quinta-feira, 22 de setembro de 2005

a mesa e a briga




Depois das crônicas sobre atendentes de telemarketing e sobre o botãozinho do aparelho da NET, fiquei me achando a maior boba. Percebi que não sou briguenta, não luto pelos meus direitos de consumidora, não discuto com os vendedores, blá, blá, blá.
Ô coisa.
Hoje em dia quem é como eu sai perdendo. O lance é brigar, ir atrás, criar caso. É preciso correr atrás dos direitos de consumidor, exercer a cidadania. As pessoas se vangloriam disso. Já tentei, mas juro, detesto. Eu pago pra não brigar.
Bom, ontem tive problemas no trabalho. Passei o dia em reuniões, e, no meio de uma delas, um engenheiro discordou de mim.
Não era uma coisa tão séria, mas ele se inflou todo e levantou a voz. Disse que as coisas não seriam daquele modo. Falou que ia tomar providências. Todo bravo.
O tom era de briga. Suspirei. Brigas e discussões em reuniões de trabalho são coisas absolutamente improdutivas. Além de não resolver nada, marcam a imagem da pessoa para sempre. O homem inflamado e eu ali, na maior saia justa. Brigo ou não brigo?
Não valia a pena, não fui além. Sei muito bem como é o “depois”. A adrenalina demora a descer, dá uma canseira sem graça, a garganta dói. Resolvi que não ia perder meu dia por causa daquele homem, depois eu nem conseguiria escrever uma crônica.
Adotei o silencio. O silêncio, dependendo do modo que é usado, é uma boa arma.
Lembrei de uma coisa absurda sobre essa coisa de brigas e implicâncias. Foi no ano passado, num dia que eu estava no Rio, a trabalho. Uma das arquitetas da obra foi almoçar comigo. Ela me parecia bacana, e ali estava uma chance de conhecê-la melhor.
Fomos num shopping ali perto. Sentamos, pedimos uma salada e uma torta e começamos a conversar.
Não deu três minutos e ela deu um grito.
- Ah, não!
Ela tinha cruzado a perna por debaixo da mesa e desfiado a calca comprida.
- Olha, rasgou! Tem uma farpa embaixo dessa droga de mesa. Logo essa calça preta, a calça que eu mais gosto.
- Ô azar – eu disse, olhando o rasguinho – é horrível quando isso acontece. Uma vez eu furei uma que eu adorava também.
- Não acha um absurdo um restaurante ter mesas com farpas? – ela bufou, toda bravinha – Eles não vêem isso? É o fim da picada!
Olha. Juro que isso seria a última coisa que eu pensaria. Mas ela continuou. Briguenta.
- Uma pessoa não pode, de maneira alguma, ter a calça furada só porque cruza a perna. Que espécie de restaurante é esse? Espelunca!
Não era uma coisa muito terrível, apenas um furo na perna da calça. Imagina se eu, naquela situação, faria alguma coisa além de falar “ah, que azar”.
Mas não. Ela estava disposta a não deixar por menos. Analisou o furo a fundo, ajoelhou no chão, achou a farpa assassina, chamou o garçom, o maitre, o sub gerente, mostrou a farpa, o furo, a calça, a mesa, falou, brigou, discutiu, ligou para o gerente, como ele não estava lá na hora do almoço, reclamou, exigiu, disse que não arredava pé até ser reembolsada, veio o gerente sei lá de onde, ela discutiu, mostrou a farpa e a calça, falou mil vezes “que absurdo”.
Eu almoçando e assistindo. Fazer o quê?
Uma hora olhei no relógio. Quando ela deu uma brecha, pedi um minuto.
- Posso falar uma coisinha?
- Ah, lúcia, desculpa, mas essas coisas me tiram do sério...
- É que... bom, eu tenho que ir embora, está quase na hora do meu vôo –disse, pegando minha bolsa.
- Que pena... olha, quando voltar me avise – ela me disse, rodeada de gerentes, sub gerentes e garçons – vamos almoçar com mais calma uma próxima vez – e ela abaixou a voz e cochichou - Mas eu não posso deixar por menos esse absurdo. Minha calça!
Adianta ganhar uma calça mas perder um almoço, uma amiga e uma conversa?

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