segunda-feira, 3 de abril de 2006

brincando de astros



Enquanto esperava os meninos se arrumarem para ir à escola, peguei uma xícara de café e abri o jornal.
Folheei o caderno principal, o caderno da cidade, o caderno de cultura. Numa certa altura dei de cara com a página do horóscopo. E fiz o que trilhões de pessoas fazem: fui até o meu signo, escorpião, dei uma olhadinha, li, e continuei lendo o jornal.
Sai, deixei os meninos no colégio e voltei. Foi quando eu vi sobre a mesa, ainda no mesmo lugar, a tal página do horóscopo. O que o horóscopo falava mesmo?
Voltei e li de novo.
Ah.
Mas agora sentei aqui, comecei a escrever e... percebi que esqueci mais uma vez.
O que falava mesmo o meu horóscopo de hoje?
"Também, dane-se", pensei. "Não me lembro de nada que eu tenha lido em horóscopos que tenha mudado a minha vida, ora".
Eu não sei, sinceramente, porque leio aquilo. Mas confesso que leio todos os dias - e que esqueço todos os dias. Às vezes acho que leio simplesmente porque sei que estou ali dentro. É como se eu me inserisse num grupo - "o grupo dos humanos do signo de escorpião". Isso me dá um certo micro-orgulho, talvez. É como se, de lá do meu inconsciente, viesse uma voz que me diz: “lúcia, você não está só, é uma mulher de escorpião”. Engraçado, mas participar de um certo grupo sempre nos conforta e nos tira de uma tal solidão que vez ou outra nos cutuca. Talvez não passe pelo meu inconsciente que todos os seres humanos são pessoas de signo, não apenas eu, e que isso não resolve nada na vida, nem problemas de dinheiro, nem de poder, nem de solidão e nem de tristeza.
Mas apesar de ler, não acredito naquilo. Eu simplesmente não consigo me envolver. E não é falta de vontade: eu já tentei comprar alguns livros, estudar e, ao menos entender o meu signo para ter assunto.
O que faz uma pessoa ser assim, como eu, tão descrédula de astrologia?
Coisa do signo?
Uma vez, numa conversa com um amigo, entendi uma coisa. Falávamos de horóscopos, eu disse que lia mas que não acreditava muito, ele me disse que era parecido comigo. Também não acreditava, mas estudou muito para entender a lógica daquela história: fez cursos, leu livros.
- Apesar de entender tudo e daquilo ser maravilhoso – ele concluiu - leio o que fala o jornal diariamente e sei que é impossível acreditar. Uma mesma frase não serve para milhões de pessoas.
Eu tenho uma teoria. Na verdade, acho que nós, adultos, gostamos de entender o mundo na ficção que é a astrologia. E mais que isso: além de ser um tipo de ficção, astrologia não deixa de ser um tipo de... brincadeira. Acredito que, na verdade, nós, adultos, gostamos de brincar, mas não podemos. Brincar é coisa de crianças, e nós não somos mais crianças. Porém arrumamos diversos modos permitidos de fazer isso, e acreditar em astrologia é, para muita gente, um modo invertido e meio torto de brincar com a realidade.
A vontade de brincar existe, e é irresistível. Eu não tenho dúvida que o que fazemos nesses nossos blogs e comentários é pura brincadeira. Acho que na nossa vida de adultos nós estamos, o tempo todo, achando um modo de brincar sem que ninguém perceba. Seja lendo livros, seja conversando conversas bobas, seja fazendo piadinhas e gracejos, seja nos apaixonando. Estamos, de um modo ou de outro, reproduzindo as brincadeiras de infância: ora os jogos, ora a brincadeira de casinha, ora os jogos de advinhação. E ler um horóscopo e tentar acreditar naquilo é sim um modo permitido de fazer um pouquinho de ficção dentro da nossa realidade.
Um quebra cabeças, um jogo, um desafio?
Óbvio.
Não sei, afinal, não sou filósofa, psicóloga ou socióloga. Com certeza as coisas são bem mais complexas do que eu simplifiquei ai em cima. Mas hoje, segunda, dia 3 de abril, mais uma vez li meu horóscopo de manhã.
Pena, não me lembro o que ele falava.
Paciência.
A brincadeira não teve muita graça hoje, fazer o quê.

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