quarta-feira, 3 de maio de 2006

na porta da cantina



O carro parou no sinal. Ao lado, uma cantina italiana. Domingo, três da tarde.
- Olhai a turma saindo do almoção de domingo – apontou o Zé.
- Para de criticar que a gente também acabou de sair do restaurante, Zé.
- Como eu sou um igual eu posso criticar o quanto quiser.
- É – concordei - Vendo por esse ângulo, pode mesmo.
- Olha a cara de satisfação da familia. Papai, mamãe, dois priminhos, um bebê, o sogrão... Olha ali a sogrona. Agora repara a cara de animado do genro – o Zé apontou um cara mais ou menos da idade dele, com jeito de morto vivo - Hahaha. Tá na cara que aquela é a família dela, que ele teve que vir e ainda trazer a tralha toda. Bebê, carrinho, sacola, brinquedo. Olha a cara de “feliz” do fulano.
- Zé!
- Eu sei como é, vai discutir comigo?
Foi quando ele apontou uma outra senhora que saiu em seguida e se colocou ao lado da sogra
– E aquela ali ao lado deve ser a irmã da sogrona. Olha, ela tá saindo com o resto embrulhadinho. Eu e meus irmãos, quando éramos pequenos, odiávamos quem saia de restaurante com o resto embrulhadinho. Eles logo falavam, tirando sarro: “hummm, fulano é daquele tipo que sai com o 'resto' do restaurante”. E depois ficavam imitando as falas das tias: “vou levar, depois eu esquento à noite e 'já resolve' o jantar”, ou “vou 'aproveitar' para dar os ossinhos para o cachorro”, ou ainda “ é judiação jogar no lixo, Deuscastiga” – e ele apontou a mulher de novo - Olha lá. E veja o resto embrulhado na mão dela.
O sinal abriu e o carro andou. Ficamos um tempo em silêncio, quando eu não agüentei.
- Zé.
- Oi.
- Porque você nunca me contou essa coisa do “resto”?
- Eu nunca te contei?
- Não.
- E porque deveria? Eu não preciso te contar tudo da minha vida.
- Algumas coisas precisa.
- E porque eu precisaria contar essa coisa?
- Porquê? Ora, Zé! Porque eu sempre levo “resto” de restaurante.
- Ahahaha, é mesmo. Você sempre manda embrulhar, é verdade. Tinha esquecido. Que horror, Lúcia. Você é uma mulher que leva resto, credo!
- Está rindo de mim, é?
- Estou. Mas agora você já sabe a opinião da minha família. Não faz mais isso na frente dos meus irmãos, oquei?

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