quinta-feira, 2 de fevereiro de 2006

os silêncios de cada um


Recebi uma crônica linda de um amigo. Ele mora num lugar muito silencioso, fora da cidade, e trocou de computador. Conta que o barulho do novo computador o incomodava muito, assim, levou a máquina à loja e ligou para mostrar ao vendedor. Ficou com cara de bobo: a máquina era absolutamente silenciosa na barulheira de São Paulo.
No final da crônica, ele resume tudo numa frase linda:
"No fundo, o silêncio que buscamos é outro e não depende dos ruídos
externos."

Pois barulho é uma coisa muito maluca mesmo. Cada um ouve o que quer na hora que quer. Os incômodos estão muito mais na cabeça de cada um do que no barulho em si. Somos surdos para o que nos interessa ser, ouvimos o que nos interessa ouvir.
Me lembrei de uma história interessante.
Um dia, quando eu tinha os três filhos pequenos, recebi uma visita de um amigo no final da tarde. Esse amigo é solteiro e mora sozinho. Conversávamos na copa , eu tinha acabado de fazer um café.
De repente ele me olha e faz uma careta horrível. Parece que está incomodado com alguma coisa, pois me interrompe, irritadíssimo.
- Ô lucia, como você agüenta essa barulheira?
- Hã? Barulheira? – eu estranhei – Que barulheira?
Eu juro, eu não ouvia nada.
- Que zona nessa casa, nossa! Não dá para te ouvir, entender o que você fala – ele reclamou, fazendo uma cara de quem está ao lado de uma caixa de som de 200.000 watts.
Engraçado. Barulho? Para mim estava tudo em paz, ora! O que será que ele ouvia que eu não ouvia?
Eu estaria surda?
Foi quando eu aticei meus ouvidos. Realmente, havia um barulho... bom, ali na copa era possível ouvir a TV, que estava ligada meio alto na sala, pois um dos meninos assistia à um desenho animado. Bem, ele estava com um colega da escola, e os dois conversavam e riam bem alto, fazendo a maior farra... Bom, meu outro filho estava jogando vídeo game num dos quartos e era possível ouvir os sons específicos do jogo... E minha filha ouvia uma música altíssima no quarto dela...
Começei a rir. Todos os sons – a TV, o videogame, a musica – estavam bem altos, o que fazia com que os meninos na sala levantassem muito o tom da voz na conversa deles. Nossa. Que zona. Sim, concordei com meu amigo: minha casa estava pra lá de barulhenta. Mas inacreditavelmente, antes dele me avisar, eu não percebia.
Eu entendo o que houve. Os meus filhos eram pequenos, e naquela época, para mim, “incômodo” e “barulheira” eram choros, brigas, birras, gritarias. Ali não havia nada disso. Tudo estava em paz, sem brigas, choros, queixas ou resmungos. "Maravilha", eu devo ter pensado e desligado meu botão de som. Ora, as crianças estavam felizes vendo televisão, jogando vídeo game ou ouvindo música e falatórios felizes nunca foram “barulho”.
Clic.
Ora. Mães sabem. Crianças são barulhentas quando estão felizes, e felicidade é tudo o que busca uma mãe. Além disso, dentro daquele “barulho”, eu sabia o que cada um fazia, e isso me tranqüilizava mais ainda. Criança quietinha a gente sempre desconfia...
Quer saber? Aquele era o meu silêncio.
Bem, mas meu amigo não tinha nada a ver com isso. Assim, levantei, abaixei a TV, pedi aos meninos que falassem mais baixo e fechei a porta do corredor.
Afinal, nossos silêncios, às vezes, são bem diferentes.

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