quarta-feira, 12 de abril de 2006

a parede mais feia da casa



Era a parede mais feia de todas. Essas coisas de espaço são super estranhas, porque a gente demora pra entender porque um espaço incomoda, até que uma hora vem um clic.
“Ah, é porque a porta tá no lugar errado... ah, é porque a mesa está mal posicionada... é porque a janela é pequena ... é por causa daquele quadro!”
Bem, eu tinha esse problema com minha copa. Alguma coisa lá dentro me incomodava, e eu tinha que passar um bom tempo dentro dela todos os dias. Um dia perguntei se alguém notava um certo baixo astral quando estava ali. Ninguém me deu a mínima bola, e durante anos aquele foi um problema só meu.
O lugar não é bem uma “copa”, é apenas a extensão da cozinha, uma vez que não há porta. Mas como há duas janelas, chamamos um lado de copa e outro de cozinha. Até que um dia, entendi uma coisa: no lugar onde eu me sento eu olho para fora e vejo o muro que divide a minha casa e a casa da vizinha. E esse muro era horrendo.
Com toda a certeza, a parede mais feia da casa.
Pena que na época eu não documentei a feiúra absurda da coisa. Era óbvio. Era aquele muro que estava acabando com as minhas refeições, com o espaço da minha copa, com meu humor. A parede, velha, fora um dia caiada de branco e estava toda descascada. Tinha sobre ela diversos cacos de vidro velhos e cheios de musgo para impedir a passagem de gatunos (acho que no tempo dos cacos de vidro nos muros os ladrões se chamavam assim). A vizinha colocou cerca elétrica, e eu também, então sobre os cacos havia um emaranhado de fios e postinhos, os meus e os dela. E para viabilizar aquela coisa de cerca elétrica e infravermelho, na parte dela ainda havia um monte de canos e conduítes, pois ela não embutiu os fios como eu fiz. A vizinha ainda construiu uma salinha-puxadinho no recuo, então se via um pedaço do telhadinho, além das janelas dos banheiros de cima com os shampoos e creme rinse através do vidro. Gente, coisa mais horrível não havia para a gente olhar na hora de comer.
É engraçado isso. Não se tratava de uma reforma geral na casa, mas de uma solução para um pedacinho de uma parede. E não se tratava e um problema geral de todos os moradores da casa, como a falta de um banheiro ou de uma sala apertada. Aquele era um problema apenas meu, que me sentava naquela cadeira e olhava aquele pedacinho de muro.
Tadinho.
Foi assim que eu me apeguei ao pedaço de muro. Tem gente que se apega a cachorros, gatos, à arvores, não é? Pois eu me afeiçoei ao muro da janela da copa. E, na primeira reforminha que fizemos aqui em casa, eu chamei o pedreiro.
- Tá vendo esses azulejinhos? Coloca pra mim nessa parede. Peraí que eu vou te dizer onde... – disse a ele, entrando na copa e posicionando as peças de acordo com o que eu via de dentro.
Assim que começou a minha tentativa de embelezar aquela desgraceira. Depois, numa outra época, chamei o pintor.
- Vamos pintar esse muro de vermelho - eu disse a ele - cor de terra.
- Tem certeza, dona Luiça?
- Tenho. Tá muito pálido.
Depois resolvi colocar plantas. Coloquei uma trelicinha de bambu e passei dias pensando qual eram as flores mais lindas do mundo. Ora, orquídeas, na minha opinião. Falaverdade, orquídea é demais.
Assim eu empetequei o muro e desde então eu vivo feliz com ele. Mas hoje no café da manhã eu tive um outro clic.
Céus. Descobri que eu sou a maior caipira do universo. Gente, eu tratei meu muro como se ele fosse uma boneca. Coloquei enfeites, bijouterias, maquiagem pra ficar corado e até flores no cabelo! Quando percebi isso, tive a maior vontade de rir. Imagine pensar que uma arquiteta como eu, com tantos e tantos anos de profissão, formada pela FAU e ex-aluna dos maiores arquitetos de São Paulo e quiçá do Brasil, pensa um espaço desse modo. Imagine se esse é o modo correto de ver um espaço, de entender uma casa, de resolver um problema. Afe. Provavelmente posso até ter meu CREA cassado, se alguém souber.
Pois é. Mas a verdade é essa, os pensamentos inteligentes geralmente escapam da nossa mão com a maior facilidade nesses pequenos detalhes. E é ai que a gente se trai, é aí que eu, uma pessoa tão moderna e eficiente, me mostrei caipira ao extremo com meu muro-boneca.
Eu não sei, perdi totalmente o critério. Olhando rápido, eu ainda gosto dele, mas acho que ele não melhorou tanto assim. Por mais que a gente faça plásticas e reformas, as nossas feições não mudam. Mas pelo menos agora almoço e janto tranqüila olhando aquela parede vermelha, cheia de azulejinhos e com aquele monte de orquídeas que volta e meia, florem, como hoje, nessa foto que acabei de tirar.
Na vida também é assim. A gente faz o que pode. O importante é ter histórias para contar.

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