Cartão do convênio, ficha, enfermeiro, feriado, gente bocejando, área restrita, um acompanhante por paciente, sempre a mesma coisa. Depois de um tempão, lá veio a médica de salto alto e toda maquiada. Ai que raiva, eu estava horrorosa. Pacientes e acompanhantes de pronto socorro estão sempre de roupa velha em cima de pijama, repara. Olha, sinceramente, eu acho que médico de pronto socorro deveria trabalhar sempre de pijama para deixar os pacientes menos envergonhados.
Entrei numa sala enorme, cheia de cadeiras de espera. Eram cerca de duas da manhã, e tudo estava completamente vazio. Vivalma no local. Será que era ali mesmo? Sai e achei um segurança. Apontei a porta de vidro: ´"é aqui a secção de diagnósticos?". "Ésimsenhora". Voltei, fiquei parada no meio do salão, estranhando, quando surgiu um rapaz atrás de um dos vinte guichês vazios. "Oi". Sentei na frente dele, estava um silêncio sepulcral no local. "Oi, boa noite", ele disse. "Preciso da autorização para esse exame", expliquei. Ele olhou o papel atentamente. "Oquei. A senhora tem senha?".
Estranhei. Senha? Que vinha a ser aquilo? Senha secreta? "Não", respondi, "que senha?". Ele suspirou e balançou a cabeça. Eu devia ter feito alguma coisa erradíssima, pela reação dele. "Então a senhora tem que ir de novo até a porta e pegar a senha na máquina. Lá do lado da porta tem uma máquina de senhas, a senhora aperta um botão e a senha sai", ele explicou.
Ele me sorriu. "Agora a senhora pode vir", ele disse. Me sentei novamente na frente dele, que estava satisfeitíssimo de ter conseguido que eu cumprisse o ritual corretamente. Resolvi não implicar, afinal, minha mãe precisava do exame.
Voltei mais cinco vezes ali para pegar autorização para ultrassom, para tomografia, para exames de sangue e urina. Nas outras vezes, embora também não houvesse ninguém na sala além de nós dois, cumpri o cerimonial imposto pelo rapaz com presteza, vendo-o cada vez mais feliz ao notar que eu havia entendido corretamente o protocolo da coisa. As senhas 37, 38, 39 e 40 foram todas minhas. Da terceira vez, na senha 38, como ele estava ao telefone, eu até me sentei numa das cadeiras, aguardando o bip e lendo uma revista. Ele ficou felicíssimo, notei. Sei lá. Tem gente que gosta das coisas em ordem, fazer o quê. Ele daria um excelente diplomata, pensei. Não, não me amolei não e não provoquei o moço. Tem gente que é assim, que gosta de cumprir as regras, de fazer tudo certinho. Senha, bip, número, pois não senhora, trouxe a carteirinha? Saímos de lá de manhã, eu e minha mãe sem dores, ainda bem. Na saída até pensei em voltar ao moço do diagnóstico para dar um tchau, mas desisti. Acho que despedidas não deviam estar no protocolo dele.