domingo, 23 de novembro de 2008

no cemitério com a minha mãe


Fui novamente no cemitério com minha mãe para deixar umas florzinhas no túmulo do meu pai, pois na sexta feira foi aniversário dele. Como sempre, nos perdemos no caminho. Sempre nos perdemos no caminho do túmulo dele, pois depois de uma reforma no cemitério o túmulo dele mudou de lugar. Mas chegamos, e, depois da minha mãe e eu rezarmos um pouco e depois dela reclamar mais uma vez da tal mulher que foi enterrada lá sem ela saber, resolvemos voltar. Missão cumprida, eu e ela em paz, no meio dos túmulos, as duas reclamando do estado catastrófico que está o cemitério São Paulo: cheio de arrombamentos, calçadinhas velhas e esburacadas, bueiros que nem existem, uma falta total de manutenção que me fará, sem dúvida, escrever para algum jornal para reclamar quando ela estaca de repente.
- Filha.
- Oi.
- Ai filha, tem umas coisas que não me conformo.
- O que, mãe?
- Olha aquela estátua naquele túmulo. Olha que coisa mais absurda, um homem enorme, pelado, quase derrubando a mulher morta da cama de tanto puxar.
Era verdade. De onde estávamos só víamos a bundona do homem, que, como a estátua estava velha, estava toda descascada. Uma coisa bem... tosca de se olhar.
- Credo, Lúcia. Num cemitério as pessoas deviam ter respeito pelos visitantes.
- Mãe, é uma estátua, uma obra de arte.
- Há. Tá. Tudo tem limite. Tudo tem que ter limite, filha.
- Limite?
- Ora. Quer amar a mulher? Ama. Ficou triste que ela morreu? Fica triste, ora bolas. Quer colocar uma estátua da mulher que você ama morta em cima do túmulo? É esquisito, mas coloca. Mas pra que "se" colocar em cima dela desse modo, e ainda por cima com esse bumbum de fora? Que homem é esse meu santo Deus?
- Quem disse que esse homem é o marido da morta, mãe?
- Ah, Lúcia, e um homem em sã consciência vai colocar outro homem e ainda por cima em cima da mulher que morreu, em cima do túmulo da mulher que morreu? Ah, vá.
- Mãe, mas vai ver que a história não é essa... Aliás, já devem ter morrido, os dois, mãe. O túmulo é antiquíssimo.
- Filha, a história é a que a gente vê. Um homem pelado em cima de uma morta. Ai que horror. Tudo tem limite, tudo tem limite, ô gente mais louca essa.

Nenhum comentário: