quarta-feira, 8 de março de 2006

a porta da geladeira


Foi a Sheila que começou.
Semana passada ela postou a porta da geladeira da casa dela. Fiquei um tempão olhando. Que sensacional. Acho que a gente descobre muito mais da vida das pessoas reparando nessas pequenas coisas do cotidiano do que conversando horas. A Sheila mora na França, óbvio que a vida e a porta da geladeira dela é diferente das nossas. Uma das coisas mais curiosas que notei foi que os imãs dela não são de propaganda. Aqui, 99% dos meus atualmente são. Bem, e um pouco envergonhada confesso que além disso a porta dela é infinitamente mais bonita e decorada que a minha, que é esse desastre.
Se não me engano, essa coisa de imã de geladeira surgiu no meio do século passado. Óbvio que alguém deveria desenvolver uma pesquisa a respeito. Imagine a vida que existe por trás dos imãs e portas. Quando começou foi uma moda meteórica, que veio com tudo. A gente via nos filmes americanos aquelas portas cheias de imãs e queria ter uma igual. Aqui no Brasil a gente só achava imãs artesanais, meio capengões, de madeira, fibra. Uma vez viajei para os Estados Unidos e voltei cheia de imãs para dar de presente. Lembro do primeiro imã de geladeira da minha mãe. Era uma arara. Ela tem até hoje, é um clássico, um dia valerá milhões. Depois ela comprou um tomate e uma bananas. Esses não sei onde foram parar.
Quando me casei, lembro de comprar alguns imãs para a minha primeira geladeira, que atualmente está na área de serviços e serve de reserva. Primeiros foram uns peixes, depois um Elvis Presley. O Zé comprou uma vez uma jaca, que era pesada demais e caia a cada abertura de porta. Ô saudade da jaca. Depois vieram as estrelinhas, uma boneca Emilia com uma cara de flor. Os meus filhos nasceram, e, quando eles choravam eu levava para frente da geladeira para eles acalmarem.
- Olha o peixinho. Tititi. Olha o gatinho. Miau, miau. A bonequinha.
E a noite, quando eles não dormiam e eu passeava com os bebês no colo pela casa, o Zé me lembrava.
- Não passa na frente da geladeira que ele distrai e ai que não dorme.
Depois minha geladeira ficou entulhada de letras e números, que um dia uma das crianças ganhou de presente. Era o alfabeto e uns números avulsos, coloridos, que ficavam todos lá em baixo, quase no chão, ao alcance deles. Eram grandes para não serem engolidos, acho. Mas todos esses imãs, por causa das brincadeiras e excesso de uso, já não existem mais. Acho que alguma estatística deve mostrar o tempo médio de vida de um imã de geladeira. Não deve ser mais de dez anos.
Há uns sete anos trocamos de geladeira. Fiquei pasma quando chegou a nova. A porta da frente era de plástico.
- Zé, como a Brastemp pode fazer isso? E os imãs? Esses caras não tem a menor noção.
Bom, a partir desse dia e até hoje, uma vez que esse não era um motivo para devolver a geladeira, eu tenho uma porta de geladeira lisa e um “lado” de geladeira com imãs e coisas. Um lado!
Desde esse dia também eu iniciei um protesto e não comprei mais imãs. Ora. Pra colocar de lado? Onde que já se viu? É uma frustração ter uma geladeira com a frente de plástico. Como o modelo da minha é comum, provavelmente nessa época deve ter havido uma grande baixa no comércio de imãs. Mas em compensação, passei a acumular um monte de imãs de propaganda. E, uma vez que não havia mais aquele capricho, veja como ficou o meu “lado” de geladeira hoje. Um caos.
Um verdadeiro caderno de classificados.
E está ai, para quem quiser ver, a minha vida estampada nessa lateral de ferro. Dizem que a casa é o espelho de quem mora. Se assim for, a porta da geladeira é a íris desse olho.
Ah. Quase esqueci. E lá em cima, sempre, firme, presente e sempre perfeito, meu São José.


Meninas, feliz dia de hoje e boas geladeiras ao longo das suas vidas.

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