisas. Um lado!
Desde esse dia também eu iniciei um protesto e não comprei mais imãs. Ora. Pra colocar de lado? Onde que já se viu? É uma frustração ter uma geladeira com a frente de plástico. Como o modelo da minha é comum, provavelmente nessa época deve ter havido uma grande baixa no comércio de imãs. Mas em compensação, passei a acumular um monte de imãs de propaganda. E, uma vez que não havia mais aquele capricho, veja como ficou o meu “lado” de geladeira hoje. Um caos.
Um verdadeiro caderno de classificados.
E está ai, para quem quiser ver, a minha vida estampada nessa lateral de ferro. Dizem que a casa é o espelho de quem mora. Se assim for, a porta da geladeira é a íris desse olho.
Ah. Quase esqueci. E lá em cima, sempre, firme, presente e sempre perfeito, meu São José.


Meninas, feliz dia de hoje e boas geladeiras ao longo das suas vidas.

terça-feira, 7 de março de 2006

um post para pecus

(essa é uma foto não-embaçada tirada com a máquina embaçada do albertão)

Esse é o Albertão, do carne crua, preparando um carpaccio rústico, selvagem e temático num delicioso encontro de amigos dos blogs proporcionado pelo Pecus ontem a noite. E de repente, um bando de gente completamente virtual virou gente de verdade e se divertiu muito. Teve o Edu do Itamambuca, teve eu aqui do frankamente, teve o guga ao cubo, teve a ju respirando pela barriga, teve o jayme dizendo assim, teve a ana, o márcio, teve a minha querida anna dos dois ennes, teve o parangolé, muitos outros amigos e até o nosso famoso "peri s. copio", que mostrou quem era (... peri, se você ainda quiser manter o anonimato podemos negociar as fotos, obviamente...).
Muito obrigada pela noite tão legal, Pecus Bilis.
Todos agradecemos.

a sem-férias


- Nesse carnaval eu ia trabalhar, mas estou tão cansado que resolvi ir para a praia descansar um pouco.
- Nossa, eu também. Estou um bagaço. Preciso muito descansar. Muito.
Esses são dois amigos meus conversando antes do carnaval. Diziam entre si que estavam exaustos, esgotados, exauridos e precisavam descansar, descansar, descansar. Os dois se mandaram para uma viagem de uma semana e voltaram só ontem.
Sei lá, viu. Os dois são saudáveis, fortes, bem alimentados, tem empregos, família. Pra que será que as pessoas precisam tanto descansar exatamente nas vésperas de férias, feriados e dias santos? De onde vem tanta canseira, exaustão e esgotamento?
Gente, será que a humanidade está pifando?
Olha, acho que as pessoas mentem. É, mentem, inventam, exageram o cansaço para justificar a quantidade de viagens que fazem ao longo do ano. É óbvio que as pessoas não precisam viajar tanto tempo e nem tantas vezes apenas para descansar. Muitas das viagens são apenas vagabundagens, para ficar a tôa, mas ninguém assume isso.
- Preciso descansar – dizem.
E depois dessa frase, alguém tem coragem de duvidar?
O meu avô, por exemplo. Deve ter tirado férias apenas umas duas vezes na vida. Praia? Acho que uma vez só e olhe lá, nem sei se algum dia colocou uma sunga, nas fotos ele sempre estava vestido. Não me lembro dele reclamar de cansaço na vida – e olhe que ele morreu bem velhinho, trabalhando. As minha outra avó acho que nunca tirou férias. O meu pai, que morreu cedo, nunca pegou um avião, nunca foi ao nordeste - descansar era, para ele, uma atividade quase diária, em casa. Não que as pessoas não trabalhassem naquela época. Acho apenas que elas não pensavam tanto em descanso.
Hoje é uma maluquice. A nossa sociedade é toda fundamentada no fato das pessoas se cansarem e precisarem de férias. E, por trás das férias, existe um mundo. Empresas, hotéis, profissionais. Aliado a isso, uma infinidade de gente que adora consumir.
- Descansou no carnaval?
- Nossa. Um monte!
Mas a questão não são as férias, obviamente. O problema é o excesso de cansaço. Tá todo mundo cansado demais. Pensa bem - férias são coisas inventadas pelo homem. O homem nasce e, para viver, precisa comer, precisa beber, precisa respirar. Mas não vem de fábrica precisando de... férias. Isso foi uma coisa inventada pelo homen. É claro que é possível viver a vida toda – como meu avó e como muita gente – sem férias nenhuma. É isso que me intriga – esse súbito “cansaço” da humanidade me parece meio... forçado.
Ichi. Isso tá parecendo discurso de sem-férias recalcada. “Lá vem a branquela e estressada da Lúcia para estragar nosso barato”. Tá, tá, eu não tiro muitas férias mesmo. E deve existir, lá no fundo da minha teoria, um tantinho de implicância sim. Mas não agüento mais ouvir em tudo quanto é canto que as pessoas estão “muito cansadas”, “muito, muito cansadas”, ou “muito, muito, mas muito cansadas” e que por isso precisam de férias.
Bom, pensando bem... que discurso mais chato.
Acho que preciso de férias.

segunda-feira, 6 de março de 2006

a infância e ponto final



- João, quer ir ao cinema com a gente? – perguntou o Zé para o João, nosso filho menor.
- Só eu e vocês dois?
- É. Teus irmãos têm outros programas. Quer?
- Oba.
Ele nunca tem chance de sair só com a gente.
- Que filme vamos ver?
- Um do Woody Allen – o Zé respondeu – "Ponto final".
- Quem é esse cara?
- Um cineasta. Da nossa geração.
No meio do caminho, ele pega a revista da Folha e começa a folhear.
- Que foi, João? – perguntei.
- Estou vendo pra quantos anos que o filme é proibido.
- Ichi. Tinha esquecido disso – notei.
Ele olhou a revista.
- Dezesseis, mãe. Olha aqui. E eu tenho doze.
- Bom, João, mas você está com a sua mãe e o seu pai. Com mãe e pai pode entrar – expliquei – Fica frio que ninguém vai te barrar.
- O problema não é esse, mãe. É que o papai me falou que ver filme proibido estraga a infância.
Eu olhei pra o Zé e cochichei.
- Você falou isso?
- Não sei. Será que eu falei? – o Zé respondeu, sem graça.
- Ele tá dizendo que você falou.
- Bom, então é melhor a gente ir ver outro filme.
Eu conjecturei.
- Zé, o João já viu Cidade de Deus.
- Sério?
- Viu. Comigo do lado, eu expliquei tudo. Vimos até o making off - lembrei - Até eu me desimpressionei com o making off e perdoei o Meirelles.
- É. Cidade de Deus é bem violento.
- Eu sei.
Eu me lembrei de outra coisa.
- Zé. Ele também viu Carandiru, sabia?
- Quando?
- Outro dia. Mas também foi comigo do lado, explicando. E... bem, ele também viu "Apocalipse Now". Esse ele viu sozinho, escondido, eu descobri. Mas depois dei uma bronca.
- Nossa. "Apolipse Now" é muito violento...
- Bom, Zé... bem, depois disso eu não acho que é o Woody Allen que vai estragar a infância dele.
Ele me olhou, concordando.
- Tem razão. Vamos embora.
O João olhou para nós dois.
- Eu vou, mãe?
- Vai, João. Se tiver alguma cena forte eu tapo seus olhos.
- E a minha infância?
- Eu e seu pai decidimos que Woody Allen, com pai e mãe junto, não estraga infância de ninguém.

domingo, 5 de março de 2006

gondolas arrumadinhas


Ontem eu coloquei aqui uma pergunta: alguém me explica porque um pouco antes da páscoa é tradição nos supermercados colocar todos os ovos de chocolate pendurados acima das nossas cabeças, em todos os corredores, criando um grande escuridão e um sensação de abafo total?
Ichi, gente, acho que retiro aqui publicamente essa pergunta.
E não estou ganhando um tostão e nem ovo com isso.
Vou explicar.
Eu vou toda semana no supermercado. Aqui em casa eu e o Zé temos um acordo de divisão de obrigações chatas. Só para resumir, além dos outros itens, os carros são do Zé e supermercado é meus. Olha, é um saco fazer supermercado toda a semana, mas é melhor do que ter que lembrar do IPVA, levar no mecânico, fazer revisão e até ficar sem carro. Sim, porque 'ficar sem carro' é incumbência de quem cuida dos carros.
Há anos (e bota ano nisso) que eu faço supermercado aqui em casa. No começo eu me virava pelos caminhos – ao sair do trabalho eu passava em algum lugar e comprava algumas coisas. Depois a família cresceu e foi preciso reservar uma hora da semana só para o supermercado.
Uma época algumas pessoas me convenceram a fazer supermercado nos hipermercados. Engraçada a frase, mas é isso mesmo. Diziam que era mais barato e mais prático, que tinha mais “variedade” e “menor preço”. Ta´, tá. Tudo isso é verdade, mas eu desisti por outro motivo. Ah, confesso. Tinha que andar muito lá dentro. Pensando bem, desisti dos hipers por pura preguiça. Eu bocejava ao me lembrar o quanto teria que andar lá dentro para encher aquele maldito carrinho.
Desde então passei a ir ao Pão de Açúcar aqui da esquina. É velho, pequeno e apertado, mas pra mim está ótimo. Foi lá que ontem pela manhã eu vi os ovos pendurados. Porém, a cada dia que vou, fico mais espantada com uma coisa.
A bagunça.
Não é que o supermercado seja bagunçado no mau sentido. Existe lá dentro uma visível rede de encaminhamentos e ações que me parecem completamente caóticas, apesar de, sempre, no final dar tudo certo.
Mais ou menos o seguinte. Eu sempre vou no sábado, que é um dia cheio. Nunca vi o mercado sem engarrafamento de carrinhos, já tive que fazer manobras incríveis, já dei trombadas e já deixei um monte de coisas caírem no chão. No caixa, sempre fico desesperada: vejo todas as minhas coisas saírem do carrinho e serem colocadas em sacolas e caixas e outros carrinhos numa rapidez incrível. Perco tudo de vista, não sei para onde vão, bem na hora que tenho que pagar. Daí começa uma zona maior ainda: enquanto eu pago, a fiscal de caixa é acionada, acaba a bobina, a música toca, eu entrego o cartão do estacionamento para o menino, dou a chapa do carro e modelo e cor, as compram somem, a caixa me fala que tenho cupons a retirar, eu entro numa fila, o auto falante chama alguém, minha bolsa está aberta, eu não tenho caneta para escrever no cupon, corro para o meu carro, como é mesmo a cara do menino e onde eu parei?
E de repente, está tudo ali. Sábado após sábado, mês após mês, ano após ano e tudo, no meio daquela bagunça incrível, dá certo.
Certinho.
Porque na verdade, gente, não há bagunça alguma. Foi isso que eu descobri hoje. Eu vejo uma bagunça que não existe, é a minha cabeça que vê bagunça onde tem uma enorme organização.
No meio das respostas à minha pergunta, um leitor, o Peri, respondeu uma coisa curiosa. Disse que os ovos ficam ali, pendurados nos corredores simplesmente porque não tem onde ficar. Não tem lugar para aquele monte de ovos nas prateleiras. Então eles penduram, ele disse.
Ora, mas é claro. De novo, eu, a implicante chata, fui pega de surpresa e estou aqui com a maior cara de tacho. Obviamente que a coisa funciona e funciona muito melhor ainda nessas horas de caos, como é a páscoa e o natal. Onde colocar aqueles ovos todos, que tem formatos completamente inimpilháveis, a não ser no teto, pendurados?
Além de ser uma ótima solução, confesso – é coisa de gênio.
Passo esse domingo então com essa questão na cabeça. Porque eu vejo o caos onde não há caos? Por trás daquela bagunca, há gondolas arrumadinhas. E por trás dessa mulher arrumadinha aqui...
Bem, acho que quem é caótica, afinal de contas, sou eu...

sábado, 4 de março de 2006

oi, coelho


Alguém me explica porque um pouco antes da chegada da páscoa é tradição nos supermercados colocar todos os ovos de chocolate pendurados acima das nossas cabeças, em todos os corredores, criando um grande escuridão e um sensação de abafo total?

sexta-feira, 3 de março de 2006

a vizinha e os presentes

(atenção: você também pode ler essa crônica na revista paradoXo - clique aqui )

Ela tinha acabado de se casar. A casa ainda cheirava a tinta, a reforma tinha acabado, mas os móveis ainda não ocupavam a sala.
- Não repara, só o quarto e a cozinha que ficaram prontos a tempo... – ela disse, dando risadinhas – os sofás chegam até o final do mês, a mesa de jantar vem essa semana.
Olhei ao redor. Tudo caprichadérrimo. Branquinho. Limpinho. Clean. Moderníssimo.
- É... é você que está decorando?
Explicou que não, tinham contratado um decorador. Falou o nome, era um cara famoso. Eu conhecia?
- Sim, claro – respondi, sem entrar em detalhes.
- Ah. Ele é o máximo - ela disse – Um fofo. Ficamos super amigos.
Era a vizinha do andar de cima de um cliente meu. E eu não estava ali para papear, mas para resolver um assunto chatérrimo: a tal reforma que ela e seu decorador fofo fizeram fez causou um vazamento enorme no banheiro de baixo.
- Olha, mas fica tranqüila – ela me disse, educadamente - Eu vou pedir para o meu engenheiro ir até lá, dar uma olhada e resolver esse problema, tá?
Antes de sair, ela me ofereceu um café. Aceitei. Ela saiu da sala ticando os saltos no piso de madeira novinho para pedir à copeira. Olhei ao redor. A casa estava entulhada de caixas.
- São presentes? – perguntei quando ela voltou.
- São. Ganhei de casamento.
- Que delícia. Você ganhou muita coisa... – comentei, sendo gentil – São presentes bonitos?
- Ah. Isso eu não sei.
Estranhei.
- Você não abriu?
- Abri, claro, até fiz a lista para agradecer... – e ela hesitou - Mas não sei se são... bonitos. Estou esperando o decorador olhar. Ele que vai me dizer, entende?
Não entendi.
- Como assim? O que tem o decorador a ver...
Ela me interrompeu.
- Ele está na Europa e chega semana que vem. Disse que vai olhar tudo e dirá se é bonito – diante da minha cara pasma, ela emendou, na maior naturalidade, olhando as caixas fechadas – E só daí eu vou saber se devo trocar.
Por um instante eu fiquei completamente muda. O que falar para aquela mocinha loira, elegante, sorridente e tão segura da sua falta de gosto?
- Mas... você... você gostou ou não?
Ela exclamou como se não houvesse outra coisa a dizer.
- Ah, não dá para saber, né? Eu não entendo de decoração, nem de presente!
Pois esse é o mundo que vivemos. Assim como essa moça, existem milhares de mulheres incapazes de dizer se gostam de um presente ou não. Nunca uma coisa me pareceu tão despropositada. Os presentes foram comprados para ela, por amigos dela, e ela é incapaz de dizer se gosta. Mundo mais absurdo, esse nosso.
Fico espantada ao ver como, a cada dia, estamos cada vez mais longe da capacidade de simplesmente viver. Como a humanidade pode transformar uma coisa deliciosa que é ganhar um presente num enigma a ser decifrado por um decorador fofo? Podemos transferir o nosso gosto pessoal para um desconhecido?
Não sei, mas acho que faz parte do homem escolher, selecionar, dizer se gosta. São essas diferenças que fazem cada um de nós únicos, exclusivos. Tá, hoje se consome tudo, mas é estranhérrimo alguém consumir “gosto pessoal”. Consumir coisas, férias e assuntos ainda vá, mas... gosto?
Mas a mocinha em questão consumiu o decorador da moda, o seu “bom gosto” e sua capacidade de julgar. Se as coisas forem desse modo, daqui a pouco não saberemos mais comprar roupas, escolher comidas e sequer achar nossos parceiros.
- É seu namorado?
- Ainda não sei, estou esperando meu decorador decidir. Você sabe, eu não entendo de homens...
Sai dali chocada. Na minha opinião, nossa casa é nosso refúgio, nosso canto, nosso espelho. Não consigo entender uma casa que você não tem domínio. Onde essa moça vai rir? Onde vai chorar? Nesse enorme teatro, provavelmente eu deveria perguntar isso ao decorador.
Ah, o vazamento? Bom, o engenheiro foi olhar e arrumou. Muito antes do decorador decidir se ela deveria gostar dos presentes ou não...

quinta-feira, 2 de março de 2006

a gaveta de meias


Eu queria falar um pouco mais sobre esse assunto das crônicas anteriores. Sobre arrumação, organização, arquitetura e a vida.
É que eu noto que essa mania de arrumação, se não é das mulheres, incomoda muito mais a elas que aos homens. Não que isso seja uma regra, aliás, já conheci homens com manias absurdas de limpeza e arrumação. Um dia comentei esse fato com uma amiga, que me contou que o ex-marido, maníaco por arrumação, dobrava cuidadosamente toda roupa suja para colocar no cesto. Depois dessa revelação, nunca perguntei o motivo da separação.
Tá na cara, né?
Na minha infância convivi muito só com mulheres, pois perdi meu pai cedo e não tive irmãos homens. Minha casa era arrumadinha, minha mãe sempre nos ensinou a colocar as coisas em ordem, e, se minha irmã durante um tempo foi bagunceira, era apenas um “tipo” que ela fazia: numa certa época era o máximo você ser hippie, rasgada e ter um quarto muito zoneado.
Mas o que conta é a formação. Se estou em qualquer lugar e vejo um papel no chão, levanto e pego. É disso que eu falo. Existe dentro de nós, mulheres, um lado organizado muito forte. Está na nossa alma, eu acho. Por mais que tentemos não nos incomodar com a bagunça, nos incomodamos. Não sei bem, mas tenho a impressão que uma bagunça muito grande em casa está ligada a uma bagunça muito grande na vida.
Assim, impossível não associar uma coisa à outra. Quando a minha vida está muito zoneada, fico aflita e passo a arrumar gavetas, armários e estantes, começo a colocar os lápis de cor na ordem do arco íris, nivelo as lombadas dos livros das estantes. Não é coisa de gente maníaca não - é apenas uma atitude de uma mulher confusa. É como se, ao não conseguir atingir a organização na minha vida real, emocional e sentimental, eu precisasse compensar de alguma forma. Minha atividade predileta nesses momentos da vida é arrumar gaveta: você tira do armário, arruma fora dali, recoloca e fecha.
Plim.
Talvez isso explique a quantidade de armários, gavetas e estantes que existem nas casas de hoje. Há cinqüenta anos, havia o armário do quarto, o aparador da sala e os armários na cozinha. Hoje temos uma infinidade de roupeiros, estantes, louçarias, despensas e armários embutidos em todos os cantinhos. Existem empresas que você contrata só para isso – eles transformam toda sua casa num grande armário, você coloca tudo no lugar e esconde toda a sua insegurança. Uma casa cheia de armários é uma terapia para uma mulher moderna. Noto que em toda reunião de projeto surge uma voz feminina que sempre alerta: ei, mas falta armário!
Falta armário? Pode ser. Mas talvez também falte carinho, amor, idéias, metas, sonhos, fantasias e mais um monte de coisas. Mas fazer armários e gavetas, sabemos, é a parte mais fácil de resolver.
Mesmo sabendo disso tudo, ainda adoro arrumar gavetas. A satisfação que sinto depois de arrumar é inacreditável. Eu chego a voltar, abrir de novo e olhar minha arrumação. As vezes me vejo no trânsito e me lembro da minha gaveta de meias. Sorrio. O trânsito está parado, eu estou cheia de problemas, triste, sem grana, sem tempo e atrapalhada.
Mas a gaveta de meias, ah, a gaveta de meias está perfeita.