sexta-feira, 30 de setembro de 2005

cheinha...



Eu parei de fumar em dezembro de 2002. Lá se vão três anos que eu não encosto num cigarro, logo eu, que era a maior viciada da paróquia. Fumava feito uma fábrica da estrada de Cubatão, o dia todo soltando fumacinha. Verdade. Um pouco dessa poluição daqui de São Paulo acho que é culpa minha.
Quando eu ia a lugares onde era proibido fumar, fumava em dose tríplice antes de entrar, para compensar. Tinha até tontura. Já me humilhei muito por causa do meu vício. Tive que sair da mesa do restaurantes e fumar sozinha em ruas perigosas, já dei tragadas tremendo de frio na neve.
Um dia acendi um cigarro na sala da casa de um amigo. A esposa deu um gritinho e ele me levou para a área de serviço do apartamento – o Zé e a mulher indignada ficaram na sala – e eu tive que acabar meu cigarro ali, em pé, naquele ambiente cheio de baldes, tanques e produtos de limpeza, tentando disfarçar e arrumar uma conversa com o homem, que me aguardava, fazendo sala. Sala?
Fazendo área de serviço.
Olha, um vexame a gente fumar.
Um dia achei que nada era pior que aquilo. A dificuldade que um fumante tem de exercer seus direitos no mundo contemporâneo é enorme, quiçá impossível, não dá para levar uma vida normal. Eu trabalhava menos, me divertia menos, me relacionava menos e me sentia rebaixada socialmente. Não posso dizer que parei de fumar só porque o cigarro faz mal. Eu sou o típico exemplo da pessoa que parou de fumar porque não agüentava mais a encheção de saco.
Bom, parei, contrariada, chateada, triste, mas parei. Tive, no começo, aquela vontade insuportável mas agüentei calada. Depois de um tempo, passou. Tenho saudade, mas seguro a barra até hoje.
Eu só não imaginava uma coisa. Que eu fosse magra e elegante como eu era por causa do meu querido cigarro. Todo mundo fala que parar de fumar engorda um pouco, eu acho que é ao contrário. Fumar é que emagrece, muito. Por isso que cigarro é bom.
A coisa acontece aos poucos. É devagar, de meio em meio quilo, mas não pára. Acho que daqui a dez anos estarei pesando mais de cem quilos. Dá licença, que coisa esquisita, viu? Se o cigarro faz mal pro coração e para o pulmão, parar de fumar faz muito pior para a silhueta. Eu não agüento mais engordar e dizer que é falta do cigarro, desisti de entender como acontece, não como demais, não devoro de doces, não me empanturro de balas.
E pimba. Engordo.
Bom, o meu “enchimento” pós nicotinial ficou evidente a olhos vistos. Todo mundo percebe que eu dei uma “engordadinha” nos últimos anos. As calças mudaram de número depois dos vexames que passei ao tentar colocá-las pela manhã, a barriga já se tornou um pouco indecente, os peitos e bunda é melhor nem comentar.
É claro que as pessoas reparam que eu engordei todinha. A gente não engorda só numa parte do corpo. Mas como ninguém tem coragem de comentar que a pessoa engordou, as pessoas dizem que você está com a cara mais redonda.
"Cheinha".
Como eu faço para pararem com isso? É insuportável. Eu odeio essa coisa do "cheinha"!
- Oi lúcia, quanto tempo que eu não te vejo. Tudo bem?
- Tudo.
- Você está tão diferente!
- Acha?
- Hummm.
Sou analisada de cabo a rabo. E lá vem a sentença.
- Está com o rosto mais cheinho. É isso.
- Ah. Parei de fumar, engordei um pouco.
- Mas ficou muito melhor assim.
- Ahhh.
- Você era muuuito magra, sabe?
- Ah.
- Ficava com cara de caveira. Mulher com cara de caveira é horrível.
- Ah.
- Agora está mais saudável. Cheinha. Corada.
Olhaqui. Eu tenho tanta, mas tanta raiva desse comentário que um dia vou explodir. Aviso. Não serei mais responsável pelos meus atos. Cheinha é a avó. Sério. Um dia, quando alguém me chamar de “cheinha”, vou me pendurar no pescoço da pessoa e apertar até esganar.
- Tá, sou cheinha, mas você está roxinha.
Cheinha...
Ô droga.

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