quinta-feira, 26 de abril de 2007

a peça, enfim

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Ontem consegui desfazer o mau olhado que me assombrava desde quarta passada (vide post anterior) e fui novamente com meu amigo Antônio Rocco ao Sátyros para assistir a peça que perdemos na semana passada por causa do dramaturgo e hipnotizador Mário Viana. Chegamos cedão e corremos para perto do sino. A mocinha do caixa nos reconheceu, e, simpática, falou que não precisávamos pagar nada. “Para vocês hoje é convite”, ela disse, tirando sarro. Uau. Demais. Além da história virar post, ainda por cima rendeu. Vimos de graça.

A peça é sobre uma moça que chega bêbada a noite na sua casa com uma amiga e encontra o marido mais bêbado ainda no sofá. O marido é um escritor meio fracassado que não tem inspiração nenhuma. Eles tem um acordo: ela o sustenta contanto que ele escreva um livro onde ela é personagem. A casa é uma quitinete super bagunçada, e em cena estão todos bêbados, porém as bebedeiras são ao contrário: enquanto as duas estão pra lá de animadas, o maridão está completamente despencado e depressivo. A esposa do cara, que deve ser casada com ele há tanto tempo quanto eu sou com o Zé, o vê naquele estado e fica furiosa. Álcool sempre potencializa briga de casal, fazer o quê. Começa um diálogo daqueles de casais casados há duzentos anos, aquela coisa chatérrima e sem fim, com jogo de palavras e ceninhas e tal. A outra mocinha, a visitante, uma fulana meio bocó-de-mola, no começo passa a fazer gracinhas com o marido esquisitão e arrogante da outra, mas leva uns chega-pra-lá, fica sem graça e resolve que vai embora. Ouve protestos da dona da casa, que, para mantê-la ali, a seduz diante do maridão. Os três passam a estabelecer um tipo estranho de relação alcoólica, uma lavagem de roupa suja total entre o casal assistida pela mocinha. Numa certa hora a discussão chega num limite e a mocinha bocó-de-mola, que está ali de gaiata, descobre que foi abduzida pela esposa, pois o casal meio que combinou de trazer um terceiro elemento para casa para inspirar o cara para escrever o livro. Daí a bocozilda, quando sabe disso, começa a passar mal e corre para dar uma vomitada no banheiro. A cena escurece e na cena seguinte o casal está sentado no sofá olhando um corpo coberto no chão com um lençol branco. É uma cena estranha, porque parece que eles mataram a bocozilda, mas daí a gente vê que não é isso. Na cena seguinte, que na verdade acontece antes da anterior mas na peça é depois (o Rocco falou que isso se chama in-ver-são), a gente descobre que a bocozilda foi ao banheiro, escorregou e bateu com a cachola na privada. Ela entra sangrando na sala da quitinete, fala coisas meio lelés e catapimba, cai no chão, morta. Nessa hora a peça acaba.

Eu pensei umas coisas e vou falar aqui. A peça é bacanérrima, tem ótimos diálogos e atores sensacionais, mas estranhei um pouco esse final. Achei que foi um final meio sem fim. Sei lá, será que acabar uma peça "no nada" não virou uma solução moderna de resolver o fins de histórias sem se comprometer? Vai ver que é chique a coisa de acabar no... nada. Porque caramba, imagina uma fulana morrer na sua casa. Coisa mais horrível uma pessoa morrer na sua casa, gente, não gosto nem de pensar, imagina o tamanho do estress pós traumático e a conta do analista. E se alguém morre na sua casa, na minha opinião, a bebedeira acaba na hora. Ninguém fica bêbado com um morto na sala, nossa, acho que eu e o Zé íamos pirar com isso. A pessoa acorda, sei lá, grita, chama a polícia, esconde o cadáver, foge para o Uruguai. O Rocco falou que, se isso acontecesse com ele, ele ia tentar dissolver o morto no ácido, mas achei essa solução bem inverossímel, porque é impossível uma loja que vende ácido para dissolver corpos ficar aberta durante a madrugada. Mas nada disso: na peça o casal fica lá, discutindo a relação no sofá com a pobre da bocozilda morta no chão. Tadinha. Que idéia mais maluca essa de achar que se alguém morre você não se desembebeda. Não sou crítica nem nada, mas sério, achei esquisito esse final-sem-fim. Uma morte, gente. Será que a morte não era real e sim uma metáfora e eu não entendi? Ou será que eu que sou meio bocozilda e não entendo de peças modernas, que acabam no nada, com escritores fracassados e alcoólatras em quitinetes? Uau. Vai ver que é uma putz coisa chique peça que acaba no nada de escritor fracassado com alcoólatra em quitinete e eu aqui falando mal do final da peça. Desculpa o mau jeito, mas foi isso que eu pensei.

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