domingo, 30 de abril de 2006

um pouco de pornografia vegetal



Olha, eu tentei de todos os modos melhorar a foto, mas é foto de celular, foi tirada correndo e minhas capacidades fotoshópicas são limitadas. Mas é uma árvore linda que nasceu numa calçada no centro de São Paulo e que surgiu na minha frente. Uma não, duas, uma seringueira e uma tipuana, que nasceram na mesma calçada e cresceram assim, agarradas.
E assim, abraçadas o tempo todo, as duas vão sobreviver juntas para sempre, nesse enrosco pornográfico que só a natureza é capaz de mostrar com tanta clareza.
Sério. Isso me comoveu.

sábado, 29 de abril de 2006

o msn do João



- Mãe.
- Hã.
- Posso entrar no computador do papai?
Acho engraçadíssimo esse termo: entrar.
Na dúvida diga não, eu sempre penso.
- Não.
- É que a Nani está no nosso fazendo um trabalho e eu tenho que fazer uma coisa importante agora.
- O quê?
- Falar com um amigo para combinar uma coisa.
Doze anos.
- Entra. Mas não demora.
Ele sentou na mesa atrás de mim.
Plec, plec, plec.
Olhei para trás.
- Que é isso no seu MSN?
- Como assim?
- Você separou seus amigos em “categorias”, João? Dá pra fazer isso, é?
- Dá, você é muito tosca e não sabe nada. Tem os amigos, as minas, a família, tem a turma do basquete – ele ia descendo a lista.
- O que é isso?
Ele subiu e me escondeu alguma coisa.
- Nada, mãe.
- João, que é essa lista aqui? Os “doentes mentais”?
- Uns caras chatos demais, mãe. É um jeito de eu me vingar e eles não saberem. Além de colocar na lista, eu bloqueio.
Pode?
Contei pra o Zé.
- Bárbaro. Boa idéia. Eu também vou fazer uma lista de “doentes mentais” no meu Messenger também pra me vingar. Tá cheio deles em volta de mim - ele decidiu.

sexta-feira, 28 de abril de 2006

o menino ovo



Era domingo depois do almoço. Estávamos na sala da casa da minha mãe, eu, o João e meu sobrinho pequeno.
- Eu vou imitar uma cobra – falou o Luis, meu sobrinho, rastejando no chão.
- E eu sei fazer o melhor barulho de urubu de São Paulo, Luis. Tape seus ouvidos, pois você pode não agüentar – falou o João para o primo pequeno.
- Eu sei fazer barulho de urso – declarou o menor.
- Eu de dinossauro – brincou o João.
- Eu de tiranossauro – falou o Luis.
- E eu de ovo de tiranossauro – o João provocou, obviamente para tirar sarro do menor, seu passatempo predileto quando encontra o outro – Aposto que ovo você não sabe fazer.
O menor não podia ficar para trás.
- Ah, João. Ovo não sei, mas gema eu sei.
Eu comecei a rir. O Luis não é bobo.
- "Gema", Luis? - perguntei
- Eu imito uma gema, tia. Quer ver? – ele desafiou.
Eu e o João nos entreolhamos, rindo. Foi quando ele, impávido, se deitou no chão e começou a se retorcer todo.
- Essa que é a sua... gema, Luis? – perguntei, confusa, com vontade de rir.
O João olhava boquiaberto.
- É... é e não é... – falou o menino dando um longo suspiro – Tsc. É que tem um problema.
- Qual?
- Ô droga... – ele disse, ainda fazendo uma ginástica estranha e indecifrável no piso – É que eu cresci, entende? Olha – ele nos disse, mostrando o próprio corpo.
Foi quando ele nos olhou e perguntou.
- Posso fazer a gema e a clara? Só a gema não dá mais. Eu não caibo.
Aceitamos.
E, diante das nossas expressões abobalhadas, ele se esparramou no chão feito uma ovo frito e mostrou.
- Pronto. Olhai.

Realmente, crianças são engraçadas.
E gente, tem crônica nova com o Bob Esponja lá na revista paradoXO, podem conferir: o roubo dos balões

quinta-feira, 27 de abril de 2006

franka e o maior arquiteto do mundo

( olha que foto mais legal essa que o Zé tirou)

Sei que é bobo a gente querer registrar tudo que acontece na vida - eu acho que isso é como ter nostalgia do momento presente - mas ontem, antes de sair para o IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil) para ir numa homenagem ao Paulo Mendes da Rocha, meu ex-professor e amigo que ganhou o Prêmio Pritzker, o Pulitzer da arquitetura e foi eleito o melhor arquiteto do mundo, eu catei a minha maquininha de retratos para, obviamente, tirar uma foto com ele.
- lúcia, mas que bobeira - falou o Zé - A gente conhece o Paulo há mais de vinte anos. Não tem sentido tirar foto com ele como se você fosse... ah, sei lá, uma estudante da Bahia que nunca viu o Paulo.
- Eu sei, mas eu não tenho nenhuma foto com ele.
- E precisa?
- Precisa. Precisa porque eu vou colocar no blog, oras.
Pronto, taí: Franka devidamente tarjada e o maior arquiteto do mundo.
Blog também serve para isso - para a gente se exibir.
E para não ficar só nisso, lembro aqui o que ele disse aos arquitetos no seu discurso no final da homenagem:
- E vamos todos apenas fazer cidades onde as pessoas adorem sair a noite para passear e casas onde seja possível dar festas maravilhosas.

quarta-feira, 26 de abril de 2006

crunch, éca, argh...



Todo mundo tem as suas implicâncias e nojeiras, uma vez falei disso aqui. Na época, recebi uma avalanche de comentários de gente contando as mais estranhas manifestações de incômodo pelas mais diversas coisas. No final, a minha implicância daquela época me pareceu ridícula, o que me aliviou muito.
Mas ando com uma implicância nova que está me perturbando. É uma coisa pequena, nunca falei dela, mas como está piorando a cada dia, vou revelá-la para, quem sabe, minimizar o problema.
É barulho de mastigação dos outros.
Isso, falei.
Ando com muito nojo de gente comendo da minha frente. Sabe aquele crunch, crunch, slurp, crónch? É, isso. Retorço a cara toda só de pensar.
Éca.
Não implico com o meu barulho, e sim com os dos outros. Acho horrendo o ruminar de quem mastiga, insuportável aquele barulho de dentes roendo, quebrando a comida, aquele som dos sucos salivares se misturando ao alimento, aquele ruído das mucosas bucais digerindo a massa alimentar. Arghhh. O pior é que, como nojo é nojo, a gente começa sempre a piorar a coisa ao longo da percepção do mesmo. Agora, além de implicar com o barulho, eu sempre olho o que a pessoa está comendo e vizualizo, na minha imaginação, o bolo alimentar dentro da boca, com cores, texturas, densidade. Tem sido cada vez mais terrífico.
Uma época um dos meus filhos não comia lasanha.
- Porque você não quer comer, filho?
- Eu sei que é gostoso... – ele respondeu – mas tenho aflição de comida que é igual antes de comer e depois de vomitar.
Até hoje eu, depois dessa observação, eu torço o nariz para as lasanhas que aparecem na minha frente. Implicância é implicância, fazer o que.
Porém ter nojo da mastigação alheia isso não me tira o apetite de modo algum, o que é estranho. Aliás, poderia me tirar ao menos um pouquinho, para eu perder os malditos dez-quilos adquiridos ao longo dos três anos sem fumar. E quando estou comendo eu nem ouço o barulho, sei lá qual o mecanismo do cérebro para fazer isso.
A saída para essa esquisitice – e que obviamente tem a ver com os dez-quilos – é comer junto com as pessoas, pois se eu como junto eu não ouço o barulho alheio. Assim, tenho me visto em festas e restaurantes enrolando com a comida no prato ou repetindo até a pessoa que está comigo acabar. Isso quando não fico falando sem parar ou fazendo barulhos para não ouvir o outro. Filhos com salgadinhos e comidas em volta de mim tem sido terrível. Saí de perto de um amigo que comia amendoins num almoço no sábado passado. É coisa de gente louca, eu sei.
E na tv então? Outro dia uma família tomava café da manhã numa novela tive que sair da sala, de nojo. Numa outra vez, vi num filme um cara comendo um sanduíche, fazendo aquele barulhão e desliguei o DVD.
Por causa dessa implicância minha vida está cada vez mais esquisita. O Zé sempre chega tarde, depois que eu e os meninos já acabamos de jantar, e me pede companhia para não ter que comer sozinho. Antes eu nem ligava, mas agora eu faço esforços descomunais para não falar nada e agüentar firme. Outro tive uma idéia.
- Lucia. Que é isso.
- Ah, isso? É meu iPod, Zé.
- Vai ficar sentada ai na minha frente ouvindo iPod?
- Vou. Mas estou te fazendo companhia, como você gosta. E está baixinho baixinho, eu te ouço.
- Ahhh, entendi. É por causa do nojo do barulho de eu comendo, aquela coisa que você contou outro dia?
- É.
- E assim você não tem nojo?
- Não. Posso ficar assim?
- Pode, claro...

terça-feira, 25 de abril de 2006

o cachorro quente e a vida



- É o que eu digo – o Zé disse para os meninos no carro, finalizando uma discussão sobre o excesso de viagens, passeios e festas que eles têm atualmente – Vocês estão saindo muito, não pode ficar exagerando, viajando tanto, passeando tanto. Vocês têm que aprender a se divertir e também aprender a ficar quieto em casa. A gente nunca pode esquecer que a vida é igual a cachorro quente, que às vezes as coisas não se encaixam tanto.
- Hã? Como que é, pai? – perguntou o Chico.
- A vida. A vida é igual à cachorro quente – ele repetiu.
- Que tem a ver cachorro quente com as nossas festas e viagens, pai?
- Não tem a ver com as festas e sim com vida – o Zé explicou.
- Nossa vida tem a ver com cachorro quente? – Perguntou o João.
- Cachorro quente sim, ora. Porque pensem. O pacote de salsichas vem com 12 salsichas, e o pacote de pão vem com oito pães. Se você compra um pacote de cada, sobram 4 salsichas. Agora, se você compra dois pacotes de pão e um de salsicha, sobram quatro pães. Sempre sobra. A conta nunca dá certo.
- E daí? – perguntou o Chico – E eu não posso viajar por causa disso?
- E quem disse que tem doze salsichas no pacote de salsichas e oito pães no pacote de pão? – perguntou a Luciana.
- Eu disse – respondeu o Zé – Tem.
Eu interrompi.
- Desculpa, Zé, mas tem pacote de pão de hot-dog que vem com quatro. Daí dá a conta certinha, basta comprar três pacotes – eu lembrei.
Ele ficou bravo comigo.
- Ô Lúcia, se der a conta certa não tem ditado e eu não acabo de explicar a minha teoria.
- Desculpa – eu me calei.
- Mas que ditado é esse, pai? – perguntou o João.
- É o que eu tou tentando explicar e vocês não deixam. É que na vida às vezes as coisas não casam direitinho, sempre tem umas sobras.
- Entendi – falou o Chico, sem paciência - Você quer dizer que sobra pão. Grande coisa sobrar pão.
- Não é isso. É que na vida as coisas não são exatamente como a gente quer e temos que estar preparados para isso. Temos que ter sempre um dinheiro para comprar um hot-dog, por exemplo.
- Para quê você vai comprar um hot-dog se tem quatro pães sobrando? Compra só uma salsicha – falou o João.
- Em que seriado você ouviu esse ditado que você não está conseguindo usar, pai? – perguntou a Luciana.
- Ah... eu tava com ele quando ele ouviu sim... – lembrou o João – Acho que foi num seriado daqueles de médico. Não foi, pai? Não foi no House que a gente viu ontem?
- Tá, tá! Era do seriado sim – suspirou o Zé – Mas...
- Olha o cara aí... quer dar lição de moral com filosofia de seriado americano, ahahaha... – falou o Chico, tirando sarro.
- Não fala assim do seu pai – repliquei.
- Mas não tem nada a ver! A gente não pode fazer nada porque sobra pão e salsicha dos hot-dogs? – perguntou a Luciana.
- Vai ver que temos que ficar para comer as sobras, Nani – cochichou o João.
O Zé suspirou.
- Não é isso, é que na vida... vocês tem que entender que na vida as coisas não são todas casadinhas, direitinhas e...
Eu intervim.
- Zé, que zona, nem eu estou entendendo mais nada. Onde você quer chegar?
- Pai, menos – pediu a Luciana.
- É pra você não ter que ir buscar a gente nas festas? – perguntou o João.
- Deixa a gente com as nossas coisas, pô, pai. Que é que tem de mais?
Ele suspirou.
- Tá, tá. Esqueçe o cachorro quente, finge que eu não falei nada...

segunda-feira, 24 de abril de 2006

anjo ou monstro?



- Acho que é por causa do blog, Lúcia, não sei bem, mas eu me sinto absolutamente a vontade para te falar tudo isso.
Foi o que me disse uma amiga que veio aqui em casa na semana passada. Estávamos tomando café e conversando na copa quando ela me confidenciou que, por causa do meu blog - que ela lê sempre - ela se sente segura para me contar as coisas dela, tanto os problemas como as coisas boas.
- Ora, lúcia, você escancara toda a sua vida pra gente. Uma pessoa que faz isso, que conta tudo que acontece com a sua família, com seus pensamentos e sentimentos, não é possível que esteja mentindo. Isso dá um tipo de segurança, ainda mais que você escreve todos os dias. Dá vontade de te contar as coisas também.
Uau.
Nunca pensei nisso, levei o maior susto. Como assim? Bem, óbvio que essa amiga não precisaria de blog nenhum para conversar as coisas dela comigo, pois nos conhecemos faz tempo e ela pode me contar o que for. Mas fiquei pensando muito no que ela me disse e acho que ela tem razão. De um modo meio torto, nos aproximamos muito das pessoas que lemos com regularidade. E sim, algumas delas nos dão confiança mesmo. Isso acontece comigo quando leio algumas pessoas no jornal, em livros ou blogs.
Fiquei feliz com esse pensamento. As pessoas em geral não gostam de relações virtuais porque dizem que são impessoais, longínquas, distantes. Isso é uma grandicíssima bobagem. Eu acho que palavra escrita, seja nos posts ou comentários, é muito mais pessoal que a palavra falada. Gente, pensa. A palavra escrita fica ali, materializada na sua frente, falando, falando, falando quantas vezes você quiser, basta você ficar relendo. A palavra escrita depende de você, que lê.
Já a palavra falada depende da pessoa que fala, o seu interlocutor. Se ele pára de falar de repente, a palavra vai embora com o vento. Fúúú... Ou seja, a palavra falada a gente perde, a escrita não, ela é estável, fica nas nossas mãos. Ela já vem com a sua memória estampada, feito carimbo. Acho até a palavra escrita perigosa por causa da sua permanência. Tudo que existe muuuito pode ser anjo ou monstro: depende apenas do teu estado de espírito na hora que lê. E, por causa disso, na minha opinião as relações virtuais são fortíssimas.
Mas voltemos a confiança que minha amiga depositou em mim e que me deixou super emocionada. Acho que essa coisa de você dar confiança nos outros é boa porque você dá confiança em você mesma. E ora, eu não sou nem um pouco tão cheia de certezas como a Franka desse blog. Juro.
Outro dia, depois que o Pecus revelou o signo do Pecus, que obviamente não é o mesmo signo do verdadeiro Pecus dono do blog, fui atrás do signo da Franka. Lembro a todos que não entendo patavina de horóscopos, foi pura curiosidade. Descobri que ela nasceu dia 27 de agosto, portanto é do signo de virgem. Cai para trás. Virgem! Bem, não entendo muito, mas sei que virgem é o signo da minha melhor amiga Sílvia B., que é, em muitas coisas, o oposto de mim. Sabe como é melhor amiga em fim de noite com muita cerveja – já passamos horas conversando sobre essas diferenças.
Acaso? Sei lá. Foi quando eu entendi que foi exatamente isso que eu busquei. Não é só a minha amiga que se sente segura de me falar as coisas por causa do blog. Essa personagem criada aqui também me dá confiança e vontade de contar meus segredos. E assim eu, uma bagunçada e impulsiva pessoa de escorpião, busco a lucidez e a obstinação da virgem Franka para me organizar.
Nossa, isso talvez seja um assunto bem complicado para uma segunda pela manhã. Me dá até um pouco de medo.
Medo? Lembrei de uma citação maravilhosa:

"O caminho mais seguro para chegar ao verdadeiro futuro (pois existe também um falso futuro) é ir na direção em que teu medo cresce."

Milorad Pávitch através de Nikon Sevast, demônio e personagem de "O dicionárioKazar", ed. fem., Marco Zero, pag. 87


Bom dia, gente.
E podem me contar o que quiser.

sábado, 22 de abril de 2006

o tanquinho


- O Chico ligou, Zé. Disse que está tudo bem, que ele já chegou lá no sitio, que está com todos os amigos, que tá tudo bem.
- Ah, que bom. Não adianta, pai é pai, a gente fica preocupado. Que horas ele ligou?
- Meio dia. Disse que já tinha tomado café e que eles estavam indo para a piscina.
- Piscina? Pra piscina do sítio?
- É. Que é que tem?
- Ah. Tadinho.
- Tadinho porque? É quase adulto, tá com um monte de amigos, amigas, com a namorada, que tem de mais?
- Tsc. É que eu sempre tenho uma sensação estranha com essa coisa de piscina de sítio.
- Sensação estranha, Zé?
- É... Olha, quando eu penso em piscina de sítio, eu vejo o mundo todo e a câmera se aproximando como se fosse o Google Earth. Aproximando, aproximando do sítio, aproximando, até que aparece uma piscinha, um tanquinho mínimo e ridículo com uma aguinha. E dentro desse tanquinho eu vejo a pessoa lá, perdida. Afe, acho horrível.
- Um tanquinho de água no meio do nada? Pequenininho?
- É - ele me olhou sério - Não dá pena?
- Acho que sim, Zé.
- Puxa vida.
- Tadinho do Chico - eu disse.
- Tadinho mesmo, Lú.
Gente, tem crônica nova no paradoXo: os saltinhos

quinta-feira, 20 de abril de 2006

frankamente, o futuro



Outro dia conheci um artista plástico muito moderno. Conversávamos sobre a sua obra quando ele sacou do bolso um iPod igualzinho ao meu e me mostrou, ali dentro, o seu portfólio. Ele tinha todas as obras dele num vídeo, e, colocando-se os fones de ouvido ouvia-se a voz dele explicando seus trabalhos. Ao fundo, uma musiquinha toda bacana. A coisa era tão sensacional que eu... não entendi nada. Quer dizer, eu fiquei tão empolgada com a idéia de colocar um portfólio “falado” num iPod que, juro, nem entendi a obra do cara.
Como ele fez aquilo?
Agora estou aqui encasquetada – porque óbvio que eu quero imitar – mas como eu coloco o “frankamente...” dentro do meu iPod?
Foi quando eu comecei a viajar. Será que qualquer pessoa não pode colocar as minhas crônicas nos iPods para ler nas viagens? Essas crônicas não poderiam ser vinculadas a uma música? Não tenho a menor idéia se isso é possível.
Se tem uma coisa que eu adoro é imaginar os futuro. É muita novidade que existe hoje em dia. Pensa, gente, é computador, blog, fotolog, iPod, celulares, maquininhas de fotos, filmadoras, webcans, googles mil, é cabo pra cá, cabo pra lá, e ninguém sabe o que vai acontecer amanhã. Vez ou outra, quando vou postar, olho a janelinha do blogger e me pergunto quais são as regras. Será que, sei lá, quando eu atingir dez mil posts eu não serei ejetada para outra dimensão?
Aliás.
Já estamos em outra dimensão, óbvio.
No fundo, estamos totalmente no escuro. A internet é um abismo, e o mais maluco é que você não sabe onde está e nem onde, exatamente, está o buraco e o perigo.
Já pensaram nisso?
Bem, cheguei à algumas conclusões. É obvio que daqui a uns anos (ou muito menos) teremos apenas dois aparelhos: um telefone-iPod-computador de bolso e um telefone-iPod-computador de mesa. A diferença será somente o tamanho da tela, aliás, hoje em dia tela é tudo. Esses telefones-iPods-computadores serão estritamente pessoais, notem bem. Hoje em dia existem três coisas que não dá mais pra dividir com ninguém: computador, telefone e banheiro. Aliás, acho que dividir computador é pior que dividir privada, falaverdade.
Também poderemos, obviamente, acessar sites e blogs na tv da sala. Porque acho que continuaremos a ter tv na sala, além dos telefones-iPods-computadores pessoais, porque novela não acaba.
Nesse mundo do futuro, acho que todo mundo terá que ter site ou blog. Será impossível viver sem uma casa virtual, que, obviamente, serão cada vez menos virtuais. Acho que quando alguém abrir o “frankamente...”, se eu estiver com as janelas abertas, provavelmente vai me ver aqui trabalhando. Ora, não tem problema nenhum as pessoas se verem. Se for preciso, coloco só uma tarjinha nos olhos. Aliás, descobri anteontem que, como tenho webcam, basta alguém me ligar no skype que já me vê na hora! – agora me penteio melhor para sentar na frente da tela, obviamente.
Mas porque não criarmos, nos nossos blogs, espaços virtuais com personagens virtuais? Desde que pensei nisso, já vejo a boneca Franka se movendo no blog de lá para cá no meio das letras e das crônicas. E imagine alguém telefonando pelo Skype pra franka e vendo Franka atender dentro do “frankamente...”? E já imaginou as visitas entrando dentro dos blogs, com os avatares animados andando de cá pra lá?
Estou exagerando? Sei lá. Acordei assim...

Vou é correndo naquele site que a Márcia Namastê achou onde a gente pode mandar emails para a gente mesmo no futuro, contar pra mim mesma tudo que eu descobri...

quarta-feira, 19 de abril de 2006

o aniversário de pecus bilis



Parabéns, Pecus Bilis.
E pensar que tudo começou com um bidê em: frente, costas ou híbrido?

dedos treinados

pés de franka em obras na bahia
Desde que nasci que sou sócia de um clube aqui em São Paulo. E desde que sou pequena que, para entrar na piscina desse clube, temos que fazer um exame médico.
Esse exame consiste em aparecer de maiô na frente de um médico do próprio clube. Na sala de exames, ele nos pede para mostrar as mãos, a parte de trás do pescoço e os pés. Quando mostramos os pés, o médico pede para abrirmos dedo por dedo, para ele checar a parte de dentro entre cada dedo para ele ver se não temos frieiras.
Nunca achei que esse tal exame era muito confiável. E o resto do corpo? E se a pessoa tem micose na barriga? No olho? No bumbum? Além disso, nunca vi ninguém reprovado no tal exame, apesar do Zé morrer de medo disso acontecer com ele um dia.
- Ufa, alívio! Vocês não sabem. Passei hoje no exame médico do clube hoje – ele disse na semana passada, durante uma festa.
O Zé explicou. Ia começar um treino de natação e precisava renovar a carteirinha.
– Agora estou ok. Mas sempre acho que não vou passar, morro de medo de ser reprovado, mesmo sabendo que não tenho nada errado.
- Ah. Você fez exame médico ontem? – perguntou um amigo nosso, que estava ao lado dele e que é sócio do mesmo clube – Pois eu fiz hoje.
- E passou?
- Hã? Claro que passei – respondeu esse amigo, rindo – ... mas Zé, me diz uma coisa.
- Fala.
- Lá no exame, na parte dos pés, como é que você faz?
- Ora. Eu coloco o pé no banquinho e abro os dedos um por um.
- Abre como?
- Com a mão, ora. Vou abrindo um por um e mostrando um por um para o médico.
- Ufa – ele disse – Que alívio.
- Alívio porquê?
- Bom, eu nunca tinha reparado nisso, mas hoje todas as pessoas antes de mim não precisavam da mão para abrir os dedos.
- Hã ? – estranhou o Zé e mais todos os outros que estavam na sala, próximos da gente – Como assim?
- Sei lá! – disse esse amigo – Eram pessoas que abriam os dedos sem mãos, entende? Ao menor sinal do médico, quando ele dizia “abra dos dedos”, eles colocavam os pés no banquinho e... tchum. Abriam. Um de cada, como se fosse uma dança, como se tivessem vida própria. Era horrível.
- Os dedos abriam sozinhos? - surpreendeu-se o Zé.
- Sim, sozinhos.
- Nossa. Devem ser dedos treinados para isso.
- Ou algum tipo de deformidade, não acha? - sugeriu o amigo.
- Eram diversas pessoas diferentes?
- Não – falou o amigo - Pensando bem, deviam ser da mesma família. Vai ver que é uma coisa genética.
- E, de um certo modo, mais higiênico.
- Concordo - ponderou o amigo - Mas que é estranho é, não acha?
- Muito.
E o Zé arriscou perguntar.
- E... eles passaram no exame?

terça-feira, 18 de abril de 2006

os pés e o motorista da van



- E como foi a noite ontem, mãe? Foi ao teatro com turma da van?
- Nossa, estou exausta. Chegamos as três da manhã.
- Nossa, mãe. Onde é que você foi?
- Ao teatro e depois jantar fora num restaurante italiano. As nossas noitadas estão cada vez mais longas, ando exausta. E olha que eu ainda tenho sessenta e pouco, a maioria das senhoras setenta, oitenta.
- E elas agüentam?
- Púúú. Ô se agüentam. E bebem vinho sem parar. Ontem, por exemplo, no restaurante, teve até karaokê. O seu Loreto, você sabe, o único homem da nossa turma, cantou madrugada adentro.
- Que bom que vocês se dão bem, mãe.
- Quem falou que nos damos bem? Ichi, você nem imagina a brigaiada que é. Imagina um monte de velhas cheias de manias juntas.
- Ah, tem muita briga?
- Você nem imagina, filha. Entre elas, com os outros, nos restaurantes, nos teatros. Elas brigam com tudo e por tudo, só param de brigar quando tomam vinho. Implicam com os garçons, com as comidas, com a conta, com os lugares, com as peças. Você sabe como é velho. Gosta de implicar e falar mal...
- Imagino.
- Ontem mesmo uma delas criou o maior caso, imagina, por causa do pé dela.
- Do pé?
- É. Ah, só rindo mesmo... – ele disse, balançando a acabeça – Imagine que essa senhora, a dona Célia, estava toda elegante, com um vestido muito chique e uma sandália linda nos pés. Bem, temos uma escadinha que é colocada na hora de entrarmos e sairmos da van. E sempre que é para entrar e sair o motorista nos ajuda, dando a mão.
- Você já contou uma vez.
- Bom, ontem o seu Nelson, o nosso motorista - um moço ótimo, tão bonzinho conosco - colocou a escadinha e foi nos ajudando, uma a uma. Quando chegou a vez dessa senhora, ele deu a mão para ela, disse "a senhora tome cuidado com o degrau", e, sei lá porque olhou para os pés dela e comentou “... mas nossa, dona Célia, mas que pés lindos que a senhora tem...!”. Claro que aquele era um comentário adequado, pois ele olha os pés de todas nós, uma vez que tem segurar a escadinha e nos dar a mão. Ele está ali exatamente para isso.
- Claro.
- Mas quando o seu Nelson disse aquilo a mulher ficou furiosa. Achou um escândalo. Como assim, achar o pé dela... lindo? "Que absurdo", ela disse. Perguntou quem ele achava que era para emitir opinião sobre os pés dela.
- Há. Engraçado.
- Engraçado? Foi um desastre. A mulher ficou indignada, disse que aquilo era escandaloso, indecente, obceno. Onde já se viu um motorista de van ficar naquele assanhamento com o pé de uma senhora de idade, que coisa mais esquisita. A Marilena, a organizadora, tentou de todo modo explicar para ela que ele só quis ser delicado, mas ela estava indignada. Disse que com aquele motorista ela não saia mais ,dali em diante tinha medo. Fez um escarcéu, parecia que o pobre do seu Nelson era um tarado. O homem não sabia o que fazer de vergonha, com aquela mulher a falar alto na porta do teatro.
- E aí?
- A Marilena foi conversar com ele e pediu para ele pedir desculpas. Ele coitadinho, abaixou a cabeça e foi, mas a velha estava impassível. Humpf. Continuou a dar bronca no moço. E agora ela diz que não sai mais conosco se o seu Nelson continuar dirigindo. Que não confia mais.
- Coitado.
- Depois de um tempo eu e a Marilena fomos falar com ele a sós. Perguntamos porque ele fez aquilo. De falar do pé da velha.
- Ele explicou?
- Ele estava sem graça, respondeu que falou aquilo porque realmente achou lindo o pé da velha. Só isso. Que ele olhou para o pé dela e achou lindo para uma velha como ela.
Ela me olhou.
- É estranho mesmo, não acha, filha? Um motorista gostar de um pé de uma velha... Ah, mas não precisava criar tanto caso. Um pé, o que é um pé afinal de contas?

segunda-feira, 17 de abril de 2006

bola de meia


Nesse feriado encontrei, sem querer, uma conhecida de muito tempo.
Nossa. Quanto tempo. Olha que coisa. Por onde você anda. E os filhos. Tem quantos. Tua mãe tá boa.
Como o vácuo de tempo entre nós era muito grande, o encontro não podia ser apenas um “olá” de longe e rápido. Tive que parar, cumprimentar, perguntar da família, da vida, lembrar os nomes dos pais e filhos. Até que uma hora percebi que eu falava como maluca e ela só balançava a cabeça. Sabe aquele tipo de pessoa que não desenvolve conversa? Tava ali na minha frente. Tive raiva. Não de mim, que tenho certeza que eu ali desempenhava o papel certinho. Tive raiva dela, que não fazia esforço algum para me agradar. Se eu parasse de falar subitamente, tenho certeza que eu e ela entraríamos num estado catatônico que duraria horas e horas. Quando percebi isso, desconversei e me despedi. E, confesso, na hora que sai de perto dela, falei bem baixinho.
- Ô chata.
Perdão, gente. Mas que coisa mais chata mesmo.
Olha, geralmente me dou bem com qualquer pessoa sem fazer esforço, mesmo com os complicados, mau humorados, com os gênios da lâmpada. Sou uma boa comentadora tanto de de gibis quanto de orelhas de livros com embasamento teórico e me viro bem com minha bagagem bagunçada. Mas algumas pessoas que me incomodam muito. São essas que não sabem... conversar.
Acho que isso é por causa de uma coisa que aprendi. Quando eu era menina eu era tímida, calada, quietinha. Nas ocasiões sociais eu ouvia muito e não emitia opinião – aliás, naquela época criança não fazia isso mesmo – e dizia apenas “sim obrigada”, “não obrigada”, “bom dia boa tarde e boa noite” e “dá licença”. Mas observava o tempo todo, principalmente a minha mãe, que até hoje fala pelos cotovelos. E aprendi com ela, inconscientemente, uma série de umas coisas engraçadas sobre essa coisa de se portar ocasiões sociais.
A primeira é que ela achava que era preciso falar. Preciso, não: era absolutamente necessário falar. É, isso mesmo. Se alguém era colocado na frente da minha mãe, ela falava qualquer coisa. Se fosse preciso ela contava o número do sapato que estava usando ou saldo do banco. Mas falava. Uma conversa sem falas, para ela, era um tipo indesculpável de falta de educação, e ela, que era muitíssimo bem educada, sempre comandava as conversas.
Porém, por mais que minha mãe tentasse, com algumas pessoas não tinha conversa. Tem gente, como a minha amiga que contei ai em cima, que não entende essa coisa da educação mandar falar quanto tem alguém ao lado.
Pois bem. Quando a minha mãe se deparava com um sujeito ou sujeita desse tipo, ficava desesperada. Ela se inflava e resolvia que não ia deixar vazio, hiato não era com ela. Bastava a conversa degringolar para o nada que ela, sempre sorrindo, falava longos “ai-ais...”, “pois é...”, “mas que coisa...”, “eu não acredito...” e outras expressões tapa-buraco que agem como pontes entre os assuntos. Nessas horas ela ficava aflitíssima com a perda do controle, tentava umas duas ou três vezes reerguer o assunto, e quando via que não dava mesmo, mudava o tom para tom de final de espetáculo e dava um jeitinho de encerrar a conversa sempre com as desculpas de “muito trabalho hoje na cozinha”, “buscar as filhas”, “fazer alguma coisa para o Dito”. O Dito era meu pai, obviamente.
Hoje me pego fazendo exatamente a mesma coisa. Acho que não adianta, que no futuro somos somente cópias mais atualizadas das nossas mães. Além de ter me tornado igual ou até mais tagarela do que ela, eu também não suporto esse tipo de gente que depende do nosso empenho pra conversar. Uma amiga define essas pessoas como pessoas “bolas de meia”, pois conversar com elas é como jogar uma bola de meia numa parede – ao invés da bola voltar pra sua mão, ela bate e cai no chão, o que obriga você a ir até lá, pegar a bola e jogar de novo. Um saco. Numa boa conversa a bola vai de mão em mão, em jogadas certeiras. Assim que é gostoso conversar, com jogar um ping-pong.
Bom, posso estar enganada e ser eu a chata, obviamente. Pra variar, não tenho certeza de nada, mas também, quer o quê numa segunda feira de manhã quando ninguém tem assunto?

domingo, 16 de abril de 2006

homens e mulheres

- No meu tempo, no meu colégio, as salas de aula eram separadas. Existiam classes femininas e masculinas – contava o Zé para o João, ontem, na hora do almoço.
- Ô pai. Não quero se chato mas você já contou isso mil vezes.
O Zé não deu a mínima e continuou falando.
- Então eu vou contar mil e uma. Se eu tou contando é porque é importante. Acha que eu não sei que já falei isso? Falei, mas agora vou concluir uma outra coisa. - ele retomou - Bom. Nas classes de mulheres tinham só mulheres, e nas de homens só homens.
- Eu já sei, pai...
- Tinha até uma ala de homens com a classe dos homens e uma ala de mulheres com as classes de mulheres. As coisas não eram como são hoje, isso é uma coisa que eu queria que você entendesse.
O João suspirou e resolveu embarcar.
- Os professores podiam ser de sexo diferente?
- Sim. Professor podia ser de outro sexo. Na escola da sua mãe também era assim. Ela estudava numa classe só de meninas.
Eu confirmei.
- Foi. Até o terceiro colegial minha classe era só de mulheres.
- Pois é... – falou o João, com a maior cara séria do mundo – Pois na minha escola, pai, tem espaços assim também. São salas só de homens e salas só de mulheres. Só que atualmente esses locais não são chamados de “classes” e sim de “banheiros”....
Bem, sendo hoje o dia de hoje, boa páscoa à todos, homens e mulheres.

sexta-feira, 14 de abril de 2006

tradição é tradição?


- Como assim, mãe?
- Chico, você vai fazer dezessete anos. Tem cabimento?
A Nani interrompeu.
- Que foi?
O Chico olhou indignado para ela.
- Você não sabe da última. A mamãe disse que esse ano não vai comprar ovinhos! E pior. Não comprando, ela não vai esconder pela casa os ovinhos e nem os coelhinhos de chocolate, Nani.
A Nani me olhou pasma.
- Hã? Como assim, mãe? Vamos ficar sem ovos? Você pirou?
Eu estava acuada.
- Caramba, mas olha como vocês estão grandes! Luciana, você tem quinze... - tentei argumentar - Faz assim, eu dou um ovo pra vocês e pronto.
- um ovo? Que absurdo. Assim você acaba com a páscoa, mãe. Na páscoa a gente acha os ovos, não ganha.
O Chico argumentou.
- É, e além disso tem o João... ele é grande mas tem só doze. Doze é idade de ovinhos. Quando eu tinha doze...
- É sim, mãe - ela interrompeu - E como uma mãe não faz diferença entre filhos, se ele ganha nós temos que ganhar também
- Mas vocês vão viajar e nem vão estar aqui.
- Vamos, mas voltamos – resolveu a Nani – Então você esconde no domingo a noite, quando nós já tivermos chegado.
- Pô mãe... – falou o Chico, fazendo cena - tradição é tradição, né...
- Tá bom, tá bom...
- Oba – disseram os dois, animados e alividados.

Póde uma coisa dessa?
e gente, hoje, sexta, tem crônica na paradoXo: Não fui eu!

quinta-feira, 13 de abril de 2006

o tijolão

Ontem eu encontrei uma amigos que não via há muito tempo, de um escritório que eu trabalhei quando era moça, a CVS. Foi meu segundo emprego depois que me formei. O lugar não era somente um escritório de arquitetura. Era também agência de publicidade, de criação e design. Na época, aquele lugar era muito moderno para mim. O prédio era todo reformado, todo mundo era muito bacana. Quando consegui o emprego fiquei toda animada.
Bem, lá fui no meu primeiro dia. Sempre no primeiro dia a gente fica envergonhada. Eu não conhecia ninguém e não sabia direito como as coisas iam acontecer naquele antro de modernidade. E mesmo eu, que sou um tanto tagarela, estava bastante tímida naquele primeiro dia.
Olha.
Não sei se foi combinado antes ou se eles olharam a minha cara de trouxa e resolveram fazer aquilo comigo na hora que eu cheguei. Só sei que eles “tiraram muitas” da minha cara naquele dia e eu cai feito um patinho em todas, gente. Hoje eu acho engraçado, mas na hora tive que respirar fundo para não chorar de raiva. Não foi um, foram todas as pessoas daquela agência que fizeram gato-sapato comigo. Gente, quanta maldade. Sabe essas sacanagenszinhas de emprego? Foi uma coisa típica de adolescentes, de molecagem pura e absoluta.
A primeira foi com o meu sapato. O lugar era um salão de um galpão enorme, cheio de mesas e a minha ficava bem no meio. Eu estava de tamancos, daqueles de sola de madeirinha, e logo depois do almoço devo ter tirado um minuto o calçado embaixo na mesa por causa do calor. No minuto seguinte, tentei colocar e... neca. Cacilda. Alguém (juro que não sei 'como' nem 'que horas') tirou um dos tamancos dali e... zupt. Desapareceu com ele. Procurei ao redor e nada. Vasculhei em baixo da mesa, olhei embaixo das mesas alheias, até que suspirei fundo e arrisquei perguntar discretamente aos vizinhos.
Eles me desprezavam.
- Hã? Como é?
- Você... por acaso você pegou meu... tamanco?
- Pegou o que? Um... tamanco?
Eu olhava ao redor e nada. Todo mundo trabalhando com cara de porta.
Vergonha. Muito tempo depois, desisti. Ninguém deu a mínima, aliás. Sentei e voltei a trabalhar descalça e p. da vida. Logo depois descobri que me ensinaram todos os nomes das pessoas errados. E a mesma coisa quanto as funções.
- Não sou eu, é ele o João.
- Como assim? Ele não é o desenhista?
Além disso, eles se fingiam de surdos quando eu perguntava alguma coisa. Eu fiquei com medo até de ir ao banheiro, pois fui uma vez e fiquei sem escala, a lapiseira e a borracha. Aquele lugar, que eu achei que era tão legal, era insuportável e eu comecei a ficar cansada de tanta azucrinação. No final da tarde eu já estava irritadíssima (e ainda descalça) quando um dos arquitetos percebeu minha cara de quase-choro-desesperado e apontou um armário lá no fundo, onde, ufa, estava meu tamanco.
Coloquei os sapatos, peguei minha bolsa e sai dali batendo os pés. Tenho certeza que o escritório inteirinho caiu na gargalhada na hora que eu passei pela porta. Na afobação, nem percebi. Mas quando alcancei o ponto de ônibus, achei que minha bolsa estava muito, mas muito pesada.
Abri.
Dentro dela, um tijolão enorme e umas dez de amostras de azulejos, que eu carreguei suando até em casa e devolvi no dia seguinte.
E quanto tempo eu fiquei com eles?
Ah, um tempão, mais de cinco anos. São muito legais, até hoje morremos de rir da história do tijolão.

quarta-feira, 12 de abril de 2006

parabéns, anna!



... pronnto, Anna, taí a ilustração com tarja bucal, como você pediu! (bem, e com solicitação de presidente da LIKOMB a gente nnão brinnca...)


Esse post é única-exclusivamente para dar os parabéns para a Anna, a maior comentarista da blogosfera e futura a presidenta de LIKOMB: Liga Independente dos Komentaristas de Blogs - que faz annos hoje.

E bom. Presente de blogueiro é... post.
Taí, Anna, um post só pra você, com direito a ilustração tarjada exclusiva.
PARABÉNS!

a parede mais feia da casa



Era a parede mais feia de todas. Essas coisas de espaço são super estranhas, porque a gente demora pra entender porque um espaço incomoda, até que uma hora vem um clic.
“Ah, é porque a porta tá no lugar errado... ah, é porque a mesa está mal posicionada... é porque a janela é pequena ... é por causa daquele quadro!”
Bem, eu tinha esse problema com minha copa. Alguma coisa lá dentro me incomodava, e eu tinha que passar um bom tempo dentro dela todos os dias. Um dia perguntei se alguém notava um certo baixo astral quando estava ali. Ninguém me deu a mínima bola, e durante anos aquele foi um problema só meu.
O lugar não é bem uma “copa”, é apenas a extensão da cozinha, uma vez que não há porta. Mas como há duas janelas, chamamos um lado de copa e outro de cozinha. Até que um dia, entendi uma coisa: no lugar onde eu me sento eu olho para fora e vejo o muro que divide a minha casa e a casa da vizinha. E esse muro era horrendo.
Com toda a certeza, a parede mais feia da casa.
Pena que na época eu não documentei a feiúra absurda da coisa. Era óbvio. Era aquele muro que estava acabando com as minhas refeições, com o espaço da minha copa, com meu humor. A parede, velha, fora um dia caiada de branco e estava toda descascada. Tinha sobre ela diversos cacos de vidro velhos e cheios de musgo para impedir a passagem de gatunos (acho que no tempo dos cacos de vidro nos muros os ladrões se chamavam assim). A vizinha colocou cerca elétrica, e eu também, então sobre os cacos havia um emaranhado de fios e postinhos, os meus e os dela. E para viabilizar aquela coisa de cerca elétrica e infravermelho, na parte dela ainda havia um monte de canos e conduítes, pois ela não embutiu os fios como eu fiz. A vizinha ainda construiu uma salinha-puxadinho no recuo, então se via um pedaço do telhadinho, além das janelas dos banheiros de cima com os shampoos e creme rinse através do vidro. Gente, coisa mais horrível não havia para a gente olhar na hora de comer.
É engraçado isso. Não se tratava de uma reforma geral na casa, mas de uma solução para um pedacinho de uma parede. E não se tratava e um problema geral de todos os moradores da casa, como a falta de um banheiro ou de uma sala apertada. Aquele era um problema apenas meu, que me sentava naquela cadeira e olhava aquele pedacinho de muro.
Tadinho.
Foi assim que eu me apeguei ao pedaço de muro. Tem gente que se apega a cachorros, gatos, à arvores, não é? Pois eu me afeiçoei ao muro da janela da copa. E, na primeira reforminha que fizemos aqui em casa, eu chamei o pedreiro.
- Tá vendo esses azulejinhos? Coloca pra mim nessa parede. Peraí que eu vou te dizer onde... – disse a ele, entrando na copa e posicionando as peças de acordo com o que eu via de dentro.
Assim que começou a minha tentativa de embelezar aquela desgraceira. Depois, numa outra época, chamei o pintor.
- Vamos pintar esse muro de vermelho - eu disse a ele - cor de terra.
- Tem certeza, dona Luiça?
- Tenho. Tá muito pálido.
Depois resolvi colocar plantas. Coloquei uma trelicinha de bambu e passei dias pensando qual eram as flores mais lindas do mundo. Ora, orquídeas, na minha opinião. Falaverdade, orquídea é demais.
Assim eu empetequei o muro e desde então eu vivo feliz com ele. Mas hoje no café da manhã eu tive um outro clic.
Céus. Descobri que eu sou a maior caipira do universo. Gente, eu tratei meu muro como se ele fosse uma boneca. Coloquei enfeites, bijouterias, maquiagem pra ficar corado e até flores no cabelo! Quando percebi isso, tive a maior vontade de rir. Imagine pensar que uma arquiteta como eu, com tantos e tantos anos de profissão, formada pela FAU e ex-aluna dos maiores arquitetos de São Paulo e quiçá do Brasil, pensa um espaço desse modo. Imagine se esse é o modo correto de ver um espaço, de entender uma casa, de resolver um problema. Afe. Provavelmente posso até ter meu CREA cassado, se alguém souber.
Pois é. Mas a verdade é essa, os pensamentos inteligentes geralmente escapam da nossa mão com a maior facilidade nesses pequenos detalhes. E é ai que a gente se trai, é aí que eu, uma pessoa tão moderna e eficiente, me mostrei caipira ao extremo com meu muro-boneca.
Eu não sei, perdi totalmente o critério. Olhando rápido, eu ainda gosto dele, mas acho que ele não melhorou tanto assim. Por mais que a gente faça plásticas e reformas, as nossas feições não mudam. Mas pelo menos agora almoço e janto tranqüila olhando aquela parede vermelha, cheia de azulejinhos e com aquele monte de orquídeas que volta e meia, florem, como hoje, nessa foto que acabei de tirar.
Na vida também é assim. A gente faz o que pode. O importante é ter histórias para contar.

terça-feira, 11 de abril de 2006

a sunguinha do rick



Quando se mora em família existem muitos códigos entre os membros. E mais: quando uma das pessoas adultas da família é o Zé, que sempre lasca o seu tradicional “hummm, diferente...” toda vez que alguém inventa uma coisa nova; quando a outra pessoa sou eu, que reparo em minúcias e coisas desimportantes o dia inteirinho e quando os outros três moradores são adolescentes com suas gracinhas, vergonhas e excessos de crítica, está feita a salada.
Aqui em casa temos muitos códigos que viraram termos que só a gente entende. Minha família toda é meio implicante, fazer o quê. São as linguagens de grupo que distinguem e identificam seus membros. As vezes acontece de grupos terem os mesmos códigos, as vezes acontece usarmos códigos alheios, e as vezes só a gente, que está dentro, entende.
Tudo para falar sobre um termo que roda aqui em casa a toda hora. É a "sunguinha do Rick". É um termo que veio de lá de trás, do ano passado, da novela América.
A novela tinha uma família que foi morar nos Estados Unidos: um pai, uma mãe e um garotinho pequeno. O pai se encantou com a vida em Miami e arrumou um monte de amantes, a mãe chorava pelos cantos com saudade da sua vida profissional no Brasil e o menininho, esquecido, viciou-se me joguinhos de computador online. Por causa disso, o menino acabou conhecendo um homem mais velho, que no início se fez de criança para enganar o moleque. O homem era, na verdade, um pedófilo. Como os pais eram “ausentes”, o garotinho, seduzido, foge de casa e vai para a casa do tarado. Quando isso aconteceu, os meus filhos berravam na sala.
- Moleque idiota! Tosco, Burro!
Bom, aqui em casa a gente implica mesmo com criança de novela, sempre foi assim. E esse menino, perdão, era muito tonto mesmo.
A casa do tarado era cheia de brinquedos, computadores e potes de bala, um cenário bem ridículo mesmo. Na cena fatídica, o velho e o menino estão na sala e o homem começa a seduzir o garotinho com doces e jogos. Numa certa hora o velho abre uma gaveta, pega um maiô, desses de nadar, balança na frente do menino e fala:
-" Você quer esses doces e brinquedos, Rick? Então põe a sunguinha e me deixa tirar umas fotografias suas de sunguinha, Rick... – e balança a sunguinha na frente do menino, com cara de tarado – Vamos, põe a sunguinha, Rick, vamos... "
Os meninos berravam na sala diante da cena absurda.
- Aahahaha! Muito ridículo isso! – eles exclamavam – ... que menino mais idiota! Que moleque boçal!
Bom, bastou. Isso foi no ano passado, a novela acabou, mas a "sunguinha do Rick" está todos os dias aqui na minha casa. Até hoje, quando damos de cara com uma pessoa desavisada, quando alguém foi enganado ou quando simplesmente um quer chamar o outro de bobo, um de nós pega um paninho ou papelzinho e balança na cara do outro.
- Pôe a sunguinha, Rick, vamos... põe a sunguinha...
Hahahaha.
É. Coisas de família, fazer o quê.

segunda-feira, 10 de abril de 2006

o celular do garrafa



Foi na semana passada. Era de noite e estávamos indo, eu e o João, ao Shopping Villa Lobos comprar umas coisas quando percebi um objeto bem no meio da rua.
Não sei como um mísero olhar de um milésimo de segundo, à noite e com o carro andando me fez ver que aquilo era um celular. Mas era, e eu não podia atropelar um celular.
Brequei.
- Que foi, mãe?
- Tem uma coisa embaixo do nosso carro. Vou dar uma ré e você pega.
Quando recuei e o farol iluminou, vimos. Era um celular.
Olhamos ao redor. Vivalma. De um lado um muro, de outro casas. Poucos carros estacionados, nenhum guardinha.
- Vamos levá-lo conosco – decidi.
- Mas mãe. Não é nosso.
- Eu sei. Mas a gente não pode deixar no meio da rua. Vamos tentar, pelos contatos, achar o dono.
Chegamos no shopping. O João me olhou de lado, obviamente aflito por estar com um aparelho de outra pessoa. É muito estranho ter um celular de outra pessoa nas mãos. De um certo modo, aquilo tem uma porta que, se abrirmos, estaremos literalmente fuxicando na vida alheia. Mas naquele caso a fuxicação era permitida, o que me deixava animadíssima. Permitida não: absolutamente necessária. Se eu não fuxicasse, jamais aquele aparelho voltaria ao dono.
- João, o celular está ligado?
- Está.
- Veja se tem nome.
- Está escrito Nextel. Impossível o cara ter o mesmo nome do aparelho.
- Dãããr.
Eu comecei a falar o que fazer. Sei lá, me deu uma coisa. Era como se eu sempre achasse celulares no meio da rua.
- Primeiro, vamos ver o número. Disque do dele para o meu.
Era um número desconhecido, óbvio. Dããr pra mim. Mas em último caso era bom saber o número, expliquei para o João, pois a Telefônica deveria saber de quem era.
- Agora olhe os contatos - eu sugeri.
- Vou entrar nas ligações feitas – ele disse, apertando os botões – Mãe, ele ligou para um número fora de São Paulo e para o Fábio Colgate.
- Fábio Colgate?
- É.
- Deve ser um homem com um sorriso lindo, João.
- Ou um sorriso horrível, mãe. Apelido de amigo é sempre o contrário.
- Entra na agenda e procura “Casa”.
- Achei. Tem “Casa L1” e “Casa Campos”.
- “Casa L1”?
- Deve ser “linha um”, mãe.
Liguei, atendeu uma mulher. Eu fiquei completamente gaga.
- Errr. Boa noite. Aqui é uma pessoa que achou um telefone que tinha na agenda o telefone daí na palavra “Casa L1”.
- Hã?
Demoramos para nos entender, até que de repente ela teve um clic.
- Ah, você achou o celular do meu marido? Nossa! Ele está no clube... deve ter perdido na rua... puxa...
- Qual clube?
Era um clube bem no meio do meu caminho de volta.
- Olha – sugeri – ou te dou meu endereço e você vai buscar mais tarde na minha casa ou eu deixo na portaria desse clube. Que acha?
- Mas que ótimo - falou a mulher – se puder deixar na portaria está excelente, eu pego depois.
Foi quando ela falou a parte engraçada.
- E quando deixar, avise que achou o celular do “Garrafa”.
- "Garrafa"?
- É o nome do meu marido – ela explicou, seríssima.
O João me olhou com vontade de rir.
- Mãe. A gente achou o celular do... “Garrafa”? – ele me mostrou o telefone – E esse aqui é o celular do “Garrafa”?
- É...
- Tá na cara, com esse nome, porque ele deixa cair os celulares na rua, mãe. “Garrafa”, essa é boa. Ele deve tomar todas. Imagina o “Garrafa” e o “Fábio Colgate”, que dupla.
Engraçado. A questão é que o fato do celular ter um dono, ainda mais um dono com o nome de “Garrafa”, nos fez adquirir um grande respeito pelo aparelho. Agora a coisa tinha valor. Depois de cumprirmos nossos compromissos no Shopping, iríamos devolver o “celular do Garrafa”. Era quase como se tivéssemos uma missão.
- A gente podia ligar pro tio Beto, em Paris – sugeriu o João, rindo – Ligar para a China, para os Estados Unidos.
- Imagina fazer isso com o Garrafa, filho!
Depois de uma hora, chegamos em frente ao clube. Parei o carro e desci, acompanhada do João, animadíssimo. Na portaria havia uma porteira, ao seu lado um guardinha e do outro lado dois homens com sacolas de tênis. Expliquei o caso para a porteira e, quando pronunciei a palavra “Garrafa”, uma outra mulher, que acabava de chegar na portaria exclamou bem alto.
- Ah, foram vocês que acharam o celular do Garrafa? A mulher dele já ligou aqui e contou tudo! Que maravilha! Ele vai adorar, que bom!
Todo mundo ao redor nos olhou. A porteira, o guardinha, os homens das sacolas de tênis e a moça que falava alto que acabava de chegar sorriram, felizes. Por um instante, eu e o João ficamos absolutamente importantes naquele local. Éramos as tais pessoas que acharam o celular do Garrafa.
Ora.
A mulher que acabara de chegar deu uns pulinhos.
- Ele está lá dentro, vou avisá-lo para ele vir pegar – disse a moça, passando pela roleta e correndo.
Acho que o Garrafa é um tipo de líder daquele clube. Todo mundo ali conhecia o Garrafa e todos balançavam a cabeça ao pronunciar o seu nome. E provavelmente as pessoas ao redor achavam que eu e o João deveríamos estar muito felizes por sermos os sortudos encontradores do celular do Garrafa.
A porteira perguntou:
- Querem entrar e sentar para esperar o Garrafa?
Hã? Aquilo já estava exagerado demais. Esperar o Garrafa? Não, não, respondi, assustada. Afinal, São Paulo não é assim. Nunca vi esse excesso de cidadania, de boa vontade, de naturalidade.
- Não, obrigada... vamos para casa, tenho que jantar... só vim entregar...
Um dos sócios das sacolas de tênis ficou decepcionado.
- Hã? Não vão esperar o Garrafa?!?
Olhei o clube, com aqueles corredores enormes.
- Não, não é preciso... - eu disse, sem graça - Mande um abraço para ele.
Eu parecia a Cinderela, saindo correndo antes das badaladas. Que situação mais inusitada.
- Ei, ei... – gritou o homem da sacola de tênis – ... e como você se chama?
- Lúúúcia! – disse eu, correndo e entrando no carro.
Chegamos em casa rindo. Depois do jantar, tocou meu celular.
- Lúcia?
- É.
- Aqui é a mulher do Garrafa, aquela que você falou. Achei esse número discado aqui e imaginei que era o seu. Estou ligando porque o Garrafa pediu para te agradecer muitíssimo. Já estamos com o celular.
- Ah, de nada...
- Ele falou que foi muita gentileza sua.
- Quinada. Era caminho. Ele é muito popular, seu marido.
- Ah, eu sei. E obrigada mesmo – falou a moça.
Foi assim.
E pensando bem, que pena que não conheci o Garrafa...

domingo, 9 de abril de 2006

99?



Lembrei de uma cena de um episódio do seriado "Agente 86" que eu a-do-ro. É muito engraçada.
A 99 foi presa e está pendurada de ponta cabeça num depósito (pra falar a verdade, não me lembro exatamente onde ela está, o que importa é que ela está de ponta cabeça, amarrada pelos pés). Ela grita por socorro, e lá pelas tantas chega o Maxwell Smart, o agente 86. Ela o vê e exclama, sorrindo:
- Max, que bom que você me achou! Me tire daqui!
Ele se vira de cá para lá, procurando a parceira.
- 99? Onde você está?
- Aqui, Max, aqui! - grita a 99, pendurada, acenando as mãos.
- Onde, onde?
Ele olha para todos os lados, tentando encontrá-la, e não acha. Mas o engraçado é que ela está bem na frente dele, a menos de vinte centímetros.
- Maaax! - berra a 99, irritada.
- Onde, 99, onde?
De repente, ele a vê.
- Ah, você está ai! - ele exclama, com aquele sorriso maroto - É que eu olhei e não te reconheci, pois achei que era a agente 66!

sábado, 8 de abril de 2006

bob marley



- João, você tomou banho ontem?
- Aaa... Não lembro...
- Vai tomar agora. Teu cabelo tá fedido. Você suou, fez esporte.
- Mãe, você sabia que o Bob Marley nunca lavou a cabeça na vida?
- Não, eu não sabia.
- De tão sujo, o cabelo dele ficou com aquele drédi-natural. Aquilo era natural, sabia?
- Eca.
- Além de sujo, o cabelo dele era abafado com aquela touca.
- Afe.
- Acho que foi por isso que, quando ele morreu, acharam 19 tipos de piolho na cabeça dele.
- Argh, João.
- E além dos 19 tipos de piolho, acharam uma minhoca nojenta e viva que comia partes do couro cabeludo. E as caspas e cracas, claro. Disseram que ela ficava andando o tempo todo por dentro do cabelo dele.
- Bleargh.
- Já o corpo eu não sei se ele lavava. Vai ver que ele tomava banho de touca.
- Cara nojento. Quem te contou isso?
- Meus amigos.
- Vai pro banho, João, e chega de enrolação.
- Toíno. Prometo.

sexta-feira, 7 de abril de 2006

denteprimida




- Alô.
- Oi, filha.
- Tá boa, mãe?
- Que nada, estou arrasada.
- Que foi?
- Ah, nem te conto. Quebrou meu dente.
- Ahhh.
- E ainda o da frente. Ainda bem que foi atrás. Uma lasquinha.
- Dá pra ver?
- Não, mas mas dá pra sentir. Ah, se você soubesse como isso me deixa triste.
- Ah, mãe, que coisa boba, deixa.
- Sabe que eu estou deprimida até? A cada vez que eu passo a língua e raspo ali eu sinto uma pontada no coração. Uma tristeza a gente perder um pedaço do corpo assim.
- Marcou o dentista?
- Segunda feira, já falei com o dr. Renato - ela suspirou - Ah, estou deprimida, deprimida mesmo...

Essa é minha mãe hoje de manhã. Engraçada.


E hoje tem queda, ops, crônica nova lá na revista paradoXo: vão lá conferir - tombos, quedas... e gargalhadas !

quinta-feira, 6 de abril de 2006

dezessete



Fui ver uma peça que gostei muito. Chama-se 17 x Nelson. São 17 cenas de 17 peças do Nelson Rodrigues em uma montagem muito legal. Tudo era bom. O modo como as peças se encaixavam, os atores, a interação entre eles, o cenário, o texto, o figurino, a montagem, o clima. Disseram que era um pouco longa, mas não notei. Nem tive vontade de comer bala, o que para mim é sempre o sinal da minha própria dispersão.
Além disso, a peça tem um ator que merece um aplauso, chamado José Ferro. Afe, gente. Eu gamei nele. O homem é muuuito bom. É baixinho, pequeno, mas quando começa a atuar vira um gigante monstruoso – o que confirma minha teoria que diz que “ser gigante” não tem absolutamente nada a ver com “ser grande”. Ele não atua. Ele está lá e é o que faz. É estranho como alguns atores tem essa capacidade de tornar a cena muito mais real que a realidade. E, além de excelente ator, ele tem uma voz de arrastar um quarteirão.
Isso que eu falei, de tornar uma cena mais real que a realidade, não tem a ver só com teatro. Tive um amigo que fazia isso com a vida dele e as nossas. Ele estava sempre tão dentro, mas tão dentro da realidade que a transformava sem perceber. A nossa memória de alguns fatos, até hoje, mais de dez anos depois da sua morte, foi ele que criou. Não sei se me explico. Podíamos estar numa fila chatérrima de cinema: ele começava a falar, dar idéias ou dar risadas. E vivia com tanta vontade e graça aquele momento, que toda a vez que voltávamos ao mesmo lugar lembrávamos dele. Era como se conseguisse inventar teatros muito melhores que a realidade.
Foi isso que eu senti vendo o J. Ferro. As histórias do Nelson R., quando ele entrava no palco, eram outras histórias. Ele conseguia ser o ator, o Nelson e nós. Talvez seja essa a diferença.
Mas eu queria falar uma outra coisa. Essa é segunda peça que eu vejo que tem diversas cenas entrelaçadas. Eu fico aflitíssima com isso, mas acho que é mais um problema meu do que uma crítica. Pode ser até por causa do meu blog: aqui eu faço – juro – o maior esforço para escrever somente sobre um assunto de cada vez. Sempre tenho muitos, minha cabeça é meio desconcentrada e muitas vezes quero falar de uma, duas, três coisas ao mesmo tempo. Daí eu respiro fundo e falo: “êpa... uma coisa de cada vez, dona lúcia, senão você soterra o leitor...”.
Claro que isso é coisa minha, pois minha cabeça que precisa de um mínimo de organização, mas essa foi a única coisa que me atormentou na peça: essa coisa de colocar toda a obra do Nelson R. junta.
No fundo, confesso: achei uma indecência. Ô gente. Colocar toda a vida do Nelson R. assim, enfileirada, tadinho. Ele é de outra época, e essa rapidez a que estamos acostumados não existia na obra dele – aliás, nem computador, olha ele ali em cima, na foto, com sua máquina lenta naqueles plec-plec-plecs... De um certo modo, quando tudo acabou, me pareceu que colocamos o nome “Nelson Rodrigues” na procura do Google e vimos surgir tudo aquilo na nossa frente sem dó nenhuma.
Eu sei que esse é nosso mundo, fazer o quê. Mas isso, de um certo modo e na minha humildérrima opinião, além de vulgarizar cada uma das cenas, histórias e tramas, torna uma obra gigantesca muito... pequena. É, o contrário do que eu falei acima. Não que juntas as cenas não tenham a ver. Elas têm, obviamente. Mas apertar tudo em duas horas, não sei porque, me pareceu errado. Nas peças inteiras, as cenas são importantes justamente porque se espera mais de uma hora para acontecer. Isso no teatro e na vida: desde que o mundo é mundo que é assim: torne uma coisa difícil de conquistar que ela terá outro sabor.
Pois é. Apesar da maravilha da peça, do meu encantamento total e absoluto com o José Ferro, eu fiquei soterrada pelo Nelson R.

Tá vendo? Falei de um assunto só.

quarta-feira, 5 de abril de 2006

colombas em pleno vôo


- Gente! Corre aqui!
Era o Zé, no café da manhã do domingo.
- Que foi?
- Vocês não acreditam, venham ver. A Colomba Pascal mudou de formato! – ele exclamou, levantando a caixa e mostrando a nota na embalagem.
Todos ficamos curiosos. Há anos que todos temos uma implicância absurda com a Colomba Pascal. Para quem não sabe, Colomba Pascal é um tipo de pão-rosca parecido com um panetone que foi inventado para se comer na páscoa. E, para quem não sabe também, o tal pão-rosca tem formato de... pomba.
Juro. Pomba.
Acho que compramos e comemos Colombas Pascais durante todas as páscoas só para poder entender aquela birutice. Pois gente, pensa. De quem foi a idéia de girico de fazer uma rosca de páscoa em formato de... pomba? Quer coisa mais... desconjuntada que uma pomba? E além disso, a tal pomba do formato da rosca está em pleno vôo.
Uma pomba em pleno vôo! É o mesmo que fazer um bolo em formato de leão em posição de ataque, um pão em formato de cavalo correndo. É uma loucura total e completa alguém imaginar uma comida com o formato de um ser em total movimento. Um delírio alimentar.
A nossa implicância vem de anos atrás. Um dia, depois de consumi-las avidamente, o Zé percebeu. Ao abrir uma, chamou a família toda para analisar aquilo atentamente.
- Gente. Vem aqui me ajudar.
- Que foi, pai?
- Agora que eu percebi que "Colomba" vem de "pomba". Mas. Mas quem vê alguma pomba aqui na Colomba?
- Pomba, onde que tem pomba? – perguntou o João – Estou vendo um bolo.
- Isso não é bolo, é Colomba, João – falou a Nani.
- Não é possível – exclamou o Zé, revirando o prato e olhando de todos ângulos – Será que isso é uma asa? Não, aqui é o rabo, mas... Nossa, já comi tantas e nunca reparei...
- Pega a caixa e vê se tem uma dica – sugeri.
- Acho que é uma pomba morta, inchada e cheia de vermes – sugeriu um dos meninos, rindo.
Sério, eu nunca vi uma idéia tão estapafúrdia a como essa. É impossível entender de onde vem aquele estranho ser. Uma coisa daquelas, uma Colomba em formato de pomba, onde é impossível distinguir a cabeça, das asas , do rabo, deveria ser proibida de ser comercializada. Não dá para comer um alimento com um código desses. Por mais que entortássemos o prato e virássemos os olhos, nada da pomba. Vimos um cachorro, um jacaré, um dos filhos viu uma bota, eu vi um chapéu com flores.
- Quem inventou isso? – perguntou o Zé olhando para a pobre da pomba.
Colombas, assim como pães e bolos, crescem para todos os lados. Não são como biscoitinhos, que são sequinhos e controláveis. São massas esparramadas, entregues ao destino. Um bolo, uma colomba ou um pão podem ter formatos quadrados, redondos ou, no máximo, figuras simples, como coração. Querer fazer uma colomba em formato de pomba é um aberração do design e do marketing. É um ato de repressão contra o crescimento. Contra a vida.
- Leiam aqui – o Zé mostrou para todos – “Agora com novo formato”.
Abrimos a caixa curiosos.
Olhamos a colomba.
Ufa.
Um ovo.
Será ovo de pomba?

terça-feira, 4 de abril de 2006

M W L - III



Eu não sei quem inventou a segunda-sem-lei, que depois virou monday without law. E também não sei quem inventou que deveriamos fazer um peixe soterrado no sal. E também não sei quem inventou que esse tal desse peixe deveria ser um robalão. E não sei quem disse que não se pode postar foto de dono de blog. E não sei quem inventou a tarja preta, mas sei que agora virou a maior moda usar tarja. E também não sei qual santo que protege os blogueiros que ultrapassam os limites, para eles conseguirem postar no dia seguinte, como eu. Só sei que ontem alguns de nós nos juntamos para fazer tudo isso. Comer um robalão soterrado, tirar fotos só para colocar tarja e fazer mais uma segunda sem lei perdida no meio dos blogs, comentários e virtualidades. E assim as nossas segundas, que começavam com a novela e terminavam com um bocejo vegetativo, viraram essa delícia. As segundas-sem-lei estão apenas começando, gente. Acreditem, a moda vai pegar, e daqui a pouco seremos muitos, os adeptos da MWL.
Quem mais se habilita?
ps. : franka dará um prêmio especial pra quem adivinhar quem é quem...

segunda-feira, 3 de abril de 2006

brincando de astros



Enquanto esperava os meninos se arrumarem para ir à escola, peguei uma xícara de café e abri o jornal.
Folheei o caderno principal, o caderno da cidade, o caderno de cultura. Numa certa altura dei de cara com a página do horóscopo. E fiz o que trilhões de pessoas fazem: fui até o meu signo, escorpião, dei uma olhadinha, li, e continuei lendo o jornal.
Sai, deixei os meninos no colégio e voltei. Foi quando eu vi sobre a mesa, ainda no mesmo lugar, a tal página do horóscopo. O que o horóscopo falava mesmo?
Voltei e li de novo.
Ah.
Mas agora sentei aqui, comecei a escrever e... percebi que esqueci mais uma vez.
O que falava mesmo o meu horóscopo de hoje?
"Também, dane-se", pensei. "Não me lembro de nada que eu tenha lido em horóscopos que tenha mudado a minha vida, ora".
Eu não sei, sinceramente, porque leio aquilo. Mas confesso que leio todos os dias - e que esqueço todos os dias. Às vezes acho que leio simplesmente porque sei que estou ali dentro. É como se eu me inserisse num grupo - "o grupo dos humanos do signo de escorpião". Isso me dá um certo micro-orgulho, talvez. É como se, de lá do meu inconsciente, viesse uma voz que me diz: “lúcia, você não está só, é uma mulher de escorpião”. Engraçado, mas participar de um certo grupo sempre nos conforta e nos tira de uma tal solidão que vez ou outra nos cutuca. Talvez não passe pelo meu inconsciente que todos os seres humanos são pessoas de signo, não apenas eu, e que isso não resolve nada na vida, nem problemas de dinheiro, nem de poder, nem de solidão e nem de tristeza.
Mas apesar de ler, não acredito naquilo. Eu simplesmente não consigo me envolver. E não é falta de vontade: eu já tentei comprar alguns livros, estudar e, ao menos entender o meu signo para ter assunto.
O que faz uma pessoa ser assim, como eu, tão descrédula de astrologia?
Coisa do signo?
Uma vez, numa conversa com um amigo, entendi uma coisa. Falávamos de horóscopos, eu disse que lia mas que não acreditava muito, ele me disse que era parecido comigo. Também não acreditava, mas estudou muito para entender a lógica daquela história: fez cursos, leu livros.
- Apesar de entender tudo e daquilo ser maravilhoso – ele concluiu - leio o que fala o jornal diariamente e sei que é impossível acreditar. Uma mesma frase não serve para milhões de pessoas.
Eu tenho uma teoria. Na verdade, acho que nós, adultos, gostamos de entender o mundo na ficção que é a astrologia. E mais que isso: além de ser um tipo de ficção, astrologia não deixa de ser um tipo de... brincadeira. Acredito que, na verdade, nós, adultos, gostamos de brincar, mas não podemos. Brincar é coisa de crianças, e nós não somos mais crianças. Porém arrumamos diversos modos permitidos de fazer isso, e acreditar em astrologia é, para muita gente, um modo invertido e meio torto de brincar com a realidade.
A vontade de brincar existe, e é irresistível. Eu não tenho dúvida que o que fazemos nesses nossos blogs e comentários é pura brincadeira. Acho que na nossa vida de adultos nós estamos, o tempo todo, achando um modo de brincar sem que ninguém perceba. Seja lendo livros, seja conversando conversas bobas, seja fazendo piadinhas e gracejos, seja nos apaixonando. Estamos, de um modo ou de outro, reproduzindo as brincadeiras de infância: ora os jogos, ora a brincadeira de casinha, ora os jogos de advinhação. E ler um horóscopo e tentar acreditar naquilo é sim um modo permitido de fazer um pouquinho de ficção dentro da nossa realidade.
Um quebra cabeças, um jogo, um desafio?
Óbvio.
Não sei, afinal, não sou filósofa, psicóloga ou socióloga. Com certeza as coisas são bem mais complexas do que eu simplifiquei ai em cima. Mas hoje, segunda, dia 3 de abril, mais uma vez li meu horóscopo de manhã.
Pena, não me lembro o que ele falava.
Paciência.
A brincadeira não teve muita graça hoje, fazer o quê.

domingo, 2 de abril de 2006

um pedaço de cena.



...

- Você está bonita, Léa. Legal quando você se arruma, se maquia, pinta os olhos.
- Eu sempre faço isso, Pedro, todos os dias. É você que nunca repara.
- Você não vai trabalhar maquiada.
- Vou sim. Sempre fui. Todos os dias.
- Nunca reparei.
- Está vendo? Você nem olha para mim.
- Eu fiz um elogio, atté com elogio você implica? Estou falando que você está bonita, arrumada. Podia colocar uma saia um pouquinho mais comprida, mas vá lá.
- Que é que tem minha saia, Pedro?
- Curta, né? Olha você sentada no carro. Dá quase para ver a calcinha.
- É que aqui só tem eu e você, Pedro, e eu me sentei de qualquer jeito. Você está cansado de conhecer a minha calcinha. Vou até levantar mais, para você ver tudo de uma vez. Olha só. Olha, Pedro. Minha calcinha.
- Léa, pára com isso que um tem ônibus passando aí do lado.
- Eles devem até estar gostando. Só você que acha ruim, sempre implica com tudo que eu falo.
- Abaixa a saia, Léa.
- Tsc. Pronto. Não fala bravo, eu estava só fazendo gracinha, Pedro. Você é sério demais, nem uma roupa eu posso colocar...
- Eu não falei que você não pode colocar. Falei só que está um pouco curta, chega de nervosismo.
- Nervosismo? Me vestindo bonita para você? Nervosismo?
- Está ótima a sua saia, adorei, ponto final - E onde vamos, Léa?
- Decide você. Qualquer coisa tá bom.
- Como assim? Não era você que queria jantar fora?
- Não, foi você que disse que estava enjoado da comida de casa. Eu dei a idéia e você topou - Vamos no japonês?
- Está sempre lotado, Léa.. Vamos em outro.
- Naquele italiano?
- Aquele, do teu amigo?
- Ele não é meu amigo. É um conhecido.
- A comida lá é horrível.
- É horrível? Ninguém fala isso. Saiu até no guia com um monte de estrelinha, é você que não gosta dele, do meu amigo.
- Não vou lá. Cara mais chato. Não vou dar dinheiro pra ele.
- Você pergunta e depois não aceita nada. Por mim eu ia no italiano do meu amigo e ponto final.
- Eu não vou nesse lugar, Léa, não ouviu?
- Não grita comigo que eu não estou gritando com você.
- Não estou gritando, só estou dizendo que lá eu não vou! Mas se é tão importante para você, eu te deixo na porta do restaurante italiano cheio de estrelas, você entra lá com essa sainha que vou comer sozinho em outro canto. Quer?
- Grosso.
- Grosso, eu? Te levo para sair, te digo que está bonita e sou grosso?
- Gritou comigo, é grosso - Chega, Pedro. Vamos no J.
- Lá é lanchonete. Não é restaurante.
- E o que é que tem?
- Tem que eu quero comer comida, e não sanduíche engordurado. Droga, já nem sei para onde estou indo, dirigindo sem destino.
- E eu estou com fome, Pedro.
- E aquele restaurante alemão que a gente ia quando namorava?
- Acho que fechou. E era longe para burro.
- Vou sempre reto, enquanto isso a gente vai pensando e resolve. Dá mais idéia, Léa.
- É. A vida é assim, Pedro. Sem muito destino mesmo.
- Como?
- A vida é igual a isso que está acontecendo conosco. Essa cena. Vamos andando, andando, sempre reto, sem sair da estrada, corretinhos. Mas no fundo não sabemos pra onde ir, não sabemos onde vamos chegar. Somos guiados só pela nossa fome. Não temos mais projeto junto, nós dois. Esse é nosso problema.
- Putz, e hoje que eu não fui na ginástica?
- Quê?
- Não fui na ginástica. Não deu tempo, bem na hora que eu ia sair o Celsinho me chamou no telefone e falou mais de quarenta minutos. Tem gente que não sabe ser claro e rápido. Não devia ter atendido, mas aquela secretária é uma anta.
- Pedro.
- Quê?
- Pedro, eu falei uma coisa importantíssima e você não respondeu.
- Falou o quê?
- Não ouviu?
- Ouviu o quê, Léa?
- O que eu falei.
- O que é que você falou? Eu que disse da ginástica e você não falou nada.
- Falei antes.
- Não prestei atenção, repete.
- Está vendo? Está vendo? Só ouve o que quer. Só ouve o que te interessa, só fala das tuas coisas.
- Não cria caso, repete, Léa, não ouvi. Juro.
- A questão é essa, você não me ouve nunca.
- Quando estou com muita fome não ouço mesmo.
- Não é só na hora da fome.
- Repete, ô Léa.
- Não repito mais, mas falo outra coisa. Sobre a sua seleção de assuntos. Tudo que te incomoda você não ouve. Fica surdo. Seleciona. E eu devo te incomodar, não? Devo te incomodar muito porque você não presta a menor atenção para o que eu falo.
- Ah, Léa, que coisa mais chata você de novo reclamando de mim, de tudo que eu faço, mais uma vez. Estava distraído, desatento, você sempre pegando no pé, eu não sou perfeito.
- Vê? é isso!
- É o que, Léa?
- É isso, eu falei de novo e você mudou de assunto, vê? Falei que você não presta atenção nas minhas conversas e você mudou de assunto, dizendo que eu só reclamo de você.
- Léa, eu só não quero brigar, só isso.
- Nem eu, Pedro, mas preciso te falar as coisas que me incomodam.
- Mas agora? Bem na hora que a gente sai para se divertir?
- Eu não estou me divertindo nada, rodando nesse carro. Estou até com enjôo.
- Quer parar?
...