sexta-feira, 30 de setembro de 2005

cheinha...



Eu parei de fumar em dezembro de 2002. Lá se vão três anos que eu não encosto num cigarro, logo eu, que era a maior viciada da paróquia. Fumava feito uma fábrica da estrada de Cubatão, o dia todo soltando fumacinha. Verdade. Um pouco dessa poluição daqui de São Paulo acho que é culpa minha.
Quando eu ia a lugares onde era proibido fumar, fumava em dose tríplice antes de entrar, para compensar. Tinha até tontura. Já me humilhei muito por causa do meu vício. Tive que sair da mesa do restaurantes e fumar sozinha em ruas perigosas, já dei tragadas tremendo de frio na neve.
Um dia acendi um cigarro na sala da casa de um amigo. A esposa deu um gritinho e ele me levou para a área de serviço do apartamento – o Zé e a mulher indignada ficaram na sala – e eu tive que acabar meu cigarro ali, em pé, naquele ambiente cheio de baldes, tanques e produtos de limpeza, tentando disfarçar e arrumar uma conversa com o homem, que me aguardava, fazendo sala. Sala?
Fazendo área de serviço.
Olha, um vexame a gente fumar.
Um dia achei que nada era pior que aquilo. A dificuldade que um fumante tem de exercer seus direitos no mundo contemporâneo é enorme, quiçá impossível, não dá para levar uma vida normal. Eu trabalhava menos, me divertia menos, me relacionava menos e me sentia rebaixada socialmente. Não posso dizer que parei de fumar só porque o cigarro faz mal. Eu sou o típico exemplo da pessoa que parou de fumar porque não agüentava mais a encheção de saco.
Bom, parei, contrariada, chateada, triste, mas parei. Tive, no começo, aquela vontade insuportável mas agüentei calada. Depois de um tempo, passou. Tenho saudade, mas seguro a barra até hoje.
Eu só não imaginava uma coisa. Que eu fosse magra e elegante como eu era por causa do meu querido cigarro. Todo mundo fala que parar de fumar engorda um pouco, eu acho que é ao contrário. Fumar é que emagrece, muito. Por isso que cigarro é bom.
A coisa acontece aos poucos. É devagar, de meio em meio quilo, mas não pára. Acho que daqui a dez anos estarei pesando mais de cem quilos. Dá licença, que coisa esquisita, viu? Se o cigarro faz mal pro coração e para o pulmão, parar de fumar faz muito pior para a silhueta. Eu não agüento mais engordar e dizer que é falta do cigarro, desisti de entender como acontece, não como demais, não devoro de doces, não me empanturro de balas.
E pimba. Engordo.
Bom, o meu “enchimento” pós nicotinial ficou evidente a olhos vistos. Todo mundo percebe que eu dei uma “engordadinha” nos últimos anos. As calças mudaram de número depois dos vexames que passei ao tentar colocá-las pela manhã, a barriga já se tornou um pouco indecente, os peitos e bunda é melhor nem comentar.
É claro que as pessoas reparam que eu engordei todinha. A gente não engorda só numa parte do corpo. Mas como ninguém tem coragem de comentar que a pessoa engordou, as pessoas dizem que você está com a cara mais redonda.
"Cheinha".
Como eu faço para pararem com isso? É insuportável. Eu odeio essa coisa do "cheinha"!
- Oi lúcia, quanto tempo que eu não te vejo. Tudo bem?
- Tudo.
- Você está tão diferente!
- Acha?
- Hummm.
Sou analisada de cabo a rabo. E lá vem a sentença.
- Está com o rosto mais cheinho. É isso.
- Ah. Parei de fumar, engordei um pouco.
- Mas ficou muito melhor assim.
- Ahhh.
- Você era muuuito magra, sabe?
- Ah.
- Ficava com cara de caveira. Mulher com cara de caveira é horrível.
- Ah.
- Agora está mais saudável. Cheinha. Corada.
Olhaqui. Eu tenho tanta, mas tanta raiva desse comentário que um dia vou explodir. Aviso. Não serei mais responsável pelos meus atos. Cheinha é a avó. Sério. Um dia, quando alguém me chamar de “cheinha”, vou me pendurar no pescoço da pessoa e apertar até esganar.
- Tá, sou cheinha, mas você está roxinha.
Cheinha...
Ô droga.

quinta-feira, 29 de setembro de 2005

as pipocas




Uma amiga resolveu dar uma festa de aniversário para a filha.
Cinco anos.
Vou contar esta história para vocês entenderem como somos nós, mães do mundo. Somos todas muito parecidas, complicadas, destrambelhadas. Não tem jeito, é tudo igual.
Ela conta que resolveu dar a festa no salão do prédio. Era mais fácil, ela queria simplificar e usar aquele espaço que nunca tinha usado.
Bom, o tal salão não tinha copa. Ou melhor, tinha, mas sem fogão, microondas ou geladeira, só uma piazinha. “Sem problemas”, resolveu, disposta enfrentar aquele pequeno percalço, “trago um isopor com gelo para as bebidas, copinhos, guardanapos, pratinhos descartáveis e a Odete me ajuda no vai e vem.” Também optou por só dois tipos de comida: sanduichinhos e pipocas, assim não precisaria esquentar nada. O bolo e os brigadeiros ficariam na mesa do salão e no fim da festa ela daria um cafezinho com biscoitos amanteigados para as mães.
Esquematizou. Os sanduíches e os amanteigados ficariam na copinha, a pipoca ela faria em casa e desceria com tudo pronto. Tudo fácil, e ela se achando organizadíssima.
A festa começou, chegou aquele monte de crianças, tias, avós, mães. Ela começou a ficar confusa, servindo sanduíches, refrigerantes, conversando com os convidados. Tirou o dedo de um menino do bolo. Falou para a filha sair do chão, olha o vestido novo. Reparou no marido sentado, bebendo cerveja. "Ah, se não sou eu...".
De repente, lembrou. Precisava falar com a empregada sobre as pipocas. Subiu correndo.
- Olha Odete, presta atenção: cada pacote de pipocas demora quatro minutos para ficar pronto. Vamos estourar 8 pacotes. Quatro vezes oito, trinta e dois, um tempo para tirar e pôr, vamos dizer... quarenta minutos – ela calculava rapidamente, falando alto - Faz o seguinte, Odete, estoura a metade, quatro sacos, vinte minutos, coloca nos saquinhos, desce com as pipocas nesta cesta; sobe, estoura o resto e põe a água do café; desce com o resto de pipocas, não põe muito sal hein?; sobe, espera uns quinze minutos, faz o café e coloca na nessa garrafona, entendeu? Desce com o café e me ajuda a servir com os amanteigados. Assim o café não fica frio. Preciso descer agora, o pessoal do teatrinho já deve ter chegado. Entendeu tudo?
- Entendisimsenhora.
Se ela tivesse olhado direito para a cara da empregada ela ia perceber. Claro que a moça não entendeu patavina daquela confusão de pipoca que subia e descia, aquela conta de oito vezes seiláoquê. A única coisa que a Odete entendeu era que tinha que fazer o café. “Fazer um café” é uma senha universal.
Passou uma hora, teatrinho acabando e nada da pipoca nem da Odete. Que acontecia? Saiu correndo, pegou o elevador.
- Odete, minha filha! Cadê as pipocas? – ela exclamou, berrando.
- Ainda não... eu estava... a hora... passou não... fiz o café... a senhora.
- O quê? Não é possível, Odete! Você não estourou nenhuma pipoca até agora?
- Não senhora... mas o café...
- Que café coisa nenhuma, você estragou toda festa! Acabou com a minha programação, ah, eu que sou tão organizada!
- Mas a senhora...
- Que adianta! E esse café que vai ficar gelado! Quem mandou fazer essa droga de café agora?
- A senhora.
- Humpf! Quer saber de uma coisa, Odete?
Ela estava totalmente descontrolada. Aquela festa, aquele monte de crianças, aquela descomplicação complicada, o salão sem copa, o elevador que demorava, as conversas inúteis das mães. Hahaha. Eu entendo direitinho essa mãe.
- Odete, quer saber duma coisa? - ela disse, berrando.
- Desculpa... mas o café eu fiz... a senhora...
- Odete, rua. Chega. Pode ir embora agora mesmo, você e o seu café! Estou te despedindo, ouviu bem? Arruma suas coisas agora!
E ela me conta que a pobre da Odete saiu da frente dela, quietinha, e foi arrumar as coisas. Foi embora mesmo, pobrezinha. Ela foi má? Nem pensou nisso. Imagina se durante uma festa infantil a gente pensa. As coisas têm que dar certo, só isso. Só no dia seguinte que vem o arrependimento. E nesse vazio da frustração da falta da pipoca e dos quarenta minutos perdidos, ela sentou no chão na cozinha e chorou.
Sem café. Sem pipoca. Sem empregada.
Eu entendo. É tudo tão terrível, que a única saída é tomar qualquer atitude, por mais cruel que seja. Sim, ela não foi sensata, mas dá para ser sensata em festas infantis? Pobre da Odete que virou, instantaneamente, o bode expiatório. Alguma coisa tinha que explodir. Já que não foram as pipocas, quem estourou foi a pobrezinha da Odete.
Bom. Ela conta que depois que a Odete saiu com a mala ela se levantou, limpou as lágrimas, pegou o café e desceu para o salão. Sorrindo, obviamente.
- Gente! Hora do parabéns!
E assim ela cantou, serviu o café, os malditos amanteigados, se despediu de todo mundo. Só o marido não entendeu nada quando ela contou que mandou a Odete embora.
- Mas por quê? Qual o motivo?
Ela deu de ombros.
- Por causa das pipocas... - ela olhou para a cara dele - Ah, esquece. Um dia eu te explico.

quarta-feira, 28 de setembro de 2005

as bobeiras


Era aniversário de um amigo, estávamos comemorando no Bar Balcão. O Bar Balcão tem esse nome porque não tem mesas e sim um grande balcão, todo torto, que ziguezazeia pelo ambiente. Assim, é possível passear aqui e ali e participar de um monte de conversas ao mesmo tempo.
Eu conversava com uma amiga quando ela foi ao banheiro e eu fiquei sozinha. Virei-me para o lado, onde estavam dois amigos, o A. e o M., conversando. Os dois gargalhavam de rir.
- O que foi, gente? - estranhei. Eles sempre são sérios.
- Uma coisa que a gente descobriu... – falou o M., tomando fôlego - É que você sabe, Lúcia, que nós dois somos professores.
- Sim.
- Os dois professores de arquitetura – ele continuou – de projeto.
- Sim, e daí?
Eles me explicaram o seguinte. Quando você é um professor, fica trancado na classe com seus alunos, sua matéria e sua aula, e não sabe o que acontece com os outros professores. Notam coisas, mas não tem com quem dividir. E tem coisas engraçadas que acontencem com você e com todo mundo, mas que você só descobre depois que alguém conta sem querer.
Acho que isso acontece com toda profissão, todo casamento, toda família e com todas as pessoas. As nossas questões são todas universais, tanto as preocupações, como os medos e as graças. Vivemos muito sozinhos nos nossos cantos e quando vamos conversar com os amigos somos muito formais: os assuntos certos, os filmes da moda, as viagens, as reclamações básicas. Por isso que eu gosto das bobeiras, dos pequenos detalhes, das implicâncias. São elas que, muitas vezes nos salvam desse mundo de banalidade e nos trazem para a realidade. E, de um modo ou outro, nos unem aos nossos iguais.
Eu não sabia o que falavam M. e A. , mas percebi que os dois estavam muito, mas muito felizes. Tá, os dois tinham bebido um pouco, mas desconfiei que falavam de alguma bobeira, alguma bobeira muito grande. Os dois são sérios, mas tava na cara que o assunto ali não era sério coisa nenhuma.
Eles tomaram fôlego e me explicaram.Era o seguinte. Existiam diversos alunos que tinham um modo engraçado de explicar projeto, e os dois, quando ouviam esses alunos, tinham vontade de rir, mas nunca comentaram com ninguém.
- Que modo engraçado é esse?
A. se adiantou e me explicou.
- Alguns dos meus alunos se sentam comigo para explicar o projeto e vão percorrrendo a planta como se andassem por ali.
- Tá. Eu também faço isso.
- Por exemplo. Eles me mostram a sala, a entrada da casa, a garagem, passeando com o lápis. Daí essas pessoas – e ele começou a rir descontroladamente – essas pessoas vem e me dizem “ ... pois bem, professor, aqui tem essa sala íntima, que dá na cozinha, dá no quarto, dá no banheiro, dá na suíte...” e nessa hora, Lúcia, eu tenho que me segurar para não cair na risada. Que pessoa é essa que “” tanto, na cozinha, no quarto, no banheiro?
Os dois caíram na gargalhada novamente, repetindo, “dá na cozinha, dá no quarto, dá no banheiro...”.
Pode?
Professores.
Adultos.
Quase velhos.
Depois dizem que as pessoas não gostam de bobeira.
Há. Até parece.

terça-feira, 27 de setembro de 2005

serpentina picotada



Dá muita raiva não pensar e fazer papel de idiota, não dá?
Lembramos ontem, eu e o Zé, de uma história absurda de uma burrada que ele fez anos atrás sem pensar e que o deixou com a maior cara de tacho. Só de lembrar de novo eu tenho vontade de rir. Hahaha. Engraçado.
Era de um dia de copa do mundo. Meu filho mais velho, o Francisco, era nenezinho, e estávamos assistindo os jogos em casa, só nós três. Engraçado primeiro filho. Eu ficava torcendo para ninguém fazer gol para ele não acordar, olha o absurdo. É que a gente morava perto da avenida Paulista, e quando tinha jogo o barulho era um escândalo.
Bom, uma hora o jogo começou a ficar animado. Não podíamos berrar, gritar, mas estávamos torcendo muito.
Aconteceu que o Brasil ganhou. Nem me lembro que jogo que era, mas nós dois saímos dando pulos pela casa. O Zé queria descer e ver a festa lá em baixo, mas com o Kiko nenezinho não dava.
Bom, ele precisava comemorar de algum modo. Resolveu fazer uma chuva de papel picado e jogar pela janela.
- Tem papel?
- Tem o meu papel manteiga, não vou deixar você picar.
Naquela época a gente ainda desenhava projetos à mão.
- Hum. Tem jornal velho?
- O de hoje e o de ontem, Zé. Os outros já foram pro lixo.
- Ah - ele hesitou - Não vou rasgar, não li ainda. Revista velha?
- Joguei tudo fora.
Ele ficou decepcionado.
- Ah, eu queria tanto acordar o Kiko e fazer uma chuva de papel... Ele ia achar tão lindo... Ei... tem papel higiênico?
Eu fui olhar.
- Tem só um rolo sobrando, Zé.
- Vamos jogar desenrolando, como se fosse uma serpentina? Para ficar aquele cordão comprido até lá embaixo?
Acho que ele ficou imaginando o Kiko vendo o papel voando da nossa janela. Pai é assim.
- Deixa eu usar? Ele vai achar lindo, lú!
Ele foi todo animado acordar o Kiko enquanto eu fui buscar o rolo de papel. Ele começou a fazer a maior encenação. Abriu a janela todo animado, eu percebi que ele ia fazer a burrada. Um rolo de papel higiênico é diferente de uma serpentina de carnaval. Na serpentina o papel é mais durinho e o rolo, mais levinho e pequenino. O papel do papel higiênico é fino e pi-co-ta-do, e o rolo, pesadão. Eu tentei avisar, mas ele estava mais animado para explicar para o Kiko o papel voando no céu. Segurei o Kiko no colo, e ele, ao invés de ir desenrolando devagarinho o rolinho, segurou a pontinha do papel higiênico nos dedos, fez uma pose de pai lançador e... zuim!
Tacou o rolo inteiro de papel higiênico pela janela.
Olha. Decepção é pouco. Nós morávamos no décimo sexto andar, e o rolo de papel higiênico (todo) despencou feito uma pedra até o térreo. Olhamos quando ele caiu bem no meio do gramado do prédio, dentro de uma moita. O Zé ficou com uma cara de tacho com o pedacinho de papel higiênico cortado "no picote" na mão.
O Kiko bebê não entendeu patavina e olhava para baixo com curiosidade. Ficou um silêncio geral, como se ele não entendesse o que tinha acontecido, até cairmos na risada.
- Será que é muito vexame eu ir buscar? – ele me perguntou, sem graça.
- Eu acho – respondi, gargalhando de rir - imagina se alguém vê voce sair da moita com um rolo de papel?
- É biodegradável, né? Então esquece...

domingo, 25 de setembro de 2005

a festa de familia


- Gente, não esquece. Sábado tem a festa da família do meu avô. Os italianos - anunciei na hora do jantar.
- Como assim? Onde? – perguntou um dos meninos.
- Na casa de uma prima da sua avó – respondi - Esqueci o nome dela.
- Mãe, a gente vai numa festa na casa de uma pessoa que a gente nem sabe o nome? – espantou-se a Luciana.
- Sim, filha.
- Mas fomos convidados?
- Não precisa disso. É uma festa enorme, e só por ser da família somos convidados. Sabe? As pessoas adoram quando aparecem pessoas com parentesco distante. É um medidor de sucesso. Numa boa festa familiar sempre aparecem parentes longínquos, daqueles que é preciso 4 a 5 explicações para saber quem é quem. “Olha, esse é o Chico, filho da Lúcia, filha da tia Hebe, filha do tio Benjamin que era irmão da meu avô, o tio Nenê.” Quando a festa acaba, o anfitrião pode até se gabar. “Que sucesso de festa, vieram até os netos da Dirce, de Jaú!
Os meninos me olharam com uma cara desanimada. Aquele não parecia um bom programa.
Bom, essa parte da minha família é italiana, e meus parentes italianos volta e meia se encontram em festas enormes. É muita gente, meu avô teve 10 irmãos, cada um teve um monte de filhos, cada um desses filhos teve outros filhos, que também casaram e tiveram filhos. E alguns desses filhos também já se casaram e já tiveram filhos também.
- A gente tem que ir mesmo...? – perguntou o Chico, coçando a cabeça.
- Claro que nós vamos! – falou o Zé, subitamente.
Todo mundo olhou para ele.
- Se é assim como a mamãe falou, ou seja, se é como um campeonato, temos que ir para a parte da sua mãe da família ganhar!
- Como é, pai?
- Ora, imagina se os parentes da Tia Augusta, se os parentes do Tio Paulo vão todos e os do seu bisavô Benjamin não vai ninguém? Eles vão ganhar por WO, e isso é um vexame! O avô da mamãe não merece isso!
- Zé, não inventa, isso não é um campeonato... – eu tentei argumentar.
- Ora, mas claro que é, lú! Você tem razão, as festas de família servem exatamente para isso. Para saber quem está bem, quem está mal, quem tem família numerosa, quem tem família mixuruca, quem tem mais netos e mais capacidade de reprodução, quem está rico e saudável e quem esta pobre e doente.
Ele se inflamou e olhou para os meninos.
- Por isso, vamos todos! Vamos colocar as nossas melhores roupas, vamos com o melhor carro, cada um de vocês pega o celular para a gente mostrar que tem, hahaha! Vamos mostrar que aqui ninguém tá falido, vamos lá mostrar para todos que a família da sua avó é a melhor!
Parecia que ele era um treinador de basquete. Eu estava boquiaberta.
- Zé, você não está exagerando?
Ele deu risada, decidido.
- Que nada. Não vamos deixar sua mãe ficar pra trás, ora. Vamos ganhar essa parada – resolveu o Zé, colocando até uns óculos escuros de playboy – E ai? Que acha de eu ir assim?

sábado, 24 de setembro de 2005

a beleza do insuportável




Outro dia li um livro super pesado, forte, arrasador. Esse texto, que não tinha graça nenhuma, me deixou encantada. Quando acabei, no meio da tarde de domingo, suspirei fundo, fiz um café e pensei em começar a ler outro livro que eu tinha recém comprado.
Olhei para o livro novo, mas não consegui abrir. Eu sentia uma sensação estranha. Não sei o que tomou conta de mim tem nome. O livro novo estava lá, bem na minha frente, eu queria lê-lo, tinha tempo e disposição, mas eu não me mexia. Era como se eu precisasse conter o texto já lido dentro do meu cérebro. Acho que, de algum modo, eu estava engolindo aquela tristeza, aquela sensação de agonia, bem devagarinho, lentamente.
Levei o livro novo para bem longe. A quilômetros dali. Não, eu não ia abri-lo. Seria uma traição fazer aquilo com o texto super pesado, forte e arrasador. Não sei se vou conseguir explicar. É que quando um filme é bonito, quanto um é texto bonito, uma música é bonita, eles entram na nossa cabeça e fazem um preenchimento completo. Na verdade acho que somos nós que deixamos que a coisa nos preencha, como deixamos nos afundar nas paixões e nas empolgações, nas idolatrias. Volta e meia nós nos entregamos como carnes numa churrasqueira, prontas para sermos assados.
E nem aí.
Porém quando a coisa é triste, pesada, forte, beirando o horrível, difícil aceitar que a gente gosta daquilo e que esse gostar é bom. E esse era o problema desse livro. Eu gostei da tristeza. E eu não ia trocá-la por um romance divertido.
Outro dia Pecus falou sobre isso. Só conhecemos de verdade as pessoas quando ouvimos seus choros. Acho que existe choro para tudo. Existe uma beleza estranha nos choros e nas tristezas. E tem muita gente que, embora não admita, adora tristezas.
Vou voltar ao livro insuportável. Ele deixou meu domingo triste, me deixou profundamente melancólica, eu não consegui me concentrar em mais nada e só consegui escrever a respeito no dia seguinte. Ou seja, aconteceu dentro de mim uma enorme alteração emocional. O estranho é que eu não impedi que essa sensação estranha entrasse, não impedi que ela ficasse e a mantive na minha mente. O meu inconsciente, de um certo modo, queria a insuportabilidade.
Não sei exatamente porque estou escrevendo isso aqui. É que eu nunca declarei, assumidamente, o quanto os textos insuportáveis me fascinam. As coisas boas são bacanas, mas para mim as coisas ruins são tão boas quanto. Dizem que as pessoas querem ler coisas engraçadas, divertidas, bem escritas e inteligentes. Não sei porque, mas eu gosto de coisas pesadas, tristes, sem graça, nada divertidas e muito mais passionais que inteligentes. Para minha alma estar bem alimentada, preciso de muitas risadas, mas também e de muito choro.
Passei o domingo toda borocochô, andando de lá para cá, remoendo aquela tristeza estranha.
Quando passou? Ah, só depois do Fantástico. Tem um programa de humor de duas mocinhas na Globo que é ótimo.
Ninguém é de ferro, né?

sexta-feira, 23 de setembro de 2005

as filas da diversão




Tudo tem limite. Fala a verdade.
Ontem eu falei dessa coisa ligeiramente paranóica de exercer a cidadania a qualquer custo. Comentei que não quis brigar com um engenheiro numa reunião, que não tenho paciência com atendentes de SAC, que não concordo com gente que exerce seus direitos a qualquer custo.
Acho que ficou parecendo que eu sou a maior boazinha, uma mulher super controlada, que está sempre no maior equilíbrio emocional, ponderando razoavelmente todas as situações antes de dar escândalo.
Ah, tá. Conta outra.
Olha. Adoraria, mas não sou essa monja. Tem coisas que me irritam profundamente, que me tiram do sério e que, por causa delas, já criei muito caso. São coisas que eu nem me arrisco mais a fazer de medo das minhas reações descontroladas.
Bom, uma das coisas que eu mais detesto e me recuso terminantemente a fazer é entrar em fila para me divertir ou para comer. De-tes-to fila de restaurante e cinema. Perco a paciência, não consigo conversar com a pessoa que está comigo, fico aflita, acho que tem gente passando na minha frente, brigo com a atendente, implico com a voz do maitre, tenho dor nas pernas, dou ataques, resmungo, ameaço sair dali e desistir de tudo, um vexame.
Agüento todas as outras filas, de banco, de compra de tickets, de INPS, de retirada de brindes, de pedágio, de inscrição de filho na fuvest, de vaga de emprego. Mas fila de restaurante, teatro ou cinema, dá licença, eu não consigo aturar.
Para mim, o ato de “se divertir” deve começar na hora que você sai de casa. Não consigo me divertir depois de passar por uma fila. Aliás, tem outra coisa. Já não consigo me divertir na hora que me lembro que estou pagando para ficar naquela fila para me divertir. Fila é martírio, gente. Se eu fico na fila, o meu inconsciente acha que o restaurante deveria me dar a comida de graça, o cinema deveria me pagar o ingresso, o teatro deveria me dar o melhor lugar. Afinal, eu sofri. Ficar em fila não é mole. Ainda mais se você está cansado e precisa se divertir.
Sempre foi assim. O Zé sabe disso, e, quando vamos jantar, temos que sair e ir a algum lugar sem fila. É a unica exigência que eu faço. Como essa cidade de São Paulo é lotada, poucas vezes vamos a lugares onde queremos. Podemos estar com a maior vontade de comer comida japonesa, mas se o restaurante da comida japonesa tem a mínima chance de ter fila, não vou de modo algum.
Questão de princípios. Como comida italiana, mas sem fila.
A gente acaba indo para restaurantes que nunca imaginou que fosse, daqueles às moscas, acaba vendo filmes bobos e ruins, que são os únicos sem fila, e, em muitos finais de semana, como sabemos que os restaurantes bons estão lotados e os filmes bons tem filas gigantescas, nós simplesmente...
Não vamos.
Hahahahaha.
Não sei se é a melhor saída. O melhor seria se programar, comprar antes, ir atrás, reservar mesa.
Mas não somos assim, eu e o Zé.
- Mas não vamos ver o filme? Falam que é ótimo, lú.
- Deixa. Esse filme logo sai em DVD, Zé. Questão de três, quatro meses. Vamos esperar.

quinta-feira, 22 de setembro de 2005

a mesa e a briga




Depois das crônicas sobre atendentes de telemarketing e sobre o botãozinho do aparelho da NET, fiquei me achando a maior boba. Percebi que não sou briguenta, não luto pelos meus direitos de consumidora, não discuto com os vendedores, blá, blá, blá.
Ô coisa.
Hoje em dia quem é como eu sai perdendo. O lance é brigar, ir atrás, criar caso. É preciso correr atrás dos direitos de consumidor, exercer a cidadania. As pessoas se vangloriam disso. Já tentei, mas juro, detesto. Eu pago pra não brigar.
Bom, ontem tive problemas no trabalho. Passei o dia em reuniões, e, no meio de uma delas, um engenheiro discordou de mim.
Não era uma coisa tão séria, mas ele se inflou todo e levantou a voz. Disse que as coisas não seriam daquele modo. Falou que ia tomar providências. Todo bravo.
O tom era de briga. Suspirei. Brigas e discussões em reuniões de trabalho são coisas absolutamente improdutivas. Além de não resolver nada, marcam a imagem da pessoa para sempre. O homem inflamado e eu ali, na maior saia justa. Brigo ou não brigo?
Não valia a pena, não fui além. Sei muito bem como é o “depois”. A adrenalina demora a descer, dá uma canseira sem graça, a garganta dói. Resolvi que não ia perder meu dia por causa daquele homem, depois eu nem conseguiria escrever uma crônica.
Adotei o silencio. O silêncio, dependendo do modo que é usado, é uma boa arma.
Lembrei de uma coisa absurda sobre essa coisa de brigas e implicâncias. Foi no ano passado, num dia que eu estava no Rio, a trabalho. Uma das arquitetas da obra foi almoçar comigo. Ela me parecia bacana, e ali estava uma chance de conhecê-la melhor.
Fomos num shopping ali perto. Sentamos, pedimos uma salada e uma torta e começamos a conversar.
Não deu três minutos e ela deu um grito.
- Ah, não!
Ela tinha cruzado a perna por debaixo da mesa e desfiado a calca comprida.
- Olha, rasgou! Tem uma farpa embaixo dessa droga de mesa. Logo essa calça preta, a calça que eu mais gosto.
- Ô azar – eu disse, olhando o rasguinho – é horrível quando isso acontece. Uma vez eu furei uma que eu adorava também.
- Não acha um absurdo um restaurante ter mesas com farpas? – ela bufou, toda bravinha – Eles não vêem isso? É o fim da picada!
Olha. Juro que isso seria a última coisa que eu pensaria. Mas ela continuou. Briguenta.
- Uma pessoa não pode, de maneira alguma, ter a calça furada só porque cruza a perna. Que espécie de restaurante é esse? Espelunca!
Não era uma coisa muito terrível, apenas um furo na perna da calça. Imagina se eu, naquela situação, faria alguma coisa além de falar “ah, que azar”.
Mas não. Ela estava disposta a não deixar por menos. Analisou o furo a fundo, ajoelhou no chão, achou a farpa assassina, chamou o garçom, o maitre, o sub gerente, mostrou a farpa, o furo, a calça, a mesa, falou, brigou, discutiu, ligou para o gerente, como ele não estava lá na hora do almoço, reclamou, exigiu, disse que não arredava pé até ser reembolsada, veio o gerente sei lá de onde, ela discutiu, mostrou a farpa e a calça, falou mil vezes “que absurdo”.
Eu almoçando e assistindo. Fazer o quê?
Uma hora olhei no relógio. Quando ela deu uma brecha, pedi um minuto.
- Posso falar uma coisinha?
- Ah, lúcia, desculpa, mas essas coisas me tiram do sério...
- É que... bom, eu tenho que ir embora, está quase na hora do meu vôo –disse, pegando minha bolsa.
- Que pena... olha, quando voltar me avise – ela me disse, rodeada de gerentes, sub gerentes e garçons – vamos almoçar com mais calma uma próxima vez – e ela abaixou a voz e cochichou - Mas eu não posso deixar por menos esse absurdo. Minha calça!
Adianta ganhar uma calça mas perder um almoço, uma amiga e uma conversa?

quarta-feira, 21 de setembro de 2005

a massagem


Era aniversário de uma minha amiga, estávamos num bar para comemorar. No meio das inúmeras conversas, a aniversariante reclama de uma dor que a atormentava há dias. Alguém sugere férias, alguém dá um palpite sobre uma doença, alguém recomenda um massagista.
- Um cara ótimo. Ele te vira do avesso, você sai arrumadinho. Não é caro. Aqui na Vila Madalena.
Olha, eu não gosto dessa coisa de ir a massagistas. Não falo nada pois sei que hoje em dia não gostar de massagem gera muita polêmica. As pessoas não se conformam. Se antigamente as pessoas discordavam e discutiam em reuniões por causa de partidos políticos ou opiniões filosóficas, os humanos de hoje se digladiam por causa de métodos de relaxamento e prazer.
- Imagine gastar aquela fortuna no analista. Bastava um mês de shiatsu.
- Que isso! Florais e ioga, shiatsu não adianta nada.
- Prefiro uma boa corrida e uma sauna.
- Bah. Acupuntura, gente. E muita academia.
Mas ontem não agüentei. Falei que eu jamais iria a um massagista.
E em seguida começou a indignação geral.
- Afe, lúcia, que é isso? Fazer massagem é uma delícia, relaxa, blá, blá, blá.
- Eu sei que é bom – expliquei – também gosto de fazer massagem. O que não gosto é da idéia de fazer massagem com um massagista.
- Como é?
- Acho estranho um homem desconhecido pegando em mim. Não adianta, não relaxo.
- Você está maluca, lúcia?
É isso mesmo. Agora, que estou sozinha, com calma, tempo, com minhas palavras e sem repliques indignados, vou explicar melhor.
Receber uma massagem é muito bom, muito gostoso. De massagem eu gosto. O que eu não gosto de fazer com massagistas. Das vezes que fiz, não relaxei, fiquei tensa e tive agonia quando senti aquelas mãos alheias em cima de mim.
É exatamente isso. Ser pega e amassada por mãos estranhas me deu uma enorme aflição. Não gostei de entregar meu corpo para uma pessoa que eu nunca vi, que não sei nada da vida, que não sei se tem mãos limpas, se tem energia boa, se é do bem ou do mal, apenas para sentir um misero prazer. Não, não.
Aliás, aquilo não me deu prazer.
Uma massagem é um contato muito íntimo, muito pessoal, é para ser feita com as mãos de uma pessoa sobre o corpo da outra, pele com pele. Não dá para imaginar esse contato com mãos desconhecidas. Para mim, pagar por uma massagem é um tipo de prostituição.
- E se você conhecer o massagista? – falou outro amigo, rindo – se ele for um amigo seu?
Não seria mais legítimo isso? Amigos se massagearem quando estivessem estressados?
É que detesto solução pronta, e massagem para relaxar é solução pronta. Acho que, no final das contas, as pessoas fazem massagens porque são sós. Muitas das dores nas costas, nas pernas, no corpo são dores da mente, dores de ressentimento, de raiva, de pressa, de sisudez. Muita gente resolveria a vida se, ao invés de pagar para ser massageada, ganhasse um abraço bem legal, um elogio, um sorriso, dois dedos de prosa. Essa coisa que massagem relaxa, essa comercialização do relaxamento do corpo que leva as pessoas a se venderem no meio dos shoppings e aeroportos por 10 minutos de prazer numa cadeirinha de bunda empinada me enoja. Prazer físico não se vende, gente. Prazer físico a gente sente com quem a gente gosta.
E não se fala mais nisso.

terça-feira, 20 de setembro de 2005

o eco



Eu devo ter um monte de manias que não percebo, ninguém é perfeito. Mas morro de medo de ter algumas doidices , que elas sejam comentadas por ai e virar motivo de chacota.
Olha, por causa disso que é bom ter filhos adolescentes. Eles implicam com os pais o tempo todo, precisam achar defeitos ridículos na gente para poder se afirmar, e isso nos abre os olhos. Os teus amigos nunca te avisam sobre teus defeitos, principalmente os defeitos pequenos, que não incomodam ninguém. Eles vêem, notam, mas só comentam com os mais íntimos, que também não comentam com ninguém.
E você fica ali, dando aquele vexame.
Foi assim que percebemos, eu e o Zé, uma curiosa característica numa conhecida nossa. Na verdade foi o Zé que percebeu, depois de uma conversa que tivemos com a moça numa festa. O Zé, vez ou outra, nota coisas que eu jamais veria. Como eu já disse em outros emails, ele é o maior implicante.
No bom sentido, claro.
- Lú. Reparou que a Lena repete o fim das frases?
- Como assim?
- Coisa mais esquisita. Repara, ela repete, bem baixinho, as últimas palavras das frases que a gente fala, como se ela fosse nosso eco.
- Não percebi.
- Agora que eu falei você vai perceber. Faz assim. Eu vou te explicar o que é e você vai lá falar com ela. Sem rir, por favor.
- Tá. Explica.
Ele se empertigou.
- Por exemplo. Se eu vou contar para ela que a gente mudou de casa, eu digo “... no ano passado nós saímos daquele apartamento e mudamos para uma casa”. Mas, assim que eu acabo de falar “casa”, eu ouço ela repetindo bem baixinho: “casa”.
- Como? Não entendi direito.
Ele suspirou.
- Ela sorri para a gente, assente com a cabeça e pimba. Faz o eco.
- Será que ela não quer apenas ser simpática, Zé? – argumentei - Você está implicando, a Lena é tão boazinha.
- Não, não é simpatia. É uma mania, uma maluquice estranha. Você precisa entender como que é. Vamos fazer assim. Eu vou te perguntar uma coisa e você responde. Finge que eu sou ela.
- Você vai ser a Lena?
- É.
- Tá.
Ele pigarreou
- “Oi Lúcia, onde vocês estão morando agora?”.
- Numa casa, ali, perto da escola dos meninos.
- ... meninos.
- Hã?
Ele falou bem baixinho.
- ... meninos.
- O que tem os meninos, Zé?
- Nada! Mas ela repete “meninos”, porque foi a ultima palavra que você falou!Percebe?
O Zé ria sem parar.
- A ultima palavra que eu falei foi... meninos?
- Foi! Hahaha, é assim mesmo!
- Eu não percebi. Vamos fazer ao contrário.
- ... contrário.
- Eu vou ser a Lena. Eu que pergunto.
- ... pergunto.
- Ah, pára, Zé!
- ... Zé.
- Que coisa. Deixa eu fazer a Lena e você faz você!
- ... você.
- Ô droga.
- ... droga.
Ele não parava de rir.
- Agora isso não vai ter mais fim!
- ... fim.
- Chega, não vou falar mais nada. Zé, você é muito criança.
- ... criança.
- Não vou falar mais nada. Saco.
- ... saco.

segunda-feira, 19 de setembro de 2005

o ex- ginecologista




Coisas de praxe da vida feminina: ginecologista.
Uma amiga minha tinha o mesmo ginecologista que eu. Ficamos grávidas quase ao mesmo tempo, e ele (o ginecologista) fez o parto dos dois bebês, do meu filho e da filha dela. Eu fui fiel, fidelíssima: estou com ele até hoje, o meu primeiro e o único. Gosto da idéia de um médico conhecer teu interior há muito tempo, saber do teu passado, da tua história ginecológica. Tá tudo escrito nuns papéis que ele tem na minha ficha. Engraçado, não é a vida dentro do útero, mas a vida do meu útero.
Essa amiga desistiu dele. Resolveu se tratar com uma médica mais alternativa, meio homeopata. Desapareceu, não disse nada e sumiu. Eu fiquei na maior saia justa, achando que um dia ele podia me perguntar “cadê ela”, mas ele também não abriu a boca. Bem, tive uma segunda filha, ele fez o parto. Já a minha amiga resolveu esperar mais um pouco para ter o segundo. Quando eu fiquei grávida do terceiro, ela também engravidou.
Nos encontramos numa festa infantil. Eu estava de quatro meses, ela de sete. Estávamos sentadas numa mesa conversando sobre filhos. Tem uma época da vida das mães que a gente só tem um assunto: filhos. É uma coisa completamente maníaca, maluca, mas totalmente inevitável. O assunto “bebê” sai da boca instintivamente, assim como o leite sai do peito.
Uma hora ela dá um gritinho:
- Ai!
- Que foi? Pontada?
- Não, nada disto. Olha quem entrou ali.
Quando vejo, lá está ele. O meu ginecologista, o ex-ginecologista dela, vendo nós duas juntas. Ele deu um tchauzinho e fez um gesto, dizendo que já vinha conversar. Eu assenti com a cabeça, sorrindo. Continuei a falar com ela, mas ela estava aflita.
- Você não percebe a encrenca? Ele não sabe que eu troquei de médico. E agora?
- Mas nem precisa saber, cumprimenta o cara e pronto.
- Mas ele vai ver que eu estou grávida! Uma mulher não-grávida pode trocar de ginecologista, mas uma grávida, não. Uma grávida, que ele nem sabia que estava grávida, com certeza tem... outro! Que vergonha, ele vai descobrir tudo!
Concordei com ela. Aquilo era uma traição. Mas como mulheres grávidas tem a cabeça extremamente confusa e não conseguem pensar rápido, começamos a tentar entender o que sentíamos. Encontrar um ex-ginecologista naquela situação de barriga é como encontrar um ex-marido ou um ex-namorado... Não. É pior. É como encontrar o teu próprio marido e ele descobrir você grávida. De outro. De quem? Do ginecologista? Não, grávida do teu marido mas se tratando com outro ginecologista. Não. Peraí. A traição é com o ex-ginecologista, o marido não tem nada a ver. Como não tem nada a ver? Mas o filho é dele! De quem? Do teu marido? Acho que sim, pode ser dele, mas a traição é com o outro! Outro? Quem tem outro? Confusão.
Ela estava atrapalhada, eu idem. Ficamos rindo e ela cochichando baixinho.
- Faz o seguinte, lúcia. Ele pode me ver, mas não pode ver minha barriga.
- Mas você está de sete meses!
- É, mas eu escondo a barriga embaixo da mesa.
- Como?
- É só você me encobrir. Eu fico afundadinha na cadeira. Entende? Olha só.
- É, não aparece muito.
- E você fica na frente, disfarça, fala um monte de assuntos com ele, que eu falo com aquela moça loira que está ali na frente, mãe dos gêmeos. Entendeu?
- Entendi.
- Fala bastante e leva ele para tomar cocacola na cozinha com você. Por favor.
Eu não tinha outra saída. Ela já tinha se afundado, colocou a bolsa ao lado, engatou um conversa, qualquer assunto servia, e falava, falava, falava...
E assim eu salvei minha amiga de uma terrível... traição com um ex-ginecologista. Falei um tempão com o médico, inventei dores e inchaços nos pés, levei o médico para a cozinha, blá, blá, blá.
Não sei se ele percebeu. Acho que sim, afinal ele vê mulheres grávidas o dia todo, a gente fica com aquela “cara” além da barriga... um narigão...
Ela saiu da mesa horas depois, quando o ex estava no jardim e eu avisei que o caminho estava livre. Pegou a filha, o marido e escapuliu de fininho.
Depois de dois meses o filho dela nasceu, lindinho de tudo. No ano seguinte, pimba. Encontramos o médico de novo, na mesma festa.
Adiantou alguma coisa?

domingo, 18 de setembro de 2005

sábado, 17 de setembro de 2005

a boba


Estava no escritório do meu cliente. Aquele, dos relatórios.
Enquanto ele não aparecia, eu esperava na sala de reunião. Adoro essas horas de espera. São horas permitidas, não dão sentimento de culpa, não é vagabundagem. De um certo modo, estou trabalhando. E nesses lugares não tem nada para dispersar: nem computador, nem revistas, nem pessoas. Na vida que eu levo, são oásis maravilhosos para reflexão.
Estava toda feliz quando entra a secretária, nervosa.
- Lúcia. Olha. Ele vai demorar mais.
- Tudo bem, sem problemas.
- Quer mais um café? Uma água?
Como se eu não pudesse ficar naquela nulidade sem fazer nada.
- Não, obrigada.
Ela desabafou.
- Eu vou tomar, estou exausta. Quer vir comigo? Venha, venha - ela me puxou e me levou para a copa.
- Você está abatida, Ana. O que foi?
- Estou doente, dores de cabeça, dores no corpo. Fui até ao médico, não me sinto bem. Ele me examinou e não achou nada. Falou que deve ser porque estou trabalhando demais.
- Ah. Eu sei como é.
- Me mandou tomar calmante. Detesto, falei que não tomava nem morta, calmantes me deixam idiota. Meio dãããrrrr.
- Eu também não gosto – falei.
Ela se animou.
- Ai o médico falou que a melhor coisa que eu deveria fazer era ser bem idiota e dãããrrrr! Vê se pode!
- Como é?
- Segundo esse médico, o meu problema é felicidade. Ele recomendou que eu fizesse coisas bem bobas. Na verdade, ele me sugeriu que eu deveria aprender a ser boba, pois gente boba não tem essas coisas.
- Boba?
- É, boba, meio dãããrrrr. Gente boba lê gibi, vê programa de humor desses bem babacas, ri de piada suja, manda corrente pela Internet, assiste desenho animado, programa de auditório...
Eu não estava acreditando. O médico receitou felicidade para ela, e ensinou um modo fácil dela ser feliz.
- Como é? O teu médico falou que gente boba faz isso?
- Foi o que ele me disse. Ele me disse que se eu for bem boba nas horas vagas, eu vou me divertir, eu rio e... melhoro!
- Ele te mandou... ser boba e rir?
- Isso mesmo! O remédio é exatamente esse. A bobeira e a risada, não é genial? Bom. Vamos ver se eu consigo, né?

sexta-feira, 16 de setembro de 2005

tic, tic, tic


Quando temos TV a cabo, a televisão fica ligada num aparelho transmissor da NET, que também funciona com um controle remoto.
Certo dia liguei a TV e o tal controle remoto não funcionou. Estava quebrado. Telefonei para a empresa e eles me deram o prazo de uma semana para virem trocar. Assim passamos a ligar, desligar e mudar o canal da TV apertando os botões do aparelhinho fixo.
Como a TV a cabo tem mais 60 canais, mexer manualmente é horrível. Você tem que passar canal por canal para sair de um filme e chegar numa novela. E não dá para ficar zapeando, o que já é hábito nas nossas vidas.
Bom. Um dia, à noite, fui mudar o canal e... pimba. O botão entrou pra dentro do aparelhinho. Acho que foi de tanto apertar. No lugar dele ficou só o buraquinho.
Droga. Era bem o botão que sobe os canais. Investiguei o equipamento com cuidado, e percebi que não tinha como pescar o negocinho de lá de dentro, pois o buraco do botão era muito pequenininho.
Chacoalhei.
Tic, tic, tic.
Era meu botãozinho. Estava lá.
Liguei para a NET de novo. A moça me disse que era preciso marcar uma nova visita, pois o serviço mudara. Como ela tinha aberto uma ordem de serviço só para a troca do controle remoto, o técnico que viria não poderia arrumar o aparelhinho também.
Mais uma semana. Saco.
Uns dias depois o homem apareceu. Expliquei o problema, mostrei o controle quebrado e o aparelhinho sem botão.
Ele pegou o controle velho e examinou. Abriu a maleta e tirou um outro controle, novinho. Pediu para eu assinar um papel.
A primeira parte foi fácil. Daí ele foi até o aparelhinho transmissor. Olhou, mexeu, desconectou e conectou.
- Está funcionando perfeitamente, senhora – ele declarou.
- Eu sei – respondi – Mas o botão que sobe os canais caiu.
- Sim, o botão caiu – ele reparou, assentindo com a cabeça.
- O senhor poderia recolocar, por favor?
- A senhora guardou o botão? - o homem perguntou, sério.
- Guardei.
- E onde está?
- Aí dentro mesmo – apontei o aparelhinho.
- Dentro do aparelho?
- É – eu mostrei, chacoalhando – Ouça.
- Ouvir o quê?
- O botão!
Ele me olhou, confuso. E ouviu.
Tic, tic, tic.
- Como a senhora sabe que esse barulhinho ai é o botão?
- Eu vi quando ele entrou. O botão.
- E se não for?
Eu suspirei. Ô gente complicada.
- É o botão, moço. Escuta, você não vai abrir o aparelhinho para arrumar? Abre e aí a gente vê se é o botão ou não.
- A senhora não está compreendendo. Eu não vou arrumar. Eu vou trocar o aparelho.
- Mas não precisa trocar, moço, é só recolocar o botão. Veja, está funcionando - eu mostrei, ligando e desligando.
Ele suspirou.
- Olha, moça. Se eu abrir, violarei o lacre e isso não pode. Esses aparelhos são blindados. Só a fábrica que abre.
- Blindados?
Ele virou o aparelho de ponta cabeça e mostrou uns números e umas etiquetas.
- Então, tá, paciência. Troque – suspirei, cansada.
Ele coçou a cabeça, hesitante.
- Mas acontece que eu não posso trocar.
- Por que não?
- Porque para trocar eu preciso levar o aparelho inteiro. E esse aparelho da senhora não está inteiro, pois está sem o botão que sobe os canais.
- Não senhor. O botão está ai dentro. O senhor ouviu o tic.
- Onde? Se a senhora mostrar o botão eu troco.
Eu chacoalhei de novo.
- Aqui. Ouça mais uma vez – eu declarei – Ouça!
- Eu preciso ver o botão, senhora. Ver.
Era desesperador.
- Moço, você pode me dizer, de modo bem objetivo, como fazemos para resolver o problema desse mísero botãozinho?
- A única solução é a senhora comprar outro aparelho.
- Hã? Comprar um novo?
- Sim. Custa 120 reais.
- Tá louco? Cento e vinte reais por um botãozinho?
- Eu não posso fazer nada - ele encerrou.
- Então deixa assim mesmo – resolvi, desanimada.
Isso foi ano passado. Até hoje estou com meu aparelho sem o botão. Sem não, o botão está lá dentro.
Basta chacoalhar.
Tic, tic, tic.

quinta-feira, 15 de setembro de 2005

the wall


É inevitável não ligar para um callcenter ao menos uma vez na vida.
Lembro com saudade do tempo que a gente telefonava e falava com os donos dos lugares. Hoje, quando não falamos com máquinas, falamos com... atendentes de callcenters. Acho que é por isso que as pessoas gostam tanto de blogs e celulares. Nos blogs e celulares você fala direto com os donos.
Imagine se meu “frankamente...” precisar um dia de um callcenter para responder os comentários? Ia ser um desastre. As atendentes tapadas jamais iam achar graça nas visitas, o blog ia perder credibilidade. Para criar precisamos de troca. Callcenter não é troca, é seqüestro.
Bom, não vou falar aqui dos gerúndios, não agüento mais esse assunto. Vou é dar minha opinião sobre o conceito de callcenter.
Vamulá.
Acho que as empresas que criam esses mega centros de atendimento querem justamente não atender os clientes. Um callcenter é como um muro. É uma tática muito esperta para neutralizar clientes reclamões, igual faz o Zé nas festas com os chatos. Aliás, o Zé é completamente neutralizado pelas atendentes de callcenter, ele morre de raiva daquilo. Quando ele cai em um, maltrata como pode quem atende.
- Então chama o gerente. Já. Eu que quero falar com ele, não quero que ele me ligue. Onde ele está? Onde você está, mocinha?
- ...
- Ah. Esse lugar ai não tem chefe? Então me chama o faxineiro. Eu não perguntei isso. Eu pedi para falar com o seu chefe.
- ...
- Eu não perguntei isso. Você não me ouviu. Não foi isso que eu perguntei. Acho que você está surda. Eu pedi para falar com seu chefe.
Ficamos todos desesperados aqui em casa. As crianças tapam os ouvidos. Eu saio da sala.
- Mamãe, ele está fazendo aquilo de novo?
- Está, filha, está.
- Mãe, o papai não pode maltratar assim uma pessoa. Fala para ele parar.
Ele continua. Vê-se no rosto dele uma felicidade profunda. Acho que é o famoso "sabor da vingança".
- Como assim? Para reclamar eu tenho que entrar na Internet? Então eu não tenho Internet. Acabei de não ter. Ahá. Chame seu chefe.
- ...
- Ir na loja mais próxima? Eu não quero comprar nada, eu quero reclamar do atendimento. Me chame seu chefe. Como não tem chefe?
Céus.
Mas é horrível mesmo. O caminho que eles te levam a seguir é sempre o caminho do nada. Ninguém resolve nada via atendentes de callcenter, e acho que é essa a intenção.
Pensa bem. Se você fizer um serviço mais ou menos, as pessoas pedirão para você arrumar. Vamos supor que você não está a fim de arrumar nada, já recebeu a grana e não quer ser importunado. O que faz? Primeiro, não dá o seu celular e nem o seu endereço pro cliente. Segundo, coloca uma secretária bloqueadora no atendimento, daquelas secretárias simpáticas, rápidas e automáticas mas que impedem o caminho de qualquer pessoa que tente chegar em você. Callcenter é mais ou menos isso. É um modo de impedir que o problema chegue ao dono da empresa. Aliás, a moça que atende não deve entender nada do produto que você fabrica, e, melhor ainda, nem saber quem é você. Ela só precisa saber fazer uma coisa.
Neutralizar os reclamantes.
Outro dia descobrimos que as atendentes da empresa de energia aqui de São Paulo nem conheciam... São Paulo.
- Uma referência para encontrarmos essa rua, senhora.
- É perto do Ibirapuera.
- Ibirapuquê?
- Ibirapuera.
- Isso é um bairro?
- Não, um planeta. Onde você está, moça? – perguntei.
Ela desconversou. Não está autorizada a responder essa pergunta.
- Elas ficam muito longe – me explicou um amigo que trabalha numa empresa de telefonia – No Mato Grosso, Uberlândia, Conchinchina. Em lugares onde a mão de obra é barata e os alugueis idem. Imagina se existe callcenter aqui em São Paulo.
Já pensou? Acaba a luz da tua casa e você pede para alguém lá no meio do Mato Grosso consertar o fio que soltou do poste?
Ei. Em que planeta vivemos, moça? Eu queria falar com seu chefe, por favor.

quarta-feira, 14 de setembro de 2005

bandidos e mocinhos


Ontem falei sobre pessoas chatas e a Anna, uma leitora, fez um comentário interessante. Ela levantou a questão da importância social dos chatos.
“... Tenho uma tese que os chatos de carteirinha são importantíssimos para o sucesso de uma festa, lógico que em número proporcional aos outros convidados: os bêbados, os engraçados, os tímidos, as gatonas, etc. Os chatos, quando chegam a uma rodinha, espalham todos, o que possibilita outras combinações humanas.”
A Anna tem toda razão. Para o equilíbrio de um grupo precisamos de diversificação, isso é saudável e inevitável. Se não convidarmos nenhum chato para uma festa, a pessoa menos legal da turma terá que fazer esse papel, porque todo bom grupo precisa de um chato para funcionar, assim comotambém precisa de um líder, de um bandidão, de um cafa, de uma gostosona, etc.
Lembrei-me de uma coisa que aconteceu comigo. Um dos meus trabalhos de arquiteta é gerenciar obras. Tenho que acompanhar o andamento e escrever relatórios a respeito para um cliente. No início eu apenas listava o que fora feito e comentava o cronograma. Eram textos chatérrimos, em forma de tabela, que percebi que meu cliente nem lia. Quando fazia reuniões com ele, tinha que repetir tudo de novo.
Horrível escrever coisas que ninguém lê. Comecei a escrever os relatórios de um modo diferente. Ao invés de citar o nome das empresas envolvidas, resolvi colocar os nomes das pessoas. O engenheiro fulano, a vendedora sicrana, o marceneiro tal, a arquiteta fulana de tal. Achei que o texto melhorou um pouco, mas não fiquei muito satisfeita.
Mudei mais uma coisa. Ao invés de escrever por tópicos, resolvi escrever como se cada item fosse uma pequena e curta história. Frases inteiras, com começo-meio-fim, onde os sujeitos executavam ações.
Na semana seguinte, notei que ele leu. Meus relatórios estavam menos chatos, portanto. Animada, resolvi me aprimorar. Além dos nomes e das curtas histórias, comecei a contar como eram as pessoas envolvidas, óbviamente sem me exceder. Era trabalho, não novela.
Comentei que o engenheiro estava estressado, que o mestre era meio baixo astral, que o pintor estava com problemas de saúde, que um dos marceneiros era gay, que a arquiteta coordenadora sabia comandar a equipe como ninguém. Descobri que ele leu mais ainda, afinal a obra dele tinha uma história, uma trama e personagens. Ele passou a me telefonar, curioso. O engenheiro não precisava de umas férias? Como era essa arquiteta líder? E o marceneiro gay, o que falavam dele? E ele percebeu que ele estava dentro da história também. As pessoas adoram ser personagens. E o dele era melhor ainda: o líder.
Foi quando aconteceu uma coisa engraçada. Inconscientemente ele passou a implicar com alguns dos personagens, sem mais nem menos. Como a obra corria bem, eu não entendi porque. Um dia tive um clic. Ora, a minha história não tinha nenhum bandidão. E gente, isso não tem a menor graça. Não existe boa ficção sem vilão, como eu não tinha notado isso?
Foi uma decisão bem difícil, mas tive que colocar uns bandidos na história. Ele se animou muito, pois ele, como líder, tinha a missão de exterminar o mal. Genial.
Pode ser que tudo isso seja imaginação minha, mas consegui o que eu queria: que ele entendesse a obra através dos meus textos. Funcionou. E bem.
Acho que temos um inconsciente ficcional muito maior que imaginamos. Querendo ou não, tendemos a criar personagens nos nossos imaginários. Precisamos de líderes, de bandidos, de gente engraçada, de mulheres gostosas, de chatos, de gente bege, exatamente como a Anna disse. E talvez a gente esteja fazendo exatamente isso aqui, nesse blog e nesse mundo virtual.
Só espero, mesmo, não ser a chata da turma.

terça-feira, 13 de setembro de 2005

shiiiiiiiiiiiiiiii...



Vou abordar um assunto delicado.
A chatura.
É que tem gente que é muito chata. É difícil falar isso publicamente, mas é verdade. A chatice existe e temos que aprender a conviver com ela, no dia a dia, nas festas, no trabalho. Eu morro de medo de ser chata. Tem dias que sei que estou chatinha, e nem falo muito para não ser considerada uma delas.
Deus me livre.
O que será que leva uma pessoa a ser chata? A recorrência de assuntos? Falar demais? A mania de reclamar? Falta de originalidade? A seriedade extrema? A braveza? O tédio? Para mim, é principalmente uma coisa.
A falta de humor. Gente sem humor é muito chata.
Mas nem sempre as pessoas que chamamos de chatas são chatas. Anos atrás, quando não conseguia ficar amiga de uma pessoa eu a chamava de chata. Na verdade eu era a maior sem graça, não me agüentava, e usava de métodos para me livrar da questão.
- Fulano? Um chato. Arrogante.
No fundo eu morria de vontade de conhecer aquelas pessoas tão chatas e tão... atraentes, fascinantes e charmosas. Depois de amadurecer um pouco, percebi. Não eram os outros que eram chatos, eu é que era desinteressante. Não sei muito bem o que houve, mas bastou um certo esforço e uma certa humildade para aqueles chatos de galocha todos se tornarem meus... amigos. Grandes amigos. E eu fiquei com a maior cara de boba.
Mas, queríamos ou não, existem os chatos. Fazer o quê? E eles não imaginam que sejam chatos, nem passa pela cabeça deles. Vão em festas, em jantares, em reuniões, casam-se com nossos amigos, vivem ao nosso lado. Como se não fossem chatos.
- E todos os chatos caem comigo nas festas – reclamou o Zé.
- Mas Zé... – falou o Fernandinho, nosso amigo – Você é ótimo para conversar com eles, os chatos. Você dá bola, atenção, conversa, tem assunto. Parece que não liga.
- Como não ligo?
- Você neutraliza os chatos, Zé. As pessoas deveriam te pagar por isso, sabe? Uma pessoa como você salva uma festa.
É a mais pura verdade. O Zé, com sua mania de prestar a maior atenção em todas das pessoas e em tudo que elas falam, neutraliza os chatos nas festas, almoços ou jantares. Quando ele vai nos lugares, eu e o Fernando nos olhamos e pensamos a mesma coisa. “Que alívio!”.
Outro dia, depois de um jantar de família, no carro, eu olhei para ele.
- Tava gostoso, né Zé?
- Pra você. Pra mim, foi quase como um trabalho. Eu tive que neutralizar três.
- Três?
- Três, lú.
- Você vai pro céu, Zé.
- Um céu sem odores, né?
- É.
Maravilha o Zé. Um dia vou ser igual a ele e ter essa capacidade de tolerância que só faz bem.
E tomara que os chatos não me entendam.

segunda-feira, 12 de setembro de 2005

o carrinho do supermercado III


Para finalizar todos esses pensamentos sobre supermercados e mulheres modernas, só mais uma coisa.
É sobre as embalagens.
As embalagens lindas que nos cativam e pulam dentro dos nossos carrinhos. Eu, assim como a maioria das compradoras de supermercado, não resisto a uma boa embalagem. Sim, os publicitários podem ficar felizes, pois isso funciona.
Além de gostar de boas embalagens, gosto de embalar as coisas. É uma mania que adquiri.
Embalo as coisas, como se elas não pudessem andar... nuas. Acho que isso faz parte da evolução da civilização. Assim como os homens pré-históricos descobriram a nudez e passaram a se cobrir, vivemos num mundo onde os alimentos e as comidas também passaram a se vestir. Jamais levaria um cacho de bananas pelado para o caixa. Assim, vou ao supermercado e embalo todas as frutas e as verduras, todas as carnes para elas não soltarem nem uma gotinha de sangue, os pães, para que eles não se sujem.
Acho que meu inconsciente acha que as frutas, as verduras e as comidas devem estar vestidas. Feito gente. Mas pensa. Depois que passaram a colocar etiquetas em frutas, como se elas fossem produtos fabricados, a coisa mudou de sentido mesmo. As frutas passaram a ter grifes, marcas. Porque não roupas?
Quando era menina, eu morava em São Paulo e meus avós no interior. Todas as férias ficávamos ao menos um mês de férias com eles.
Na casa dos meus avós tinha uma jabuticabeira. A árvore ficava no meio do quintal, era larga, generosa e cheia de galhos. Como ela dava muitos frutos, era uma delicia ficar horas catando e chupando jabuticabas ali em baixo.
Uma das coisas que mais me encantava era lembrar da árvore carregada. Eu sonhava com aquelas frutinhas. Aquilo era o meu sonho de consumo da minha infância. As jabuticabas. Lembrando, acho que eu era encantada pelas embalagens. Lembrar daquelas bolinhas pretas e brilhantes até hoje me dá água na boca, e me recuso terminantemente, desde que cresci e faço minhas próprias compras, a comprar jabuticabas. Tem coisas na vida que não podem ser compradas, ora. São e sempre serão grátis. Imagine pensar em jabuticabas embaladas e com etiqueta. Nunca.
Mas embalagem é tudo hoje em dia. Nós mesmas, as mulheres que vão ao supermercado, nos embalamos. Acho que no fundo, todas também queremos ser escolhidas, pegas e colocadas nos carrinhos do supermercado.
Nos ensinam receitas de como viver melhor, nos mandam acabar com celulite, não comer pizza, fazer um montão de ginástica, tudo para ter um corpo esplêndido, uma imagem bacana, saudável, e comível. Nos vestimos para sermos consumidas, definimos nossos preços, escolhemos nossas prateleiras.
Não é?
É o nosso mundo. Paciência.

domingo, 11 de setembro de 2005

o carrinho do supermercado II




Sabe o que é legal nos supermercados? É que é um consumo necessário. Não adianta achar que conseguimos sucumbir ao consumo. Conscientemente sou contra, falo mal dos shoppings, mas meu inconsciente adora comprar.
Fazer o quê.
Tenho uma amiga que disse que o novo sonho de consumo dela é ser o contrário do que ela é. Ela queria ter apenas uma coisa de cada. Um sapato, uma única bolsa, um único perfume.
- Mas isso está longíssimo de acontecer. Acho que demorarei uns dez anos para acabar com todas minhas roupas, sapatos e perfumes – ela desabafou, triste.
Já vi gente ter sede de consumo, mas sede de desconsumo foi a primeira vez.
Bom, por isso eu assumo. Adoro ao supermercado. Lá eu sou obrigada a comprar, ao contrário do shopping, onde eu tenho que me conter o tempo todo.
Entro e vou direto para as bebidas. Se não comprar as bebidas no começo, jamais comprarei no final. Elas só vêm para minha casa se ficarem escondidas. Sempre compro uma bebida nova, acho o máximo pessoas que tem bar em casa e ano passado resolvi, ali, sozinha entre as gôndolas, montar um bar só meu. Licor, campari, vinhos, saquê, vodka, cachaça, grappa. Cada dia uma novidade. Só ainda não tem Alexander, a bebida predileta da Márcia.
Calma, eu chego lá. E aceito sugestões.
Depois os refrigerantes. Adoro ter a geladeira lotada deles. É outra cafonice assumida. Loto o carrinho de coca cola em lata, que é mais bacana. Bem que eu dizia pra minha mãe que ela não devia proibir tanto.
Deu no que deu.
Nos salgadinhos eu hesito. Compro amendoim, castanhas, batatas e cheetos? Sim. Não. Sim. Não. Engorda, vai direto pro culote. Sim. Não. Sim. Pronto, comprei. Escondo no meio das latas de coca. Melhor nem ver.
Vou para o leite. Leite tem uma caixinha boa de colocar por baixo de tudo. Do leite, passo para o pão. Isso é errado, eu deveria colocar o pão por último, em cima, mas ele está ali ao lado e eu não resisto. Até o resto da compra eu sei que terei que ficar arrumando o pão, mas não consigo sanar esse erro de logística.
Do pão, aos frios. É necessário montar dentro do carrinho um compartimento gelado. Adoro organizar os frios e laticínios, eles se encaixam bem. Dali, direto para as carnes.
Olha. Por mais que tenham inventado os modess de carnes, as embalagens ainda vazam sangue. Isso, para um carrinho organizado como eu pretendo que o meu seja, é o caos. Já cansei de pedir que coloquem sacos plásticos ao lado das carnes, para que eu possa reembalá-las, mas nunca me atenderam. Eles realmente acreditam nas almofadinhas absorventes. Tenho que ir até os frangos, me munir de saquinhos e embalar uma a uma.
O próximo passo é o corredor da limpeza, a alegria da Maria, minha empregada. A lista que ela faz é cheia de detalhes. Veja Perfumes da Natureza azul claro. Ajax Rosa aquele da tampa grande. Vanish mas o de potinho. Limpa Vidros Cristal só o refil. Lustra Móveis Sabor Mel não o quadrado. A organização da limpeza é a hora mais complexa da compra. Tenho que achar um lugar entre as garrafas e os leite, sem contaminação. Muitos produtos ficam lá embaixo, no porão.
O papel higiênico é outro problema, ocupa muito espaço. Quando as pessoas vão inventar um carrinho estante? Seria muito mais legal.
Daí chego nas latas e mantimentos. Bico. Arroz. Macarrão. Óleo. Azeite. Tudo fácil de ajeitar, uma delicia. Quase por último, os biscoitos, também otimos de arrumar e os chocolates, que compro escondido de mim mesma e tento esconder sem muito sucesso, já com o carrinho quase lotado.
Quando chego nas frutas, estou exausta. Quero fugir, mas sei que as coisas estão apenas começando.
Aquele é o lugar de mais difícil logística de colocação, porque tudo vem desembalado, precisa ser escolhido, não tem forma exata e os produtos ou são muito leves ou muito pesados. O ideal, se eu não fosse maníaca, paranóica, demente e cheia de manias, seria pegar outro carrinho e colocar só frutas e verduras. Mas não, eu insisto em usar o mesmo, como se o fato de usar um segundo fosse uma... derrota.
Embalo tudo e penduro, como se o carrinho fosse um varal. Até a banana e o melão eu embalo, tenho a maior implicância de gente que não embala. É coisa de gente da cidade, cheia de frescuras.
Quando me dirijo ao caixa, descubro que não tenho onde colocar as laranjas e as batatas, que sempre levo nos braços, como se fossem meus filhos. E, com o carrinho albalroado, pesadérrimo mas único, me sinto vitoriosa.
Eu e meu carrinho arrumadinho.
Ô satisfação.

sábado, 10 de setembro de 2005

o carrinho do supermercado I



Ontem a Márcia e o Pecus falaram sobre carrinhos de supermercado. Como eu faço supermercado todos os sábados para abastecer a casa, tenho milhões de teorias.
Só nesse supermercado aqui ao lado eu já devo ter ido mais de 350 vezes. Um dia vou medir o quantos quilômetros já percorri entre as gôndolas.
Mas essa não é a questão. O que eu quero falar é sobre o carrinho.
A regra é a seguinte. Pegamos um carrinho na entrada, colocamos dentro dele tudo que precisamos, paramos diante do caixa, pagamos, colocamos tudo embalado em outro carrinho e levamos para as nossas casas. Quando temos que adquirir poucos itens a coisa é fácil, mas quando a intenção é abastecer uma casa por mais de uma semana é outro negócio.
É preciso or-ga-ni-za-ção. Se você não planejar direito, não cabe tudo num carrinho só. Quando percebo que comi bola, organizei mal e que terei que pegar outro, me dá a maior raiva. É como se eu falhasse na minha missão semanal.
Acho que é uma coisa feminina e ancestral. Organizar bem um carrinho, para a gente, significa ter as coisas em ordem, uma casa funcionando, uma vida estabelecida. Espelhamos nosso mundo naquele recipiente com rodinhas. É maravilhoso conseguir dar conta de tudo ali, carregar as carnes, as bebidas, o papel higiênico, os produtos de limpeza, a comida do cachorro sem nos atrapalharmos. Na nossa vida de mães, de profissionais, de donas de casa, de amigas, de filhas, de executivas, de esposas e até de blogueiras também não podemos também misturar assuntos. Na hora que empurrar os carrinhos, inconscientemente, empurramos nossas vidas. É muito importante para nós, mulheres, provermos nossas casas com maestria.
Suprir, encher, preencher, cuidar, abastecer, não é esse o intuito? Mas o controle total da vida é difícil, nós, mulheres, nos damos funções demais. Temos que trabalhar, cuidar dos filhos, da empregada, ir ao banco, pagar contas, ir nas reuniões da escola, pegar trânsito, queremos caprichar, achamos que damos conta de tudo, mas sempre fica tudo mais ou menos e a gente um pouco frustrada.
Por isso que eu gosto do meu carrinho. Hehehe. Ali, naquele microcosmo, a coisa tem outra escala. É como se eu minimizasse a minha vida naquelas quatro rodinhas. Ali a minha cachorra tem sua ração, a minha família está alimentada e limpa, os nossos vícios estão mantidos e tudo está em paz. Supro todas as necessidades básicas, e, se eu conseguir fazer aquilo com organização, ah, estarei perdoada da bagunça das minha vida, da minha casa e do meu casamento. Afinal ali, no carrinho, tudo está em ordem, o sangue da carne não mancha a brancura do pão pullman, os produtos de limpeza estão no canto oposto e a bebida do Zé está garantida.
Afe.
Como eu me sinto eficiente num supermercado.
E estando tudo em ordem, posso sonhar. Escolher as melhores batatas, levar um vinho, comprar um bacalhau, pegar um shampoo diferente. Vai dizer que isso não é desenhar uma história? Não sei, eu sempre exagero, mas impossível não achar que aquele carrinho é meu passado e meu futuro.
Aliás, está na hora.
Lá vou eu carregar minha vida até o caixa.

sexta-feira, 9 de setembro de 2005

antes e depois


Tá, vocês pediram e aí vai: o antes e o depois da Marisa Letícia. Vejam. Os lábios cresceram, estão inchados e não é tombo nem excesso de beijo.
É botox ou silicone.
Óbvio.
Fiquei com esses labões na cabeça o dia todo. Mas além dos labões, tem outra coisa esquisitérrima que as mulheres andam fazendo com suas bocas. É um tratamento que faz os cantinhos da boca subirem, como se a mulher tivesse sempre sorrindo. São injeções que, por algum motivo, levantam as laterais da boca, como se você fosse o .... Ronald Mac Donald. Aliás, considerando-se a quantidade de tintura vermelha existe por ai, muitas de nós estamos realmente parecidas com ele.
Esse tratamento é das coisas mais estranhas que já vi. Minha mãe encasquetou de fazer, outro dia. Queria porque queria.
- Vou fazer. Quando a gente fica velha a boca cai, filha.
- Mãe, cai nada.
- Fica murcha, feia, não tem jeito. Você ainda é moça. Espera chegar nos sessenta, como eu.
- Você está ótima. Não tem nada de caído na sua cara.
- Tem sim. Minha boca. E os cantinhos dá para levantar.
- Como se você usasse pregadores de roupa, você quer dizer.
- A doutora falou que fica bem bonito – ela me mostrou, segurando a boca com a mão.
- Você quer ficar com essa cara de varal? Só falta colocar botox. Com botox no meio e injeções dos lados, mãe, você vai parecer um lençol na ventania.
Quase que ela fez, a maluca da minha mãe. Só não pôde porque toma um remédio que não podia misturar com outras drogas.
Ufa.
A Mônica Waldvogel fez, eu tenho certeza. Basta observá-la no saia justa. Ela fica rindo-séria, parece uma boba. Fiz um outro antes e depois dela e coloquei ai em baixo.
Eu também já quase fui seduzida pela hipnose botoxiana. Uma vez fui num dermalologista super bem recomendado para tirar umas pintinhas do braço e da barriga.
O cara era todo bacanão. E sedutor. Primeiro ele me elogiou, falando super bem da minha pele. Olhou minhas pintas, tirou uma delas rapidinho e voltamos para a sala de consultas. Ele me deu uma receita e, do nada, me olhou de novo e levou um susto teatral.
- Que foi? – perguntei, assustada.
- Nossa. Sua testa, lúcia.
- Que é que tem a minha testa?
- Uma pena, tsc... uma pele tão boa como a sua, bem que você podia tirar essa linha de expressão entre seus olhos. Você fica com um rosto muito preocupado, muito tenso – disse o sem vergonha do médico vendedor de botox – Já pensou nisso?
É horrível quando alguém vê algum defeito na gente. Eu me senti a maior feiosa, mas fiquei firme. Desgraçado.
- Eu? Imagina. Uma ruguinha de nada. Nunca me preocupei.
- Mas devia. Você envelhece demais com ela.
Ai que raiva daquele mediquinho.
- Olha... – e ele começou a falar baixo, como se me contasse um segredo – ... amanhã vou aplicar botox numa paciente. Não vou usar a ampola toda, e, se você quiser, posso colocar um pouco em você – ele fez uma pausa e sorriu - Pela metade do preço. É que quando abrimos uma ampola temos que usá-la toda.
Meu queixo caiu.
- Hã?
- É pegar ou largar.
- Doutor, o senhor está me propondo colocar um botox de saldão? É um tipo de liquidação? Não, obrigada. Adoro a minha ruga. É herança do meu falecido pai.
Ele ficou sem graça, disfarçou e eu nunca mais voltei ali.
Olha. Não adianta a gente querer levantar as coisas já caídas. Ou arrumamos um modo de descobrir beleza na idade ou nos transformaremos numas palhaças com cara de travestis.
E o que eu disse pro mediquinho é verdade. Adoro a minha ruga no meio dos olhos. É a grande herança que meu pai me deixou.

quinta-feira, 8 de setembro de 2005

boca de sapo

(foto do jornal o estado de são paulo de hoje)

Gente do céu, mas será que ninguém vai falar nada sobre a boca da dona Marisa Letícia? Olhem para ela no jornal de hoje. Ninguém vai perguntar ou tentar entender o que aconteceu com o lábio superior dela?
Olha o labão da primeira dama, gente! A mulher está totalmente deformada há algum tempo e ninguém comenta nada. Será que é uma herpes gigante? Um resultado de um soco na cara? Sapinho?
Que nada. É um tratamento de beleza.
Mais uma para a turma das senhoras com labões.
Virou uma coisa comum. Sem mais nem menos, de um dia para outro, quando a gente menos espera, pimba. Lá surge uma senhora pública com seus dignos sessenta anos e com esses indignos labões. É um fenômeno inexplicável que assola as senhoras do nosso país. Mas eu não entendo para que inflar os lábios superiores e transformá-los nuns labões gorduchos, se com isso você não fica bonita, sexy e nem mais jovem? Quem foi que inventou que isso rejuvenesce, emagrece ou embeleza? Que é que elas pretendem, com essa síndrome de Mick Jagger?
Alem disso, acho muito estranho alguém acabar com as rugas inflando a pele da cara como se fosse um balão. Fazer plástica vá lá, mas esse método botoxiano de estufar as mulheres é infantil e tolo. Claro que se a gente encher a cara de ar ou qualquer outra coisa a gente não vai ter ruga. Mas ficamos com cara de balão!
Bom, se ninguém fala, eu falo.
- Dona Marisa, me ouça e pense um pouco. Pára com isso. Melhor ter pé de galinha do que boca de sapinho.
Hahaha.
Ou sapão...

quarta-feira, 7 de setembro de 2005

o milagre ao contrário


Uma terça feira antes de um feriado.
Acabei de buscar o João na escola. Ele ia ficar lá para jogar bola, mas me ligou pois começou a chover muito forte. O dia ontem estava estranho. Pela manhã estava apenas nublado, mas, de repente, a troco de nada, escureceu completamente, fez-se um vento súbito e começou a cair muita, mas muito água.
- Mãããe - ele gritou do orelhão - Vem me pegar? Está chovendo muito aqui!
- Espere uns 10 minutos e eu saio. Se eu for agora, você vai se molhar todo para entrar no carro.
Dali a pouco, fui. Só garoava. O menino entrou no carro.
- Nossa, mãe, que coisa estranha.
- Porque?
- Foi assim. Acabou a aula e a gente ia jogar bola no campão. Estávamos conversando, estava tudo bem, tranqüilo, a gente rindo, quando de repente... veio aquilo.
- A chuva?
- Aquilo não era chuva, mãe. Sei lá, foi uma escuridão, um fim de mundo. Um horror... - e ele pensou um pouco - Olha. Acho que aquilo foi como um milagre ao contrário.
- Milagre ao contrário?
- É. Como uma desgraça, desgraça não é contrário de milagre? Mas desgraça tem morte, tragédia, que é coisa pior.
E ele me olhou sério.
- Olha, mãe, aquilo que aconteceu com o tempo foi apenas uma milagre ao contrário. Sem desgraça.

terça-feira, 6 de setembro de 2005

os flaconetes


Estávamos viajando. Eu e o Zé adoramos viajar de carro com os filhos, viagens longuíssimas, de cidade em cidade. O problema é que, como o Zé enjoa no banco do passageiro, ele guia a viagem toda. É cansativo, mas ele prefere assim.
- Melhor cansar que enjoar.
Ele enjoa até em táxi. Uma vez pediu para o motorista deixá-lo dirigir.
- Eu não quero vomitar no carro do senhor. Ou eu dirijo ou desço.
O homem concordou. Sentou ao lado e o Zé veio dirigindo o táxi até em casa.
Mas não vou dispersar, estava contando da viagem. Naquele dia o percurso foi longo, já tinha anoitecido e ainda não tínhamos chegado ao destino. As crianças dormiram, eu estava com sono, e percebi que o Zé também estava.
- Vamos parar e tomar um café? – sugeri.
- Ótimo, vamos. E eu vou comprar um flaconete.
- Vai comprar o quê?
- Um flaconete.
Lembrei. Na viagem anterior, paramos num posto à noite e ele comentou com frentista que estava com sono. O homem sugeriu a ele que tomasse um energético, um liquido com guaraná em pó e catuaba vendido em tubinhos de plástico, que “acorda” a pessoa. Disse que o negócio se chamava “flaconete”, e, segundo o frentista, a coisa era forte pra burro. Acordava chofer de caminhão e levantava defunto.
O Zé achou aquilo o máximo. Entrou na lanchonete e voltou com um monte de tubinhos.
- São flaconetes, gente. Choferes de caminhão que tomam isso – ele explicou, todo exibido, abrindo e bebendo todo o conteúdo de um gole só.
- Éca, pai!
Olha. Eu não sei até hoje se esse negócio faz bem ou mal, se os choferes de caminhão tomam mesmo, e nem se chama flaconete mesmo. Mas sei que o Zé adorou essa palavra, faz uma gracinha e assovia no final, e, desde então, procura flaconetes por todos os postos de beira de estrada do Brasil.
- Vai tomar de novo aquela coisa nojenta, Zé?
- Vou. Preciso acordar. Aqui nesse fim de mundo deve ter. Olha o naipe do posto.
Tomamos o café. Na hora de pagar, ele pediu todo exibido para a moça do caixa.
- Por favor, um flaconete.
Como se fosse a coisa mais normal do mundo alguém comprar flaconetes durante a noite num posto.
- Como que é?
- Um flaconete, por favor.
- Não entendi o que é que o senhor quer. Repete.
- Um flaconete – ele repetiu, sério.
Eu tive vontade de rir. A moça olhava como se ele fosse um doido.
- Escuta. Como que chama essa coisa que o senhor quer?
Impassível, ele repetiu.
- Flaconete.
Eu caí na risada.
- O que é isso? – ela perguntou, estranhando – É bala? Cigarro? Bebida?
- É um tubinho assim – ele mostrou o tamanho com a mão – com um líquido marrom. Flaconete. Para não dormir na estrada.
- Hã? Para dormir?
Eu já teria desistido, mas ele não. O Zé, quando encasqueta, é fogo.
- Não, é para acordar. Flaconetiii.
- Acordar? Mas é o quê essa coisa?
- Vocês têm ou não tem flaconete?
Ela deu de ombros.
- Se eu soubesse o que é.
- Um energético. Para tirar o sono. Flaconete.
A moça suspirou, abaixou, pegou alguma coisa em baixo do balcão e entregou para o Zé. Era um papel e um lápis. Olhou para ele e disse, seríssima.
- Será que senhor pode desenhar?

segunda-feira, 5 de setembro de 2005

as chaves do futuro



Uma das grandes questões do mundo moderno, ainda não totalmente discutida, é a senha.
Ontem falei sobre números de telefones e alguém se lembrou delas. Para tudo que a gente faz hoje em dia, precisamos de uma senha. E o ideal é que as senhas sejam memorizadas, nunca escritas ou anotadas, para garantir a sua confidencialidade.
Ora, as senhas são as chaves do mundo virtual. Por trás de cada uma delas há um segredo, assim como atrás de cada porta existe um tesouro. A coisa tem mais sentido ainda se considerarmos que uma porta na Internet é praticamente uma porta no meio da rua. Imagine uma porta aberta em plena rua. Se a porta for num local movimentado, pior. Um perigo. Por isso, dá-lhe tetrachave, ops, tetrasenha.
Tem a senha do banco, a do computador, a senha do Orkut, do blogger, do haloscan, do avatar, do UOL, do Hotmail, do grupos Yahoo, do cadeado da mala, do Skype, do elevador da obra, do cartão redeshop. E nem sempre dá para colocar o mesmo número em todas.
Acho que daqui a pouco todas as chaves do mundo virarão senhas. Vamos ter senha do carro, senha da casa, senha do escritório. Ao invés de usar chaveiros, usaremos senheiros. Engraçado pensar num objeto que não existe. Como serão os senheiros? Ficaremos em pânico ao perdê-los? Teremos cópias dos senheiros? Indo além nessa mesma linha de pensamento, se eu fosse chaveira hoje em dia estaria apavorada. Esse é o típico emprego que está em franca extinção. Os chaveiros do mundo deveriam começar já uma campanha, “salvem os chaveiros, diga não aos senheiros”. Aliás, “senheiro” é uma profissão em ascensão, preciso dar essa idéia aos meus filhos, que logo entram na vida adulta: monte hoje um empresa desvenda-senhas séria, com profissionais competentes e honestos que com certeza você ficará rico no futuro.
Engraçado isso.
Imagine-se no futuro chegando em casa depois de um mês de férias e esquecendo a senha da casa.
- Querida, não adianta, não me lembro!
- Amor, não esquente a cabeça. Vamos chamar o senheiro do papai, que ele é de confiança. Você sabe, depois da esclerose ele precisa do rapaz todos os dias.
E óbvio. Existirão os personais-senheiros, para aqueles que não prestam atenção em nada.
Agora sério. O problema é que a senha é um negócio que depende só da nossa cuca. E olha, não é por nada não, mas é um perigo uma coisa depender só dos nossos miolos. No caso das senhas, eu confesso, eu uso métodos de memorização absurdos, como aqueles da crônica anterior. Numero do começo do RG com a data do nascimento do filho com o aniversário da avó. Número da casa com o número do armário do clube. Numero do cep da casa antiga com o a letra do nome do vizinho. O problema é lembrar.
Aqui em casa tivemos que criar até uma senha-palavra para a empresa de segurança. Quando o alarme dispara, eles telefonam e temos que dizer a senha se tudo estiver bem. Mas criamos uma senha tão engraçada e absurda que a cada vez que o alarme dispara, temos todos um acesso de riso.
Já no Skype eu tive que me inscrever de novo. Deve existir uma Lúcia Carvalho perdida lá dentro porque a dona da conta, no caso eu, perdeu a senha. E nesses casos, como não custa nada fazer outra inscrição, me abandonei na net.
Não foi a primeira vez que perdi coisas por causa da senha. Perdi um texto que eu adoro por causa de uma senha. Aliás, um dia eu criei um arquivo “senha” com todas as minhas senhas, mas coloquei uma senha diferente das minhas senhas para entrar no arquivo senha e babau. Tranquei tudo para sempre. Está tudo aqui comigo, mas inacessível.
Mas eu morro de medo mesmo é de esquecer a senha do blogger. Já imaginou não poder postar por causa da senha?
Frankamente...

domingo, 4 de setembro de 2005

intimidades modernas


Em primeiro lugar, a tal crônica do Zé. Eu sei que deve ter perdido a graça, mas promessa é dívida.


- Bom, então é isso, Lúcia. Me dá o numero do seu telefone que eu te ligo amanhã – ela me disse.
- Anota aí, Fernanda. Sete-quatro-dois, dois-dois-um-cinco.
- Nossa, que bárbaro! Facílimo! Já decorei.
- Facílimo?
Eu estranhei. A Fernanda sempre foi maluca, mas nem tanto.
- É. Eu uso uns métodos para decorar telefones. Sete e quatro, onze, que é um mais um, que dá dois. Ou seja, já decorei o “sete-quatro-dois”. E o “dois-dois-um-cinco” é bico, pois é uma soma. Dois, dois e um, cinco.
- Ah – exclamei, surpresa com a maluquice - Que jeito estranho de guardar um telefone.
- Você não decora assim?
- Eu escrevo na agenda.
- Eu não. Ou somo ou associo às coisas da minha vida. Por exemplo, “sete-quatro-dois” também parece o número da minha casa antiga, que era “sete-sete-dois”, e “dois-dois-um-cinco” é vinte e dois, que... hummm... que é o dia do aniversário do Alê, meu ex-namorado, e quinze é o final da chapa do meu carro. Viu como é fácil? Minha casa antiga, o aniversário do Alê e chapa do carro.
Nossa. Jamais conseguiria chegar à esse nível de sofisticação para memorizar um reles número. acho até que que seria mais fácil decorar o número do que a seqüência de fatos.
- Isso serve para números mais complicados, como o seu – ela explicou - Já o meu celular, que tem um número facinho – e ela falou rapidinho – “nove-três-dois-um, quatro-cinco-zero-um", eu...
- Esperai, esse número é facinho?
- Óbvio que é facinho. Olha, tirando o nove, o três-dois-um é bico, é uma sucessão decrescente. O quatro cinco é minha idade e zero-um, ah, zero-um nem conta, né?
Depois disso tudo, tive dificuldades de lembrar o meu número. Como tem gente que consegue?

Eu passei o dia ontem tentando entender essa mania maluca que as pessoas tem de memorizar pelos métodos mais complicados. Mas acabei pensando noutra coisa.
A questão não é a memorização, e sim a quantidade de coisas que temos para memorizar hoje em dia. É telefone, endereço, e-mail, nomes de blogs, nomes do Skype, do Orkut. É óbvio que tem alguma coisa errada. Porque não podemos ter um mesmo número para tudo?
E vocês já reparam como cresceu a quantidade de números de telefone? Além dos telefones de casa, que agora todo mundo tem dois ou três, cada pessoa da família, até as empregadas, tem um celular.
Olha que loucura. Acho que quantidade de números de telefone cresceu mais que quantidade de banheiros. Quando eu era menina a gente tinha um telefone e dois banheiros em casa. Agora, tenho nove telefones e quatro banheiros.
Nossa, nove, que absurdo. Três fixos e sete celulares, um meu, um do Zé, um de cada filho e um pós pago baratinho que os meninos revezavam antigamente e que hoje fica na cozinha, para quem precisar. Acha que é mole decorar tudo isso? Depois eu dizia que me incomodava com o número de privadas das casas, ora, privadas eu tenho até de menos, gente. Aqui em casa temos menos privadas que pessoas, tou reclamando de quê?
Bom, acho que preciso pensar um pouco para entender porquê, em trinta anos, os humanos passaram a precisar ter sua própria privada e seu próprio telefone. Será que dividir telefone também não é higiênico?
Bom. Dispersei um pouco, né, Zé?
Mas pelo menos privada não tem número pra decorar.

sábado, 3 de setembro de 2005

a idéia do Zé



- Eu vou te dar uma idéia pra uma crônica, lú.
- Você, Zé?
- É.
- Uau. Nunca vi você ligar para as minhas crônicas.
- Não fala assim. Eu já te dei uma idéia uma vez e você desprezou. Aquela do homem da lanchonete que gritava “omééélete”.
- Aquilo era uma crônica muito boba. Tinha graça contando, mas escrevendo não funcionava.
- Ah, vá. Era ótima a crônica do homem do omelete. Você que não soube escrever.
- Vá, diz ai qual é a sua idéia. Tou curiosa.
- É assim. É uma crônica sobre um tipo de pessoa.
- Um tipo de pessoa?
- É.
- Continua. Eu gosto de crônica assim.
- Bom, esse tipo de pessoa um dia pergunta qual é o seu número de telefone.
- Hã? Que tipo de pessoa que pergunta meu telefone?
- Pérai, deixa eu explicar, pô.
- Não estou entendendo nada.
- Mas eu nem comecei, lú!
- Imagina quando começar. Hahaha.
- Dá para parar de tirar sarro? Eu posso falar? Que coisa.
- Pode. Vai, fala, Zé.
- Bom, esse tipo de pessoa, que eu ainda não expliquei, pede o seu número de telefone. Eu sei que é estranho esse jeito de contar, mas é que tem a ver o tipo da pessoa com o telefone. Precisa ter paciência para entender a graça da história.
- Tá.
- Daí você fala o número. Vamos supor que teu telefone é sete-cinco-dois, dois-um-dois-cinco.
- Tá. Meu telefone é sete-cinco-dois, dois-dois-um-cinco.
- Bom, daí essa pessoa, quando ouve o teu telefone, fala pra você assim: “sete-cinco-dois, dois-um-dois-cinco? Ah, que bárbaro! Nossa, é facílimo!”.
- Zé, mas sete-cinco-dois, dois-um-dois-cinco, não é facílimo nem aqui nem na china.
Ele morria de rir sozinho.
- Eu sei, claro que não é. Ai que está a graça, lú! Hahahahaha!
- Que graça?
- Perai que eu já acabo – ele tomou fôlego, mas segurava o riso – Daí, depois que essa pessoa fala que esse número é facílimo, ela vem e faz uma associação bem ridícula, bem absurda.
- Hã? Associação de que?
- Desse número com uma soma, uma conta, com uns aniversários, umas idades disparatadas. A pessoa vem e fala “sete e cinco, onze, onze é um mais um que é dois, depois dois mais dois mais um é cinco. Facílimo, já decorei!”. Entendeu?
Daí ele caiu na risada mesmo. Rolava de rir.
- Zé. Mas... Sete e cinco não é onze. É doze.
- Ah, tá. Mas isso não importa. Finge que o número era quatro, tanto faz - ele explicou, rindo.
- Qual número?
- Ô coisa, não importa o número geral, lú, importa é a pessoa que acha uma combinação absurda só para falar que é facílimo. Gente assim é muito comum, é irritante!
- Me perdi. Fala tudo de novo.
- Você não achou graça?
- Zé. A graça está na pessoa, no número ou na conta?
- No tipo de pessoa que faz associações, entende?
- Zé, nunca vi uma coisa tão complicada para se contar. E para se achar graça. Não vou conseguir.
- Não é não. Basta você fazer um diálogo legal. Essa história do número fácil e bárbaro de telefone é engraçada demais. Eu e o Fernandinho morremos de rir ontem.
- Você e o Fernandinho riem das coisas mais sem graça que tem. Eu acho que prefiro contar a história do omelete.
- Vai por mim, vai dar uma crônica ótima. Você começa assim... “ei, me dá seu número de telefone?” ...dai vem o outro e fala... “Meu telefone é sete-cinco-dois, dois-dois-um-cinco
- Zé, sete- quatro. Senão a conta dá errado.
- Tá, tá, sete-quatro...
- Okay, Zé, Okay. Amanhã eu escrevo. Prometo.

Olha, só de lembrar do Zé eu estou rindo. Gente, tentarei. Amanhã, aqui no frankamente... teremos a sensacional crônica desse tipo de pessoa que faz a maior associação para decorar os telefones. Tá?

sexta-feira, 2 de setembro de 2005

a papa mole

(ilustração do ziraldo)


Demorei mas cheguei na leitura. E nessa leitura não teve velhinha nenhuma. Aliás, chega de falar de velhinhas. É que tem assuntos que se encompridam por causa da minha mania da livre associação. Quando eu acho engraçada uma coisa, dou trela, vou levando adiante.
Bom. Eu queria contar aqui uma experiência incrível que aconteceu no começo dessa semana. Uma leitura que uma amiga, a Ivana, fez de uma peça de teatro que eu escrevi.
Desde pequena escrevo textos que chamo de “peças de teatro”. Sempre inventei histórias, diálogos, cenas, tramas, namoros, novelas. Sempre adorei escrever as frases que minha mãe falava, as coisas que minha irmã dizia, que minha avó contava, as gracinhas dos amigos, as bobeiras ditas pelos filhos. Quando era mocinha e me apaixonava, escrevia as cenas de amor, imaginava encontros. Até as brigas e discussões eu gosto de reescrever, aliás, são meus textos prediletos. E sempre achei que esses diálogos só tinham graça se tivessem histórias. Começo, meio e fim.
Como pequenos filmes.
São escritos desordenados, desabafados, bagunçados. Nunca achei que esses escritos desordenados eram literatura. Para mim são apenas um modo de entender a vida, acho que nunca tive teoria nenhuma sobre eles. Eu apenas lembro, escrevo, sonho, escrevo, ouço, escrevo, rio, escrevo. A cada palavra escrita sinto que encolho um pouco e que o texto cresce. A cada linha noto o quanto somos restritos perto do ilimitado alcance das palavras.
E eu faço pior, é inevitável. Depois de escrever, eu leio, depois releio, depois reescrevo tudo de novo. Tudo isso diversas e diversas vezes. Imagina só como as coisas ficam remoendo dentro de mim. Resumindo, quando, enfim, engulo as palavras, nem sólido mais é.
Uma papa mole.
Um dia encontrei a Ivana, que é escritora e que resolveu me adotar, de um certo modo. Eu conheci a Ivana aqui no blog. Olha que coisa. Vai saber porque ela resolveu entender uma dessas minhas papas moles. Leu uma das peças, gostou, mexeu e remexeu, deu palpites. E resolveu que tínhamos que fazer uma leitura da peça. Como se aquela ex-papa mole fosse uma peça de teatro de verdade. Chamou umas amigas escritoras na casa dela, me colocou numa cadeira e me mandou ouvir.
Apenas ouvir.
Eu não sei se pessoas que escrevem textos de teatro pensam igual, mas eu achei muito estranho alguém ler uma peça sua. É um tipo de invasão permitida, uma apropriação quase que indecente. É como deixar que pessoas estranhas falem com sua voz, usem seu corpo, riam com as suas risadas. Eu achei que ficaria muito, mas muito aflita com isso.
Mas sabe que não? A minha papa mole, quando virou um texto falado pela Ivana e pelas amigas da Ivana (que, claro, se tornaram minhas amigas também), não me assustou. Aliás, o contrário. Aquela história que ouvi era um outro texto. Solidificou-se, cresceu como um bolo no forno, tomou forma.
Mas o mais importante foi perceber que aquela história deixou de ser só minha para ser universal. Universal porque é apenas uma história comum, uma história enorme que se tornou pequenininha, uma história mínima que virou giganta naquela sala. Apenas uma história contada na casa de uma amiga, entendida com carinho, entremeada de gargalhadas.
Eu não sei se isso é teatro. Mas aquela papa mole, ainda bem, não é mais só minha. Agora é do mundo.
Que alívio.