quarta-feira, 31 de maio de 2006

o cataclunqui universal




Meu carro estava fazendo um barulho estranho na parte de baixo. Alguma coisa quebrou, estava na cara. Além disso, um caminhão entrou na traseira dele na marginal na semana passada e amassou o porta malas. E, para completar, o rádio parou completamente de funcionar, como se tivesse morrido. E pior – com o meu disco novo da Marisa Monte dentro.
Está lá enterrada viva, a Marisa, coitada.
Embora ele estivesse andando, não agüentei e, apesar de estar meio sem grana, levei para o mecânico na segunda. E como tem o vai vem dos filhos, nesses dias fiquei com o carro do Zé e ele a pé.
Acontece que o carro do Zé é bem melhor e mais novo que o meu. Não é um carro sofisticado ou metido, é bem pé de boi, mas tem uma coisa que o meu não tem e que eu adorei. É um botãozinho no chaveiro que tranca o carro de longe, tipo um controlinho remoto. Caipirice minha, tá na cara, mas fazer o quê.
Eu sei que é até meio bobo falar de uma coisa que quase todo mundo usa, como esse chaveirinho com botão que tranca, mas aquilo me deixou encantada esses dias. Fiquei doida pra ter um daquele no meu carro, mas é acessório absolutamente inútil e sei que jamais vou colocar. Aliás, no meu carro eu preciso trancar porta por porta. E não reclame dona lúcia, eu sempre penso, dê graças a Deus que você tem carro.
Mas voltemos ao botãozinho. Nesses dias que usei o carro do Zé, me exibi o que pude com aquele botãozinho. O legal é fazer a coisa como se fosse a coisa mais normal do mundo, dando as costas para o carro. Assim, eu, bem metida, dei as costas para o carro do Zé e cataclunqui no estacionamento do shopping, cataclunqui na porta da obra, cataclunqui na frente de casa da minha amiga, até cataclunqui na minha própria garagem. Ô barulhinho bom esse da trava das portas.
Cataclunqui.
Foi quando eu pensei como seria legal ter um desses na porta da minha casa também. Ontem, quando olhei a maçaneta e a fechadura da minha velha porta de madeira, notei como aquilo era obsoleto. Afe, que absurdo, uma porta sem botãozinho de cataclunqui. Depois pensei em todas as portas da casa e em todas as coisas que a gente abre, inclusive a geladeira, o fogão, o microondas, os armários. E em todas as coisas que a gente liga, como o computador, a televisão, o Ipod, o celular. Fiquei um bom tempo pensando como seria bom se as coisas todas essas coisas tivessem esse maravilhoso e sensacional botão do cataclunqui. Me imaginei poderosíssima com um chaveirinho universal, trancando o carro de longe, abrindo a porta de casa de longe, destrancando a geladeira de longe, ligando o computador de longe, cozinhando de longe, ouvindo música de longe, numa sucessão de cataclunquis comandados pelo meu controlinho. E o melhor é que é obvio que esse pensamento não é absurdo, pois todas essas coisas são factíveis de serem executadas por um controlinho.
Só postar que eu não sei como seria. Talvez se eu deixasse os posts prontos, eu poderia dar as costas para o computador e...
Coisa mais idiota, eu sei, mas me pareceu o máximo.
Cataclunqui.

terça-feira, 30 de maio de 2006

the dark side of cajuína



Estávamos num restaurante no domingo à noite. Foi aniversário do meu filho mais velho no sábado, ele estava num acampamento da escola e não pudemos comemorar. No dia seguinte, quando ele chegou, fomos jantar fora.
Ele estava feliz da vida e, logo que sentou na mesa, começou a cantarolar batucando na mesa. Eu olhei para ele e ri.
- São as músicas do acampamento, mãe – ele explicou – ... fizemos uma fogueira, um dos monitores tinha um violão, aquelas coisas meio cafonas, você sabe... O problema é que quando o violão não é da gente não dá pra escolher as músicas...
Ele fez uma cara desanimada.
- E as músicas eram ruins?
- Eram todas MPB, que eu gosto médio. Você sabe.
- Não dá pra cantar Pink Floyd na fogueira.
- Tá, mas não precisava cantar tanto Lulu e os litorais desse oceano Atlântico, né?
- Há. Eu adoro – declarei.
Ele riu e balançou a cabeça.
- E é justamente por causa disso que eu não gosto. Dã. Cantar a música da mãe?
- Aposto que tocou Drão.
- Claro. E Cio da terra e É cedo ou tarde demais para dizer adeus e jamais.
- Previsível.
- E ainda teve a pior – ele parou e me olhou fixo – Você não sabe qual a pior que tocou
- Qual?
Ele respirou fundo.
- Cajuína, mãe.
- Ai – eu disse.
Eu sabia. Mesmo que naquele momento eu implorasse para que ele não fizesse aquilo, seria inevitável. Ele ia cantar a música ali na mesa e naquele momento e eu estaria perdida, pois aquela música entra na cabeça e não sai mais.
Nunca mais.

Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina.

- Não, filho, ah que droga!
- Hahhaha. Já fiz. Agora não tem mais jeito, né mãe?
- Não.
- Como você sabe disso? A gente nunca falou sobre essa música na vida, eu e você!
- Pra você ver... Não precisa falar. Cajuína é um problema universal. Não sai da cabeça por dias. É insuportável. Ela gruda, fixa, cola. E é interminável. Horrível.
Pedimos o jantar, a sobremesa, o café a conta. E saímos do restaurante cantando.
Fazer o que.

Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina...

segunda-feira, 29 de maio de 2006

olhos fechados


Odilon Redon
Les yeux clos, 1890

Eu não sou boa de ginástica, não faço quase nunca. Mas tenho certeza que não é para sempre, é que apenas a minha hora de esportista ainda não chegou. Quando crescer um pouco mais, eu sei, vou ser maratonista.
Aguardem.
Enquanto isso, eu ando. Duas ou três vezes por semana eu vou até o parque Vila Lobos, que é aqui perto de casa, e ando durante uma hora e meia. Já alguma coisa. O parque é o máximo e está cada vez mais bonito, ainda mais agora que está sendo ampliado. Nos finais de semana fica apinhado de gente, é bárbaro ver um espaço público que funciona, que as pessoas usam, que está bem cuidado.
Legal.
Mas não era isso que eu queria falar. Eu queria contar uma coisa que eu faço há anos e que me dá o maior prazer. É uma coisa esquisita de fazer e ainda por cima confessar, mas vamos lá.
Eu sempre entro por uma entrada lateral do parque, que fica mais perto da minha casa. Tenho um roteiro da minha andada lá dentro, como se eu fosse um carro de fórmula um dentro de Mônaco, e sei que aquele roteiro dá a tal hora e meia da minha caminhada.
Bom, no meio desse roteiro eu passo na frente ao portão principal, que é um espaço enorme, cimentado, plano e vazio. É uma espécie de praça da apoteose quadradona e imensa, sem árvores no meio. É um lugar lindo, na minha opinião, pois a quantidade de céu que se vê ali é enorme. Em São Paulo é difícil você ver um ceuzão e é quase impossível você ficar no meio do nada. O máximo aquilo.
Bom, aquele lugar imenso está bem no meio do meu caminho. E ali eu faço uma coisa estranha. Eu ando de olhos fechados.
É maluquice, mas basta chegar naquele lugar enorme e cimentado que eu fecho os olhos e ando sem ver para onde eu estou indo um tempão. Acho uma delícia fazer isso. Gente, pensa. Onde a gente pode andar de olhos fechados com segurança um tempão, sem perigo?
Tanto faz se eu andar um pouco torto, aliás acho que ninguém nunca reparou que estou de olhos fechados. Eu adoro isso, me dá um enorme alívio. Por algum motivo muito estranho, sinto que posso me atrever a essa maluquice, pois ali não há abismos para cair, não há perigos eminentes, não serei atropelada, não serei assaltada, não serei julgada.
Ali pode, essa é a questão.
Não sei direto o motivo dessa esquisitice ser uma coisa tão legal pra mim. Acho que é porque é muito complicado ser mulher, mãe, dona de casa, profissional e morar nessa cidade tão confusa. Tudo meio que não pode, o mundo de uma mulher é cheio de “nãos”, de obrigações, de coisas a fazer, de funções a cumprir. A minha vida, assim como a vida de um monte de mulheres, é, na maior parte do tempo, colocar uma complicada máquina para funcionar, com funções que vão desde abastecer a casa, educar e alimentar a família, planejar os horários dos filhos e da vida profissional (afe, como eu detesto isso), trabalhar como se fosse a única coisa que você faz, cumprir funções sociais e ainda ser saudável, pois sem saúde as coisas não funcionam direitinho. Eu consigo (não sei como) e minha vida anda, com os olhões bem abertos. O que me aborrece são os “nãos”. Depois de cumprir todos esses “sins”, vem um monte de “nãos”. Não pode sair à noite sozinha, não pode dar chilique, não pode comer muito, não pode dançar muito, não pode beber muito, não pode rir muito, não pode não programar, não pode não fazer, não pode, não pode.
Não pode nada de olho fechado.
Acho que é por causa disso que aqueles cinco minutos são legais. Aquilo, gente é quase uma morte. Passos permitidos para o nada, para o além, para o perigo. Pois no meio disso tudo, naqueles cinco minutos eu posso quase morrer, andando sem saber para onde de olhos fechados, que pode.

sábado, 27 de maio de 2006

mosca cubana


O Zé foi pra Cuba.
Voltou, descarregou as fotos no meu micro. No meio delas, achei essa.
Uma mosca?
O Zé é engraçado.
Trouxe um monte de rum na mala.
Tomamos morritos ontem.
Nossa.
Vixe.
Afe.
Rum é forte demais.
Inutiliza.

sexta-feira, 26 de maio de 2006

o skype e as botas


- Alô. Lúcia?
- Alôôô. Sandra?
- Não tou ouvindo nada. Esse skype hoje tá horrível... tá ouviiindo?
- Mééédio, Sandra... parece que você está dentro de um balde.
- E parece que você está dentro da água. Tua voz tá borbulhando. Vamos desligar e ligar do telefone normal, Lúcia.
- Nem pensar! - eu disse - Você acha que eu vou fazer um interurbano e pagar? Vamos falar de dentro do balde e da água mesmo que é grátis, ô Sandra.
- Tem razão... - ela concordou, com voz de balde.
- Você não sabe o quanto eu economizei no mês passado - argumentei, com voz de afogada - Quase trezentos reais!
- Nossa...
- Sandra, dá pra comprar uma bota. Custa esse preço uma bota legalzona, eu vi no shopping ontem.
- É mesmo, vamos aguentar.
- E depois...
- Botas! - ela disse, rindo, com a maior voz de balde.
Gente, falaverdade, o skype é muito legal.
É propaganda sim: mesmo com voz de balde ou borbulhada, depois dá pra comprar botas.

E falando em falaverdade!, hoje tem crônica nova na revista paradoXo, podem ir conferir: perca aqui, ache ali

quinta-feira, 25 de maio de 2006

a bolinha de chiclete



Foi numa outra reunião de trabalho. Estávamos em seis pessoas, todos numa grande mesa retangular, discutindo os encaminhamentos de uma obra quando uma das engenheiras abriu a bolsa e pegou um chichetinho. Reunião sempre me dá a maior fome. Acho que é culpa do meu inconsciente, que vê “mesa” e pensa “comida”. Óbvio. Imagino que se tivéssemos que fazer reuniões de trabalho em “camas”, eu morreria de "sono".
Associação, ué.
- Quer? – ela perguntou ao notar o olho gordo.
- Hum. Aceito.
Ninguém mais quis, só eu. Coloquei o chicletinho na boca e comecei a mascar. Em questão de segundos aquilo ficou mínimo. Chiclete esquisito, mas como o ditado diz que à cavalo dado não se olha os dentes, fiquei caladinha.
Depois de um certo tempo, entrou na sala uma copeira com um bandeja de café.
Oba. Café.
Chegou a minha vez.
- Açúcar ou adoçante?
- Puro – respondi.
A moça me deu a xicarazinha.
Não dá para tomar café quente com chiclete de hortelã na boca, certo? Olhei ao redor e tirei o chicletinho da boca com os dedos, discretamente. Legal. Fiquei com o negocinho na mão. Onde colocar? Não tinha um único papelzinho por perto. Olhei ao redor. Nada. Nem um lixinho à vista na sala, e eu com aquela bolinha grudenta na mão. Resolvi colocar aquela bolinha de goma no cantinho da xícara, bem discretamente. Afinal, era uma bolinha mínima de chiclete.
Tentei uma primeira vez, mas a bolinha não desgrudou do meu dedo. Estava mais interessada em mim do que no pires. Alguém me fez uma pergunta sobre a reunião.
- Hã? Como?
A pessoa repetiu. Eu paralisei com a bolinha nos dedos, disfarçando, como se ela não existisse, e me pus a falar. Logo que acabei, voltei à bolinha. Nada, ela não desgrudava. Dei uma sacudidinha. Neca. Fiz a burrada de me aproximar da xícara quente, o que deu uma derretida na bolinha e tornou-a mais melequenta e mais grudada no meu dedo. Saco. Ela não saia da minha mão de modo algum, embora eu fizesse a maior dança ao redor do pires. Foi quando falaram comigo de novo. Virei estátua mais uma vez.
Falei direitinho, suspirei e, quando deu, voltei à ela. Embaixo da mesa não dava para colocar, pois parte do tampo era de vidro. Resolvi enrolá-la mais ainda com o dedo e o dedão, para ver se com a fricção eu tirava um pouco do grude. Foi quando a bolinha grudou nos dois dedos. Raiva. Voltei ao pires, por cima e por baixo, e quando falaram comigo de novo eu já não prestei mais atenção alguma, pois aquilo estava me irritando muito e eu só conseguia olhar aquela porcaria de bolinha, o pires e meus dedos. Pra que que eu fui aceitar aquela droga? Quando vou aprender a não ser criança? Parei a rolar a bolinha e, nervosa, esqueci o tudo e passei a sacudir a mão. Dane-se. Até que uma hora, meio sem perceber, dei um safanão violento para o nada e um urro.
- Urghhh! Saco!
Quando olhei ao redor, a sala estava em total silêncio. Sepulcral. Vergonha.Todo mundo me olhando, pasmo. Acho que eles pensaram que eu estava tendo um ataque. Parei e mostrei a bolinha para todos. Nem assim ela tinha descolado de mim.
- Grudou – eu disse, muito envergonhada.
Afinal, uma adulta, né.
A engenheira, sem achar graça nenhuma, me deu o papelzinho usado do adoçante dela. Desgrudei. Ufa.
Mas fiquei sem café. Gelado. Fazer o quê.

quarta-feira, 24 de maio de 2006

tá, guarulhos...



Ontem fui numa reunião de trabalho. Foram convocadas, além de mim, mais três pessoas.
Seria no escritório de uma delas. Duas e meia, lá na Vila Olímpia, falava o e-mail.
Lá fui. Sempre chego um pouco atrasada, não sei o que acontece. A arquiteta e o engenheiro da obra já estavam lá, mas ainda faltava o engenheiro do ar condicionado chegar. O tempo foi passando. Conversa, cafezinho, vamos para a sala de reunião, tá frio aqui, quer que desligue um pouco o ar, e nada do cara chegar. Depois de meia hora, a arquiteta resolveu ligar para ele. O que acontecia?
- Alô? Edson? Estamos aqui te esperando, você vai demorar? Já são mais de três horas, combinamos duas e meia.
Não ouvimos a resposta dele, mas pudemos perceber, pela expressão dela, que alguma coisa estava errada. Ela ia exclamando, discordando, interrogando, mexendo a cabeça como se não entendesse nada. Depois fez uma cara aborrecida e pediu um minuto.
- Ele não vem. Ele disse que se enganou, que a secretária disse para ele que era amanhã – ela tapou o bocal do telefone e cochichou – Eu acho que ele esqueceu...
- Droga – falou o outro engenheiro – Fez a gente vir até aqui.
- Olha. Fala para ele vir agora que a gente espera – eu sugeri – já estamos aqui, podemos esperar uma meia hora mais - todos concordaram - Vamos. Fala para ele vir.
Ele destapou o telefone e começou a falar. Mas percebemos, pela cara dela, que não ia dar certo. O cara não queria vir. A arquiteta, irritada, despediu-se e desligou.
- Ele não vem? – perguntei.
- Não – ela desabafou – Ah, disse que está em Guarulhos, que é muito longe, está chovendo, que não vai dar.
Fomos todos embora, fazer o quê. Mas eu vou dizer uma coisa que pensei naquela hora sobre essa coisa de Guarulhos. Tá na cara que é mentira que o cara estava em Guarulhos. Guarulhos é, na verdade, uma ótima desculpa. Canso de ouvir essa desculpa de “Guarulhos”. Guarulhos é um lugar de São Paulo onde todos podem estar, óbviamente, pois é até o onde fica o aeroporto internacional, mas é completamente fora de mão para chegar e voltar. Numa situação como essa, onde você é solicitado imediatamente, a melhor desculpa é essa: “tou em Guarulhos”. Não dá para chegar a tempo estando em Guarulhos, ainda mais com chuva. Uma grande desculpa, Guarulhos. Coisa de gente esperta, rápida.
- Cara astuto, mas a mim ele não engana - comentei com a arquiteta.
- Guarulhos... boa essa... – disse o outro engenheiro – Vou adotar. Guarulhos...

terça-feira, 23 de maio de 2006

aprenda a desenhar mulheres com orelhas



Foi na saída da exposição do Fernando Stickel do aqui tem coisa (muitíssimo legal, fotos fantásticas), onde além de conhecer o Stickel eu conheci a Márcia Kawabe do Namastê, de quem sou super fã. Podem ir conferir lá no blog deles, um absurdo, eles me destarjaram toda.
Tsc. Logo eu, uma das tarjadas mais famosas da net, ser desvendada assim. Da próxima vez tomarei cuidado e sairei tarjada de casa.
Fui com a minha filha Nana, e, quando entrávamos no metrô para voltar, ela ganhou esse folheto de um curso de desenho. Ficamos horas analizando, eu e ela. O impressionante não é só como o desenho do "depois" é ruim. O interessante é o "antes".
Gente, póde uma coisa dessas?
Olha esse "antes"!
Porque no desenho do "antes" a pobre mulher tem que ser vesga e não ter orelhas ?
*ps.: já sei! De castigo pela falta de tarja, eu vou desenhar a Márcia e o Stickel vesgos e sem orelhas... hehehehehe...



segunda-feira, 22 de maio de 2006

o código da fila



- Mãe.
- Oi.
- Vamos ver Código da Vinci hoje?
- Chico, você tá doido? Tem mais fila no Código da Vinci do que quilômetros de congestionamento naquela segunda do PCC. Não vou nem morta, domingo é dia de descansar e não de micar. Podemos até ir ao cinema, mas no Código nunca. Jamais.
- Ah, vá. A gente compra na Internet e ...
- Não. A gente não vai conseguir. Esquece.
Escolhi um outro filme num cinema lá na Paulista. Eles pegaram o jornal, fuxicaram e a minha filha se adiantou.
- Mãe, nesse mesmo cinema mas em outra sala está passando o Código... vamos supor que tenha ingresso. Se tiver a gente pode ver?
- Não vai ter. Domingo de estréia.
- E se tiver?
Suspirei. Eles não tem noção.
- Se tiver a gente vê, gente.
- Legal.
Fomos para a Paulista. Almoçamos numa lanchonete na rua Augusta aonde eu ia quando era criança e morava na Haddock Lobo. Depois do almoço, como era cedo, fomos andar pela avenida. Eu morei por ali por vinte anos, adoro aquele lugar. É estranho ter familiaridade com um lugar tão cosmopolita e urbano, mas eu tenho. Adoro aquela avenida e as redondezas. A Paulista acolhe os pedestres. Nunca vi ninguém exaltar a Juscelino ou a Santo Amaro. E a Faria Lima, embora seja generosa, tem edifícios que oprimem o pedestre. A Paulista não. A Paulista aceita, convida.
Chegamos no cinema. Faltava meia hora para o meu filme e uma hora e meia para o Código. Lugar lotado. Entupido. Os meninos se empoleiraram no guichê.
- Tem ingresso pra o Código?
- Ainda tem – falou a bilheteira.
Eles pularam de alegria.
- Viu mãe? Ahá. Viu?
Vi.
Compramos.
- E agora? Olha esse lugar que inferno.
Eles me olharam.
- Ora mãe. Agora a gente vai para a porta e ficamos por ali, pois vamos ser os primeiros a entrar.
- Os primeiros? Impossível. Vocês são completamente malucos. Não sei porque eu topei vir. Vai ser um inferno. Vou acabar brigando com alguém.
- Mãe, menos. Vai até a banca, compra um sudoku pra você, toma um café e volta daqui a pouco. Sossega e deixa com a gente.
Dito e feito. Comprei um sudoku, tomei um café, sentei para ler na sala de espera.
- Mãe! Vem!
Levei um susto quando vi o tamanho da fila. Aquilo devia lotar uns cinco cinemas. Uma fila enorme e larga, pois não existia vivalma sem um balde monstruoso de pipoca e uma copo com dois litros de refrigerante. Cadê meus filhos? Não era possível. Hã? Os primeiros?
- Aqui mãe!
- Como conseguiram?
- Essa é a graça mãe. Essa é a graça. Temos cara de losers? – eles me disseram, triunfantes – Esse é o divertimento, não é só ver filme. É ser o primeiro da fila, ahá!
Os três sorriram. E fazia parte da vitória entrar correndo na sala, antes de todo mundo. Ou seja, fomos os primeiros a entrar na sala e assistimos em lugar nobre. É engraçado o bem que um trunfo (ainda que ridículo desses) faz nas pessoas. Sério, até eu me senti super poderosa e entrei de nariz empinado. Afinal, era a primeira da fila! Que domingo vitorioso. Nossa. Uau.
O filme? Maravilhoso, eu adoro filmes de aventura onde as pessoas quase morrem a cada cena e não traumatizam, não precisam de antidepressivos e nem de analistas.
Mas que filme o quê.
O melhor foi desvendar o Código da Fila.

sexta-feira, 19 de maio de 2006

a frase do japonês



Aconteceu num restaurante japonês que abriu no shopping aqui ao lado. Fui com um amigo na hora do almoço para experimentar. Veio um garçon japonês sorrindo e me perguntou o que eu queria beber.
- Uma tônica diet.
Ele fez uma cara engraçada, sorriu, fechou mais os olhos e falou a frase mais engraçada do meu dia.
- Ah. Tônica num tá tendo, né.

quinta-feira, 18 de maio de 2006

Zuuupt!



Esse final de semana passada aconteceu um fato inédito. Consegui ir ao cinema com meus três filhos. A última vez que isso aconteceu foi há dois ou três anos atrás, no primeiro dia do ano, numa estréia do Senhor dos Anéis - um filme que vi, adorei e não entendi patavina. Aliás, vi todos os Senhores dos Anéis sem entender direito quem era do mal, quem era do bem e onde eles iam chegar com aquilo.
Ver um filme em família é ótimo, pois é como compartilhar de uma história em conjunto. Isso torna o grupo familiar mais unido - o que, no meu caso, significa termos em comum mais uma lista enorme de gracinhas e bobeiras. É como viajar em família, coisa que adoro também, apesar de sentir que nas viagens, como o tempo é maior, as idades mentais minha e do Zé caem muito - acabamos nos transformando em duas crianças, brigando pelas coisas mais inúteis e tirando sarro um do outro.
- Hahaha, Zé, você se ferrou! – eu disse um dia à ele num restaurante.
Afe. Absurdo uma esposa falar isso.
Mas voltemos ao cinema. Agora que os meus filhos estão maiores, podemos ver filmes bons junto e nesse sábado fomos assistir 'Caché'. Apesar da implicância com o cinema de rua que eu escolhi – eles gostam de cinema de shopping, onde obviamente podem consumir mais um monte coisas além do ingresso e da reles balinha – e da implicância com o filme – eles preferem comédias que falem asneiras, ainda mais quando estão juntos - fomos.
Chegamos, o cinema estava vaziíssimo.
- Ichi. A mamãe trouxe a gente pra ver um filme mó-mico.
- Aposto que é tosqueira.
- Tem quatro estrelas no livrinho da Folha, gente.
- Dá um dinheiro preu comprar pão de queijo, plis.
- Quero uma coca.
- Pra mim frutela.
Não vou aqui fazer crítica do filme. É legal, mas concordo com tudo que falou o Caio, um amigo que fez uma crítica legal no recém fundado blog dele, podem conferir. Fico somente com a idéia de que certos traumas de infância a gente simplesmente não esquece – e que a nossa vida pode ser totalmente norteada por isso, como mostra o filme. É uma idéia bastante doentia, mas intrigante.
Mas que eu queria levantar é que, tendo ido com os filhos adolescentes e compartilhado com eles a história, mais esse filme passou a fazer parte da nossa vida e nosso imaginário familiar – tanto a trama quanto algumas cenas. E – é engraçado – os meus três filhos, desde sábado, a toda hora me olham e zuuupt – passam o dedo no pescoço, em alusão à cena horrível onde um dos personagens corta a goela e esguicha sangue pra tudo quanto é lado. Eu grito, eles morrem de rir. Repetidamente. Repetidamentee. Repetidamente. Olha, eles já cortaram a goela umas duzentas e quarenta mil vezes aqui dentro de casa desde o final de semana.
Olho para eles e...
Zuuupt!
E – engraçado também – na manhã de domingo eu fui pegar o jornal lá fora, abri a porta e achei esse desenho ai em cima no chão.
Bem, quem assistiu o filme entenderá...

quarta-feira, 17 de maio de 2006

e ai, macarrão?


- Chico.
- Oi mãe.
- Olha os nomes dos caras do PCC – eu disse, mostrando o jornal para ele – Leia.
Ele leu.
- Tá, e daí?
- Que você achou?
- Nada. São os nomes dos caras.
- Muito bons, não acha?
- Mãe, você tá doida?
- Olha pra isso: Marcola, Julinho Carambola, Pateta, Macarrão, Gegê do Mangue... Olha esse Chico, Magaiver! Olha como escreve Magaiver, filho. Tem mais uns... Cesinha. Geleião! Eu não acredito. É muito bom isso.
Olha gente, eu sei que a gente não pode achar nada bom no PCC e nessa história toda que houve aqui em São Paulo, mas desculpa. Desde que o João, meu filho menor, me perguntou que nome eu teria se eu fosse traficante (vide post anterior) que estou com essa coisa de nome de bandido na cabeça, e hoje de manhã fiquei absolutamente deslumbrada com os apelidos da gangue do PCC. São maravilhosos. Tá, achar uma coisa boa no PCC é totalmente politicamente incorreto, vocês me perdoem mesmo, mas digamos que minha admiração é em prol da literatura.
Sou muito ruim de nomes. Posso ser boa de crônica, boa de história, mas de nomes sou uma desgraça. Fico horas para achar o nome certo para o personagem e geralmente faço escolhas horríveis. Leio, releio, mudo diversas vezes. Peço ajuda para amigos, para os filhos, para a Maria.
- Mariiiiá.
- Oi, lúcia.
- Fala um nome de uma vizinha sua.
- Hã? Porque?
- Por nada, só me responde. Como chama a sua vizinha?
- Qual delas, lúcia? Como assim?
Às vezes o pobre do personagem das minhas histórias fica dias sem nome, desbatizado, nulo, inexistente. Procuro nomes em jornais, revistas, livros, outdoors. Para mim é das partes mais difíceis da escrita, essa, de descobrir o nome do personagem. Um nome errado pode avacalhar uma boa história.
Saber dar nomes é uma arte, gente. Uma arte, sem dúvida alguma. E nada como a realidade para nos mostrar que os nomes bons estão ai na frente.
Marcola, Julinho Carambola, Pateta, Macarrão, Gegê do Mangue, Magaiver, Cesinha, Geleião.
Sério, eu seria incapaz de fazer tão bem feito.

terça-feira, 16 de maio de 2006

não teve graça nenhuma



Embora eu seja exagerada com um monte de coisas, odeio exageros de pânico. O que aconteceu ontem foi uma coisa perigosa demais. O medo é uma coisa que vai aumentando, o clima de terror contagia e, embora adultos normais tenham noção do perigo, é fácil perder o controle. Fofoca de medo para mim é uma coisa detestável. É claro que temos que saber dos perigos que corremos, mas não devemos aumentar o perigo. Tenho a tendência, sempre, a minimizar o medo. Talvez seja um modo de se defender, talvez um característica de mãe que precisa ter o controle da situação. Mas as pessoas em geral não são assim. Sei lá, parece que gostam de aumentar. Podem falar que é perigoso ser como eu sou, mas eu acho o contrário - é perigoso exagerar.
No meio da tarde tive vontade de desligar a Internet e as televisão que falava sem parar as mesmas notícias. Vi um tal ônibus incendiado umas trinta vezes. Os amigos ligavam que iam para casa. Bomba no aeroporto, me disse um. Fecharam o Itaim, um festival de tiros na João Cachoeira, falou outro. Foi interditada a rua aqui do lado onde mora o secretário. Me liga uma mãe: nenhuma criança deve ir na Cultura Inglesa hoje, ligue para todas suas conhecidas. Não, não faço isso, pensei. Não espalho medo. Não sei bem porque, mas não faço isso.
E faço campanha: não espalhem também. Coisa ruim a gente digere e esquece.
Começaram até uns boatos esquisitos. Troca de tiros na Oscar Freire. Uma arquiteta de ligou dizendo que metralharam uma loja de decoração na Gabriel. Ameaça de bomba no Shopping Iguatemi. Será possível que o PPC tenha resolvido acabar com todos os lugares chiques de São Paulo? E a Daslu, esqueceram?
Porém a gente filtra, mas criança não. E assim, enquanto todos já estavam chegando em casa, tive que sair pelas ruas para resgatar o João que sobrou, em pânico total, fora da porta do clube fechado no começo da noite. “Mãe, tá escuro, estou sozinho e me falaram que se eu sair daqui vou levar um tiro. Estou num orelhão, me ajuda. Estão dizendo que fecharam a Faria Lima e a Marginal”. Absurdo, mas os seguranças do clube falaram isso para o menino antes de ir embora. “Eu vou ai agora, João. Fica onde você está que eu já chego”. Não teve graça nenhuma. Peguei todo esse transito ai, cheguei duas horas depois mas salvei o menino do medo. É disso que eu tenho medo.
Do medo.
Quando cheguei em casa, desligamos a TV e o computador e colocamos uma comédia bem boba no DVD. Chega. Sem comentários. Tem coisas que não tem graça nenhuma.

segunda-feira, 15 de maio de 2006

van, teatro e biritas



- Saiu ontem à noite, mãe?
- Sim, fui ao teatro com a turma da van.
- E ai? Peça boa?
- Maravilhosa, recomendo. Banco do Brasil, lá no centro. Uma peça chamada Molly Sweeney, com a Júlia Lemertz fazendo um papel de uma moça cega – e ela me deu um folheto que estava sobre a mesinha de centro – Essa peça você precisa ir ver. Ela trabalha muito bem.
- Legal.
Eu gosto das dicas da minha mãe. Mesmo sem ser uma super entendida de teatro, ela tem uma ótima noção de roteiros e interpretação.
- Depois fomos jantar numa pizzaria, chegamos tardérrimo. Fechamos a pizzaria, foi outra noitada daquelas.
- Que horas? Duas da manhã?
- Que duas que nada. Acho que três e meia, a madrugada entra e as senhoras bebem e bebem. Uma pede uma cevejinha, outra uma caipirinha, outra um campari, outra uma taça de vinho e a coisa não acaba – ela contou, rindo - Tem uma senhora, chiquérrima, que fica ali no choppinho, discretíssima, mas, quando vemos, elas já tomou mais de meia dúzia. Na hora que levanta, anda zanzando, tortinha. A organizadora da van sai correndo para ajudá-la.
- Ah, é assim é?
- É. E é uma pena eu não poder beber por causa dos meus remédios, filha, as senhoras se divertem tanto... O seu Loreto, o único homem da nossa turma, chega nos restaurantes e já pede uma garrafa de vinho para começar. Ele adora ser o dono do vinho e distribuir para as senhoras, nem sei quantas garrafas ele paga no final. Ele bebe e enche o copo de quem está do lado o tempo todo. Geralmente quem se senta ao lado dele sai completamente bêbado. Eu e uma amiga notamos que algumas senhoras disputam a tapa os lugares ao lado dele.
- Sempre achei esse seu Loreto um perigo – eu disse, caçoando.
- E cada dia mais as senhoras estão preferindo o jantar ao teatro, sabe? Antes saíamos para ir ao teatro, agora assistimos a peça rapidinho e elas perguntam: onde vamos? Parece que noite agora só começa ali, com as bebidinhas, isso que é engraçado.
- Ah. Está dizendo que elas querem é...
- Beber, filha. Isso mesmo. Cair na farra, tomar muitas cervejas, muito vinho, dar risada, falar pelos cotovelos.
- Perder o controle?
- Isso. E não querem ir embora não. A organizadora fica bocejando, pedindo, “vamos embora, gente, vamos embora” e elas nem nem se mexem da cadeira. “Já?”, elas falam, “vamos tomar mais uma, vamos ficar mais um pouco”, pedem, rindo, relaxadonas.
- Mãe, que engraçado. Não era assim a sua turma no ano passado, no ano retrasado. Era uma turma de velhinhas caretas, sem graça, quase mortas.
- Pois você veja só, minha filha.
- Estou vendo, minha mãe... – eu disse, rindo – Estou vendo que essa van trouxe vida à um monte de mulheres. Que bacana essa animação, essa alegria.
- Tsc. Pena que eu não bebo! – ela disse, desenxabida.
- Mãe!
- Mas filha, pensa bem! – falou minha mãe, defendendo as noitadas – Nós podemos cair na farra! Somos velhas, vida resolvida. A organizadora nos entrega em casa sãs e salvas e ninguém precisa dar satisfação pois todas moram sozinhas. Que problema pode ter?
Foi quando me lembrei do seu Loreto. E concordei.
- E também ninguém engravida, né?

sábado, 13 de maio de 2006

sangue bom


- Aconteceu uma coisa engraçada e horrorosa comigo ontem – me disse um amigo.
- Engraçada e horrorosa? Como assim?
- Pois é – ele explicou – ontem me ligou um amigo de infância pedindo para eu doar sangue para o pai dele, que estava no hospital e precisava muitíssimo. Eu conheço esse cara desde moleque. Na hora eu fui e doei, claro.
- Sei.
- Depois de um tempo, liguei para ele e avisei que já tinha doado. Ele me agradeceu e disse que o pai dele estava fazendo uma transfusão naquele exato momento. Me senti super útil quando ele contou aquilo, pois eu fui, doei, e o homem estava recebendo sangue. Achei aquilo bem legal – ele fez uma pausa e me olhou – Bom, agora que vem a coisa engraçada e horrorosa.
- Conta.
- Bom, depois de uma meia hora, esse amigo me liga de novo. “O que foi”, perguntei. E ele me diz que o pai tinha morrido. Acabado de morrer.
- Coitado...
Ele fez uma cara de quem estava com vontade de rir.
- Olha, Lúcia. Eu sei que o sangue que a gente doa vai para um banco de sangue e o que eles dão para a pessoa não é o nosso, mas fiquei péssimo. Será que foi culpa minha?

sexta-feira, 12 de maio de 2006

zzzzzzz...


( foto: a.l.s.)

Confesso.
Estou a cada dia mais infantil, politicamente incorreta e sem noção. Mas ontem fui para o Rio com um monte de engenheiros e arquitetos, do nosso lado no vôo sentou um japonês que dormiu profundamente. De roncar! Eu encasquetei de tirar uma foto minha com ele dormindo sem que ele percebesse. E, depois de muita mímica, consegui passar minha máquina para uma arquiteta (e atriz) que, depois de um acesso de riso, tirou essa foto toda tremida.
Porque?
Ora, era um desafio, um assunto. A vida não tem muita graça se a gente não inventa uns trecos bobos.
E sou mesmo infantil, politicamente incorreta e sem nenhuma noção, fazer o quê...
E hoje tem crônica nova na revista paradoXo, podem ir conferir: invasão de domicílio

quinta-feira, 11 de maio de 2006

uma canja para uma blogueira expressiva


Vocês já foram no blog da Márcia, o Namastê? Ela é, na minha humilde opinião, uma grande blogueira-cronista. Em estado bruto ainda, mas é. Tem histórias ótimas da vida dela, tem o maior senso de humor e um jeito muito parecido com o meu de contar as coisas. Há anos que eu falo isso para ela, até que na semana passada um cara, também blogueiro, chamado Nelson Botter (com a ajuda da Bruna) chamou nós duas para participar de uma antologia de crônicas que ele está fazendo.
Foi quando a Márcia me escreveu de verdade e passamos a falar em particular pelo MSN, depois de anos falando publicamente dentro das caixinhas de comentários. Ela se mostrou mais divertida ainda, e, como estávamos ali sozinhas, antes de entrar no assunto “crônicas”, “antologia”, “Nelson”, resolvemos fofocar um pouco sobre os outros blogueiros.
Foi quando ela falou uma coisa engraçada.
- Lucia. O Pecus faz comentários com botox, já reparou?
– Como é isso, Márcia?
- Quando ele comenta os nossos textos ele não expressa nenhum sentimento, A gente nunca sabe o que ele achou. Ele pode estar elogiando ou detestando que o tom é o mesmo. Igual gente com botox na cara.
Fala se a Márcia não é engraçada.
- Tem um pouco de razão. Pecus Botolis.
- Aliás, você o imagina expressando alguma reação facial quando lê os comentários dele? Vai ver que isso acontece na vida real. Ele usa botox no rosto?
Iii, contei tudo, Márcia.
Mas é que essa questão de se comunicar por palavras escritas é realmente complicada. As vezes ficamos mesmo com algumas pulgas atrás da orelha. Dependendo do modo que a pessoa escreve, nunca sabe o que ela quer dizer. E as vezes o modo da pessoa escrever, proposital ou não, revela ou induz a uma impressão que não é exatamente o real. O Pecus, por exemplo, para mim, que conheço ao vivo, é uma pessoa com expressão (bem, na vida real eu tenho dúvidas se usa botox no rosto ou não), mas para a Márcia, que só o conhece somente através dos comentários, ele é um desexpressado total.
Eu, por exemplo, não gosto e gente que ri muito “ahahah” ou “rsrsrsrs”. Penso que pessoas assim são ansiosas e aflitas. Gente que usa reticência eu também implico, pois me parecem sem graça. Pura impressão. Também acho que gente que escreve muito é devagar, lenta, mas tudo isso não significa nada. Conseguir escrever como se fala e como se é dificílimo. Talvez ninguém consiga.
Falando nisso, outro dia resolvi parar de exclamar e interrogar. Encasquetei que o formato da frase e as palavras certas resolveriam. Meus textos ficaram bem esquisitos, e uma colega minha de trabalho me perguntou se meu teclado tinha quebrado. Sei lá. Me senti bem não exclamando. Esse excesso de felicidade e de euforia que volta e meia me assola estava me afligindo.
Mas cá entre nós.
“Comentários com botox” é demais, não acham?
Coisas de Márcia.
Uma blogueira expressiva.

quarta-feira, 10 de maio de 2006

franka flor de erva



Na época ele tinha uns sete anos.
- Mãe.
- Fala, João.
- Se você não fosse mãe, e fosse traficante...
- Fosse o quê?
- Traficante, bandida, assaltante.
- Sei.
- Qual nome você se colocaria?
- Nome?
- É. Nome, apelido. Igual a Fernandinho-beira-mar, essas coisas.
- Traficante? Hum, deixa eu ver. Que tal lúcia-pé-de-ouro? Lú bolsa cheia? Lulu ervinha?
-Mama Gold. Lú pózinho.
De repente eu cai na real.
- João, peloamordeDeus, você fala muita bobagem!
- Desculpa, mãe.


(são benedito, o protetor das frankas que mentem)

terça-feira, 9 de maio de 2006

a chata



O João foi viajar numa excursão da escola no domingo de manhã, seis horas.
- Vamos filho. Acorda.
Fomos para o local combinado arrastados, eu e ele. Mala, filtro solar, roupa de cama, lanterna e sleeping. Carteira de identidade original.
- Leva uns biscoitos. Toma o dramim. Pega o boné.
Chegamos. Aquele monte de mãe e pai parado olhando as malas e os filhos. O ônibus ligado, um professor com uma prancheta anotando. Ainda não chegaram todos, ele explicou.
- Um absurdo. A gente acorda cedo e tem gente que não tá nem ai - disse um pai bocejando.
Achei duas mães conhecidas. Amigas.
- Tudo bem? - cumprimentei.
- Claro que não – falou uma delas, rouca - Isso é doentio. Pra que viajar a uma hora dessas no domingo.
- Coisa mais sem graça – falou a outra - Muito cedo...
Mais bocejos.
Chegou um pai correndo. A roupa parecia um pijama.
- Isso é um pijama – cochichou uma das amigas – Vende naquela loja da Hering ali da avenida.
- Olha – mostrei os pés do cara – Nem calçou o tênis, tá vestido feito chinelo.
- Acordou dez minutos atrás - riu a amiga.
Foi quando chegou a chata. Olha, já pensei muito e ainda não entendi exatamente o quê faz uma pessoa ser considerada extremamente chata. Mas aquela mãe que chegou ali, atrasadinha, correndo, era a maior chata do mundo. Pode ser que fosse a roupa, a voz, o jeito, a atitude, os saltitos, as decisões, o modo de se comportar no grupo, sei lá.
Chata.
Muito chata.
Ela veio toda rapidinha, abraçando a filha e carregando a mala. A gente lá morta de sono e despencada e ela toda acesinha, andando, falando.
- Olha Jujú, eu vou te deixar e vou me embora! Não preciso ficar aqui esperando o ônibus sair, não é? Você não é mais nenê! – ela disse bem alto – Né, filhota? Vou te deixar e ir embora que isso não é pré primário!
E antes que a filha respondesse, ela deu um beijo na menina, largou a mala com o motorista e catapimba: saiu correndo toda-toda. E na hora que saiu, disse bem alto.
- Ai genti, eu vou é dormir!
Urgh.
Que ódio. Ficamos todas, eu, minhas três amigas e o pai de pijama, parados e de boca aberta assistindo a cena.
Chata, pensamos em uníssono eu e minhas amigas.
Chata, chata, chata.
Que mulherzinha chata.
Como eu disse, não sei explicar, exatamente, porque naquela hora aquela mãe virou a maior chata de todo o universo . Mas ali ela foi insuportável, metida, irritante e merecia não dormir por uma semana só de castigo. Que coisa era aquela de ir embora antes do ônibus partir e dormir? Estávamos todos mortos de sono, mas não pode. Tem regras. Mães legais, em dia de excursão, tem que reclamar e ficar. É assim que a gente não é chata. É coisa de amiga, de igual, que sofre junto.
Mas ela não. Ela, a chata, abriu mão de uma dedicação à filha e principalmente de uma dedicação à nós para descansar. Ou seja, ao invés de se dedicar ao grupo dela, ela ia se dedicar à ela. Mãe mais desnaturada com as outras mães. Egoísta. Chata.
Uma das minhas amigas me olhou.
- Quer saber? Só saio daqui expulsa.
- Idem – falou a outra – Só tiro o pé daqui quando o ônibus sair.
Eu olhei para as duas. Era um tipo de vingança.
- Eu também. Fico até o último minuto.
Foi ali que nós três, sem falar uma única palavra sobre a chata, tivemos certeza do que significava aquele momento nas nossas vidas. O João está crescendo, mas é meu filho menor com seus doze anos. Os outros dois não me querem por perto na escola, nos encontros, nas partidas das excursões. Tem vergonha. Morro de saudade de ser mãe mais um tempo, acho um absurdo não ter mais filhos, essa nossa sociedade tão maluca que coloca um fim na capacidade de reprodução feminina depois de uma quantidade de filhos. Assim o João é o menor, tenho pouco tempo para cuidar dele, as coisas acabam e depois eu sei que vou morrer de saudade. Saudade de cuidar, de dar beijo, de ficar pulando na frente do ônibus dando tchauzinho. De ser mãe e de ser bem ridícula, bem exagerada.
- Eu fico até o João me expulsar – falei, rindo.
Ficamos dando tchau para os vidros fechados junto com o pai de pijama até o ônibus ir embora. Felizes com nossos filhos, com sono, com vontade de aproveitar a maternidade até o finzinho.
Afinal, não somos chatas.

segunda-feira, 8 de maio de 2006

"eles"

(desta vez, nenhum tarado...)

Fomos no cinema, eu, minha mãe e o João, meu filho menor.
- João, espera ali com a sua avó no café que eu vou comprar os ingressos.
Voltei.
- Comprou certo, filha? – perguntou minha mãe.
- Comprei – eu disse, mostrando os ingressos para ela – inteira para mim, estudante para o João e um ingresso de melhor idade pra senhora, mãe.
Ela colocou os óculos para conferir.
- É. Já não basta envelhecer e a gente tem que agüentar essa bobagem.
- Que bobagem?
- Essa bobagem aí de "melhor idade". Quê "melhor idade" o quê. É como o João Ubaldo falou, melhor idade é essa aÍ, do João. Essa minha é a “pior idade”. Devia estar escrito no ingresso: “pior idade”. A pior idade da vida que só tende a piorar mais ainda, claro.
Eu e o João rimos.
- Isso tudo é engambelação para enganar idoso, na minha opinião. Tudo engabelação deles para enganar a gente.
- Engambelação?
- É claro. É para a gente ficar feliz e caladinho. As aposentadorias dos idosos são uma merreca, o corpo já está mais pra lá do que pra cá e eles ficam enganando a gente para ninguém reclamar e não encher o saco. "Melhor idade". Ah, vá, tenha santa paciência.
Minha mãe é engraçada, pois ela vai aumentando as coisas.
- Mãe, mas quem são “eles”? Você está falando exatamente de quem? Quem são essas pessoas que te engambelam, tá maluca?
- Sei lá quem são eles. Mas alguém inventou isso, não acha?
- Acho.
Ela me olhou intrigada.
- Estranho, nunca tinha pensado nisso. Quem serão “eles”?

domingo, 7 de maio de 2006

a melancolia e as largartixas


Desde que me sou pequena que isso acontece, hoje em dia eu já nem ligo mais. Ajo com minha melancolia igual ajo as lagartixas da varanda: suspiro e espero. As minhas lagartixas são muitas e me afligem, mas cinco minutos depois que eu entro em casa eu já me esqueci delas. Já a melancolia demora 24 horas para passar, infelizmente.
Às vezes eu acho que tudo que faço aos domingos é somente para fugir dessa maldita melancolia. Tento burlar a sensação e vou tomar sol no quintal, vou almoçar fora, convido uns amigos, coloco música alta, saio para ir à pracinha, vou ao cinema, disfarço, finjo que não é comigo. Hã? Não, estou ótima, animadérrima hoje, eu penso. Volta e meia eu até rio de verdade, mas é só parar e olhar ao redor que a coisa volta. Hoje, por exemplo, minha casa está dez vezes mais animada do que nos dias de semana. Um dos filhos está fazendo uma reunião do grêmio da escola e tem uns quinze adolescentes tagarelando na sala, minha filha ouve música alta lá em cima e o Zé está com um amigo na copa.
E eu nessa pasmaceira.
Não sei de onde vem isso e nem se isso acontece com todas as pessoas. Já tentei me lembrar da minha infância, de algum trauma, de alguma grande decepção ou tragédia. Nada. Aliás acho que se tivesse ocorrido alguma coisa, nem que não fosse boa, eu ia me lembrar da coisa e não sentiria um vazio tão grande. O problema da melancolia, na minha opinião, é justamente você não se lembrar de nada. A melancolia, pelo menos a minha, é a ausência da memória. E não é uma ausência só sua: é uma total e geral ausência de memória e de existência de toda a civilização, o que é muito pior.
Por isso que eu detesto domingos. Repito. Detesto domingos. Podem me chamar de maluca, mas detesto. E, se dependesse de mim, o domingo seria um dia de trabalho igual aos outros e nunca esse dia morto morrido com esse ar de velório.Tem gente que espera a semana todo por ele. Eu passo o domingo todinho esperando a semana. Não entendo porque todo mundo pára de repente, essa é a questão. Descansar? Ah, vá. O sábado bastava, ora.
- Já sei. Monta um restaurante no Bexiga, lú. Você não tem um monte de parentes italianos, não tem sangue italiano? Queria ver se você ia se sentir melancólica no meio daquelas braciolas e macarronadas, ahá, queria ver! – falou o Zé.
Uau.
Olha que idéia boa.

sábado, 6 de maio de 2006

foi MAL...

O crédito dessa foto (falaverdade, ô foto linda...) é aqui da blogueira.
Mistério.
Alguém me explica porque é que o avião da TAM que ele levou para a Bahia tinha escrito "MAL" na asa? O pior é que, quando eu li, já não dava mais para desembarcar.

sexta-feira, 5 de maio de 2006

oS resultadoS EM ALEMÃO! (com correção)




Voltei, e olha o resultado do sudoku alemão! Eu recebi de verdade! A Sandra Beatriz fez e me mandou por email, de lá do Piauí - ah, eu adoro internet por causa disso. Sandra, cê é a maior fera sudoquiana. Uma hora você precisa me dar umas aulas, porque eu ainda estou no nível "sehr leicht" (em baixo também está escrito "kinderkram?" - o que deve significar que estou num nível muito, mas muito kinder ovo e infantil...)
Valeu, Sandra.
Essa gente toda que comenta aqui todo dia fala, fala mas fazer que é bom, nada.
NOTA - frankamente urgente:
Acabei de receber um email do Guga dizendo que ele gastou o dia todo de ontem (nem trabalhou) para desvendar o 'unslosbar' sudoku alemão. Como ele comentou nos comentários que tinha feito, como ele diz que está se sentindo injustiçado e como tenho dois prêmios, um feminino e um masculino, aceitarei. Taí o sudoguga.

E hoje tem crônica nova na paradoXo: podem ir conferir "Meu primeiro torpedo".

quarta-feira, 3 de maio de 2006

"sudoku genial"

(o que será "unlosbar"?)

Vou viajar para a Bahia amanhã. Mas deixo aqui um sensacional SUDOKU ALEMÃO para vocês se divertirem. É novissimo, ganhei hoje de um amigo que foi viajar na semana passada. Ele chegou em casa hoje morrendo de rir dele mesmo.
- Ô lúcia, olha o que eu trouxe da Europa ara você.
- Oba. Pedrinhas?
- Que pedra que nada! Trouxe dois livros de Sudoku para você. Dificílimos, pois um é alemão e outro francês. Quero ver você dar conta - ele disse, gargalhando da bobagem.

E como eu adoro uma bobagem, taí o alemão nível extrem (deve ser equivalente ao nosso diabólico II...). Quem conseguir fazer ganhará um prêmio especial (e secreto) da Franka no próximo encontro.
Prometido.

BOLETIM FRANKAMENTE URGENTE: A VERDADE



(foto sem sombras e sem mentiras da regata de pecus)
A VERDADE


Gente: eu, que sou uma blogueira verdadeira e não minto, resolvi dizer aqui toda a verdade e postar a verdadeira foto da regata de remo do Pecus, sem sombras e sem mentiras. Na verdade, a regata foi um MWL (monday without law) disfarçada, com diversos blogueiros navegando juntos na NET. Assim, usando minhas noções básicas de fotoshópe dei uma melhorada na foto da equipe vencedora, onde vocês podem agora claramente distinguir quem é quem (da esquerda para a direita): Guga (ao cubo); Jayme (Dito Asssim); Albertão* (Carne Crua) e Pecus Bilis sem máscara.
Viram? Nunca confiem num homem tarjado.
* É ele o velho de 62 anos, eu já desconfiava...
E, ao longe vocês podem me ver, fugindo daquela canoa de chopp desgovernada. Tive que ir até até lá para ver o que acontecia.
Pecus, Alberto, Jayme e Guga.
Eu não gosto de mentiras.

na porta da cantina



O carro parou no sinal. Ao lado, uma cantina italiana. Domingo, três da tarde.
- Olhai a turma saindo do almoção de domingo – apontou o Zé.
- Para de criticar que a gente também acabou de sair do restaurante, Zé.
- Como eu sou um igual eu posso criticar o quanto quiser.
- É – concordei - Vendo por esse ângulo, pode mesmo.
- Olha a cara de satisfação da familia. Papai, mamãe, dois priminhos, um bebê, o sogrão... Olha ali a sogrona. Agora repara a cara de animado do genro – o Zé apontou um cara mais ou menos da idade dele, com jeito de morto vivo - Hahaha. Tá na cara que aquela é a família dela, que ele teve que vir e ainda trazer a tralha toda. Bebê, carrinho, sacola, brinquedo. Olha a cara de “feliz” do fulano.
- Zé!
- Eu sei como é, vai discutir comigo?
Foi quando ele apontou uma outra senhora que saiu em seguida e se colocou ao lado da sogra
– E aquela ali ao lado deve ser a irmã da sogrona. Olha, ela tá saindo com o resto embrulhadinho. Eu e meus irmãos, quando éramos pequenos, odiávamos quem saia de restaurante com o resto embrulhadinho. Eles logo falavam, tirando sarro: “hummm, fulano é daquele tipo que sai com o 'resto' do restaurante”. E depois ficavam imitando as falas das tias: “vou levar, depois eu esquento à noite e 'já resolve' o jantar”, ou “vou 'aproveitar' para dar os ossinhos para o cachorro”, ou ainda “ é judiação jogar no lixo, Deuscastiga” – e ele apontou a mulher de novo - Olha lá. E veja o resto embrulhado na mão dela.
O sinal abriu e o carro andou. Ficamos um tempo em silêncio, quando eu não agüentei.
- Zé.
- Oi.
- Porque você nunca me contou essa coisa do “resto”?
- Eu nunca te contei?
- Não.
- E porque deveria? Eu não preciso te contar tudo da minha vida.
- Algumas coisas precisa.
- E porque eu precisaria contar essa coisa?
- Porquê? Ora, Zé! Porque eu sempre levo “resto” de restaurante.
- Ahahaha, é mesmo. Você sempre manda embrulhar, é verdade. Tinha esquecido. Que horror, Lúcia. Você é uma mulher que leva resto, credo!
- Está rindo de mim, é?
- Estou. Mas agora você já sabe a opinião da minha família. Não faz mais isso na frente dos meus irmãos, oquei?

terça-feira, 2 de maio de 2006

o tarado do cinema



Fomos sábado ao cinema, eu e a minha mãe. Um filme maravilhoso e impressionante: “Três enterros”, que, depois de digerido, até merece um post próprio.
Mas falarei do filme depois. Agora vou contar sobre o cinema.
Bom, chegamos antes para garantir um lugar decente, compramos o ingresso e subimos no andar superior, onde ficava o cinema. Era daqueles cinemas que tem um monte de salas misturadas com uma praça de alimentação, e que são aquela zona para você achar onde deve ir.
- É ali, mãe. Vem.
Entramos. A sala era daquelas pequeninas, com uns cinqüenta lugares. Para não ficarmos com torcicolo, escolhemos um bom lugar lá em cima, numa fileira vazia. A minha mãe entrou antes de mim, sentou na terceira cadeira da fileira e eu me sentei na segunda. Ao meu lado, no corredor, ficou uma cadeira vazia.
Começamos a conversar enquanto o cinema ia enchendo. Foi quando surgiu um sujeito magro, de óculos, roupa clara. Ele veio, hesitou, decidiu e... pimba.
Sentou-se ao meu lado.
Minha mãe olhou para ele, olhou para mim e me cutucou.
- Hummm. Que estranho... – ela cochichou.
- Estranho o quê, mãe? – cochichei para ela.
- Esse homem – ela falou bem baixinho - Esse homem tinha que sentar bem ai?
- A cadeira estava vazia, mãe.
- Humpf. Olha a quantidade de cadeiras vazias que tem nesse cinema... – ela falou, implicando - ... mas não, ele teve que sentar bem ai. Bem do nosso lado. Bem do seu lado.
- Mãe, qual o problema?
Gente, minha mãe é engraçada.
- Ora, mas você é muito boba, lúcia... –ela sussurrou – O problema é que ele pode ser um tarado.
Comecei a rir. Um tarado?
-Eu sei como é - ela explicou, definitiva - Eles vem assim, sorrateiros e se sentam ao lado de mulheres sozinhas.
Ela se empertigou toda e, disfarçando, passou a olhar o homem com o rabo do olho, analizando tudo – o rosto, os óculos, a roupa, as mãos. Como se ela entendesse tudo de tarados. Eu não sabia o que fazer. Tentei ficar na frente, mas ela me puxou para trás, me encostando na cadeira. Foi quando ela deve ter tido certeza de alguma coisa, pois mudou o tom de voz e falou bem alto.
- Você não quer trocar de lugar, filha?
Sendo que as palavras “trocar”, “lugar” e “filha” ele disse bem alto e acentuado. Para ele ouvir, óbviamente.
Céus. Que vergonha. E ela continuou. Alto. Altíssimo!
- Você pode sentar aqui do meu lado, filha – ela completou, mostrando quarta a cadeira e ainda acentuando as palavras “meu lado” e “filha”.
Gente do céu.
Eu me encolhi toda, o pobre coitado do tarado também. Óbvio que as palavras-chave que ela falou bem alto para amedrontar o tarado foram ouvidas pelo cinema todo. E aquilo era um truque da espertinha da minha mãe, que, na cabeça dela estava querendo dizer ao tarado que: 1) ela sabia muitíssimo bem quem ele era; 2) que nós, sabendo de tudo, poderíamos trocar de lugar por isso; 3) e ela era a minha mãe e que portanto, que ele tomasse cuidado.
Olhei para ela, brava. Ela me arregalou um olhão e balançou a cabeça afirmativamente. Sim, ela dizia com aquele olhar sabido. Pensei em argumentar que o pobre moço poderia não ser um tarado, pensei em explicar que aquele era um dos melhores lugares do cinema e que por isso ele sentou ali, mas conhecendo o timbre de voz da minha mãe, desisti. O cinema todo, inclusive o tarado, ouviriam as opiniões dela sobre um homem sozinho que se senta ao lado de duas mulheres.
Suspirei, virei de costas para o tarado e mudei de assunto. Quem sabe minha mãe esquecia? Assim ficamos durante um tempo, eu conversando e ela olhando o homem de dois em dois segundos, como se dissesse “que absurdo”. Olha. Acho que ele, o tarado, que deve ter achado ela era uma tarada, de tanto que ela olhava para ele.
Uma hora, enfim, as luzes se apagaram.
- Mãe, pára agora de implicar... o filme vai começar – eu disse e mudei de assunto de novo – errr... você desligou o celular?
- Desliguei sim, filha... – ela disse, olhando para frente e se arrumando para ver o filme, não sem antes dar uma ultima olhadinha final... nele.
Ela não ia deixar por menos. Céus, o que eu faço com a minha mãe? Pois naquele minuto, antes de começar a projeção, ela me cutucou uma última vez com o cotovelo e falou bem, mas bem alto:
- Humpf. Bom, e qualquer coisa grita, hein, filha? Grita mesmo! – com ênfase total no “grita” e no “filha”.
Eu me encolhi de vergonha, o tarado também.
Bom, ele também deve ter mãe.