terça-feira, 31 de agosto de 2004

Uma mãe, uma manhã

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Eu estava somente triste e mais nada, e já totalmente conformada com a tristeza me deixei ficar triste por mais meia hora, só mais meia horinha. Foi o que eu fiz. A vida da gente tem um monte de regras que a gente mesmo coloca.
Voltei a trabalhar e fazer as ligações atrasadas. Coloquei uma música para espantar o silêncio. No começo minha voz saia fraca, mas aos poucos foi engrossando e chegou até a rir um pouco.
Um dos telefonemas era para uma cliente minha, grávida e mocinha. Atendeu uma empregada, dizendo que ela tinha saído.
- Fala para ela me ligar depois, está bem?
- Olha senhora. Ela foi para a maternidade.
Eu fiquei fazendo um aaaaaaaa comprido, para entender. É, é isso. Acontecia aquilo exatamente naquele momento. Senti deu um arrepio, um enorme e volumoso arrepio, e não precisei fazer esforço algum para mandar meu rosto se iluminar e começar a sorrir naturalemente no meio do aaa.
E eu passei a sorrir.
Eu sei o que é isso, sei o que é chegar perto deste irradiar da vida, deste nascer a cada instante. Ah, essa mania de viver em carne viva nos reserva muitas surpresas. No final somos todas mães, todas iguais, e temos essa hora do nascer dentro de nós. Essa hora que a gente quase esquece no acorda-dorme do dia-a-dia, esta alucinação, esse desejar cuidar, esse início de futuro para sempre que é descer este filho do nosso pensamento ao mundo, colocá-lo em pé, segurá-lo com as nossas mãos, esse nascer a cada olhar.
Somos todas mães eternamente, mal conheço esta mocinha, mas com uma pequena amostra, um pequenino toque, uma reladinha do meu tempo com o tempo dela, ela levou embora meu momento triste. Com a aproximação da possibilidade da vida, levou também todo o meu mau humor, toda melancolia, toda esta estupidez engasgada de voz grossa nos meus telefonemas eficientes.
Somos tão desconhecidas, eu e ela, como sou desconhecida da mulher que habita dentro deste meu corpo. Essa mulher brava, bem humorada, triste, apaixonada, briguenta e dispersa. Ah, um dia, antes que seja tarde demais, vou entender algumas coisas, vou achar o tesouro que essa mulher aqui dentro já achou e eu não percebi, essa eu, essa todas nós.
Estamos todas dentro de todas, estamos todas grávidas e eternamente parindo. Tudo sai de nós, sai sangue, muito sangue, saem filhos, muitos filhos, sai leite, muito leite. Fomos feitas para dar, dar, cuidar, esvaziar e encher, sofrer um pouco e encher de novo, ainda bem.
Ufa.
Apenas uma manhã.

segunda-feira, 30 de agosto de 2004

arquitetos e engenheiros

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na reunião de estrutura: "esse pilar tem um momento razoável"
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na reunião de telhado: "essas suas cavilhas me deixam louca"


crônicas demais

- lúcia.
- Fala, Zé.
- Recebi teu email ontem.
- Hã. E daí?
- Aquela crônica.
- Gostou?
- Gostei, mas...
- Mas?
- Escuta, eu não entendo. Você escreve e manda assim, para as pessoas, sem mais nem menos?
- É. Não pode?
- Não, quer dizer, poder pode, mas será que as pessoas querem... receber?
- Como assim, Zé?
- Ah, sei lá. Será que você não enche os outros com esse seu falatório?
- Eu? Como que é?
- Não, olha, não leva a mal, mas email assim comprido eu...
- Zé. Você o quê?
- ... ah. Me dá preguiça, lú. Eu não leio...
- O quê? Já basta você não ler minhas novelas, nem minhas peças de teatro e nem meus romances, agora você me diz que nem lê as minhas croniquinhas, Zé? Mas são mínimas!
- Mínimas? Tá maluca? São enormes. Imensas. Eu, por exemplo, que uso óculos e...
- Zé. Não acre-di-to em você. Juro.
- Não, mas...
- “Não mas” nada, Zé. Em vez de você me incentivar...
- Mas eu incentivo você, sempre!
- ... em vez de me incentivar tá querendo que dizer que pode existir a “possibilidade” de eu ser... de eu ser...
- Não, lú... não!
- ... de eu ser “a chata da crônica”? Tipo “iii lá veio a crônica chata da chata da crônica”? é isso que você quer dizer?
- Não é que é chata, entende... ah, não sei, e ainda você me coloca no meio, fica falando de mim...
- Mas eu achei que você ia adorar ser meu personagem! Você tá ficando famoso, Zé!
- Aí. Outra coisa que eu não sei não... ou estou famoso ou bobo... me dá vergonha, lú.
- Zé, será que você não está exagerando? Você tá insinuando que eu sou a chata da crônica e você o bobo da crônica?
- Não lú, mas... mas... já perguntou se eles querem?
- “Eles”?
- Os... seus “amigos”?
- Zé, você está me traumatizando! São meus amigos! Claro que...
- Tá, esquece. Eu que sou um bobo, acho que estou atrapalhando, sempre, é coisa de mineiro, você sabe como que é o povo de lá.
- Você acha mesmo que as pessoas podem não... que eu posso... que... eu deveria não... mandar minhas croniquinhas para os amigos?
- Não, lú! Manda, mas...
- Mas...?!?
- Pergunta, né!
- Quê? Como assim? Perguntar se as pessoas querem me receber? Como se eu fosse um SPAM qualquer?
- Não lú, eu não disse isso!
- Eu não sou um SPAM! E não sei, acho que choraria uma semana se um dos meus amigos me dissesse que eu sou comprida, spamzada, espanada, ah, sei lá como que se chama uma pessoa que é parecida com SPAM!
- Lú, esquece, eu que sou um bobo.
- Tsc, vou tentar, mas agora eu...
- Que cara, lú. Agora o quê?
- Traumatizei, Zé. Traumatizei mesmo.

sábado, 28 de agosto de 2004

a boate

Escrevi essa crônica há dois anos atrás. É engraçada porque é verídica.

- É aqui.
- Lugar esquisito. Não parece que tem festa nessa boate, Zé - falei, estranhando.
- Quem falou que é boate? Hoje em dia nem existe mais “boate”. É “casa noturna”. E não é festa. É balada - disse o Zé, decidido.
Era uma festa de um amigo do Zé, solteiro, animado e moderno. O prédio era numa zona industrial e decadente de São Paulo. Um lugar escuro, numa rua escura, com uma movimentação estranha, num bairro mais sombrio ainda. Porque boates têm que parecer tão perigosas?
- Está escuro, mas acho que é por aqui - ele disse, franzindo os olhos.
- Isso é um elevador, Zé.
- Elevador? Não enxergo nada, sou míope - ele continuou, encurvado feito um velhinho.
- O elevador parou. Parece um bar abandonado - eu olhei para ele - Ei, Zé, vamos desistir?
Ele foi categórico.
- Não senhora. Eu vim até aqui e vou nessa festa. Vem, vamos perguntar.
- Perguntar para quem? Tá na cara que aqui não tem festa nenhuma - olhei ao redor - Tem só... uma pista de dança vazia... um monte de papel no chão...
- Pára de falar, senta nesse sofá que eu já volto - ele resolveu.
- Isso é um sofá? Parece uma boca gigante com uma língua para fora.
- Shiu. Tem alguém ali. Uma moça de saia longa. Olha - o Zé apontou para a escuridão.
- Não é moça, Zé, é garçom.
- Iii. Ele está vindo para cá. Deixa que eu pergunto.
O moço chegou perto de nós dois sorrindo. Era irritante.
- Oiê... Vocês não preferem ficar lá embaixo, no bar? Aqui ainda... não abriu.
Quando eu ia responder, o Zé tomou a dianteira.
- Não, queremos ficar sozinhos - ele resolveu, falando bem alto e vendo o rapaz sair dali.
- Zé.
- Que.
- Você não perguntou nada para ele - falei devagar.
- Eu sei. Mas pelo menos me dei bem - ele respondeu, sorrindo.
- Como “se deu bem”?
- Lu, veja. Eu agi como se eu estivesse cansado de saber que aqui não tem ninguém a essa hora. Entende? Não como se eu estivesse num lugar errado, na hora errada, totalmente equivocado e morrendo de vergonha.
- Mas, Zé! - eu exclamei - A gente está num lugar errado, na hora errada, e estamos totalmente equivocados e morrendo de vergonha!
- Eu sei, shiu. Mas fica quieta - falou o Zé, tapando a minha boca.
- Mas cadê a festa, pombas?
- Acho que a gente chegou muito cedo pra esse tipo de festa - ele olhou o relógio - Onze horas... que acha?
- Onze horas para eles deve ser praticamente de manhã. Ah, Zé... - eu estava desanimada - a gente é muito desinformado, não entende nada de casa noturna. Devíamos ter ficado na nossa casa diurna, com os nossos filhos, no nosso bairro residencial...
Ele deu de ombros, turrão.
- Que tem? Me convidaram, eu vim, oras! Ninguém tem nada com isso. Pago minhas contas, tenho meu trabalho, minha família e estou numa festa.
Eu olhei em volta.
- Festa? Que festa? Tá maluco?
- Sei lá... - o Zé suspirou - Mas qual que é a deles, hein? Que lugar é esse?
- Eu vou saber? É teu, o amigo. Modeeerno...
O tempo passou e nós dois ali, fingindo que conversávamos.
- Lú.
- Oi.
- Esse garçom fica olhando - falou o Zé, disfarçando.
- Quer ir pro outro andar?- sugeri.
- Não! Nem pensar! É questão de honra - foi quando ele me olhou de um modo estranho. Parecia que teve uma idéia daquelas - Ah! Já sei. Vem aqui.
- Onde? - perguntei.
- Aqui. Bem perto de mim.Vamos dar uns malhos.
- Quê? - eu dei um pulo do sofá.
- Vamos dar uns malhos, eu disse.
Eu olhei para o meu marido, incrédula.
- Zééé... Dar uns... malhos? Eu e... você? Mas a gente é casado há mais de dez anos! Para quê?
Para ele parecia óbvio.
- Para o garçom parar de olhar, ué.
- Peraí, Zé - eu olhei fundo nos olhos dele - Nós dois, adultos, pais de três filhos, vamos ficar aqui, nesse sofá vermelho de vinil em forma de lábios carnudos... se agarrando feito dois adolescentes tarados? Num... como você disse mesmo? Num... “malho”?
Ele estava animadíssimo.
- É, não é uma idéia ótima? Ele vai achar que foi por causa disso que a gente quis ficar aqui, sozinho! Justifica! Yes!
Eu hesitei, mas acabei concordando.
- Bom... tá. Se é assim que você quer...
E lá veio o Zé com seus... malhos. Depois de cinco segundos ele me cochichou.
- Lú, olha lá. Ele ainda está olhando?
- Você nem tá com vontade de me beijar - reclamei.
- Para de falar e olha, vai.
- Ele parou de olhar, mas tá chegando mais gente... Acho que é o dono da festa - apontei.
- Não! - ele implorou, se escondendo - Então dá mais beijo e me esconde!
- Esconder?
- Ele, o dono, não pode me ver! Quer que ele perceba que cheguei antes dele? - explicou.
Bem, ficamos no sofá até a festa encher de gente, e a música e a luz se tornarem insuportáveis. Levantamos, demos um alô para o amigo dele e ele me puxou.
- Agora vem. Rápido.
- Onde? - respondi.
- Embora, vamos fugir daqui já! - ele sorriu.
E fomos embora correndo, sem entender patavina de baladas. Dali direto para uma pizzaria no Bexiga, daquelas bem familiares. Uma verdadeira... casa diurna.
- Zé - falei, enquanto esperávamos a pizza.
- Oi.
- Vamos dar uns malhos? - perguntei.
- Aqui? Nem pensar! Que vão pensar da gente?
***



clic clic! trim trim!

Meu sonho de consumo de hoje? Um celular com máquina fotográfica.
Juro. Queria saber como esses publicitários conseguem convencer a gente tão facilmente da necessidade de umas coisas tão desnecessárias. Claro que eu não preciso urgentemente de um celular com máquina fotográfica, acho que ninguém precisa, a não ser aquele rapaz que viu um disco voador no meio de uma floresta e usou o celular para captar a imagem da nave na horinha. Mas as propagandas são tão fantásticas, os aparelhos tão lindos e eu tão consumista, que atualmente só penso nisso.
É que fiquei um pouco enciumada na semana passada. Recebi alguns amigos para jantar e numa certa altura todos sacaram suas armas, ops, seus celulares para bater fotos. Disseram que era para colocar na agenda do celular deles.
No mundo de hoje ou você se dá bem com as câmeras ou está fora. Eu, que sou o desastre da fotogenia, posei para as tais fotos e fiquei delicadamente pedindo a um e a outro para alterarem minhas fotos: num dos telefones eu estava de olho fechado, no outro estava torta, no outro uma baleia de gorda. No final, o que era para ser um jantar virou uma sessão fotográfica. Eu só não fui mudar de roupa e pentear o cabelo porque iam me achar super caipira, mas olha, morri de vontade. Acho que ninguém mais se arruma para tirar foto. Também, com a quantidade de câmeras fotográficas, filmadoras e webcams que existem, ser fotografado ou filmado é a coisa mais normal do mundo.
Há uns anos atrás, tirar uma foto era um pequeno ritual. Arrumávamos o cabelo, ajeitávamos a roupa, parávamos quietos e sorríamos. E quando alguém pedia para você bater a foto? O cuidado com que pegávamos a máquina dos outros, com apenas dois dedos, sem encostar em nada? Tirar foto era coisa séria, gente, e as máquinas não eram vendidas assim, dentro de qualquer... telefone.
Ainda morta de vontade de ter o meu telefone com máquina, parei para olhá-los numa vitrine no shopping quando chegou o vendedor.
- Para que as pessoas usam a máquina fotográfica do celular? – perguntei, cínica.
- Para tirar fotos, ora! – ele se espantou – É muito bom poder tirar fotos a qualquer hora.
- E o que eu faço com elas? – indaguei, para ver o que ele respondia.
- Você coloca na agenda do celular. Assim, se o fulano te liga, você olha para o teu telefone e vê a cara da pessoa – ele explicou.
A segunda explicação, que também não me convenceu, veio em seguida.
- Além disso, você pode mandar uma imagem para outra pessoa que tenha telefone que recebe imagem. Por exemplo, você pode tirar uma foto comigo aqui na minha loja e mandar para alguém. A pessoa vai receber a mensagem, olhar e ver que você está na loja e comigo. Não precisa nem explicar, nem falar. Uma imagem vale mais que mil palavras. Não é incrível?
É.
Mas o mais incrível é que eu, uma pessoa adulta, formada e mãe, possa aceitar essas explicações esdrúxulas, não acreditar nelas e ainda querer ter um celular com máquina fotográfica. Sei que para os médicos ou engenheiros a coisa deve ser útil, mas não para mim. Eu me sinto como aqueles índios que querem possuir coisas brilhantes pertencentes aos homens brancos. Uma verdadeira “pocahontas” no shopping, essa cronista aqui...
Poderia inventar uma explicação mais inteligente, dizer que tudo que agiliza a velocidade e qualidade da informação é válido, que para viver bem precisamos nos comunicar com facilidade. Mas prefiro a idéia do ET, que é mais divertida.
E se aparece uma nave espacial na minha frente? Nunca se sabe...

***

as calçadas de são paulo

- Olha só para aqueles dois - apontou meu amigo Paulo, sorrindo, enquanto comíamos um lanche no balcão da padaria.
- Estão arrumando a calçada, ué - respondi.
- Mas repara o jeito deles. É muito difícil, eles não vão conseguir... - retrucou ele.
Do balcão da padaria dava para olhar lá fora. Os dois eram funcionários de alguma empresa, tinham acabado um serviço na calçada e precisavam fechar o piso. Conversavam, mas não ouvíamos o que diziam. Meu amigo continuou, entretido.
- É... uma vez até parei para ajudar. É um quebra cabeça esse mosaico do piso de São Paulo, e a maioria está emendado errado. Mas, sabe duma coisa, Lúcia? Ninguém repara nisso.
Mosaico? Olhei para fora para lembrar como era. Não sei se é porque a cada dia andamos menos a pé, ou porque estamos sempre preocupados com outras coisas, mas a gente não repara mesmo nas calçadas da nossa cidade. Quando visualizei, fiquei impressionada. Aquela é uma idéia mais do que genial. Pensa, com apenas três ladrilhos, um branco, um preto e um preto e branco, é possível montar diversos mapas de São Paulo, ligados pelas suas pontas.
Mas ele tinha razão, aquilo só parece simples. Na verdade, é um quebra cabeças dificílimo, tem ordem certa para colocar e uma continuidade a seguir. Não é como a calçada de Copacabana, onde é só juntar o fim de uma onda com outra e o piso está prontinho, serpenteando as nossas pisadas e emoldurando a chegada do mar na areia. A calçada de São Paulo tinha que ser mais complicada.
Óbvio.
Bom, sempre tem o dia que é preciso quebrar o chão para fazer algum reparo. Passar cabos de tv, fazer uma saída de água, consertar tubulação de gás, ou sei lá mais o quê. Tanta coisa que existe por baixo dos nossos pés e a gente nem sabe.
Era essa cena que assistíamos de camarote no balcão da padaria. De um lado estavam os dois confiantes rapazes, e de outro os ladrilhos. Eles só tinham que emendar a parte nova da calçada nos mapas já existentes no piso antigo.
Os dois esfregaram as mãos, animados. Distribuíram as peças no piso e começaram a montagem. Êpa, não deu. Começaram a coçar a cabeça. O que houve? Tentaram de novo. Não, ainda não. Um olhou para o outro. Como era mesmo? Assim... não, assim... não. Melhor olhar de longe. Melhor olhar de lado. De frente. Um deles foi para o meio da rua, o outro gritou.
- E aí? Está certo?
- Não, errado ainda! - berrou o outro.
Retiraram todas as peças e retomaram aquela absurda empreitada cartográfica. Inverteram, emendaram, retorceram, viraram tudo de ponta cabeça, desviraram, repuxaram, subverteram, inventaram, transformaram.
- Deu?
Nada. Não dava. O negócio era complicado mesmo.
Largaram os braços, via-se que conjeturavam. Fazer um mapa só, vá lá, mas emendar tudo... De repente um deles se ilumina. Consegue pelo menos encaixar preto com preto e branco com branco. Sorri. Já é alguma coisa! Um centro avançado de estudos se instala, e eles, animados, conseguem completar o vão, no maior dos caprichos. Olham, satisfeitos, o trabalho. Ah, está muito bom. Um pouco diferente, mas, tsc; ninguém vai reparar nisso, concluem, já arrumando as coisas.
Fomos até o local, curiosos. Lá estava, acabada, na calçada da padaria, uma maravilhosa interpretação do estado. O nosso São Paulo se transformou, foi quase parar no Acre, brilhando como uma estrela. Comprido de um lado, largo de outro, criou diversas pontas, avançou no oceano Atlântico, cobriu delicadamente Minas Gerais como uma enorme mancha preta, deu uma cutucadinha no Rio de Janeiro com uma lança pontiaguda. Ou não, somente explodiu em pequenos caquinhos e se espalhou pelo Brasil.
Se pensarmos bem, aquela calçada se transformou em uma poética obra de arte, cimentada no meio da cidade. Pois São Paulo é aquilo mesmo. Uma cidade nada perfeita, emendada, corrigida, desencontrada, mas maravilhosamente caprichada. Uma obra feita por gente que faz o que pode diante de um mundo com peças tão simples, mas com encaixes tão complicados. São Paulo, realmente, avança em todos os outros estados, acolhe gente e sempre nos encanta com suas imperfeições.
A calçada errada está lá até hoje, e, se prestarmos atenção, está em muitos outros lugares da cidade, basta olhar para o chão. E meu amigo Paulo tem toda razão. Andar a gente anda, mas realmente, ninguém repara...

***

sexta-feira, 27 de agosto de 2004

olha! a minha máquina corre o mundo!


The Direct Marketing Association.
www.the-dma.org/international/ archive/pdf/vol2issue4.pdf


"In his column in O Estado de São Paulo, journalist and writer Mário Prata transcribes a charming e-mail forwarded by a friend of his – Lúcia Carvalho. She reported the astonishment and wonder of her children on their discovery of an ancient device. The scene took place when Lucia and her children were sorting through the belongings of a recently deceased aunt. The children’s view of their discovery is a wonderful commentary on technology, and progress.
“Dear Mario,
Picture this. We were clearing out my aunt’s house this Carnival - furniture, linens dishes,
paintings, books… - when my children called me….
“Mom!”
“What?”
“We found something amazing! If nobody wants it, can we keep it? Can we?”
“It depends. What is it?”
They spoke together, cheerfully.
“It is a machine, Mom. It’s a kind of old machine. But it’s still working. It’s good.”
My daughter interrupted her little brother and gave me a better explanation.
“Let me tell her. It is a machine. A kind of computer keyboard. You know. But only the
keyboard, only the place you type on, you know.”
“I …see.”
“This machine also has a sort of printer, connected to this keyboard, but with a kind of
direct connection. Wireless. You press the keys…”
She was getting more and more excited, her eyes shining.
“... and the machine prints directly onto a sheet of paper that has been inserted right there!
It’s cool! Direct, on-line, I swear it!”
Well, I swear I didn’t know what to say in reaction to a 12-year old girl’s description of a
typewriter.
“… Do you get it, mom? ... zap, we write and print. We can also see the printout, sort of
on-line, and we don’t need to do all those boring things: sit at the computer, switch it on, wait for
a.a.ages, enter Word, type while looking at the screen, send it to the printer, buy lots of stuff like
expensive ink cartridges... None of that stuff, Mom! It’s really cool, and we don’t need to plug
it in! It works without electricity and writes directly onto the paper!
“Wow, sweetheart...”
“But there are two things: we can’t change the font or the size of the characters but that’s
not a problem. Come on. Let us show it to you. Come on.”
I stopped and stared flabbergasted at the old typewriter. They jumped for joy.
“Mom, do you think anyone in the family wants it? We hope no one wants it, so that we
can take it home with us. That would be great! Great!”
Well, as I sit at my own ‘keyboard’, I can hear the clack-clack sound of this old-fashioned
machine, which, of course, nobody else in the family wanted. But here at home, because of its
intense use, it is even more powerful. It has been given a place of honor in the living room and is
surrounded by pages and pages which they have ‘printed on-line’. “Amazing,” they say, clack-
clack-clack, “Cool”, clack-clack-clack. John and I are considering buying one for each child.
Think about it for a second. Isn’t it amazing, even nowadays, that it goes directly from the
keyboard to paper. And without being plugged in!
Gosh! It is really something. Love, Lucia.”

And, Efraim asks us, what does this story have to do with Direct Marketing? It is about a machine that, at least, prints out directly. And from our point of view it’s about the joy of each generation’s rediscovery of old discoveries. Ah, for simpler days. "


Viu só? Ô cronica que fez sucesso. Só minha filha que até hoje fica brava quando lê, pois disse que eu inventei tudo. Será?









uma tarde no carro

Eu estava com os três no carro, voltando da casa da minha mãe. Lá veio o mais velho.
- Mãe.
- Fala.
- Sério. Tem muita criminalidade e violência nesta cidade. Isso me deixa confuso. Acho que estou deprimido. Eu estava pensando: preciso de uma análise, uma terapia. Você tem que arrumar um psicólogo para mim. Nem que seja de presente de natal, se for caro.
- Filho, que exagero... eu converso com você - respondi.
- Não, você não! Tem que ser alguém que entende de depressão. Isso é coisa séria, precisa de es-pe-ci-a-lis-ta. Eu sei. Falaram na tevê. Teve um programa só sobre isso.
Nesse instante, minha filha do meio interrompeu.
- Ah, não! Nem vem!
- Que foi? - eu perguntei.
- Que qué isso, mãe? Se você for dar um analista só para ele, então eu quero ter um decorador só para mim, ora.
- Quê? Decorador? - eu me assustei.
- Já reparou no estado do meu quarto, mãe? Horrível, tosco, dá a maior vergonha! Se ele ganha terapia, assim, sem mais nem menos, então eu tenho que ganhar uma decoração - ela declarou, do alto dos seus 11 anos.
Eu não sabia o que falar. Ficou o maior silêncio no carro. Foi quando o menor, o João, acordou pro assunto.
– Ei. E eu?
A menina se adiantou e cochichou para ele.
- João, shiiiu, já sei. Pede um monitor para a mamãe. Um monitor é tipo assim um personal training de criança, entende? Igual aqueles de hotel, buffet infantil. Um cara que a gente paga, ele vem e fica brincando horas com a gente, é muito legal.
E assim o Joãozinho declarou, animado por consumir alguma coisa.
- Ô maiê, decidi. Eu quero um monitor. Tá?
Céus. Decorador, analista e personal?
Esse é o nosso mundo...

***