- E como foi a noite ontem, mãe? Foi ao teatro com turma da van?
- Nossa, estou exausta. Chegamos as três da manhã.
- Nossa, mãe. Onde é que você foi?
- Ao teatro e depois jantar fora num restaurante italiano. As nossas noitadas estão cada vez mais longas, ando exausta. E olha que eu ainda tenho sessenta e pouco, a maioria das senhoras setenta, oitenta.
- E elas agüentam?
- Púúú. Ô se agüentam. E bebem vinho sem parar. Ontem, por exemplo, no restaurante, teve até karaokê. O seu Loreto, você sabe, o único homem da nossa turma, cantou madrugada adentro.
- Que bom que vocês se dão bem, mãe.
- Quem falou que nos damos bem? Ichi, você nem imagina a brigaiada que é. Imagina um monte de velhas cheias de manias juntas.
- Ah, tem muita briga?
- Você nem imagina, filha. Entre elas, com os outros, nos restaurantes, nos teatros. Elas brigam com tudo e por tudo, só param de brigar quando tomam vinho. Implicam com os garçons, com as comidas, com a conta, com os lugares, com as peças. Você sabe como é velho. Gosta de implicar e falar mal...
- Imagino.
- Ontem mesmo uma delas criou o maior caso, imagina, por causa do pé dela.
- Do pé?
- É. Ah, só rindo mesmo... – ele disse, balançando a acabeça – Imagine que essa senhora, a dona Célia, estava toda elegante, com um vestido muito chique e uma sandália linda nos pés. Bem, temos uma escadinha que é colocada na hora de entrarmos e sairmos da van. E sempre que é para entrar e sair o motorista nos ajuda, dando a mão.
- Você já contou uma vez.
- Bom, ontem o seu Nelson, o nosso motorista - um moço ótimo, tão bonzinho conosco - colocou a escadinha e foi nos ajudando, uma a uma. Quando chegou a vez dessa senhora, ele deu a mão para ela, disse "a senhora tome cuidado com o degrau", e, sei lá porque olhou para os pés dela e comentou “... mas nossa, dona Célia, mas que pés lindos que a senhora tem...!”. Claro que aquele era um comentário adequado, pois ele olha os pés de todas nós, uma vez que tem segurar a escadinha e nos dar a mão. Ele está ali exatamente para isso.
- Claro.
- Mas quando o seu Nelson disse aquilo a mulher ficou furiosa. Achou um escândalo. Como assim, achar o pé dela... lindo? "Que absurdo", ela disse. Perguntou quem ele achava que era para emitir opinião sobre os pés dela.
- Há. Engraçado.
- Engraçado? Foi um desastre. A mulher ficou indignada, disse que aquilo era escandaloso, indecente, obceno. Onde já se viu um motorista de van ficar naquele assanhamento com o pé de uma senhora de idade, que coisa mais esquisita. A Marilena, a organizadora, tentou de todo modo explicar para ela que ele só quis ser delicado, mas ela estava indignada. Disse que com aquele motorista ela não saia mais ,dali em diante tinha medo. Fez um escarcéu, parecia que o pobre do seu Nelson era um tarado. O homem não sabia o que fazer de vergonha, com aquela mulher a falar alto na porta do teatro.
- E aí?
- A Marilena foi conversar com ele e pediu para ele pedir desculpas. Ele coitadinho, abaixou a cabeça e foi, mas a velha estava impassível. Humpf. Continuou a dar bronca no moço. E agora ela diz que não sai mais conosco se o seu Nelson continuar dirigindo. Que não confia mais.
- Coitado.
- Depois de um tempo eu e a Marilena fomos falar com ele a sós. Perguntamos porque ele fez aquilo. De falar do pé da velha.
- Ele explicou?
- Ele explicou?
- Ele estava sem graça, respondeu que falou aquilo porque realmente achou lindo o pé da velha. Só isso. Que ele olhou para o pé dela e achou lindo para uma velha como ela.
Ela me olhou.
- É estranho mesmo, não acha, filha? Um motorista gostar de um pé de uma velha... Ah, mas não precisava criar tanto caso. Um pé, o que é um pé afinal de contas?
Ela me olhou.
- É estranho mesmo, não acha, filha? Um motorista gostar de um pé de uma velha... Ah, mas não precisava criar tanto caso. Um pé, o que é um pé afinal de contas?
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