Ontem. Festa de formatura do meu filho mais velho, o Chico. Ele avisa que teremos uma missa e uma cerimônia no teatro da escola.
- Olha mãe, mas é melhor a gente chegar cedo. Vai estar muito cheio, a missa demora, a cerimônia demora. Se você bobear terá que ficar em pé, como das outras vezes.
Nem pestanejei e obedeci direitinho. Sempre sou atrasada, mas desta vez não. Lá fomos nós quarenta e cinco minutos antes com a incumbência de guardar um lugar para o Zé, que trabalha no centro e ia demorar para chegar.
O teatro da escola é grande. Na parte da frente, diante do palco, existiam seis fileiras planas destinadas aos formandos, explicou um lanterninha. Depois, ainda numa parte plana do teatro, ficavam dez fileiras de cadeiras (desconfortáveis, duras e sem braço) que poderiam ser usadas pelos pais e convidados. Porém ali, se você tiver o azar de sentar atrás de um gigante cabeçudo, babau, não veria nada. Logo em seguida existe um corredor e começa uma segunda parte do teatro, essa bem inclinada, com cadeiras ótimas e que, por estarem em aclive, tem uma visão excelente do palco. Já existiam algumas pessoas sentadas nesse local, onde, obviamente as cadeiras do centro são melhores ainda. Porém existia um pormenor que acho só eu pensei. Nessas festas de escola a gente encontra muita gente, mães e pais que sempre tagarelam muito, ainda mais quando o filho se forma. E como conversar de longe é impossível, se você estiver lá no meião tem que sair a toda hora para falar com um ou com outro, e para não ter a cadeira roubada teria que fazer aquela coisa chata de colocar uma bolsa, um casaco, um sapato, sei lá.
Porém...
Porém, ahá! Na primeira fileira dessa ala de cadeiras não existia esse problema. A primeira fileira estava diante do corredor de entrada, é dois degraus mais alta e separada dele por um guarda corpo. Ali, apoiado no guarda corpo, pode-se conversar com qualquer um sen-ta-do. E, para melhorar mais ainda, notei ainda que dali poderíamos controlar as duas entradas e saídas, o que é uma delícia, além comprar balinhas da moça das balinhas sem precisar se abanar para ela. Maravilha. Sentamo-nos, eu, a Nani e o João e guardei um lugar para o Zé ao meu lado. Confortabilíssimos. Tipo a família real. Demais.
O Zé chegou.
- Lugar bom, hein? Um verdadeiro camarote.
Eu ri.
- Desta vez, Zé, nós ganhamos de todos. Estamos no melhor lugar desse teatro, e logo a gente, que sempre fica em pé por causa dos nossos atrasos! – eu disse, explicando para ele as maravilhas daquele lugar – Hehehe, olha para toda essa gente atrasada. Desta vez mudamos de time. Somos os vencedores dessa formatura.
Foi quando começou a acontecer.
A coisa.
Primeiro foi um cara que o Zé conhecia. Chegou ali no nosso camarote, conversou, conversou.
- Acho que ele notou que estou no melhor lugar do teatro, Lu, - falou o Zé, emproado - Vou olhar onde ele está sentado, coitado.
Apareceram mais um, dois, três conhecidos, e a gente naquela exibição, até que surgiu um casal amigo nosso, simpaticíssimo. Nessa hora o teatro já estava lotadaço. O cara, de terno e gravata, conversa um pouco, olha ao redor e diz que terá que sentar na escadinha, no chão. Engolimos em seco. No chão? Olhei para a mulher dele, de calça branca. Puxa, coitada, pensei. Ficamos estáticos.
- Eu deveria dar meu lugar para ela – cochichou o Zé, envergonhado.
- Pô – retruquei, brava – Cheguei tão antes, Zé. Nem pensar.
Logo em seguida, uma mãe de uma amiga da minha filha. Muito mais chique e empetecada que a da calça branca. Coitada. O Zé hesitou, segurei com força. Ele que não inventasse de sair dali. Foi quando surgiu um outro pai ali na nossa frente – aliás, todo mundo passava por ali, aquele lugar era quase presidencial. Parou, conversou, e disse, apontando uma senhorinha de uns 100 anos:
- Bem, me desculpem que eu tenho que achar uma cadeirinha para a mamãe... olha ela ali...
Ah, não, aquilo era sacanagem. Pô. Uma senhorinha velhinha daquelas, em pé? Ai que raiva que me deu. O Zé suava frio e eu apertei o braço dele com força. Não, não e não!
Apelei.
- Zé, fecha os olhos! O Chico me pediu para chegar antes para a gente ficar aqui. Hoje é o dia dele, se ele te vê no chão, na escadinha, ele vai ficar triste. Vai te achar um pai humilhante, não faça isso.
- Lu, mas isso aqui é um pesadelo! Eu estou me sentindo muito culpado! Eu olho ao redor e só vejo velhinhas e velhinhos em pé, sofrendo, eu olho e vejo pessoas se espremendo nas escadinhas, pessoas muito mais chiques que eu, não estou à vontade de modo algum! Que idéia a sua de pegar esse lugar horrível!
- Sério?
- Mil vezes a paz na escadinha.
Fazer o que?
- Tá... Da próxima vez a gente senta no chão, como sempre. E eu juro que não venho de calça branca pra não deixar ninguém culpado.