terça-feira, 24 de janeiro de 2006

o taxista e o prefeito



O táxi chegou debaixo de uma daquelas chuvas de fim de mundo. Olha, o temporal estava muito, mas muito forte. Caia tudo do céu: granizo, galhos, folhas, água, negrume, escuridão. Aqui em casa entrou água por todas as frestas e janelas. Eu sempre fico tremendo de medo quando tem chuva muito forte, sei lá porque. Temporais me assustam.
E droga, eu tinha que sair. Depois desses temporais o trânsito fica caótico, eu estava sem carro, tinha que ir para o outro lado da cidade e acontecia de cair aquela chuva. Fazer o quê. Olhei através da grade o táxi me esperando. Ainda bem que recebo reembolso, pois a viagem ia sair quase o preço de um tanque cheio.
Esperei um pouco a diminuição do dilúvio para sair para não me ensopar toda. Mesmo assim, coloquei o pé numa poça na hora de entrar no carro.
Droga.
- Boa tarde, moço.
- Boa tarde, senhora.
- Vou para o Paraíso. No final da Paulista. Oquei?
- Simsenhora.
O homem engatou a marcha e lá fomos nós.
- Que chuva. O granizo deve ter riscado meu carro - ele começou.
- Só espero que não tenha nada inundado no caminho – eu disse a ele – ... por aqui sempre inunda, o senhor sabe...
- Iii. Aqui por perto está cheio de inundação sim senhora, mas eu resolvo – falou o homem – a senhora fique tranqüila, a gente passa.
- Tem certeza?
- Olha, dona – ele falou, inflado de orgulho – Eu não sou de frescura não. A maioria dos motoristas de hoje tem medo de poça d´água. Tudo uns frescos. Eu não tenho medo. Às vezes a água está só no meio da roda e o cara não anda, todo cheio de trique trique. Eu não. Eu ponho primeira e vou, não sou maricas. Agora, se água for além da roda, se a água estiver na porta, ai eu paro. Não por medo, mas porque estraga o carro, né?
Ele foi me mostrando.
- Olha ali. No meio da roda, pode passar. Ali. Vê ali? Uma pocinha e o bobão não anda. Bem. O problema são as bocas de lobo. Tem que tomar cuidado.
Olhei. O meu bairro estava todo inundado, cheio de poças enormes. Em alguns locais eu nunca passaria, mas aquele motorista, que não era nada “maricas”, engatava a primeira e ia embora. Valente. Um verdadeiro desbravador urbano. Me senti segura com ele.
Foi quando ele deu uma risadinha marota e me confidenciou.
- Hehehe. Antes de ir pra casa da senhora eu passei na frente da casa do Serra.
- Hã?
- Serra, o prefeito, dona – ele explicou – Como meu ponto é perto da casa dele, sempre que chove eu passo lá na frente.
- O senhor passou na casa do Serra? Mas para quê?
- Ora, para ver se inundou, ué.
- Como é? – eu fiquei confusa, que cara estranho - O senhor foi até lá para ver se a casa dele... inundou?
- É. Eu queria muito que inundasse a rua dele e principalmente a casa dele. Mas a rua dele é alta, não inunda.
- Mas moço, assim, de maldade?
- Não, dona, não é por mal não. Quem sou eu para desejar o mal de uma pessoa, Deusmelivre. Mas eu acho que às vezes é bom para um prefeito, para um governador ou para um presidente saber como se sente uma pessoa com esses problemas. Entende? Uma inundação, por exemplo. Eu não desejo mal, queria apenas um transtorno, para ele se igualar ao povão. Eu sei que a casa dele é casa de bacana, mas inundação não vê riqueza e pobreza, inunda igual. Eu acho que seria muito bom se ele visse como é, entende?
- Mais ou menos... Então toda vez que chove o senhor vai até a casa dele.
- Vou.
- E hoje o senhor antes de ir me buscar, o senhor passou lá.
- É.
- E... estava tudo bem por lá?
- É. Estava.
- Infelizmente?
- É. Infelizmente, mas no bom sentido do infelizmente, dona.
- Entendi.
- A senhora quer ir lá ver? É pertinho.
- Não, moço, não. Obrigada. Eu.. eu estou com pressa.
- Oquei. Mas se quiser, é só pedir.
Bom.
Isso que dá o cara querer ser prefeito.

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