sexta-feira, 18 de novembro de 2016

olhaaa eu aquiii!!!

Ontem no fim da tarde começou uma conversa engraçada no face. Uma amiga marcou alguns blogueiros e perguntou como iam os blogs “velhos” deles. 
Eu tenho um desses blogs “velhos”. Fiz o “frankamente...” em agosto de 2004.
“Tooou aquiii aiiinda”, gritei, feito soterrada em terremoto. Outros também berraram, mas tinha tantos mortos, tantos abandonados e tantos em coma que dava dó. 
Por isso que eu queria – há anos penso isso – escrever em pedras. Pedras duram, tem mídia eterna, não precisam de bateria, não pegam vírus, você não precisa atualizar nada que elas vivem milhares de anos. Nos blogs e redes sociais, em dois anos - no máximo - você tá esquecido total e olha a trabalheira pra recuperar sua obra.
 Por isso eu também pinto e desenho. Pra durar.
Vou investir em pedra escrita. Chega de salvar minhas memórias cada vez numa mídia diferente. Chega de acreditar só na nuvem. Vou comprar pedras e escrever enormes tuites, mini peças e crônicas fantásticas. 
Além, claro, de escrever aqui e no face. Vai que dá certo.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

4,96


Vocês sabiam que os motoristas do Uber pontuam os passageiros também? Estilo aquele episódio do Black Mirror temporada II? Quando ouvi falar disso, sai correndo no aplicaivo pra ver minha nota. Ufa, acho que estou bem na fita. Não tirei 5,00, a nota máxima, mas estou em 4,96, que, na minha época de escola (onde notas iam de 1 a 10) era excelente, pois equivale a 9,92. Estou me sentindo super CDF no Uber, e me perguntando (como antigamente, no Colégio Bandeirantes) o que fiz de errado para perder 0,04 pontos. Gente, nem reclamei do pum que o homem soltou na quarta-feira à tarde depois da feijoada. Acho que quero uma revisão da prova. Ou será que peguei algum Uber que não lembro de madrugada? Ixi.

Aliás, qual a pontuação de vocês?
Hehehe.
Como o Uber me dá assunto. Obrigada Uber.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

o guardinha e o quero-quero


Nas caminhadas no Villa Lobos tenho uma rotina básica, baseada na água: meu percurso é de bebedouro à bebedouro. Conheço as águas, qual a melhor, mais geladinha, qual a pior, meio quente.
Como os bebedouros de água filtrada ficam nos banheiros, conheço também os guardinhas que tomam conta dos banheiros. Sim, porque em cada banheiro tem um guardinha. Imagino que, como não há nada assim tããão valioso nos banheiros, os guardinhas ficam ali apenas porque é coberto, tem água e banheiro. 
O banheiro mais distante de tudo é lá perto da marginal, num local árido e fedido. É super limpinho, mas é tipo fim do mundo trabalhar ali ao ar livre, todo dia. 
Bom. Tem um guardinha novo, que começou a trabalhar essa semana. Devem colocar os novos sempre nesse banheiro para eles não acostumarem mal. Sei lá. 
Quando eu estava chegando perto dali, vi que o guardinha novo tava esquisito: olhava pro nada, andava de frente para trás, de trás para frente, uma vezes correndo, outras vezes bem devagar. Coisa um pouco aflitiva de assistir, confesso. Comportamento inadequado total.
“Deve existir uma explicação pra isso”, pensei, “caso contrário estou nesse lugar ermo com um psicopata”. 
Cheguei perto, cautelosa. Ele me viu, se assustou.
- É o passarinho ali! – ele apontou e explicou, morrendo de vergonha de eu ver sua dancinha ridícula – Se eu passo daquela linha, ele avança em mim, furioso. Depois volta e senta ali na grama. Nunca vi isso na vida. Um passarinho mandar em mim.
- É um quero-quero – expliquei, (aliviada) e rindo – aliás, uma quero-quero, pois ela tá chocando os ovos e não quer que ninguém chegue perto. Tá na cara. Uma fêmea.
- Uma passarinha? Mulher?
- É.
Ficamos observando a passarinha, os dois atrás da “linha”.
- Olha – ele completou – minha mulher é muito difícil de enfrentar, mas essa daí eu encaro. Eu não posso deixar de ir daqui pra lá, meu trabalho é vigiar o parque – concluiu, rindo e voltando a enfrentar a pobre da quero-quero.
É muito louco, né? Enquanto todo mundo só fala de Temer Dória Trump no facebook e em todo lugar, um guardinha nos fundos do parque Villa Lobos só tá preocupado em defender seu território de um passarinho, oito horas por dia. 
É. Há outras batalhas além daquelas que a gente trava.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

ENTÃÃÃO


Eu queria dividir um problema. Tem uma moça que mora aqui perto que fala demais. Uma barbaridade o que ela fala. Tou voltando do super, lá vem ela na minha direção. “Lú!”. 
Você pode não ter nenhum assunto naquele dia, mas como ela sempre tem milhares, no momento que você responde o cumprimento, é como se ela ligasse o botão do falatório máximo. Abrisse as comportas. Parece que engoliu o aplicativo do globonews, tipo na hora que teu controle remoto tá sem pilha. 
Tudo, claro, é culpa minha. Como moro num bairro de casas todas muradas, pouco conheço os vizinhos, quando encontro alguém pra conversar é legal, sabe, morar aqui me deixa carente de vizinhos. Um dia dei trela pra ela, agora ficamos meio amigas. E eu, quando encontro que alguém que fala demais, não sei como interromper, sou péssima nisso. 
Tento diversos truques com ela. Falo “entããão” diversas vezes, olho o celular pra ver a hora, sorrio e tento interromper, até que chego naquela última estratégia: os passinhos pra trás. Eu vou me distanciando lentamente, sem dar bandeira, dou subitamente uma desculpa esfarrapada “meu Deus tou com a panela no fogo”, ou “ai! Preciso abrir a porta pro meu filho que vai chegar!” e ainda “ Nossa, tenho que ir, o homem da NET tá vindo”, viro as costas e saio correndo, ainda ouvindo a voz dela falando sozinha. 
Me sinto muito mal depois desses encontros. Mas não faz sentido ficar parada meia hora só pra ser boa vizinha. Me pergunto como outras pessoas fazem para resolver um problema como esse.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

andando de vongole


Fomos para a praia com um casal de amigos que mora em Brasília, num sítio, um lugar maravilhoso, mas longe de tudo e de todos. Eu e o Pedro andamos numa vibe de cozinhar, e resolvemos fazer para eles um macarrão ao vongole.
- Von-o-quê? Perguntaram os dois ao mesmo tempo.
- Vongole – explicamos – é um molusco do mar, um tipo de marisco, mas menor. É uma delícia.
- Voongooole? – o amigo disse bem devagar – Vongole. É, lá em Brasília tem disso não. Palavra estranha. Vongole vongole vongole – ele ficou repetindo.
Voltamos para São Paulo, e eles ficaram ainda um dia aqui em casa. Resolvemos levá-los num show, para finalizar o passeio, mas antes consultamos o Waze, para saber que horas sair, e dissemos à eles que, devido a lei seca aqui em São Paulo, iríamos de Uber. Eles não entenderam nada. Waze? Uber? O que eram aquelas estranhas palavras? 
O Pedro se adiantou.
- Uns aplicativos de carro e trânsito, mas depois explico, gente, temos que sair em vinte minutos, melhor vocês se apressarem com o banho.
Um tempo depois eles descem, todos arrumados e banhados. E nosso amigo olha para nós, achando que tá dando a maior bola dentro e pergunta:
- E ai? Já chamaram o vongole pra vir pegar a gente? Ele tá vindo? 
Hahaha.

sábado, 5 de novembro de 2016

uber

Uber, quarta feira, 15:30 hrs. Indo pra casa da minha irmã, Marginal Pinheiros, um puta cheiro de pum no carro. Eu, na minha, pensando na pontuação dum motorista que faz uma coisa dessa. Peidar com passageiro no carro. Ou melhor, passageira. Uma senhora, se nho ra, como eu. Ar condicionado ligado, balinha, água e esse fedor. Passei a viagem de dez minutos de nariz tapado, calada e respirando pela boca. Se eu der zero estrela eles, o Uber, eles perguntam porquê. O que escrevono aplicativo? “O motorista peidou,“? Mas como, se o peidorrento me conheceu, se sabe onde me pegou, se sabe onde é minha casa, putis, ele pode ficar raivoso e pode ser que me foda depois. Será que não é melhor ficar calada e não dedar o peido do cara? Chego na minha irmã. “Tá boa, Lúcia?”. Desabafo e conto. Dai ela pensa um pouco. “Lúcia, hoje é quarta, dia de feijoada. Taxista, que já é descolado, já deve saber que quarta à tarde, depois da feijoada, não dá pra rodar, mas os caras do Uber ainda não sabem. Dá um crédito pro cara e avisa no site do Uber, super séria: “rapazes, um dos seus motoristas peidou quarta a tarde durante a viagem. Avisem pra não comerem feijoada nas quartas feiras no almoço antes de trabalhar”. “” Hahaha. Sério. A gente se acostuma com tudo nessa vida.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

dia da marmota

Morar perto do Rio Pinheiros é assim. Você tá lá tranquilamente trabalhando na sala da sua casa e sente uma coceira no pé. Pensa: saco, são ele de novo. Vai pra cozinha e se besunta de OFF. Volta pro computador toda melecada. Dai meleca e mesa e o teclado. Cada vez fica mais nojento. Resolve lavar as mãos. Quando abre a porta do lavabo, eles são mais ou menos uns quarenta. Nem dá coragem de entrar. Vai pra lavanderia e pega o repelente. Entope o lavabo de repelente e fecha a porta. Lembra que ia lavar as mãos. Abre o lavabo e segura o nariz. Lava uma mão, a outra, pega a tolha e resolve se secar lá fora. Dai pensa que seu quarto pode estar pior. Gasta quase metade no quarto pra garantir. Feliz, volta pra sala e senta no computador. Você tá limpinha, mas a mesa e o teclado tão todos grudentos do OFF. Vai buscar um pano e um veja ou álcool na área de serviço. Demora com cuidado no teclado e no computador, na mesa limpa sem dó. Guarda os produtos e senta na frente da mesa, vinte minutos depois e retoma o trabalho. A gente se acostuma com tudo nessa vida. 

terça-feira, 31 de maio de 2016

Deuses, amém

Há uns cinco anos atrás, tinha uma palavra que ninguém falava: aplicativo. Essa palavra, segundo meu velho dicionário Aurélio que era do meu vô e que acabei de consultar, queria dizer “aplicável, ou, que pode ser aplicado”. E aplicativo era quase uma palavra esquecida no nosso português.
Agora olha que louco, a tal palavra "aplicativo" bombou a ponto de ser quase mitológica, na humilde opinião de quem não entende lá muito de mitologia. É que, de certo modo, os aplicativos viraram nossos novos Deuses. A gente acredita neles pra caramba. A gente não faz nada sem consultá-los. Nada.
Sério, gente, pensa. A cada dia surge um novo e mais crível Deus Aplicativo.
O máster bláster Deus de todos é, sem sombra de dúvida, o Deus Google, o rei da sabedoria. Você pode perguntar qualquer coisa para ele, mesmo que seja a menor asneira, que ele sempre, sempre tem resposta. Depois tem o Deus Whatsapp, tão famoso quanto, o famoso Deus da conversa fiada, que não para de falar o dia tooodo, às vezes é até preciso mandar o cara calar um pouco a boca. Perdão, Deus Whatsapp, não é calar, é "si-len-ci-ar a conversa", não quero ofender uma entidade tão em voga.
Dai vai.
Tem o Deus dos caminhos, o Deus Waze, que ajuda qualquer cidadão a se locomover em qualquer lugar do mundo, maravilhoso. Essa maravilhosa entidade, inclusive, se você quiser, conversa calmamente contigo, na maior paciência, dizendo pra onde você deve ir, mesmo se você, distraidamente, cometer erros estúpidos. Se você não tiver um carro, pode apelar para dois Deuses que brigam muito, o Deus 99taxi e o Deus Uber. Embora eles guerreiem muito, dependendo de onde você vá, um tem mais vantagens que o outro.
Tem também o cérebre Deus da amizade (ou das insuportáveis brigas políticas), o Deus Face, tem os Deuses do namoro, o Tinder e o Hapn, que protegem e aliviam os solitários. Tem o Deus das imagens, o lindo Instagram, os Deuses dos jogos, o das músicas, Deus Spotify, e até um do Shopping, pra você adquirir os da sua preferência, que é o Deus Appstore.
Tem os Deuses da beleza, que te ajeitam tuas fotos pessoais pra outros Deuses, tem o Deus Booking, o das viagens, o Deus Decolar, que literalmente decola, e, claro, tem os Deuses dos filtros das fotos das suas viagens, afinal, se exibir hoje em dia é essencial.
Tem os imprescindíveis Deuses do dinheiro, que trabalham com os irritantes códigos-de-barra e número-de-cartão, e diversos Deuses fúteis e inúteis, como o Deus estourador de bolinhas de plástico, Deus Candy Crush, e outros mais idiotas.
A lista é infindável, Deus dos exercícios, o Deus das cartas, Deus dos pontos de calorias, o Deus Gmail, atualmente meio caduco e cheio de vírus, e muitos, mas muitos Deuses das mesmas notícias repetidas.
Não sei bem se todo mundo percebeu, mas temos, de um certo modo, uma nova religião, da qual não desgrudamos: o Aplicativanismo. Quem diria que uma reles palavrinha ia modificar o mundo.
Hahaha. E aqui, claro, viva o Deus Facebook. Amém.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

o vestido e o sapato

Claro que eu falo muito aqui da Ângela. Afinal, irmã. A gente vive muito tempo do lado de irmão. E quando se vive muito tempo ao lado de alguém a gente tem muita intimidade.

Uma coisa que acontecia muito comigo e com a Ângela era um lance de roupa. Numa casa que só tinha mulher, como a nossa, claro que eu, ela e a mamãe, a gente emprestava roupa umas pras outras. A gente era menina e jovem, e a mamãe, viúva e novinha de tudo, muito mais nova que eu e ela hoje.

 Mas o problema é que a Ângela ela não tomava o menor cuidado com as roupas dos outros. Nunca tava nem ai, e geralmente a roupa que ela emprestava voltava toda ferrada. A mamãe não ligava, mãe sempre perdoa filha, mas eu, irmã, ficava puta. Ora, eram as minhas roupas que ela simplesmente... destruía.

Os meus super sapatos, por exemplo, um dia voltaram sujos de barro. Os mais lindos, chiques, mais caros.Barro!

- Ângela, onde você foi?

- Putz, pisei numa poça de lama. A festa foi num sítio, quer o que, Lú?

- Lama? Isso é barro seco, esterco!

- Esterco não é. Pode cheirar.

Teve um dia que eu fui madrinha de um casamento. Dai a mamãe comprou pra mim um vestido bonito, modernoso, estilo assim... hummm... meio New Age, David Bowie. Bem cafona hoje, mas na época era mega legal. O vestido era um tipo de tubo que era fino em baixo, acima do joelho, mas bem largo em cima, assim no seio.  E que abotoava todo atrás. Era cinza e todo meio durinho, estruturado. Tipo um cone. Vestido cone total. Lindíssimo, eu achava.

Ela me pediu, eu emprestei. Um casamento de uma amiga dela, como o que eu fui. E usou o vestido junto com o sapato que voltou cheio de barro, que eu vi quando ela chegou. Bom. Quando eu vi o "resto" da roupa no fim da festa dela, todos os furos de botões da parte de trás estavam rasgados. Dilacerados. Destruídos. A carne tinha sido praticamente comida. Nossa, eu fiquei puta.

- Ângela! Além de estragar meu sapato com barro e cocô de vaca, você estragou o vestido mais chique que eu tinha! Ângela! Você rasgou tudo, sua retardada! Olha!

(A gente adorava se xingar de "retardada". Isso hoje é mega politicamente incorreto, mas na época num era).

- Porcaria de vestido, Lúcia - ela emendou - Eu apenas me "sentei" no chão e os botões estouraram, porque o vestido era mais fino em baixo que em cima. Como alguém pode fazer vestido que uma mulher não pode sentar no chão?

- No chão? Você sentou no... chão, Ângela?

- É claro - ela retrucou - Queria que eu, no meio daquela chuva, daquela lama, daquele mato, me sentasse onde?

É, Angie, naquela época eu eu trouxa, mas hoje tem  tudo a ver.

Claro.

Porcaria de vestido e de sapato, óbvio.

o furinho da camisa


o furinho da camisa

Era noite e eu estava vendo tv. Trocando e destrocando o canal, de cá para lá.

Parei numa entrevista que um homem estava dando para um repórter. Porque parei ali não sei. Fico pensando o que leva a nossa mente a escolher um canal. Parece coisa pouca, mas não é. Esse negócio de controle remoto, já sabemos, é uma coisa ansiosa, nervosa. Existe uma pressa no controle remoto, uma urgência de definirmos nossos sentimentos internos. Captamos impressões, dores, amarguras, sorrisos, tristezas e temos que ser rápidos, ágeis nos dedos.

Bem, escolhi aquela entrevista. Achei interessante, não sei se pelo assunto que o homem abordava ou pela maneira dele falar, tão tranquilamente consigo mesmo. Esse homem ganhou o meu prêmio daquela noite. Era fácil ouvi-lo, simpatizar com ele. O controle remoto foi largado na mesa lateral.

Não sei o que ele fazia. Podia ser que fosse jornalista, roteirista de teatro, diretor de algum filme, escritor. Só sei que ele contava uma história. Era um homem mais velho, magro, de cabelos um pouco grisalhos. Simpático. Continuei ouvindo a falação dele.

Percebi que eu prestava mais atenção na pessoa dele do que no assunto em si. Sempre que assistimos à alguma coisa, ficam em nós resquícios, não propriamente do conteúdo literal. Às vezes o suco não é da polpa. É da casca. Depende de como está nossa pele aquele dia.

Numa certa altura, percebi um pequeno detalhe, bem pequeno, na camisa azul que ele usava.

Tinha um furinho perto da gola.

Um mini furinho.

Bem petitico.

Levantei do sofá e fui investigar pertinho da TV, franzindo o olho. Era uma coisa mínima, mas fixei meu olhar naquele furinho, uma camisa azul bem velhinha, gasta, e aquele buraquinho... Nossa. Era isso, verdade. Realmente tinha um furinho ali. E pior. Aquele buraquinho tinha sido remendado, cerzido e arrumado. Dava para ver. Estava muito bem feito, caprichado.

Um furo. Um furo na camisa do homem.

Depois desta hora eu não prestei mais atenção em nada do que ele falava. Afinal, pensa bem. Um moço vai dar uma entrevista para a TV e coloca uma camisa furada? Olha só que coisa, pensei. Furada. E ainda pior. Remendada.

Aquilo era demais, gente. Quem era aquele homem?

Primeiro achei bem simples. Vai ver que dar uma entrevista, para ele, era como falar com qualquer um, como se estivesse na casa dele, com uma roupa que ele gostava, confortável. Roupa velha, tinha até um furinho, mas estava consertado. E daí? Afinal, o importante era o que ele tinha a dizer, e era bom que ele se sentisse à vontade para dizer. Mas era só isso?

Olha, ninguém veste uma camisa com um furo para ir em algum lugar. As camisas com furos ficam nos armários, são reservadas aos dias de folga, aos melhores amigos, às noites que você sabe que não vai sair. Nunca são expostos, colocados à prova.

Aquele homem era diferente. Aquele furo dizia muito mais.

Aquele furinho começou a me dar tonturas. Foi crescendo diante dos meus olhos, ficando imenso. Já era uma enorme cratera que separava aquele homem dos outros homens, os homens sem furinhos. Um homem com furinho não é um homem qualquer. Precisa ser muito grande, muito gigante para usar um furinho. Não é para qualquer um. Os homens "qualquer um" jogam fora as suas roupas quando elas tem um furinho. Mas ele não. O conforto do tecido sobre a sua pele ia além do tempo que havia passado por ali.

Fiquei pensando que tipo de homem ele seria. Um homem que não joga fora. Talvez não jogasse também as pessoas que ele gosta. Um homem que tapa os furos dos erros que os amigos já fizeram. Um homem que conserva as mulheres da sua vida perto de si, pele com pele, próximas e ainda úteis, mesmo quando elas se esvaem por buracos. Um homem que deve conviver com as rugas que os dias trazem a todos nós. Com as manias, com as dores, com toda a mescla de imperfeições que vamos empilhando durante a vida. Sim, é preciso ser gigante, é preciso ser muito maior que todos os outros para carregar e expor à todos essa convivência tão natural, tão simples com a própria vida. Por onde andam no nosso mundo os homens de furinhos? Era pura poesia aquele furinho na camisa. Pura poesia.

É difícil mostrar as feridas abertas, os defeitos, os enganos. Os inúmeros furinhos. Mas essa talvez seja a mais maravilhosa saída para uma aproximação com o mundo feminino, faminto de doçura, de delicadeza, de compreensão. Pois choramos muito. Sangramos. Amamentamos. Falamos demais. Parimos. Temos sempre nossas carnes expostas, abertas, jorrando. Derramando. E achar às vezes um pequeno e frágil furo num homem nos mostra o quanto podemos ser iguais e, quem sabe, até compreendidas.

A entrevista continuou, e o encantador furinho se manteve, digno, firme, até o final da entrevista. Mas não foi embora. Ficou como poeira dentro da minha sala, dentro da minha mente. Alguns sentimentos internos são inalcançáveis pelos controles remotos. Perdem-se dentro dos furos.
Somente isso, um homem sem nome e... um furo.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

53!


Pra mim esse é o dia mais divertido do facebook. Esse monte de gente me dando “parabéns” só porque eu nasci um dia ai, 53 anos atrás. Genial. Levanta super o astral.
Quando acordei hoje, resolvi: “como hoje é meu aniversário, não vou fazer nada chato e passar o dia escrevendo bobagens. Depois de uma certa idade, a gente precisa se dar a uns luxos”. Mas bastou eu descer a escada de manhã que lá veio a voz da Maria:
- Feliz aniversário Lúcia. Olha, falta feijão, arroz, farinha, batata, cebola e sabão em pó. Você precisa ir no supermercado logo senão não tem almoço.
Nunca menti a idade. Todo aniversário lembro que tem diversas pessoas no mundo que nasceram no mesmo ano que eu, e que continuam a crescer também: o Jim Carrey, a Fátima Bernardes, a Jodie Foster, o Tom Cruise e a Demi Moore. Dá o maior alívio. Ah. E sabe quem tem também a minha idade? O Jotalhão, o elefante do Maurício de Souza. Viva o Google.
Também descobri mais inutilidades nas minhas bobas pesquisas, depois de ir ao super, claro, senão a Maria não ia me deixar em paz. 53 é o décimo sexto número primo. É o gato no jogo do bicho. Tem uma música do B52 que é a 53 miles west of venus. 53 é o número de bytes de um pacote de Asynchronous Transfer Mode, segundo o Google Tradutor da Wikipédia, e não tenho ideia do que é isso. Tem um restaurante de comida Portuguesa na Castelo que se chama Rancho 53. Poderia ir lá um dia desses. Também achei o Restaurante Sviatoslav, na Ucrânia, que fica na Rua Franka 53. Provavelmente nunca irei lá dia desses. E tem o Herbie, o famoso Fusca número 53.
Tou mais ou menos igual a esse fusca. Ainda rodando por ai. Parabéns, eu, obrigada, vocês.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

antihorários

Todas as sextas eu e a minha irmã Angie andamos no parque de manhã. Eu já medi e conto pra ela, são sete quilômetros ida e volta do portão aqui. Sempre a mesma volta no parque, dando a volta toda da marginal e passando no melhor bebedouro do parque, a água mais gelada.
- Ângela, aconteceu uma coisa muito louca ontem. Eu acordei de pá virada, super contra a vida, triste pra caralho, dai resolvi andar no parque no nosso mesmo caminho, mas ao contrário. No anti horário, hermana.
- Foi legal?
- Não. Não sei te explicar, Hermana. Fiquei exausta no meio. Parecia que não acabava nunca. Que o caminho era três vezes mais comprido. Olha. Nunca mais.
Olhei pra frente, naquela pista vazia vinha um senhor na nossa direção.
- Angie. Olha discretamente esse cara velhinho e barrigudo que tá vindo.
- Já vi.
- Louco. Todo o dia eu encontro esse homem bem aqui. Ele anda ao contrário, anti horário, igual eu ontem. A gente se cruza todo dia.
- Você cumprimenta ele?
- Não. Lembra o que a mamãe falava? Mulher não cumprimenta homem, responde.
- Ah. Vou cumprimentar ele – ela diz.
- Ô, Angie... – concordo.
A Angie sempre foi mais corajosa que eu.
- Boa tarde!...
- ...
- Angie. É impressão minha ou ele não respondeu?
- Não. Só abriu um olhão. Como se fosse um absurdo alguém falar “boa tarde”. Que homem burro.
A Angie é engraçada. Arrematou.
- Também. O que a gente pode esperar de um homem que faz o caminho três vezes mais longo?

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

o tal do paulo ricardo

No meio da tarde de hoje tocou meu celular.
- Alô.
- Boa tarde dona Lúcia, tem um minuto?
- Diga. Quem é?
- Sou a Talita, aqui da Loja Boticário. Tudo bem?
- Tudo.
- Então, queremos convidar a senhora para um evento da loja no Shopping Villa Lobos.
- Evento?
- Precisamos saber se a senhora confirma a presença.
- Explica, Talita.
- É um evento na loja que acontecerá no dia 13 de outubro, terça feira que vem. Estamos convidando algumas clientes especiais.
- Eu sou “especial”?
- A senhora é.
- Ah que bom. E o que tem nesse evento?
- Teremos a presença do cantor Paulo Ricardo, que irá escolher algumas clientes, tirar uma foto com elas e autografar. E para todas as clientes que forem, será entregue um kit de alguns produtos grátis.
- Não entendi nada, Talita. Quem que vai tirar foto?
- Um fotógrafo, mas a foto será com o cantor Paulo Ricardo.
- Ele vai tirar uma foto comigo?
- Se a senhora for escolhida, vai.
- Quem vai escolher?
- Ele.
- Quantas clientes ele vai escolher?
- Algumas das clientes da loja que forem.
- E as outras?
- Ganham o kit. Umas vão ganhar a foto e o kit, outras, que ele não escolher, só o kit.
- Olha, Talita. Sinceramente?
- Sim, senhora.
- Agradeço muito, mas não vou. Pode me tirar da lista.
- Temos dois horários, as 11:30 e as 13:30. Ele vai estar nos dois.
- Talita, eu nem lembro quem é mesmo esse cantor “Paulo Ricardo”. Pode cantar uma música dele?
- Ele é da sua idade, dona Lúcia.
- Mas e se ele não me escolher?
- A senhora ganha um kit.
- Qual o critério dele para escolher quem ganha o selfie autografado com ele?
- Não sei, senhora. Eu estou apenas convidando.
- Não se deve convidar uma pessoa para arriscar um prêmio e ganhar um prêmio de consolação.
- A senhora acha que não ganha o prêmio?
- Eu não conheço esse Paulo Ricardo que vocês inventaram.
- A senhora vai?
- Não, Talita, óbvio que não. Imagina, menina, como vou ficar baixo astral se o Paulo Ricardo não me escolher pra o selfie autografado dele. Não terá kit que resolva, e jamais entrarei de novo numa loja do Boticário.
- Eu entendo, senhora.
- Então me tira da lista. Eu não vou no dia 13 de outubro, terça feira, esperar o Paulo Ricardo me escolher no meio de um monte de mulheres. Eu acho que esse evento do Boticário, aliás, é muito perigoso, e pode causar um monte suicídios de mulheres da idade dele. Você pode avisá-lo?
- Não, senhora. Eu sou paga apenas para telefonar.
- Tá bom, Talita.
- Posso tirar a senhora da lista?
- Pode. Deve. E manda o Paulo Ricardo pra o espaço.
Hahaha. Confesso que tou super tentada a ir na terça no Shopping só pra olhar de fora da loja esse absurdo. Gente, como a vida é absurda.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

pão e água

Tá cada vez mais complicado fazer um almoço ou jantar com os meus amigos. Assim como não existe mais shampoo para cabelos “normais”, noto que é raríssimo achar uma pessoa que coma comida “normal”, ou como se dizia antigamente, “que coma de tudo”.

Tem os que não comem carne. Tudo bem, é uma escolha, eu como e adoro, mas confesso que me arrepio em pensar em matar um boi inteiro e tirar um bife de dentro dele. Acho que se minha alimentação carnívora dependesse de eu mesma trucidar um animal de carne vermelha para fazer um picadinho, provavelmente nunca comeria. Frango talvez eu matasse – só não sei como – e peixe, bem, já matei, mas nunca limpei. Mas acho que conseguiria.

Mas voltando ao assunto, outro dia fiz a lista dos convidados para um jantar aqui em casa. Olhei a lista, tinha que agradar a todos. Bom, tinha os que não comiam carne ou frango, mas comiam peixe. Tinha os que não comiam bichos sem coluna vertebral, como marisco, ostra e camarão. Tinha os que não comiam carne nenhuma, mas comiam ovo. Mas tinha os sem ovo também, e tinha aqueles que não comem nada cru. E agora apareceram um monte de amigos que não comem derivados de leite, nem um queijinho raladinho e nem um recheio de ricota. Ah, e tinha os que são totalmente contra o glúten, e até um amigo que não consome farinha industrializada nem a pau. Na lista localizei também outro amigo, que sei lá porque, que não come nada que “boia” no prato.

Ou seja, o meu jantar virou uma enorme complicação. Impossível agradar a todos.


Como eu sou daquelas que “come de tudo”, acho que o ideal é fazer ao contrário: cozinhar o que bem entendo, quem quiser que venha. Não sei o que acontece atualmente com a digestão e com os órgãos internos dos meus amigos. Só sei que, se a coisa continuar piorando assim, nos meus próximos jantares servirei pão e água. Os dois sem glúten, claro. 

terça-feira, 6 de outubro de 2015

óvulo

Sai correndo agora pouco para ir no banco depositar um cheque. No meio do caminho meu telefone avisou que chegou um e-mail. Putz, e nessa hora lembrei que esqueci os óculos em casa.
Como ainda enxergo um pouco de longe, coloquei o telefone lá no finzinho dos meus maiores dedos, o máximo possível longe dos meus olhos de Mr. Magoo e consegui decifrar o texto. Era importante, coisa de trabalho, eu não podia deixar de responder. Parei numa sombra, respirei fundo e fui teclando toda esticada, pensando na menor e mais simples resposta. Consegui. Olhei de novo, parecia que tava tudo ok. Mas veio a dúvida, e resolvi explicar numa última frase. Lá fui eu.
“Abraço. Estou sem óculos. Desculpa se escrevi algo errado.”
Quando cheguei aqui, notei que não foi bem isso que mandei.
“Acabou. Estou sem óvulos. Desculpa se escondi meu estado.”
Céus...
Hahaha. Bom, o que não deixa de ser verdade, uma vez que eu e meu cliente nunca abordamos esse delicado assunto.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

à cavalo

E lá estava eu de novo andando no parque, queimando meus miolos ao sol escaldante. Como não acordo cedo, tenho que conformar com esse “pequeno” probleminhas, o calor. Num ligo. Dizem que dormir deixa a gente... bonito. Hahaha, olha a desculpa.
A questão é que com aquele solão não dá muito pra olhar muito pra frente, portanto ando olhando pro chão. Foi quando eu vi as pegadas. Sério, pegadas animais. Pegadas de cavalo, ou melhor, de ferraduras. Num primeiro momento, aquilo me pareceu normal. Ora, então aqui passou um cavalo. Legal. Mas daí a coisa me intrigou. Ué. Nunca vi cavalo no parque. De onde veio esse cavalo? Veio de carro ou veio a pé, ou melhor, a pata? Que eu saiba, não tem nenhum estábulo por lá. Será que o cavalo e o cavaleiro vieram de longe, cavalgando? Me pareceu óbvio que o cavalo deveria ser da polícia montada. Mas porque a polícia montada iria a um parque tão pacífico? Se bem que policiar um parque - que tem muitos quilômetros - a cavalo me pareceu uma ideia excelente. A solução mais ecológica possível para um policiamento.
Mas porque achar que o cavalo deveria ser, necessariamente, da polícia? Se uma pessoa comum quiser ter um cavalo em casa, e passear a cavalo no parque, será que pode? Eu, por exemplo. Será que posso ter um cavalo em casa, ir com ele ao parque, passear, deixar meu cavalo pastar na grama? Ou até usar o cavalo pra me locomover? Perguntei pro Google, ele disse que se os vizinhos não reclamarem e se eu tratar bem o bicho, pode.
Nossa, gente. O pensamento cavalar foi crescendo na minha cabeça quente. Será que, então, a gente pode andar a cavalo nas pistinhas de bicicleta? E porque até agora os cavalos não foram sequer cogitados como uma opção de transporte para essa cidade? Não deveríamos incentivar a construção de pistas de... cavalo?

Hadadêêê...

De uma hora pra outra, enquanto meus miolos fritavam, comecei a achar que a melhor solução pra a cidade, pra melhorar a poluição, pra evitar o aquecimento global, para evitar o trânsito, os atropelamentos, tudo, gente, é realmente, irmos aqui e ali a cavalo. Nas garagens dos prédios e casas, faríamos estábulos, quentinhos no frio, frescos no calor. Isso pra não falar dos estábulos públicos. Nos parques, em vez de grama, capim. E ainda por cima, muito esterco para as plantas, o que estimularia - e muito - a criação de hortas orgânicas nos parques, canteiros, jardins - que - e muito - ajudaria todo mundo a economizar em supermercado e quitanda. Na volta, já pensava nas carroças táxis ubers, em aplicativos cavalares e....
Bom. Olha. Meus miolos já esfriaram, mas continuo achando uma excelente ideia. Fala a verdade. Pirei?

terça-feira, 22 de setembro de 2015

desaprender

Gente do céu, eu morro de medo de desaprender algumas coisas nesse mundo de hoje. Por exemplo:
Desaprender a escrever à mão, sem digitar, assim, com lápis ou caneta. Não parei total de escrever em cadernos, mas confesso que está cada vez mais difícil, sabe quando a mão cansa? É, e antes não cansava.
Desaprender a fazer bolo sem batedeira. Quando eu era menina, ia para a casa dos meus avós no interior nas férias. Minha avó fazia bolo de lanche, e como ela nunca teve batedeira, me ensinou a bater a massa e as claras na mão. Demora, dói o braço, a gente fica exausta e suando, e a cada vez que eu, de preguiça, pego a batedeira me dá esse medo de desaprender o bolo.
Desaprender ir a pé para os lugares perto, porque óbvio que carregar um carro de quase uma tonelada para o supermercado que é aqui do lado é muita burrice.
Desaprender a comer direito, sem nutricionista, pensando direito e sempre me alimentando de fruta, verdura, carne, arroz, feijão e massa.
Desaprender os caminhos para os bairros de São Paulo. Gente, anos atrás eu tinha tudo memorizado, e por causa dos GPSs e Wazes eu tou esquecendo. Eu falava para eu mesma: “Vila Mariana”, e pimba, lá eu ia pra Vila Mariana sem pestanejar nem pensar. Agora não consigo nem ir na Lapa, que é aqui do lado, sem ajuda da droga do telefoninho.
Desaprender a fazer ginástica sem aparelho e nem personal, como eu sempre fazia, cem abdominais, cem agachamentos, cem polichinelos.
Desaprender a dar festa em casa e ficar só fazendo aniversário em barzinho.
Desaprender a escrever no Blog e colocar todas as ideias aqui nesse facebook que faz desaparecer todos meus textos.
Desaprender a ler um livro ao invés de abrir o facebook, não achar nada e insistir em ficar abrindo de novo e de novo, como a gente faz com a geladeira vazia quando chega em casa e tá com fome.
Desaprender a tirar férias e ficar bundando ou brincando em casa, sem precisar necessariamente de viajar e ter um monte de programas mega cansativos.
Desaprender a espremer laranja e limão ao invés de abrir suco Natural One laranja/limão "de verdade" (o caralho).
Desaprender a fazer um omelete ou um macarrão na manteiga ao invés de comer um pacote de Rufles.
Desaprender a ficar pacientemente numa fila de banco lotado esperando a sua senha apitar depois de todos os idosos passarem na sua frente, quando seu bankline pifa.
De um certo modo, é tudo culpa de uma preguiça que o mundo moderno ensinou a gente a sentir. Com tanta tecnologia, com tanta máquina para fazer pela gente, a gente acaba adotando o ócio e fica sem força e sem disposição para enfrentar as coisas mais simples. A gente tá desaprendendo o básico. Assim, no gerúndio mesmo. E rumando inconscientemente para um tipo de burrice.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

dez feijoadas

- Pensei em fazer uma feijoada sábado pra uns amigos e pros nossos filhos. Você sabe fazer feijoada, Lúcia? – ele me perguntou.
- Legal, eu te ajudo. Mas nunca fiz.
- Nem eu. Vamos pesquisar umas receitas?
Adorei a aventura. Animada, até comentei com ele que hoje em dia basta dar um clique no computador que a comida já está quase pronta. O problema que tivemos foi o excesso. Não de feijoada, mas de receitas. Se antes a gente tinha aquele caderninho de receitas, copiado da mãe, da avó e da bisavó, hoje, com o maldito clique vem uma montanha delas. Além disso, tem sempre aquela receita do livro da Dona Benta e a do livro da cozinheira-chique-cheia-de-dicas.
- Meu Deus... – comentei - Qual será a melhor? – comentei, olhando aquele monte de papel impresso.
- Sei lá. E se a gente assistisse uns Youtubes?
Dai que piorou. Muito. Caraca, apareceram tantas que praticamente chovia feijão em cima da gente.
Fora os vídeos dos desconhecidos, tinha a da Rita Lobo, tinha a do Olivier Anquier, que não era dele, e sim da dona Inácia, uma grande feijoadeira do Rio, tinha a feijoada inventada do Claude no Revanche. Ou seja, em menos de uma tarde reunimos mais de dez receitas.
- E agora? Qual a melhor, cacilda?
Uns dessalgavam as carnes antes. Outros metiam tudo na panela. Tinha gente que fazia um monte de ferventações. Tem os da panela de pressão, os contra a pressão no feijão. Tem os que cozinham partes da feijoada junto com o feijão. Tem os que deixam o feijão de molho. Tem os que temperam com bacon. Tem os que usam a água da fervura para cozinhar o feijão. Outros defendem a orelha como ingrediente básico. Tem os que colocam só carnes chiques. Que bagunça. Tava dando mais trabalho transformar aquelas dez receitas em uma só do que cozinhar a própria.
Foi quando, na hora H, acabamos ligando para a empregada no dia da folga, que passou por telefone a receita dela. Ufa. E ficou maravilhosa a feijoada.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

o caixa preta

Como sou festeira, outro dia notei que existe outro tipo de convidado. Além do famoso “sai lavando”, existe o “caixa preta”. O “caixa preta” é aquele cara que não bebe nada por algum motivo, mas adora festa e fica até o finzinho de todas. O convidado “caixa preta” acompanha o declínio moral e social de todos os convidados que se empanturram de beber, e se lembra de tu-do que aconteceu, ao contrário de todos os outros convidados, dono da casa incluso. Tem até, eu acho, um certo prazer mórbido (ou divertido) de recordar detalhes, e acompanham passo a passo a desgraça e o caos que o álcool causa nos amigos. Tudo que passa a linha da decência e dignidade fica registrado na mente do “caixa preta”, esse o grande "porre" dele. A desgraça alheia. Hahaha. É terrível encontrar um “caixa preta” no dia seguinte.
- Gostou da festa de ontem? – você pergunta, com aquela dor de cabeça.
- Loucura – e ele começa a contar coisas que você nem imagina – Viu que aquele seu amigo, aquele alto, cantou a mulher do seu primo? Adorei o show de dança que sua amiga loira deu, aquelas reboladas. Ah, e o seu amigo de camisa vermelha, vi que ele beijou três convidadas. Três, olha que sem vergonha. Quem quebrou aquele vaso foi o saxofonista, ele tentou disfarçar. Eu tive que tirar a sua amiga morena da cozinha, pois ela estava dando em cima do cunhado da sua irmã, a mulher dele tava puta.
- Hã? Nossa, não lembro de nada disso – você comenta – nem lembro como fui pra casa. Acho que fui de taxi.
- Não, não foi. Eu que te levei.
- Hããã?
Já esse outro lado de um "caixa preta" é sua salvação. Outro dia, eu e que uma amiga estávamos fazendo a lista dos convidados de uma festa aqui em casa. Acabamos, ela pegou a lista e olhou.
- Olha que bom, Lúcia. Tem um “sai lavando” na festa! Pode ficar tranquila no dia seguinte.
- Ufa! E tem “caixa preta”? – perguntei.
- Tem dois! – e ela emendou – Oba, tenho como voltar pra casa. Com essa coisa de lei seca, sempre é bom convidar um monte de “caixa preta”.