terça-feira, 28 de março de 2006

bye bye brasil



Vez ou outra eu compro uns filmes para assistir nos finais de semana. Domingo assisti Bye Bye Brasil, que já estava há alguns meses na fila. Resolvemos ver em família, o que causou um enorme constrangimento no Joãozinho.
- Esse filme vai me estragar mais ainda a minha infância, mãe! Ver o Fábio Júnior pelado, pô!
Eu não vou fazer crítica do filme - além de não ter embasamento, eu não tenho todos os olhos que é preciso ter. Só queria dar uma opinião sobre uma coisa que eu vi e que me deixou perturbada.
Para quem não sabe, Bye Bye Brasil é um filme de um casal de “artistas”, o José Wilker e a Betty Faria, que fazem shows pelo Brasil, principalmente pelo norte e nordeste. Eles têm caminhão todo enfeitado, a “Caravana Rolidai”. Chegam nas cidades, montam um tipo de circo e fazem uns shows muito mequetrefes. O José Wilker é uma espécie de mágico (muito do sem vergonha) e cafetão, a Betty Faria é uma dançarina de rumba (muito da canastrona) e prostituta.
O filme começa com os dois chegando numa cidadezinha. Lá são assistidos pelo Fábio Junior, um sanfoneiro pobrezinho que se encanta com eles e pede para ir junto. Eles aceitam, o Fábio Júnior vai e leva com ele a sanfona e a mulher grávida – nessa ordem.
Durante todo filme todo o tal do sanfoneiro fica atrás da dançarina de rumba, até que um dia eles transam. “Mas não pense que porque hoje eu te coloquei na minha cama que você terá direito a ela” – diz a Betty Faria para o sanfoneiro de um jeito muito engraçado. O mágico dá de ombros para o fato, pois conhece muito bem a mulher que tem. A questão toda, para mim, está na esposa do sanfoneiro. Ela percebe, desde o início do filme, o interesse do marido pela dançarina, mas não fala nada. E quando ele finalmente entra na tenda da dançarina, ela apenas aguarda, do lado de fora, o ato sexual acabar. Não reclama, não fala, não dá de ombros. É óbvio que aquilo a machuca, mas ela se mantém calada e paciente, como se não pudesse fazer nada diante da avassaladora inevitabilidade da natureza humana. Não há nada a fazer a não ser ficar à margem.
Além de ser coadjuvante do filme, ela é coadjuvante da vida do sanfoneiro, da Caravana Rolidai, da tranqueira da Betty Faria, da história. Assiste ao filme como nós, apenas gerando seu filho. Não é que ela abre mão da sua vida por causa do marido - ela nem tem essa vida. Ela é a abdicação. Ela é o apêndice.
É pesadíssima essa mulher.
Pois então eu fiquei pensando na resignação. Esse adjetivo, tão feminino dentro da nossa memória, quase não existe mais. As mulheres do mundo de hoje não são mais resignadas. Não devem ser. Mas o que me deixou intrigada, é que, por um ângulo um pouco torto, a posição da mulher do sanfoneiro no filme pareceu adequada. Olha. Existe um componente no espírito feminino que nos faz ser, inconscientemente, como ela. Meio sem querer, entende? Eu não estou falando que somos assim, nem que temos que aceitar que o marido da gente entre em tendas com dançarinas de rumba. Estou falando que nós, mulheres, tendemos à essas mini resignações ao longo da vida, e que para mim, de um certo modo, elas são naturais. Não sei se é da natureza feminina ou se é coisa cultural. Na nossa sociedade, a atitude de se entregar à um marido, à uma situação, à uma vida de mãe, é condenável. "Mulheres modernas não podem agir assim", nos dizem, "que absurdo". Falam que temos que viver a nossa vida, que ser independentes. Mas não sei não. Ali, na atitude da mulher do sanfoneiro, estava o extremo. Ali estava uma mulher sem desejos, sem idéias, sem projetos, apenas entregue a sua natureza. Mas durante uma gestação não resta muito além da espera, independente de que mulher você é. O que eu digo é que eu não tenho certeza absoluta que eu nunca agi daquela forma um dia.
Não falo do extremo, falo do médio.
Ichi. Sei que muita mulher vai me condenar por isso, mas acredito que alguma resignação é necessária. Não é todo mundo que tem tanta força para segurar tudo sozinha. E, ao exigirmos demais de nós mesmas, nos tornamos amargas, difíceis. Nenhuma balança pode pesar tanto para um único lado, que se desregula.
Sim. Na minha vida a minha natureza inconscientemente já se entregou à existência, como se eu fosse espectadora da vida de um homem. E não foi por cansaço, preguiça ou inapetência.
Foi apenas porque somos humanos, e é assim que a vida funciona.

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