domingo, 15 de janeiro de 2006

entre parentes




Adoro ler peças de teatro.
A primeira peça que eu li me surpreendeu. Era do Nelson Rodrigues, óbviamente: “Toda nudez será castigada”. Eu devia ter uns dezesseis anos. Levei um susto com a falta de descrições, fiquei maravilhada ao ver como as falas tinham que se virar sozinhas e fiquei intrigada com as palavras entre parênteses, ou seja, as sensações de quem fala.
Assustado.
Cambaleante.
Obstinado.
Sério.
Sorridente.
Claro, peças são escritas para serem usadas pelos atores e não para serem lidas como romances. São um objeto, e não um fim. É muito importante entendermos, sempre, para que serve a coisa que lemos: só assim é possível criticar e opinar. E peças de teatro são apenas um meio para transformar uma história "pensada" numa cena "real".
Pensando bem, acho que é exatamente por isso que elas me interessam tanto até hoje.
Vou explicar. Eu me formei arquiteta. Aprendi a fazer projetos e trabalho com isso. E gente, pensa. Peças de teatro são, para a literatura, o que os desenhos são para as obras. Projetos. É a forma usada para mostrar como construir uma peça. É o projeto da peça. E projeto, bem, projeto é minha praia, ora.
Então resta apenas misturar tudo: lúcia + franka + arquitetura + projeto + literatura = dramaturgia.
Foi também nesse dia que li essa peça que comecei a escrever para teatro. Sim, desde os dezesseis anos que eu adoro escrever peças. Não, elas nunca foram encenadas. Sim, muita gente já leu e adorou, até o Paulo Autran, acreditem. Não, apesar disso eu não fui descoberta. Sim, ficamos amigos, eu e o Paulo. Sim, não, sim, não, sim. A vida é assim mesmo, as coisas tem a hora certa de acontecer. É apenas uma questão de tempo, de oportunidade, de acaso, de fazer as coisas com paixão.
Mas voltemos aos textos de teatro. A questão é que, desde aquele fatídico dia, penso que deveríamos fazer a mesma coisa com as pessoas que convivemos no nosso dia a dia. Eu falo das sensações entre parênteses. Acho que deveríamos falar as nossas sensações antes de falar ou escrever qualquer coisa. Isso iria nos poupar tempo, desgaste e conflitos.
Imagina o seguinte: antes de começar a reunião com um cliente, eu o encontro e digo:
- Animadíssima - “Bom dia, Roberto. Tudo bem?”
Ele me responderia:
- Bem irritado, de mau humor - “Bom dia.”
- Conjectura - “Bem, podemos começar a reunião? Eu trouxe todos os relatórios.”
- Sem graça - “Ah, tá? Quer um café?”
- Cautelosa - “Olha, você vai ficar feliz quando ver os números. São bons.”
- Suspira e relaxa um pouco - “Que bom, vamos ver”
Talvez os relacionamentos assim fossem mais simples e a gente não levaria tanto susto com os maridos, filhos, mães, clientes, amigos e sócios quando alguma coisa os incomoda, quando acordam de mau humor, quando dão pontapés e sopetões de repente. Bastava uma única palavra antes de cada frase. Isso poderia valer tanto para conversas como para textos escritos, e-mails, relatórios, cartas. Apenas uma palavrinha com o humor e estado de espírito da pessoa.
Sinceramente? Acho que deveríamos adotar os “entre parênteses”. Bem, pelo menos entre os parentes da gente.
Ahahah.
Sorrindo.
Foi irresistível não falar essa frase.

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