quinta-feira, 22 de novembro de 2007

parabéns, papai


Ontem foi aniversário do meu pai. Ele, se estivesse vivo, faria 80 anos, pois nasceu em 1927. Oitenta anos é um número legal, lindo uma pessoa fazer oitenta anos, tudo bem que meu pai está morto, mas achei que deveria fazer uma homenagem e levar umas flores no seu túmulo. Estava em falta com ele, não fui em finados. Convoquei minha mãe.
- Mãe, quer ir?
Fomos na hora do almoço, eu e ela. Compramos um vasinho, ganhamos uma rosa vermelha do vendedor e entramos no cemitério vazio. Depois de uma reforma, transferiram o túmulo do papai para outro lugar, na minha opinião bem melhor localizado do que o anterior, mas eu e minha mãe sempre demoramos horas para encontrar, perdidas no meio de tantas ruas e "casas".
- Ali.
Encontramos. Rezamos, cantei parabéns baixinho, coloquei o vazinho em cima da lápide e sentamos no túmulo da frente, olhando para o já tão conhecido túmulo da família do papai. Afinal ele morreu há 33 anos.
- Filha...
- Oi, mãe.
- Meu Deus, morreu alguém. Olha, tem uma plaquinha a mais.
- Nossa.
- Veja se é sua avó.
- A vovó? - eu me adiantei para ler - não, mãe. É outra mulher. A vovó foi cremada, lembra-se?
Ela se indignou.
- Como assim, outra mulher? E que mulher é essa? Como a família do teu pai coloca outra mulher ao lado do seu pai e nem me avisa?
- Mãe...
- Que mulher é essa? Que esquisito. Não tem nenhum nome da família, olha - e ela abriu a bolsa, irritada.
- Vai fazer o que, mãe?
- Ora. Anotar o nome dessa fulana pra descobrir quem é, ora. Como vou deixar seu pai com uma mulher desconhecida aí dentro assim sem mais nem menos? - e ela me passou a anotar num papel o nome e os dados daquela ex-pessoa enquanto olhava a plaquinha, intrigada.
- Que coisa estranha, estranha... - ela dizia.
- Mãe, ela está morta. A mulher.
- Ué, seu pai também. E daí?
Anotei. Fiz as contas.
- Mãe, ela é mais velha que o papai.
- Sério? Quantos anos?
- Aqui mostra oitenta e quatro anos e...
Ela deu um longo suspiro. Sorriu pra mim.
- Ufa! Oitenta e quatro?
- Ufa?
Ela pegou os óculos na bolsa e examinou, confirmando.
- Ufa mesmo, que alívio, filha... - e explicou, toda orgulhosa - Sabe, seu pai jamais daria bola para ela. Ele gostava de mocinhas mais novas. Assim, como eu.

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