sábado, 13 de dezembro de 2014

papai


Hoje faz quarenta anos que meu pai morreu. Quarenta anos é muito tempo perto do tempo que convivi com ele, e eu procuro incessantemente, até hoje, esticar a lembrança que tenho dele. Tento transformar aqueles 12 anos de convivência em 120, 1200, sei lá, como que pra aumentar a pouca memória que infelizmente tenho.
Aprendi desde cedo que um pai faz muita falta. A gente era uma família às antigas, o meu pai era o provedor, o médico, o marido. Minha mãe era dona de casa, era uma mocinha que lia revistas femininas com dicas tipo “como ser uma boa esposa”, que se desdobrava para cozinhar para ele, que cuidava das “meninas”.
Depois que ele morreu, e que passou aquela fase quando ela só chorava, minha mãe transformou meu pai num tipo de herói. Era engraçado. Minha mãe, que acho que era apaixonada perdidamente por ele, dizia: “seu pai foi o melhor homem do mundo”. Era assim que ela falava sem parar, dia e noite: “nunca teve homem como o teu pai. Nunca. O homem mais inteligente, mais carinhoso, mais atencioso e apaixonado do universo”, ela repetia, deixando eu e minha irmã quase malucas. “Nunca vou achar um homem como ele”, ela se lamentava, “jamais, e olha, duvido que vocês achem”, ela refletia, tagarelando sozinha. Assim, no meu esforço para fazer esse alongamento da memória do meu pai, eu sempre incluo, na minha cabeça, essas frases dela idolatrando o marido.
Pensando aqui hoje nela, e nele, acho bonito isso. Óbvio que eles tinham mil desavenças, eu ouvia as discussões, sempre iniciadas pela minha mãe com aquele jeito meio italiano dela, mas a ausência dele a fez esquecer toda a parte ruim do casamento. Sempre procurei ser igual a ela – as pessoas passam pela nossa vida, e mesmo sem morrerem, elas desaparecem as vezes, ou nos decepcionam, ou nos abandonam. Mas que a gente tem que lembrar, sempre, são só as partes boas, só o que você tirou de positivo da relação, e colocar pedra em cima das mágoas e dos ressentimentos. Porque as pessoas, com 100% de chance, morrem um dia, e as memórias que a gente tem de quem morreu tem que ser só as melhores, esticadas ao máximo.
Falam tanto de qualidade de vida, certo? Eu gosto de pensar também em qualidade de morte. Só lembrar coisa linda, coisa boa, pra eles irem em paz sabendo que nos fizeram bem.

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