terça-feira, 3 de janeiro de 2006

fogos e festas



- Eu não entendo. Onde são esses fogos e essa festa de reveillon de São Paulo que a gente nunca vê?
- Não sei, Zé. Acho que na Paulista, ou lá no Centro.
- Sabe a impressão que eu tenho? Que a gente mora num buraco. A gente olha a televisão, tem esse monte de fogos no céu e esse monte de festas na rua, mas aqui eu não vejo nada!
- Zé, é que a gente mora em casa, num bairro residencial. Lembra quando a gente morava em apartamento? Víamos tudo.
- É, mas não tinha show de ano novo nem fogos naquela época. Era um rojão aqui, uma chuva de prata ali, aquela mixuruquesa. Agora essas festas são profissionais, bacanonas. E essa coisa profissional que eu queria ver como é.
Foi assim que resolvemos sair de casa esse reveillon e nos hospedar no alto de um hotel para ver a festa na cidade como turistas. Parece uma coisa meio boba, mas o que tem de novidade numa cidade como São Paulo além dessa festa da Paulista? Não tem mar, não tem Iemanjá, não tem procissão de barcos, e como o Zé não correu esse ano na São Silvestre, estávamos completamente sem graça por aqui.
Descobrimos que as pessoas, quando saem de casa para ir a uma festa como a da Paulista, tem o pacote completo da diversão. Aliás, no nosso passeio para ver os fogos e a Paulista, demos de cara com duas festas. Fomos nas duas, antes de subir lá no alto para ver os fogos. Uma na rua, com animadores, show da virada, fogos, estrutura de segurança, banheiros e decoração. Outra no nosso hotel, fechada para os hóspedes, com show, jantar e animadores. Não tínhamos direito a ‘ceia’, pois os lugares já tinham se acabado há meses atrás, falou a recepcionista, mas poderíamos ‘dançar’ a vontade.
- Hã? Dançar? – perguntou o Zé.
Ela apontou uma estrutura que estava sendo montada no hall.
- Ali é a pista, e ali, o palco– ela apontou.
Céus. Vergonha. A classe média de São Paulo é ridícula, com essa mania ter medo de sair na rua e se trancar nos lugares.
Mas eu queria comentar sobre essa coisa da animação. Nós, eu e minha família, estávamos animados sem festa alguma. Nem tivemos ceia, mas e daí? Estávamos animados de ver os fogos, de estar num hotel, de ser reveillon. Nós nunca vamos a festas, nossas passagens do ano são sempre em casa, comemoradas com a família. E quando vi aquelas duas festas, estranhei. Gente, o que é aquilo? É preciso tanta coisa para tornar as pessoas felizes?
A festa da rua, embora exagerada e global, foi linda com seus fogos – embora nunca vá se comparar ao Rio de Janeiro. Uma festa de fogos em São Paulo – e isso que mais me deixou encasquetada – jamais deveria ser numa avenida corredor com prédios dos dois lados. Obviamente não dá para ver direito um show de fogos entre arranha céus. Nós, que pudemos subir no hotel, vimos tudo, mas quem estava na rua não via nada.
Já a festa do hotel era uma piada. Nunca vi gente tão desanimada na vida. Eu sempre falei muito mal de animadores, mas ali eu senti a necessidade extrema deles. Tem gente que é um fosso de desanimação e precisa muito de alguém que sacuda. Foi preciso um misto de pagode, música dos anos oitenta, Ivete Sangalo, gelo seco e luzes vermelhas para que aquela turma passasse ao menos o reveillon em pé – e não sentados na cadeira na frente dos pratos de sobremesa.
Porém, em ambas as festas existia um clima falso de animação. Senti uma espécie de falta de naturalidade: se não houvesse as caixas de som, o gelo seco, a musica ensurdecedora e aquele bando de bailarinos pulando, as pessoas talvez apenas olhassem, paradas, para os lados. O que ocorre com nossa civilização é que esperamos que alguém nos sacuda, no anime, nos levante a bola. O povo vai a festas para ser animado, e não para aproveitar. O que vimos, nos dois casos, foi a mesma passividade. É como se a felicidade não fosse algo que se tem e sim algo que você espera que alguém te dê. Coisa estranha que está se tornando a civilização.
Tanto uma festa quanto a outra, para mim, foram tristes.
E os fogos? Ora, lindo!
E tem como não ser?

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