terça-feira, 31 de janeiro de 2006

bam bam bam Brasil!



Estamos em época de BBB (Big Brother Brasil) e eu não preciso falar que assisto e adoro. As minhas razões são inexplicáveis de forma inteligente, não vou ficar aqui me defendendo, mas adoro ver aquele laboratório de interação humana. Aquilo é uma experiência de puro relacionamento, afinidades e empatias, uma vez que as pessoas envolvidas não tem qualquer trabalho, assunto ou atividade. Resta apenas um se relacionar com o outro diante das câmeras. O que vemos são temperamentos, personalidades, ações e instintos em estado puro.
Mas quem liga para câmeras hoje em dia? Tem câmera em tudo quanto é canto, até dentro da casa da gente, ora. O que eu não entendo é porque, com tanta câmera no mundo, como até hoje ninguém colocou uma câmera lá no Lula?
É, gente, lá no Lula, lá, em Brasília, claro!
Alguém tem que colocar uma câmera no palácio da Alvorada, outra no Planalto, outra no carro e outra no avião, óbvio. O Lula, assim como qualquer presidente do Brasil que seja votado pelo povo, no mundo de hoje, com as tecnologias que temos, tem que ser visto o dia todo pelos seus eleitores!
Analisemos com calma. Não tem porquê a gente ficar assistindo aqueles desconhecidos que não trabalham numa casa falsa criada pela rede Globo. Ora. Coisa mais sem graça mesmo. Todo mundo fala que o programa é ridículo e tal. Mas pensem: teria muito sentido – e é ai que eu defendo o BBB – assistir ao Lula num canal especial –“o canal do presidente”, por exemplo – 24 horas por dia.
Assim ficaríamos tranqüilos que estamos sendo governados de maneira correta. Poderíamos ver com quem ele fala, como ele fala, como trabalha, quanto trabalha. Tudo seria público, aberto, tudo estaria nas nossas mãos. Seria o fim da roubalheira, dos subornos, dos negócios escusos. Claro, nada de câmeras nos banheiros e nem banho de sunguinha, não precisamos exagerar.
Puxa. Que idéia boa.
- Bam-bam-bam Brasil – sugeriu o Jayme, do Dito Assim – o programa dos bam-bam-bans do Brasil! Não é um bom nome?
Acho mais que isso. Num mundo onde tudo é televisionado, além de ser um direito do cidadão ver o que faz o seu presidente, isso faria com que todos os políticos descobrissem que tudo que se faz lá em Brasília deve ser feito as claras. Afinal, é preciso rever o sentido atual de “figura pública”. Em 2006, figura pública é aquela que pode ser vista com facilidade o dia todo. Hoje em dia não dá pra pensar em figura pública fora da TV.
Então gente, lanço aqui e já a campanha:

Bam – bam – bam Brasil já!
Falaverdade. Isso não seria genial?
(ps.: oba. a coisa já começou a pegar fogo, vão conferir no blog do Jayme!)

segunda-feira, 30 de janeiro de 2006

iJap


Foi ontem pela amanhã. Acordei cedo, e para não atrapalhar ninguém, resolvi ler o jornal ouvindo música no meu iPod.
Afinal, eu tenho um iPod. Maravilha.
Nada é melhor que um iPod para transformar serviços domésticos num... prazer inexplicavelmente maravilhoso. Agora eu passo a parte chata do domingo completamente feliz. Nada como ouvir iPod para lavar a louça, por exemplo. A gente esquece do mundo. Aquela água caindo, aquela música tocando.
Mas voltemos ao jornal e à música. Bom, uma hora eu me cansei um pouco da leitura e passei a mexer no iPod. Estava distraída, era domingo e passei a apertar uns botões aqui e ali, pensando na vida. Brincando. Música, intérpretes, extras, compilações, trololó, listas, trololó, trololó.
Lembrei de um amigo que me disse para usar inglês ao invés de português no idioma do iPod. Segundo ele, o português do iPod é de Portugal, e por isso tudo fica estranho. E, por uma dessas coisas que a gente nunca vai entender, ou melhor, vai, porque eu sabia que aparelhinho era meu e eu faço com ele o que bem entendo, achei a página dos idiomas e passei a trocar para ver como era. Para ver se era melhor colocar inglês ou português de Portugal, para ver como ficava em espanhol ou alemão, para... ah, para nada, gente.
Era domingo de manhã, ora.
Mas eu não sou tão craque e não tinha a menor idéia do perigo que corria. Sim, porque eu estava na beira de um abismo perigosíssimo. Vocês não imaginam, eu não imaginava.
E, obviamente, tropecei e... pimba.
Cai.
De repente todo meu iPod estava em... japonês.
Japonês!
Gente, de um instante para outro, nenhuma letra ali dentro estava em um alfabeto nosso. Tudo, absolutamente tudo ficou em japonês. E eu não sei e nem conheço uma única letra de japonês. Aliás, nem sei se aquilo é letra, palavra, sílaba ou apenas desenho. E, por estar tudo em japonês, eu não tinha a menor idéia de onde eu estava e como eu fazia para voltar. Meu Deus, que pesadelo. O que fazer? O pior foi que, no desespero, eu passei a apertar os dois únicos botões do aparelho, o do menu e o que sobe e desce desesperadamente. E me perdi mais ainda.
Depois de uns trinta segundos me debatendo, tive certeza.
Dancei. Que burrada.
Desliguei e liguei o aparelhinho de novo. Quem sabe aquilo voltava ao normal? Quem sabe eu acordava?
Nada.
Lembrei de uma história do Edu, do Itamambuca. Ele que me corrija se eu contar errado. Um dia ele fez uma viagem à Grécia, e, ao invés de ir do aeroporto direto para o hotel, pediu ao táxi para deixá-lo numa praça para passear. Como ele tinha um mapa no guia e tinha o nome do hotel, depois do passeio ele iria para lá a pé. Passeou, passeou, até que descobriu que não era tão simples assim: o mapa e o nome do hotel estavam no nosso alfabeto, mas todas as placas e referências da cidade estavam escritas em alfa-gama-beta-e-tal. Era grego! Mesmo que ele estivesse em frente ao hotel, ele jamais saberia se era a rua certa. E nem mesmo se o hotel era hotel!
Bom, eu me senti mais ou menos assim com meu iPod nipônico, que virou iJap. Eu estava num mundo sem placas, sem referência alguma. Olha, nunca pensei que a gente pudesse se perder em letras misteriosas. Aí foi que eu entendi: para caminharmos dentro de um mundo virtual temos que ter acesso aos códigos, é isso que fazemos o tempo todo: abrimos as portas, conhecemos os caminhos. Andar num iPod, num micro ou num palm é como andar numa cidade, é como fazer compras, é como visitar um museu. Sem códigos é absolutamente impossível ficar ali.
E eu, por uma distração do acaso, me perdi.
Sem dicionário.
Suspirei fundo. Era melhor pensar antes. Mas a pergunta era uma só: será que, se eu conseguisse chegar novamente naquela página dos idiomas, ela estaria em português ou japonês?
Só tentando.
Bom, desci, fiz um café e me sentei com o aparelho. Suspirei fundo e fui do zero, entrando em todos os lugares possíveis. Um a um, tentando memorizar o desenho dos lugares onde já tinha estado. Tudo japonês, tudo japonês, tudo japonês. Mas fui descendo um a um, mudando de páginas devagarinho. Até que consegui. Digamos que demorei quase uma hora, digamos que acabou a bateria do aparelho e tive que recarregar, mas agora ele está devidamente em português. E eu me livrei do pesadelo de estar num mundo sem referências.
Nossa. Como as nossas letras são importantes.

domingo, 29 de janeiro de 2006

sábado, 28 de janeiro de 2006

new franka look 1

E se eu apenas trocasse a roupa da dita cuja?
(atenção: aceito qualquer desenho, idéia, imagem, reforma, etc...)
(e porque não criar um concurso: "uma nova imagem para franka"?)

adeus, boneca

(lucia e a amiga silvia no meio dos desenhos dipticos, 2004)

Acontece que eu resolvi parar de usar a boneca da Franka. Eu sei, ela é minha companheira há dois anos, mas não aguento mais olhar para a cara dela, para aquela roupa de couro colante, para aquela pose de quem parece que vai sair correndo a qualquer momento. E depois não me sinto bem de usar uma imagem roubada da internet - a boneca é de uma personagem de quadrinhos chamada Franka mesmo, coincidentemente.
Enquanto não crio uma outra imagem, pois é importantíssimo ter uma imagem, ainda mais na net, vou colocar fotos minhas. E, céus. Como é difícil encontrar uma foto decente para ilustrar um blog.
Eu não me decido.
E enquanto não me decido, desculpem a confusão.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

fechada para sempre


Eu gostaria de conseguir dormir de janela aberta, para sentir menos calor no meu quarto-forno-sem-ar-condicionado. Mas depois de uma história que aconteceu com um colega de trabalho há dez anos, aqui nessa cidade eu só durmo de janela fe-cha-di-nha.
Eu, hein?
Esse amigo é meio gordinho e muito, mas muito calorento. Morava em Pinheiros, num apartamento pequeno e de fundos, sem muita ventilação. Conta que o lugar era um forno, o que o obrigava a dormir sem roupa e com as janelas escancaradas.
- O pior é que todos os outros prédios tem janelas viradas para mim - ele me contou, dando de ombros - Mas se os vizinhos quiserem me ver peladão, que vejam, ora. Problema deles. Eu, pelo menos, durmo fresquinho.
Um dia ele chegou no escritório reclamando dos pernilongos. Estava todo picado, um horror. Um outro colega nosso sugeriu um ventilador de teto.
- Eu tenho em casa. Refresca e espanta os bichos.
Bem, o gordinho calorento colocou o ventilador de teto lá no apartamento dele. Mas contou que mesmo assim, mantinha a janela aberta a noite toda.
- Ora, se ventilador é para rodar o ar, que rode ar novo, não ar velho-fechado, não acham?
Bem, tudo ia bem naquele verão, ele dormindo fresquinho e ventilado sem pernilongos, até um dia que chegou apavorado.
- Que foi?
- Vocês não imaginam - ele disse, branco.
Contou fazendo cara de nojo. Dormia ele com sua janela aberta, seu ventilador e lençol nem pensar, quando, provavelmente no meio da noite, entrou um morcegão no quarto. Pode ser que o morcegão sempre entrasse ali e saísse sem problemas e ele nunca tivesse reparado, mas nesse dia o bicho deu de cara com o ventilador.
A toda.
Trombou e ploft. Caiu em cima dele, que, por incrível que pareça, não sentiu nada e nem acordou. Ele conta que deve ter se virado de lá para cá na cama, mas não se lembra de nada.Mas contou que, quando acordou, sentiu uma coisa peludinha em baixo dele. Meio no meio das suas pernas. Bem, digamos,... "ali".
Estranhou. E devagarinho, olhou.
E viu.
O morcego, morto.
Um monte de sangue.
E ele em cima do... cadáver.
Esquentando aquilo. Aconchegando aquilo. Aninhando aquilo!
- Eu não gosto de lembrar! - ele disse, apavorado- Dormi a noite toda em cima dele! Éca!
Contrariado, ele passou a fechar a janela. Ar fresco nunca mais.
Eu também dormia com um vão aberto. Naquela noite, fechei para sempre.
Éca. Não sei porque fui escrever essa história tão nojenta aqui.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

recapeando os erros


Já que falei no nosso prefeito Serra, lembrei de mais uma coisa.
A prefeitura iniciou um programa de recapeamento das ruas da cidade. E esse programa resolveu incluir o recapeamento... da esquina da minha casa. Bem, o asfalto ali estava mesmo um pouco esburaquento e remendado, e, como eu contei na crônica anterior, vai ver que era isso que isso que causava tantas poças e inundações.
Eles vieram com tudo no inicio da semana. Máquinas, caminhões, cones, funcionários, fiscalizadores, piche e...
Uma faixa.
Bem, ela está ai na foto. E é dela que eu queria falar.
O que aconteceu e que li nos jornais foi o seguinte. O prefeito resolveu recapear as ruas de SP e mandou fazer um monte de faixas para colocar nos locais com as obras. Acontece que a pessoa que mandou fazer as faixas não prestou atenção e escreveu errado uma das palavras da faixa. Ao invés de escrever “asfáltico”, screveu “asfáutico”.
Ahahaha. Vergonha.
Bem, as faixas ficaram prontas, chegaram a ser colocadas até que alguém gritou: meuDeus, tá errado!
O maior vexame aquilo. Saiu no jornal, todo mundo ficou sabendo. A prefeitura mandar escrever errado uma palavra na faixa é o fim. Denigre a imagem do prefeito, denigre o serviço de recapeamento, denigre a atitude dos secretários de cuidar de SP. O prefeito fez um qüiproquó, mandou tirar tudo e corrigir.
Bom, aí que vem a parte engraçada, na minha opinião. Eles corrigiram, mas a correção ficou, digamos, mais ou menos. Embora esteja corrigida, a faixa mostra o erro. Como a letra “u” é mais larga que a letra “l”, a letra “l” ficou sambando entre o “a” e o “t”.
Reparem.
Esse erro incomoda, pois é visível. É como se a palavra não tivesse sido corrigida. Ontem, quando o sinal fechou, fiquei muito tempo olhando a faixa. Sim, ela está certa, a palavra agora tem a grafia correta, mas o erro está lá. Esquisito. Mas fazer todas as faixas de novo? Ora, seria um enorme desperdício de dinheiro. E o tempo de duração de uso da faixa não justifica. Bem, poderiam ter reimpresso a palavra toda ou a frase toda, mas não, optou-se por uma correção, afinal, está certo e dá para entender.
Existe uma singeleza na faixa errada. Nós, que estudamos, que trabalhamos, que somos instruídos, somos arrogantes, exigentes e conclusivos. Não admitimos erros, queremos apagá-los, eliminá-los sem deixar vestígios. Não sei até que ponto que isso é tão importante como achamos que é.
Pensando bem, acho que seria essa atitude que eu tomaria também, caso eu tivesse que opinar sobre esse caso. Apesar da minha tendência ao perfeccionismo, apesar de ter vergonha de apresentar meus erros corrigidos estampados no rosto, talvez essa fosse realmente a coisa mais razoável a fazer. Um erro se resolve na sua dimensão. E daí que a faixa está meio errada? Não é vergonhoso ter uma cicatriz de um erro na face, afinal, temos coisas bem mais importantes para executar. Além dos recapeamentos, temos que abrir ruas, temos que construir nossa cidade.
Há muito asfauto a percorrer. Não é?

terça-feira, 24 de janeiro de 2006

o taxista e o prefeito



O táxi chegou debaixo de uma daquelas chuvas de fim de mundo. Olha, o temporal estava muito, mas muito forte. Caia tudo do céu: granizo, galhos, folhas, água, negrume, escuridão. Aqui em casa entrou água por todas as frestas e janelas. Eu sempre fico tremendo de medo quando tem chuva muito forte, sei lá porque. Temporais me assustam.
E droga, eu tinha que sair. Depois desses temporais o trânsito fica caótico, eu estava sem carro, tinha que ir para o outro lado da cidade e acontecia de cair aquela chuva. Fazer o quê. Olhei através da grade o táxi me esperando. Ainda bem que recebo reembolso, pois a viagem ia sair quase o preço de um tanque cheio.
Esperei um pouco a diminuição do dilúvio para sair para não me ensopar toda. Mesmo assim, coloquei o pé numa poça na hora de entrar no carro.
Droga.
- Boa tarde, moço.
- Boa tarde, senhora.
- Vou para o Paraíso. No final da Paulista. Oquei?
- Simsenhora.
O homem engatou a marcha e lá fomos nós.
- Que chuva. O granizo deve ter riscado meu carro - ele começou.
- Só espero que não tenha nada inundado no caminho – eu disse a ele – ... por aqui sempre inunda, o senhor sabe...
- Iii. Aqui por perto está cheio de inundação sim senhora, mas eu resolvo – falou o homem – a senhora fique tranqüila, a gente passa.
- Tem certeza?
- Olha, dona – ele falou, inflado de orgulho – Eu não sou de frescura não. A maioria dos motoristas de hoje tem medo de poça d´água. Tudo uns frescos. Eu não tenho medo. Às vezes a água está só no meio da roda e o cara não anda, todo cheio de trique trique. Eu não. Eu ponho primeira e vou, não sou maricas. Agora, se água for além da roda, se a água estiver na porta, ai eu paro. Não por medo, mas porque estraga o carro, né?
Ele foi me mostrando.
- Olha ali. No meio da roda, pode passar. Ali. Vê ali? Uma pocinha e o bobão não anda. Bem. O problema são as bocas de lobo. Tem que tomar cuidado.
Olhei. O meu bairro estava todo inundado, cheio de poças enormes. Em alguns locais eu nunca passaria, mas aquele motorista, que não era nada “maricas”, engatava a primeira e ia embora. Valente. Um verdadeiro desbravador urbano. Me senti segura com ele.
Foi quando ele deu uma risadinha marota e me confidenciou.
- Hehehe. Antes de ir pra casa da senhora eu passei na frente da casa do Serra.
- Hã?
- Serra, o prefeito, dona – ele explicou – Como meu ponto é perto da casa dele, sempre que chove eu passo lá na frente.
- O senhor passou na casa do Serra? Mas para quê?
- Ora, para ver se inundou, ué.
- Como é? – eu fiquei confusa, que cara estranho - O senhor foi até lá para ver se a casa dele... inundou?
- É. Eu queria muito que inundasse a rua dele e principalmente a casa dele. Mas a rua dele é alta, não inunda.
- Mas moço, assim, de maldade?
- Não, dona, não é por mal não. Quem sou eu para desejar o mal de uma pessoa, Deusmelivre. Mas eu acho que às vezes é bom para um prefeito, para um governador ou para um presidente saber como se sente uma pessoa com esses problemas. Entende? Uma inundação, por exemplo. Eu não desejo mal, queria apenas um transtorno, para ele se igualar ao povão. Eu sei que a casa dele é casa de bacana, mas inundação não vê riqueza e pobreza, inunda igual. Eu acho que seria muito bom se ele visse como é, entende?
- Mais ou menos... Então toda vez que chove o senhor vai até a casa dele.
- Vou.
- E hoje o senhor antes de ir me buscar, o senhor passou lá.
- É.
- E... estava tudo bem por lá?
- É. Estava.
- Infelizmente?
- É. Infelizmente, mas no bom sentido do infelizmente, dona.
- Entendi.
- A senhora quer ir lá ver? É pertinho.
- Não, moço, não. Obrigada. Eu.. eu estou com pressa.
- Oquei. Mas se quiser, é só pedir.
Bom.
Isso que dá o cara querer ser prefeito.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2006

bons ventos



Olha, depois do final da crônica de ontem parecia que eu ia viajar, né?
Que nada.
Fico por aqui, derretendo nesse calor de São Paulo.
Olha, os cariocas, baianos e nortistas que me perdoem, mas São Paulo é a cidade mais quente do Brasil. Acho que é porque ninguém põe fé no calor paulistânico, nem nós, os moradores. Assim, nunca estamos apropriados à quentura da cidade. Nossas casas não têm ar condicionado, nossos carros idem, nossas roupas são mais fechadas, usamos meias, não ficamos de maiô, a cidade não tem nem por onde o vento circular. Acho que a gente não acredita no calor. E quando ele vem, pega de surpresa.
Sexta passada eu estava assando aqui. Eu trabalho em casa e janela da sala onde fica o meu escritório recebe sol a tarde toda. É um tipo de forno tropical. Tem dias que me sinto um... um... bacon.
Já tentei sombrear a janela de diversas maneiras. Comecei colocando uma cortina, mas ficava muito abafado. Troquei a cortina por uma persiana que me permite direcionar a luz e ventilar, mas não posso mantê-la fechada o tempo todo e o sol acaba entrando. O ideal seria fazer uma pérgula no jardinzinho que tem lá fora, mas é caro demais. Anos atrás tive a idéia de plantar uma árvore no tal jardinzinho. Ela faria uma sombra natural.
- A senhora não pode plantar uma árvore muito grande por causa das raízes – explicou o jardineiro – O espaço é pequeno e perto demais da casa e do muro.
Oquei. Ele plantou uma arvorezinha menor, mas ela já está aqui há cinco anos e nada de sombra. Acredito que nem árvore é: parece um arbusto e é menor que eu.
Ano passado, cansada de esperar essa árvore crescer, resolvi plantar uma trepadeira na janela. Ela se enroscaria nas grades e eu teria uma bela sombra aqui dentro.
- Lágrimas de Cristo – resolveu o jardineiro – Além de sombra, ela dá flor, dona Lúcia.
Achei ótimo. As tais Lágrimas de Cristo cresceram rápido, tomaram conta da janela toda e... infestaram o escritório de pernilongos.
Céus.
Além disso, meu escritório ficou esquisito, escuro, parecendo mal assombrado. Não sei, tinha algo de “Jumanji” naquilo, resolvi tirar rapidinho.
E porque não colocar um ar condicionado? É caro, mas eu poderia pagar em vezes, pensei outro dia. Bem, só pensei. É que eu sou mãe, e tem a culpa. Imagina, só eu na casa com ar condicionado? Mães em geral são assim, sempre as últimas a ter as coisas, é uma coisa ancestral essa de sofrer um tanto. Impossível eu ter um ar condicionado antes de todo mundo: eu teria que colocar primeiro no quarto dos três filhos, depois na sala e só depois aqui. Não, não. Ia sair muito caro aquele ventinho gelado.
Resolvi aguentar assim mesmo, não me mexer e nem falar muito. É, gente, essa é uma teoria que tenho desde pequena. Quando se trata dessas sensações incômodas, frio, calor, fome, cansaço, acredito que o ideal é não se mexer e não falar na coisa. Acho que quanto mais se comenta, mais se fala ou mais se reclama, mais a coisa piora. O ideal é ficar caladinha e deixar a coisa quieta. Basta olhar os gatos, os cães, as plantas no sol. Tudo parado.
Assim, tenho passado meus verões aqui derretendo, sem me mexer e falando o mínimo possível. Como se eu fosse um... um... jacaré no meio do pantanal ou um cacto do deserto.
Na semana passada apareceu um engenheiro para fazer uma reunião.
- Entre – disse a ele – Quer um café?
- Quero – ele respondeu, olhando ao redor - Lúcia, mas que calor é esse? Como você agüenta?
Suspirei, e, sem me mexer, expliquei. A árvore, a pérgula, a trepadeira, a persiana, a teoria da hibernação dos jacarés, os cactos, a culpa das mães. E conclui teorizando.
- Não acha que os computadores deveriam ter ar condicionado embutido para refrescar a pessoa que usa? – brinquei - Ninguém pensa no conforto de quem está do lado de cá da virtualidade.
- Não delira, Lúcia... – ele me disse, suando – Mas pense, você tem iPod, webcam, câmera, micro, blog, caramba a quatro e não tem um reles... ventilador? Compra um ventilador, pô! Tão fácil, baratinho. E depois que você refrescar bem a cuca você pensa uma teoria melhor sobre a os computadores e o condicionamento dos usuários.
Olhei para ele.
Nossa. Um ventilador. Como não pensei nisso antes?
Bom, comprei. Aqui está “ele”, e como é fantástico ter um reles... ventilador. Ele não tem memória nenhuma, nem nenhum giga e é todo feito de plástico.
Mas venta tão forte...
Como não pensei nisso antes?

sábado, 21 de janeiro de 2006

férias das férias





Olha, não é implicância minha, mas cada dia está mais complicado da gente tirar férias. Alguns tipos de férias cansam mais que trabalho. Temos que andar de caiaque, caminhar 10 km por dia, ir à aula de tênis, fazer esteira, musculação, sauna, massagem shiatsu, ir ao curso de mergulho, pintar lenços de seda, além das atividades da noite, com os jantares temáticos, as gincanas e karaokê. No fim do dia é aquela exaustão. Isso é férias?
É que hoje em dia descansar é uma coisa muito séria. Existem diversos tipos de lazer, e temos que definir qual o que mais se adequa ao nosso stress. Acabou aquela maravilha de aterrizar numa rede com um livro ou ficar a tarde toda vendo tv. Na-na-ni-na-não. Certos tipos de descanso, pouco saudáveis, já saíram de moda. Por exemplo, ir apenas a praia é o fim da picada. Além de você voltar mais gordinha de tanto comer, vai voltar queimada de sol, duas coisas proibidíssimas.
Acho que é por isso que fica aquela andança nas praias no verão. Por causa da culpa. As pessoas se sentem mal de não fazer nada e ficam zanzando para lugar nenhum, daqui pra lá, de lá pra cá, batendo na pedra, voltando, batendo na outra pedra, voltando. Todo mundo muito sério e ocupado, alguns até com o celular na mão, para disfarçar. Sei lá. As pessoas estão ficando completamente malucas, eu acho.
Depois tem os hotéis. Não entendo o que aconteceu, de repente inventaram que nos hotéis o descanso deve ser monitorado. Isso vale para todos, adultos e crianças, e assim surgiram uns rapazes e moças pagos para te animar, para te divertir, como se fosse impossível uma pessoa se divertir sozinha.
A gente pode recusar, fingir que não vê. Mas é uma sensação esquisita não participar daquele grupo animado, que por exemplo, sai para andar todas as manhãs depois do café. Os monitores vão te buscar na mesa.
— Olá, não vai caminhar conosco? Olha que manhã linda!
Dá vergonha de recusar, afinal, o moço é tão atencioso e todos os hóspedes (já de tênis novinhos e bonés) estão bem ali na frente, te esperando. Que remédio? Quando vou para esses hotéis, acabo fazendo coisas inacreditáveis por causa da minha vergonha de dizer “não”. Já me vi numa piscina cheia de senhoras fazendo hidroginástica ao som de axé music, já fiz aulas de street dance, já pintei telas a óleo com paisagens dos Alpes, já andei horas com gente desconhecida, e até já fui de micro ônibus cantando para conhecer uma cachoeira. Um dia nem jantei, com medo da dança espanhola.
O Zé não tem o mesmo problema que eu. Ele é de uma coragem admirável.
— Não.
Fala bem alto, e ainda por cima olhando no olho do monitor-musculoso-sorridente.
— Não vou.
Ninguém discute. Eles apenas saem de perto, sorrateiramente. Como ele faz aquilo?
Gente, acho que estamos exagerando. Onde isso vai parar? Será que no futuro vamos precisar de monitores nana-nenê, que vão nos ajudar a dormir e descansar? E será que depois alguém ligará uns fios na nossa cabeça, para verificar se a nossa taxa de relaxamento está normal?
É exagero meu, eu sei. Mas as férias estão ai, lá vou eu. Quem sabe em fevereiro dá para descansar um pouco?

sexta-feira, 20 de janeiro de 2006

maritacas




Dou muitos foras.
Muitos.
Acho que é por causa dessa minha eterna mania de fazer gracinha. O pior é que é muito melhor fazer gracinha com pessoas que você acabou de conhecer do que com conhecidos, pois é um modo de enturmar, de ser simpática. E assim a chance de dar um fora é infinitesamente maior.
Tenho uma amiga que me contou que também sempre dá foras, mas que só percebe quando olha ao redor depois da gracinha, vislumbra os meio sorrisos e ouve o silêncio secular.
- É bem nessa hora que eu percebo que dei um fora - ela me explicou - Sabe aquela hora do silêncio? Quando a gente praticamente ouve as maritacas?
Eu sei como é. Já dei muitos ao longo da vida. Não tem nada pior que o silêncio secular depois de uns foras. Dá mesmo para ouvir as maritacas.
Um dos meus maiores e melhores foi numa festa. Era uma festa muito formal, cheia de gente muito importante. Eu não conhecia absolutamente ninguém, mas estava com o Zé, que conhecia absolutamente meio mundo. Porém ele engatava numas conversas intermináveis sobre assuntos seríssimos que não tinham nada a ver comigo. Bem, eu estava entediada, com vontade de conversar, falar bobagem, rir, mas ali não havia chance.
Resolvi beber alguma coisa. Larguei o Zé e fui até a mesa de bebidas. Na minha frente estava um senhor mais velho, de cabelos brancos.
O homem se servia de uísque, mas era muito, mas muito lerdo. Não sei se ele não reparou que tinha gente na fila, não sei se estava distraído, não sei se tinha algum problema motor, mas o homem praticamente empacou na minha frente. Eu ali esperando a minha vez e ele embaçando, naquela lerdeza.
Que remédio.
Passei a observá-lo. Ele colocou os cubos de gelo no copo bem devagar. Parecia que eram mais de vinte cubos, pelo tempo que levou para fazer o serviço. Depois escolheu um uísque e despejou no copo bem devagarinho, praticamente gotejando. Porém o uísque entrou no copo mas não desceu. O homem colocou os gelos de um modo tal que eles travavam a descida da bebida. Sem você olhasse, veria aquele copão cheio de gelo mas só com um tantinho de uísque por cima. E, se ele colocasse mais uísque ali – e ele queria colocar mais – o uísque ia cair para fora. O homem suspirou. Colocou a garrafa na mesa e pegou o copo. Olhou atentamente. Tentou mexer nas pedras sacudindo um pouco o copo, para ver se elas se mexiam e o líquido descia. Nada. Ele murmurou um “tsc”, olhou para os lados e me viu. Deu um sorrisinho sem graça, e – fazer o quê? – meteu o dedo no uísque e tentou mexer as pedrinhas de lugar com o dedo. Afe. Achei meio nojento, mas era ele que ia beber mesmo.
Porém, nem com dedo. Nada do uísque descer.
Achei engraçado. Que problema mais ridículo. Foi quando eu não agüentei mais ficar calada na fila e lá mandei a minha infeliz piadinha.
- É... – disse, rindo, para o homem desconhecido - Acho que você está com problemas de penetração...
Me arrependi no mesmo instante.
O homem me olhou de cima a baixo. Depois olhou de novo, franzindo os olhos por cima dos óculos, com o copo na mão, analisando quem tipo de mulher eu era.
Não falou nada. Nem uma única palavra. Pode ser que não tenha entendido o que eu disse, pode ser que tenha achado que foi de mau gosto, pode ser que fosse surdo, pode ser que estivesse bêbado demais, pode ser que tenha me desprezado até o último fio dos cabelos.
Só sei que eu fiquei ali, me xingando por dentro e engolindo seco até a bebida dele “penetrar” e ele completar o copo com o uísque, com meu sorriso sem graça no rosto e ouvindo o silêncio secular.
E aquela última palavra horrível que eu falei – “penetração” – ficou ressoando na festa, como... como...
Como o som de maritacas, claro.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2006

e falando em tubos...



Esse post é sobre copos.
É que eu fui num jantar onde me serviram prosecco a noite toda. E lá pelas tantas, percebi um coisa aparentemente meio cretina e desimportante, mas fundamental para o entendimento do comportamento da nossa civilização.
Vocês vão ver. Hoje estou com um pouco de dor de cabeça, mas dentro em breve desenvolverei uma mega teoria sobre isso.
Ahá. Aguardem.
Gente, fala a verdade. Esses copos de cristal fininhos e compridos. Esses, estilo tubinho, canudinho. Ora, isso não é para humanos. A boca da gente é largona, generosa, ampla, e esses copinhos tem um bocal de saída absolutamente ridículo. Talvez sejam adequados à outros animais, como cobras, enguias, sei lá. Ou à pássaros com bicos finos em compridos, ou até para pinguins imperadores, que estão tanto na moda.
Mas humanos?
Nananinanão.
Ops.: ... e hoje reparei que no post de ontem escrevi iPod errado o tempo todo! É, realmente, devo ser velha e caduca mesmo, pois a verdadeira palavra "iPod" tem izinho e pezão, e não izão e pezinho, como eu insisti no texto. Vergonha. Depois fico me exibindo. Não sei nem escrever o nome da coisa!

quarta-feira, 18 de janeiro de 2006

novidade, max!


Bom, agora eu tenho um Ipod.
Eu.
Sozinha.
Só meu.
É que é a coisa mais rara do universo uma mãe como eu conseguir ter coisas só dela, ainda mais se a coisa é melhor que a dos filhos. Pois o meu Ipod é, realmente, muito melhor que o deles. Tem música, tem cinema, tem fotografia.
Eu devia me sentir o máximo com isso, mas de cara tive problemas. Os meus filhos não se conformaram, ficaram bravos, revoltados. E é absurdamente difícil enfrentar uma situação como essa com filhos adolescentes em casa. Os argumentos eram imbatíveis, o desprezo imenso, as manifestações de revolta foram inúmeras. Aquilo foi tipo de... traição da minha parte.
- Que droga! Não entendo pra que você precisa de um Ipod, mãe!
- Ela nem sabe pegar música na Internet, acha que todas têm vírus - falou o outro filho, rindo de mim - Hahaha!
- E ela vai ouvir aonde, se trabalha o dia todo? E pra que ela precisa de Ipod com vídeo se ela detesta videoclipe? Nunca vê MTV!
Eu tive que passar por tudo isso. E o pior é que dividir o aparelhinho nem pensar. O negócio é mais pessoal que banheiro, celular e micro. Não se divide Ipod, para quem não sabe.
Mas coloquei minhas músicas (de “velha”), minhas fotos (de “velha”) e meus filmes (“ridículos”), que, sinceramente, não tem graça nenhuma de ver naquela tela mínima e no final achei maravilhoso. O som é muito bom e a quantidade nos faz delirar.
Tudo é perfeito, porém detectei dois problemas. O primeiro é que, dentro em breve, vou ficar surda. Surdinha.
Eu não ouvi muito o aparelhinho, mas o que ouvi bastou para meus ouvidos parecerem... inchados e distantes. E bem, esse pequeno problema, o da surdez, não é nada perto do outro problema – o da solidão.
Aquilo isola a gente do mundo. Aquela sensação de “maravilha” é só você que sente, como se tivesse sido tele transportado para dentro de outro mundo. O único problema desse mundo é que você está sozinha lá.
Assim, eu tive uma idéia para resolver o problema, que expus aos meus filhos e exponho aqui para todos.
Aqui perto de casa, por exemplo, tem uma Livraria Cultura. Bem, lá dentro, você pode ouvir as músicas antes de comprar os discos. Você tem duas opções: ou com fones ou dentro de estranhos cones, parecidos com o cone do silêncio do Maxwell Smart – o agente 86 – só que nesse caso o cone é do barulho, e não de silêncio.
É um lugar onde você se posiciona em baixo de um tubo, clica em um botão e o tubo despeja uma música sobre você. Dizem – sinceramente nunca reparei se é verdade – que só você ouve a música.
Olha. Eu nunca vi ninguém embaixo daquele cone além de mim. Eu já fui diversas vezes lá dentro, testo e ouço a música direitinho, mas não sei se o som escapa. Meus filhos se recusam a ficar ao meu lado: quando me vêem ali saem correndo de vergonha e eu continuo na dúvida. Se alguém souber ou topar fazer o teste comigo, eu adoraria.
Tudo para dizer que acho que dentro em breve a tecnologia vai nos permitir coisa parecida. Uma música com raio de alcance. Ou seja, sem que você perceba ou fique visível, a música que você ouve ficará em torno de você. E, se alguém chegar perto, poderá ouvir junto. Talvez até seja possível, no seu próprio Ipod cone, calcular o raio de ação da música. Isso resolveria o problema da surdez e o da solidão, eu disse aos meus filhos depois de expôr toda a teoria, empolgadérrima.
- Hã? Agente 86, mãe? Cone do silêncio? Que coisa mais tosca... – disse um deles, que olhou para o irmão e arrematou, me desprezando mais ainda – Tá vendo? Isso que dá uma mãe ter Ipod...

terça-feira, 17 de janeiro de 2006

a saladinha



Tenho que falar sobre essa maldita saladinha. Sabia que um dia eu não ia agüentar (de fome) e teria que abordar esse assunto. É que volta e meia aparece aquela oportunidade da jantar num restaurante bárbaro, de algum chefe de cozinha famoso.
— O que a senhora vai querer?
— Deixe-me ver.
Eu olho e desejo absolutamente tudo que tem ali. Mas alguma coisa inexplicável me faz dizer, na maior cara de pau:
— Estou tão sem fome hoje... Vou querer só uma saladinha.
Bom, dali a pouco ela aparece. A salada mais sem graça e sem gosto desse mundo, e, de tão “leve”, quase que voa se bater um vento.
Sabe, é muito sofrimento. Tenho vontade de chorar quando vejo essa cena. Alguém me explica porque é que a gente, mulher, mesmo varada de fome, pede essas saladinhas ridículas?
Quer saber? Tem dias que eu odeio saladinha.
Talvez seja por causa das saladinhas que os cardápios dos restaurantes são tão grandes de tamanho. Não de quantidade, tamnaho mesmo. Quando abertos são verdadeiros biombos. Será que existe outra vantagem num cardápio gigantesco além de esconder a cara desesperada de fome de uma mulher? É claro que é para você chorar, calada, ali. Ou até falar um palavrão baixinho, o que não é má idéia.
Deve ter sido grande o número de desmaios de mulheres esfomeadas em restaurantes, pois as saladinhas estão aumentando de tamanho. Semana passada comi uma que parecia uma piada. Imagina achar que aquilo era “leve”. Tinha um frango inteiro desfiado, uma montanha de pão torrado, uma dúzia de ovo de codorna, um quilo de queijo prato ralado, uma floresta de alface. Mas ainda era chamada de... saladinha.
No inverno trocamos pelas sopinhas. “Só vou comer uma sopinha”, falamos umas às outras. E quando ela chega, entupimos de queijo ralado e soterramos de pão. Não deve adiantar nada. Aquilo deve equivaler a mais de cinco sanduíches, se secarmos a água. E porque usamos esses diminutivos, saladinha, sopinha? Será que é para parecer que comemos a comidinha da Barbie?
Na hora de beber é a mesma coisa. Tudo que é bom engorda, gente. Sobra o tal do suco de laranja, que sabe-se lá quem inventou que deve ser tomado sem gelo e sem açúcar.
— Garçom!
— Senhora.
— Dá pra não por laranja também? É que sou mulher, e como você sabe, não posso tomar nada. Quer saber mais? Coloca veneno. Tira a laranja e põe veneno de rato, garçom. Qualquer coisa é melhor que passar a noite tomando suco quente e azedo, o senhor não acha?
Olha, mulheres do mundo. Por mais que eu pense, não vejo saída. Estamos fadadas a seguir esse regime infinito em prol da beleza, do corpo perfeito. E não há nenhuma fórmula secreta para não engordar.
O negócio é não comer na-da.
Mas, shiu. Vou contar aqui uma teoria minha. Acho que a coisa que mais engorda é o próprio regime. Veja só: quando fazemos regime pensamos em comida o dia inteiro: “hum, vou comer só um brigadeiro agora. Na hora do jantar como só um bifinho”. Ou “agora como essa coxinha, mas amanhã só vou tomar um suquinho de abacaxi”. Bem, só pensar em comida dá a maior fome. Quer fazer regime? Esquece dele. Regime engorda. Demais. Assim chego a uma conclusão fantástica: se regimes engordam e as saladinhas são o prato principal dos regimes, será que a coisa que mais engorda neste mundo não é a nossa... saladinha?

domingo, 15 de janeiro de 2006

entre parentes




Adoro ler peças de teatro.
A primeira peça que eu li me surpreendeu. Era do Nelson Rodrigues, óbviamente: “Toda nudez será castigada”. Eu devia ter uns dezesseis anos. Levei um susto com a falta de descrições, fiquei maravilhada ao ver como as falas tinham que se virar sozinhas e fiquei intrigada com as palavras entre parênteses, ou seja, as sensações de quem fala.
Assustado.
Cambaleante.
Obstinado.
Sério.
Sorridente.
Claro, peças são escritas para serem usadas pelos atores e não para serem lidas como romances. São um objeto, e não um fim. É muito importante entendermos, sempre, para que serve a coisa que lemos: só assim é possível criticar e opinar. E peças de teatro são apenas um meio para transformar uma história "pensada" numa cena "real".
Pensando bem, acho que é exatamente por isso que elas me interessam tanto até hoje.
Vou explicar. Eu me formei arquiteta. Aprendi a fazer projetos e trabalho com isso. E gente, pensa. Peças de teatro são, para a literatura, o que os desenhos são para as obras. Projetos. É a forma usada para mostrar como construir uma peça. É o projeto da peça. E projeto, bem, projeto é minha praia, ora.
Então resta apenas misturar tudo: lúcia + franka + arquitetura + projeto + literatura = dramaturgia.
Foi também nesse dia que li essa peça que comecei a escrever para teatro. Sim, desde os dezesseis anos que eu adoro escrever peças. Não, elas nunca foram encenadas. Sim, muita gente já leu e adorou, até o Paulo Autran, acreditem. Não, apesar disso eu não fui descoberta. Sim, ficamos amigos, eu e o Paulo. Sim, não, sim, não, sim. A vida é assim mesmo, as coisas tem a hora certa de acontecer. É apenas uma questão de tempo, de oportunidade, de acaso, de fazer as coisas com paixão.
Mas voltemos aos textos de teatro. A questão é que, desde aquele fatídico dia, penso que deveríamos fazer a mesma coisa com as pessoas que convivemos no nosso dia a dia. Eu falo das sensações entre parênteses. Acho que deveríamos falar as nossas sensações antes de falar ou escrever qualquer coisa. Isso iria nos poupar tempo, desgaste e conflitos.
Imagina o seguinte: antes de começar a reunião com um cliente, eu o encontro e digo:
- Animadíssima - “Bom dia, Roberto. Tudo bem?”
Ele me responderia:
- Bem irritado, de mau humor - “Bom dia.”
- Conjectura - “Bem, podemos começar a reunião? Eu trouxe todos os relatórios.”
- Sem graça - “Ah, tá? Quer um café?”
- Cautelosa - “Olha, você vai ficar feliz quando ver os números. São bons.”
- Suspira e relaxa um pouco - “Que bom, vamos ver”
Talvez os relacionamentos assim fossem mais simples e a gente não levaria tanto susto com os maridos, filhos, mães, clientes, amigos e sócios quando alguma coisa os incomoda, quando acordam de mau humor, quando dão pontapés e sopetões de repente. Bastava uma única palavra antes de cada frase. Isso poderia valer tanto para conversas como para textos escritos, e-mails, relatórios, cartas. Apenas uma palavrinha com o humor e estado de espírito da pessoa.
Sinceramente? Acho que deveríamos adotar os “entre parênteses”. Bem, pelo menos entre os parentes da gente.
Ahahah.
Sorrindo.
Foi irresistível não falar essa frase.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2006

Macacos



- Huãmmm.
Barulho estranho. Eu olhei para o meu filho menor e ele repetiu aquele estranho som.
- Huãããmmm.
- Tá maluco, filho?
- Huãããmmm...
- Que é isso? Meditação, é?
- Hum. Acho que é isso mesmo, mãe - ele estava pensativo deitado no sofá - Acho que é isso.
- Isso o quê?
- Olha. Estou tentando fazer um único som para todas as letras juntas. Imagine juntar todas as letras do alfabeto e fazer um barulho só. Um, único. Acho que consegui.
- Como é?
Ele pigarreou e caprichou.
- Presta bem atenção: huãããmmm...
- Uá o quê?
- Não é uá, ô mãe! É "huãããmmm..." Repara que dentro desse som tem a letra “o”, a letra “i”, a letra “a”. Tem até a letra “p”, tem o “c”, tem o “w”...
- Só ouvi um “u” e um “a” bem compridos.
- Precisa ter ouvido mãe, pois é rápido demais. Ouve com atenção. Huãããããmmmmm. Huãããããmmm.
- É. Interessante.
- Mais que isso. É um som da pré história. É o começo de tudo, repara como se parece com o som dos macacos: huãm, huãm, huãããmmm é super parecido com úan-úan, úan-úan, úan-úan.
- Macaco fala úan?
- Uau, é idêntico! Olha! Úan-úan, úan-úan, úan-úan – ele respirou fundo e retomou a estranha cantoria – huãããmmm, huãããmmm, huãããmmm... Viu só?
- Vi, filho. Vi.
Férias. No final do mês acaba.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2006

as ferramentas e os tuppewares


Os dois estavam debruçados sobre o piso do banheiro, no lugar onde fica o bidê. Um enorme vazamento apareceu no apartamento de baixo exatamente ali. Me chamaram para ver o que fazer e eu chamei o empreiteiro e o encanador para eles me ajudarem.
Volta e meia isso acontece. Eu não faço obras, não sou engenheira, mas como coordeno muitas e sempre estou no processo desde o projeto até a manutenção, basta surgir um pepino que lá vou eu.
O encanador testava as torneiras, flexíveis, ralos. Eu estava atrás deles, observando.
- Vou tirar o bidê e você vai ver como o piso está todo molhado – falou o encanador.
- Pode ser do ralo do chuveiro.
Em obra todo mundo pensa alto.
- A impermeabilização não desce nem sobe no cano. Desse jeito não segura a água mesmo – falou o encanador, mais entendido.
- Tira para ver como está - sugeri.
– Sim senhora. Ei, passa aquele alicate ali? – pediu o encanador, apontando um objeto no bolso do outro.
- Esse alicate é o meu – falou o empreiteiro – O seu é o do cabo preto. Onde está?
- O meu levaram. Aqueles marceneiros folgados da obra da rua Hungria.
- Os caras do Tonhão? Ah, eles uma vez levaram minha trena.
- É um saco essa coisa de ferramentas – o encanador me explicou – o fulano vem, pede emprestado e leva embora. Eu faço assim: empresto mas fico em cima do cara, atento. Porque não devolvem mesmo.
- Que chato - falei.
- Mas não é por mal – continuou explicando o encanador - Não é roubo, entende, lúcia? Ninguém rouba se está trabalhando com a coisa. Além disso, se o cara é eletricista ele não é ladrão, é eletricista. E ferramenta é uma coisa que a gente fica na mão, de bobeira. Bobeou, a gente leva mesmo.
- Não, não é por mal, isso mesmo, mas só não pode emprestar makita e furadeira. Depois o cara quebra e sobra pra você consertar – arrematou o empreiteiro, me olhando e tendo uma idéia - é como uma cozinha de uma mulher, lúcia. Você pode emprestar um tupeware, uma faca, uma xícara. Mas não empresta um fogão, um forno, um liquidificador.
- É, tem razão. Tuppeware nunca volta... - eu lembrei.
- Nem chave de fenda, nem broca, nem alicate, nem trena... - falou o encanador, tirando o bidê do piso e começando a trabalhar.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2006

a "amiga"



Foi no shopping, mas poderia ser em qualquer lugar. Eu estava fazendo compras quando ela me viu, abanou as mãos e veio na minha direção, sorrindo.
Era uma amiga de anos e anos. Fazia tempo que não nos víamos, e, embora eu não seja boa de conversa mole inesperada, gostei de vê-la. Encontrar amigos de repente é estranho. Eu costumo falar um pouco de asneiras e muitos lugares comuns.
- Oi Val, tudo bem?
Começamos a conversar. Sabe aqueles começos de conversa que prometem? Era mais ou menos assim que eu começei a me sentir ao lado dela. Sem querer engatamos num assunto interessante, o que me surpreendeu muito, e a conversa ficou ótima. Eu não esperava por aquilo. Geralmente meus encontros com amigas antigas ficam em “nossa, que legal” e “como vão as crianças que idade tem onde estudam e você ainda está casada?”. Puxa vida, pensei, mas até que é legal encontrar pessoas que a gente não vê há tempos.
É uma teoria. Vez ou outra é bacana encontrar pessoas mais afastadas ou até desconhecidas. Pessoas que a gente conhece de longa data tem um peso muito grande, nos trazem uma memória imensa. As vezes não queremos tanta coisa, às vezes a fome é e conversa mole, de bate bola sem compromisso. É vontade de solidão com companhia. Com amigos de longa data as conversas são sempre cheias de passado. Uma amiga me disse que amigos antigos vêem igual a você, e que é preciso olhar diferente vez ou outra. Ter amigos novos é olhar a gente mesmo com outros olhos.
Bem, voltemos à minha amiga do shopping. Anos e anos que eu não a via, encontramo-nos ao acaso, e pimba, deu certo. Eu toparia até me sentar com ela na praça de alimentação e passar a tarde ali, na maior vagabundagem. Porém bem no meio da nossa conversa, a mulher começou a pular. Parecia que tinha pulga na cueca, ops, digo, na bolsa. De um minuto para outro começou a saracotear, enfiar a mão na bolsa e chacoalhar.
- Aiaiai, um minuto. É meu celular tocando.
Balde de água fria. É, gente, para quem não sabe, um celular de alguém tocando na tua frente é o maior balde de água fria nas animações das conversas, ainda mais se for o celular do outro. Eu detesto quando isso acontece, pois a maioria das pessoas considera mais importante a pessoa que liga no celular dela do que a pessoa ao vivo ali na frente em carne e osso que não ligou porque a conversa estava boa.
Suspirei quando ela atendeu o aparelhinho. É, gente, pois a desgraçada atendeu o aparelhinho ali na minha frente. Chuá. Chuá, chuá e chuá, ô desgraçada. Tive vontade de sacar o meu aparelho, que eu não atenderia nunca porque respeito os interlocutores, e jogar em cima dela de raiva.
Aliás, fico tão tensa com a possibilidade da pessoa atender que acho que vou começar a ligar para os conhecidos que encontrar ao vivo, na frente deles.
- Opa, lúcia, um minutinho que está tocando meu telefone. Alô... – falará o meu interlocutor.
- Oi. Alô? – eu direi.
- Você? Como assim? Lúcia, se você está aqui na minha frente, pra que me ligar?
- É, eu sei. Mas podemos falar assim? Assim terei certeza que seu celular não tocará durante a nossa conversa – eu explicarei.
Bem, mas a minha "amiga", que eu estava achando "tão legal" atendeu o celular ali, na minha frente. E meu mundo caiu. Subitamente eu me senti mais só do que eu estava antes e muito abandonada. Aquela tal coisa da "autostima", sabe? Acho que foi por isso que ela segurou meu braço e me prendeu. Ou seja, ela estava no celular com alguém e me segurou pelo braço para que eu não fugisse.
Póde?
Pensei que era rapidinho, que ela ia falar para a pessoa algo como “ei, estou ocupada e daqui a pouco ligo”, mas ela começou a maior conversa longa, interminável, como se estivesse em casa, sozinha e disponível. E pior, comigo ali, acorrentada e esquecida.
Comecei a ficar com raiva. Uma putiz raiva. Primeiro segurei com força a mão dela e me soltei. As pessoas do mundo moderno, realmente, não tem noção. Olhei nos olhos dela, que falavam com alguém mais importante que eu, e dei um sorriso bobo. Idiota. Cretino.
- Falaí, Val. Um dia conversamos.
Me afastei e comecei a andar, dando as costas para a cretina. Sai dali, e olhei a ex-amiga de longe. Ela ainda estava ao telefone. Saco.
Bem, meia hora depois ela me encontrou na fila do estacionamento.
- Nossa, você sumiu!
- É... tinha que acabar uma coisas... – disfarcei - E agora estou atrasada, os filhos e o Zé...
- Escuta, nem pudemos falar direito hoje. Não quer me dar seu celular?
Que remédio, né?
Dei.
Saco.

terça-feira, 10 de janeiro de 2006

os patinhos - parte II




Ontem falei sobre filmes de terror, especificamente sobre o filme “o exorcista”, que sempre me causou o maior medo. Escrevi o texto, e quando ia colocar a imagem, travei.
Que imagem colocar?
Imediatamente minha mente foi inundada por imagens horríveis. Era a Linda Blair de tudo quando é jeito. Com cara de menina, com cara de monstra, voando, cuspindo, arrotando, vomitando, sendo possuída.
Tive calafrios. Pois como eu, que declaradamente não assisti ao filme de puro medo ia ter coragem de colocar uma imagem como aquelas? Além disso, na crônica o Zé falava que não viu o filme pois não queria estragar a vida dele. Na mesma hora, pensei.
“Não vou colocar essa imagem para não estragar meu blog para sempre!”
Decidi na hora.
Nada de imagem de Linda Blair, nada de imagem de exorcismo.
Foi quando voltei à estaca zero. Olha, quem só escreve em blogs sabe como essa coisa da imagem é essencial. Há muito que eu queria falar nisso. Em blogs as imagens são importantíssimas e absolutamente necessárias. É muito importante ilustrar, e muitas vezes a ilustração é tão importante quanto o teu texto. Não há possibilidade de você não colocar uma boa imagem, ainda mais num blog branquinho como o meu.
Fica muito sem graça blog sem imagem. Bocó.
Mas como fazer? O que colocar? Pensei no tema da crônica, o filme “o exorcista”. Comecei a pesquisar. Coloco alguém com medo dentro do cinema? Ou só alguém com medo? Coloco um cartaz de um filme de terror?
Um monstro?
Foi quando pensei nos meus medos. Essa coisa dos patinhos é invenção minha. Desde pequena, nas horas de pânico eu penso em... patinhos. Passei a usá-los para acalmar meus filhos dos pesadelos também, e dá certo. Patinhos, patinhos e patinhos. Quanto mais pesadelo, mais patinho. Entupa-se e patinhos e o pesadelo vai embora, essa é a teoria.
Já o Zé acha os patinhos aterrorizantes, pois fala que eles são o presságio da tragédia, mas eu não concordo. A teoria dele é que uma imagem de patinhos nadando calmamente numa lagoa é o minuto anterior à uma hecatombe nuclear ou coisa pior. Eu não acredito nessa invenção dele. Patinhos são “fofos”, e coisas fofas não dão medo: dão aquela coisa que faz a gente falar como criança.
- Ti bunitinho, ti fofinho, tititinho...
Decidido. Entrei no Google e digitei: “patinho”.
Achei um patinho lindo, bem fofo, e lasquei o patinho no post.
Não deu nem meia hora e lá veio um comentário do Márcio.
- Hã? Patinho? Não entendi.
A coisa foi além. As pessoas, ao invés de falarem do meu post do exorcista, ficaram indagando sobre o patinho. O que aquele patinho fazia ali? Que coisa de patinho era aquela?
Foi quando o Marcio voltou e falou que a imagem dos patinhos estava atrapalhando o post. E que eu deveria tirar o patinho.
Ele tem razão, pensei. Uma imagem não pode prejudicar um texto, e, afinal de contas, isso aqui é pra ser um blog de crônicas, não de imagens.
Resolvi tirar o patinho. Voltei ao Google, respirei fundo e resolvi enfrentar aquele monte de Lindas Blairs e exorcistas pavorosos. Ora bolas, sou uma adulta, gente. Tem cabimento ter "medo" de um filme? Segurei a respiração e optei por um cartaz do filme. Era meio tétrico, mas vá lá. A LindaBlair eu não colocaria.
Mudei também o nome do post, que passou a se chamar “um filme de terror”. Era o fim dos patinhos. Depois de tudo pronto, cliquei em ok.
Tudo certo.
Seu blog foi publicado com sucesso, blá, blá, blá.
Tocou o telefone, era alguma coisa de trabalho. Um telefonema emendou no outro, eu esqueci do blog, e, quando me voltei para o micro, vi que ele tinha dado um tipo de erro.
Tentei voltar, mas tudo sumiu. Mais erro. Erro, erro, erro. Foi quando o mouse travou. Depois tudo travou. O meu micro simplesmente teve que ser reiniciado do zero. Suspirei, mas fazer o quê?
Quando tudo estava ok, entrei na Internet de novo. E vim aqui ver o fim do patinho.
Mas quando abri o blog...
O patinho voltou! Credo! Nada que eu fiz vingou, vai entender o que houve. Só sei que, por algum motivo obscuro, estranho e provavelmente sobrenatural, o patinho continuou ai em baixo, firme.
Eu, hein? Melhor não mexer com isso.
Olha, confesso que me arrepiei um pouco. Talvez o Zé tenha razão. Esses patinhos...

segunda-feira, 9 de janeiro de 2006

patinho, patinho, patinho



- Você ainda tem medo da Santa Luzia que se parece com você, lúcia? – ontem me perguntou o Zé, rindo.
- Tenho. Os medos de infância são para sempre, Zé.
- É. Você tem razão - ele suspirou - Todo mundo tem seus medos, né? O meu irmão, por exemplo, até hoje tem pavor do “massacre da serra elétrica”.
- Zé, sabia que eu nunca assisti “o exorcista” na vida?
- Não? Verdade? Olha que engraçado. Eu também não.
- Nossa, Zé... vinte anos de casados e a gente nunca comentou isso!
- É mesmo...!
- Olha, eu não fui de puro medo. Todas as minhas amigas foram e depois me contaram. Acho que isso me deu mais medo ainda, essa coisa de contarem para a gente é pior, pois a gente fantasia mais.
- Só se falava nisso naquela época. Eu me lembro.
- Minha irmã falsificou carteirinhas para ela e para as amigas. Foi e ficava se exibindo, me chamando de medrosa. Meu pesadelo só aumentava. Depois foi minha mãe. Você sabe como minha mãe fala e exagera, né, Zé. Imagine ela contando o filme. Era insuportável. E, como se não bastasse, ela ganhou o livro de presente. Bem, o filme ficava lá longe, no cinema, mas o livro ficava na estante da sala da minha casa e eu tinha que conviver com ele. A capa até hoje me dá... brrr... arrepios...
- Você não pegou para ler uns pedaços, lú?
- Claro que peguei, mas nunca li mais de duas linhas. Tinha pânico de encostar o dedo.
Ele resolveu contar a experiência dele.
- Olha, já eu eu quase fui. Cheguei a ter o dinheiro do ingresso no bolso, a vontade de ir, cheguei a pegar o ônibus para ir ao cinema. No meio do caminho, pensei: “não, não. Eu não vou estragar a minha vida para sempre”. Desci do ônibus, atravessei a rua e voltei.
- “Estragar a vida para sempre”?
- É – ele respondeu, categórico - Foi um grande momento da minha vida, esse. Tenho certeza que se eu assistisse o filme, minha vida seria outra.
E ele me olhou seríssimo.
- Completamente estragada.

sábado, 7 de janeiro de 2006

a santinha

eu, em foto do Eduardo (Itamambuca)

Aconteceu quando eu era bem pequena. Meus avós moravam no interior, em Duartina, e passávamos as férias com eles. Como a cidade era pequena, os passeios e brincadeiras eram sempre os mesmos. Ir à pracinha, ir à casa de amigos, brincar no quintal, ir ao riacho, passear em alguma fazenda ou ir ao hospital com meu avô.
Nesse dia fatídico eu e minha irmã saímos para passear na praça com minha madrinha. A praça tinha dois quarteirões: num deles ficava o jardim e a fonte luminosa e no outro a igreja e dois coretos: um antigo, com cercas de ferro torneado e um moderno, em formato de barco, dentro de um espelho dágua. Minha madrinha sempre fazia o mesmo ritual nos passeios – íamos a praça, à fonte, aos dois coretos e por último à igreja.
- Vamos rezar um pouco, é bom – ela declarava.
A santa padroeira da cidade é a Santa Luzia e na igreja existe uma imagem dela. Na verdade, o nome antigo da cidade era “Santa Luzia do Serrote”. Nunca entendi o nome Duartina nem o nome anterior. A única coisa que sei é que o rio que cruza a cidade é o Rio Serrote. Tenho um monte de dúvidas, todas sem resposta até hoje: será que foi achada uma imagem de Santa Luzia no Rio Serrote? E será que essa Santa era milagreira, para a cidade ganhar o nome? E porque será que um certo dia a Santa perdeu a majestade para esse tal de Duarte. E quem foi esse Duarte?
Sei lá. Acho que nunca saberei.
Bom, eu contava que na igreja havia uma imagem da Santa Luzia, sempre solitária numa das suas paredes brancas, que só saia para passear quando o padre promovia uma procissão na rua. Era comum nas visitas à igreja vermos a Santa ali. Minha madrinha sempre apontava para ela e fazia um sinal da cruz antes de se ajoelhar e rezar por uns minutos.
Foi nesse dia que eu vi. Na verdade, foi a primeira vez que eu reparei na cara da Santa. E foi nesse primeiro dia que começou... meu pesadelo.
É que eu olhei atentamente a Santa Luzia e percebi que ela... bem, ela era a minha cara. Era eu cuspida e escarrada, se é que existe esse termo. Quanto mais eu desconfiava, mais olhava e mais tinha certeza. Era eu, era exatamente eu. Acho que não existe pesadelo mais horrível para uma criança do que esse. Não é ter medo do santo, é ter medo de si mesmo. Os santos são, geralmente, imagens de pessoas mortas e igrejas, queiramos ou não, aterrorizam crianças. Eu olhava e pensava: sou eu. Depois, o nome. Além de ser parecida comigo, ela tinha que ter um nome tão parecido com o meu?
Eu gelava. Será que eu era uma religiosa? Eu me achava comportadinha demais, praticamente uma santa. O que significava aquilo? Seria eu uma espécie de reencarnação? Será que eu era uma menina morta? Será que era um sinal?
Passei minha infância indo à aquela igreja, apavorada, em pânico e ignorando a coitada. Nunca contei para ninguém meu medo, até ficar bem adulta. Um dia, já casada e com um filhos pequenos, fui com o Zé para Duartina e dei de cara com ela.
Ou melhor, comigo.
- Zé... Olha – apontei - Parece comigo essaa Santa, não acha?
Ele olhou com cuidado.
- Nossa. É mesmo – ele se assustou.
- Sempre morri de medo dessa imagem.
Que sina.
Bem, semana passada o Edu, do Itamambuca, colocou uma imagem de uma Santa no Blog. Não é a minha Santa Luzia, mas parece com ela. Ou melhor, parece comigo. Eu comentei ele, que concordou.
E morri de rir agora a pouco, quando voltei lá e achei um ultimo comentário, acho que da Elisa.
- Nossa, faz tempo que não vejo a Lúcia, será que ela mudou tanto de cara? E agora virou santa?!?

sexta-feira, 6 de janeiro de 2006

finas varetas


Não pára de chover em São Paulo.
É impressionante a molhadeira que está nos assolando. Tenho até evitado sair, pois o trânsito está horrível, as ruas alagadas. Mas ontem resolvi enfrentar a água e fui no final da tarde comprar um livro.
Estava tudo empacado. Em cada farol o trânsito parava, lento, arrastado e a chuva continuava firme, ininterrupta. Num deles um dos meus filhos, distraído, apontou uma mulher que atravessava a rua.
- Olha mãe. Coitada.
Olhei através do para brisa chuvoso. Vi umas seis pessoas atravessando a rua, mas só uma era coitada, na minha opinião. Mas será que era aquilo mesmo que eu tinha entendido?
- Quem é a “coitada”, filho? – perguntei, para ver se falávamos da mesma coisa.
- Aquela moça ali – ele me mostrou - aquela, mãe, a do guarda chuva quebrado.
Exatamente. A mesma que eu vi.
A tal “coitada” era uma mulher encolhida sob guarda chuva quebrado. Olhei para ela com atenção. Uma mulher mais ou menos da minha idade, de vestido, cabelos presos claros num rabo de cavalo e óculos. Era uma mulher arrumada, digna, mas estava completamente coitada sob aquela estrutura cambaleante e desmontada sobre si. Andava devagar para não desestruturar ainda mais suas varetas tortas. O tecido fino tremia fora das pontas, balançando com o vento. Cautelosa, como se nem respirasse, ela equilibrava o que restava daquela proteção sobre a cabeça, molhando os braços, os ombros, a bolsa.
Coitada.
Olha. Não há nada mais triste do que uma pessoa de guarda chuva quebrado, pensei, no mesmo momento.
De todo o clima chuvoso do final de tarde, foi aquela imagem que ficou dentro de mim. Passei um tempão pensando nisso para ver se compreendia o que me incomodou tanto. Acho que entendo. Um guarda chuva quebrado dá sensação de desamparo, de abandono. É como se não estivésssemos devidamente abrigados, como se carecêssemos de proteção, de cuidado. Usar um sapato velho, uma roupa antiga não são tão marcantes e melancólicos como abrigar-se sobre um guarda chuva quebrado.
É possível entender as pessoas pelo seu grau de proteção. Uma pessoa sob um guarda chuva quebrado está frágil, carente. Precisa de acolhida, precisa de carinho. Fiquei muito tempo pensando naquela imagem. Um guarda chuva é um objeto tão comum, tão possível e pertencente à tanta gente... À primeira vista sempre parece sólido. O tecido esticado sobre a estrutura, inflado e confiante, nos mostra um espaço seguro, seco. Mas muitos desmontam-se no primeiro vento, na primeira tempestade. A fragilidade de uma guarda chuva está sempre diante dos nossos olhos. Acho que na verdade, a fragilidade da nossa vida está sempre diante dos nossos olhos também.
Todos nós temos nossos guarda chuvas para nos protegermos dos dias de chuva e do mau tempo e, embora não percebamos, muitas vezes estamos acolhidos sob estruturas que mal se agüentam. Vivemos sob estruturas quebradas, falsas, desmontadas, achando que estamos sob lajes sólidas e secas. E assim nos molhamos, nos resfriamos, adoecemos. Talvez existam nas nossas vidas existam muito mais delicados guarda chuvas do que coberturas. Nos resta tomar mais cuidado. Volta e meia somos coitados como a moça de rabo de cavalo e nem notamos, atropelados pela vida cotidiana. É assustador, como foi ontem, perceber a fragilidade dos nossos tetos.
Um guarda chuva é uma ilusão, assim como nossas valentias são ilusões.
Naquele momento eu me encolhi. Tive vontade de colocar a mulher no meu carro, de contar para ela tudo que eu descobri, secá-la, esquentá-la. Me senti mais molhada e desassistida que a própria chuva. Não, ninguém tem culpa, guarda chuvas quebram a toda hora. Não, niguém tem culpa, a chuva cai sobre todas as pessoas.
E assim eu entendi todas as vezes que, por algum motivo, me machuquei na vida. Eu estava com meus guarda chuvas quebrados e não percebi.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2006

fóóóóóóóóóm!



Hoje em dia andamos muito de carro. Passamos mais tempo dentro deles do que dentro de muitos cômodos da nossa própria casa.
Bem, tem uma coisa no trânsito que me deixa sempre irritada. É que tudo que a gente aprende sobre educação na vida não vale mais nada na hora que você está motorizado. Com pernas você deve ser educado, porém, com rodas, esqueça. Na hora que você entra num carro, ônibus ou qualquer veículo, as regras de educação não valem mais nada.
É isso que eu simplesmente não entendo.
Por exemplo, quando você está esperando um elevador, existem regras que todo mundo obedece. Se ao seu lado está uma senhora mais velha, uma mulher com carrinho de bebê ou um senhor de bengala, óbviamente que você dá passagem. É um ato simpáticamente universal. As pessoas a pé são sempre educadas. Se esbarram sem querer, sempre pedem desculpa.
Porém no trânsito não é assim. Não sei quando isso começou, mas parece que todos, na hora que entram num carro, passam a ter raiva dos outros motoristas, da vida, da cidade, das regras da rua. Basta você querer sair de uma vaga, virar a esquerda, mudar de faixa, ou apenas querer andar a sessenta numa pista onde o máximo é noventa, que você é escorraçado e xingado como se fosse o pior dos piores. A quantidade de ‘dedos do meio’ que já me levantaram é impressionante, e, na maioria das vezes, nem sei o que foi que eu fiz. Isso só me leva a crer que os atos feitos nos carros tem outros significados. Não é ódio, nem amor, nem gentileza. É outra linguagem que eu não entendo, feita de dedos, berros, xingamentos e buzinadas infernais.
Aliás, outra coisa que deveria ser abolida do mundo atual é a buzina. Pensando bem, o som das buzinas deveria ser atualizado, gente. A buzina é um som antiquado. Reparem como são modernos os sons dos alarmes. Reparem nos celulares, que tem agora músicas e sons polifônicos (apesar de eu sempre achar que o celular deveria chamar o nome do dono, para a gente não precisar enfiar a bolsa no ouvido para ver se é o nosso que toca), reparem nos sons dos alarmes das casas. Até o caminhão de gás canta e os nossos carros ainda continuam berrando e grunhindo como animais pré históricos.
Algo não está certo.
O ideal seria juntar o útil ao agradável e criar "buzinas polifônicas", acessíveis por meio de um pequeno teclado na direção, onde você pudesse falar “com licença”, “obrigada”, “cuidado”, “preste atenção” ou “você vai realmente parar ai?”. O mundo virtual é cada vez mais educado, sempre perguntando se temos certeza que queremos fazer isso ou aquilo... porque os veículos não seguem o mesmo caminho ao invés de se tornarem a cada dia mais selvagens e cruéis?
Porém a cidade está se tornando cada vez mais silenciosa. As pessoas a cada dia se trancam mais em carros e casas, alheias aos barulhos de fora, e, além de se trancar, escurecem-se com os insulfilmes. Andar de vidro aberto é perigoso, o ideal é fechar tudo, ligar o ar e a música e se isolar.
Mas voltemos ás gentilezas. Pensando bem, é difícil ser gentil com alguém que você não vê, não enxerga, não ouve e não percebe dentro de um veículo.
Mas pelo menos com o insulfilm não dá para ver o dedo do meio, né?

quarta-feira, 4 de janeiro de 2006

sacada



Ligou um dos meus marceneiros. Discutíamos um corrimão, um guarda corpo que ele estava orçando para uma casa. No meio da conversa, sei lá porquê, ele me fala o seguinte:
- Olha lúcia, vou te falar uma coisa. Quando eu vou num terraço de um prédio alto, numa sacada qualquer, eu... eu...
Eu me adiantei.
- Você tem vertigem? Pois eu tenho, sei como é. Basta chegar perto do corrimão que minha barriga gela e minhas pernas bambeiam.
- Não é isso. É uma coisa muito pior, pois é um pensamento – ele disse, gaguejando - Eu olho a bordinha, sabe, a bordinha do terraço? O limite entre o piso e o nada? Eu olho para aquele lugar e penso: daqui para cá é a vida. E daqui para lá é a... morte. A morte, lúcia.
Eu me assustei. Nem conheço o homem direito, só conversamos sobre orçamentos, detalhes e entregas. Aquele rumo de conversa estava me parecendo completamente inadequado. E perigoso. Sei lá, essa coisa de vida, morte, muito pensamento.
- Nossa, credo. Mas porque você pensa nisso? – eu desconversei, rindo.
- Ah. Não sei, lúcia, mas acho importante lembrar isso sempre. Que a gente tá sempre perto, muito perto dum enorme buracão. E que a gente fica vivo só porque quer, só por isso.
Fala se as pessoas não são todas meio malucas.
- Bem. Pois então construa belos corrimãos para poder apreciar a vista – desconversei.
Minha observação foi meio boba, mas achei interessante a filosofia marceneira.
Porém, pensando bem, acho que tenho que arrumar outro marceneiro. Os guarda corpos desse homem, que vive assim entre a vida e a morte, provavelmente vão custar uma fortuna...

terça-feira, 3 de janeiro de 2006

fogos e festas



- Eu não entendo. Onde são esses fogos e essa festa de reveillon de São Paulo que a gente nunca vê?
- Não sei, Zé. Acho que na Paulista, ou lá no Centro.
- Sabe a impressão que eu tenho? Que a gente mora num buraco. A gente olha a televisão, tem esse monte de fogos no céu e esse monte de festas na rua, mas aqui eu não vejo nada!
- Zé, é que a gente mora em casa, num bairro residencial. Lembra quando a gente morava em apartamento? Víamos tudo.
- É, mas não tinha show de ano novo nem fogos naquela época. Era um rojão aqui, uma chuva de prata ali, aquela mixuruquesa. Agora essas festas são profissionais, bacanonas. E essa coisa profissional que eu queria ver como é.
Foi assim que resolvemos sair de casa esse reveillon e nos hospedar no alto de um hotel para ver a festa na cidade como turistas. Parece uma coisa meio boba, mas o que tem de novidade numa cidade como São Paulo além dessa festa da Paulista? Não tem mar, não tem Iemanjá, não tem procissão de barcos, e como o Zé não correu esse ano na São Silvestre, estávamos completamente sem graça por aqui.
Descobrimos que as pessoas, quando saem de casa para ir a uma festa como a da Paulista, tem o pacote completo da diversão. Aliás, no nosso passeio para ver os fogos e a Paulista, demos de cara com duas festas. Fomos nas duas, antes de subir lá no alto para ver os fogos. Uma na rua, com animadores, show da virada, fogos, estrutura de segurança, banheiros e decoração. Outra no nosso hotel, fechada para os hóspedes, com show, jantar e animadores. Não tínhamos direito a ‘ceia’, pois os lugares já tinham se acabado há meses atrás, falou a recepcionista, mas poderíamos ‘dançar’ a vontade.
- Hã? Dançar? – perguntou o Zé.
Ela apontou uma estrutura que estava sendo montada no hall.
- Ali é a pista, e ali, o palco– ela apontou.
Céus. Vergonha. A classe média de São Paulo é ridícula, com essa mania ter medo de sair na rua e se trancar nos lugares.
Mas eu queria comentar sobre essa coisa da animação. Nós, eu e minha família, estávamos animados sem festa alguma. Nem tivemos ceia, mas e daí? Estávamos animados de ver os fogos, de estar num hotel, de ser reveillon. Nós nunca vamos a festas, nossas passagens do ano são sempre em casa, comemoradas com a família. E quando vi aquelas duas festas, estranhei. Gente, o que é aquilo? É preciso tanta coisa para tornar as pessoas felizes?
A festa da rua, embora exagerada e global, foi linda com seus fogos – embora nunca vá se comparar ao Rio de Janeiro. Uma festa de fogos em São Paulo – e isso que mais me deixou encasquetada – jamais deveria ser numa avenida corredor com prédios dos dois lados. Obviamente não dá para ver direito um show de fogos entre arranha céus. Nós, que pudemos subir no hotel, vimos tudo, mas quem estava na rua não via nada.
Já a festa do hotel era uma piada. Nunca vi gente tão desanimada na vida. Eu sempre falei muito mal de animadores, mas ali eu senti a necessidade extrema deles. Tem gente que é um fosso de desanimação e precisa muito de alguém que sacuda. Foi preciso um misto de pagode, música dos anos oitenta, Ivete Sangalo, gelo seco e luzes vermelhas para que aquela turma passasse ao menos o reveillon em pé – e não sentados na cadeira na frente dos pratos de sobremesa.
Porém, em ambas as festas existia um clima falso de animação. Senti uma espécie de falta de naturalidade: se não houvesse as caixas de som, o gelo seco, a musica ensurdecedora e aquele bando de bailarinos pulando, as pessoas talvez apenas olhassem, paradas, para os lados. O que ocorre com nossa civilização é que esperamos que alguém nos sacuda, no anime, nos levante a bola. O povo vai a festas para ser animado, e não para aproveitar. O que vimos, nos dois casos, foi a mesma passividade. É como se a felicidade não fosse algo que se tem e sim algo que você espera que alguém te dê. Coisa estranha que está se tornando a civilização.
Tanto uma festa quanto a outra, para mim, foram tristes.
E os fogos? Ora, lindo!
E tem como não ser?

segunda-feira, 2 de janeiro de 2006

eu prometo



De todas as coisas das festas de fim de ano, a que eu mais gosto, depois dos fogos, obviamente, é a promessa de ano novo. As outras, as comilanças, o passar do ano, as festas, os presentes, tudo me deixa a cada dia mais sem graça. Sei lá, enchi depois que descobri que os lugares das mais lindas luzes são os shoppings e ruas de comércio e que o papai Noel veste aquela roupa por causa da de uma propaganda da Coca Cola.
Ô desilusão.
Já a promessa do ano novo não. É a coisa mais alto astral das festas de final de ano. Passo dias pensando o que prometer. E tenho um monte de teorias.
Bom, uma promessa de fim de ano não deveria ser chamada assim. Olha eu cometendo uma gafe logo na primeira frase. A promessa de fim de ano deve se chamar promessa de começo de ano.
Claro.
Bom, a promessa não pode ser uma coisa que você não vai conseguir fazer. Isso é essencial, tem que ser uma coisa fácil, meio bico. Fazer promessa impossível é muito baixo astral. Essa é a graça: uma meta alcançável, fácil e que melhore a sua vida um pouquinho, apenas um pouquinho.
Não porque você não precise melhorar muito, claro que é melhor termos metas importantes e fundamentais na vida, mas acho que no meio de uma comemoração de reveillon, com um monte de gente gritando e pulando do teu lado, com um monte de champanhe e comida, não é a hora ideal de resolver fazer um doutorado, por exemplo. Num clima de festa, a promessa deve ter clima de festa. Ainda não consegui chegar num nível admirável de criatividade de promessas, mas logo chego lá.
No primeiro ano das minhas promessas fáceis, resolvi beber guaraná ao invés de coca cola. No ano seguinte, prometi que não iria "fingir que não via" os conhecidos encontrados sem querer na rua. Depois prometi responder todos os e-mails e atender todos os telefonemas, principalmente de celular – eu costumo não atender à alguns, confesso. No ano passado eu me comprometi a ver e ler ao menos um filme e um livro por mês. Cumpri tudo com prazer.
Esse ano matutei, matutei e decidi: vou entender o mapa mundi. Eu nunca entendi ou estudei o mapa mundi e sempre me acho ridícula por não saber onde é a Turquia, onde fica Quebéc e nem me recordar o formato do Uruguai. Sou um desastre em mapas mundi, gente. Confundo capitais com paises, confundo continentes, e, até hoje, depois da Bahia eu não me lembro a seqüência de estados do Brasil. Bem, muito menos suas capitais.
Pra que servirá isso? Por enquanto sei lá. É a minha promessa. Achei que era uma boa promessa: feliz, fácil, inteligente.
Tai, prometido. Esse ano Franka entenderá o mundo.