sexta-feira, 3 de fevereiro de 2006

turu, turu, turu


Agora que começaram as aulas dos meninos, ele voltou a me importunar de novo. O despertador. Tem coisa mais chata que isso?
O meu quebrou, tive que trocar e estou implicadíssima com o novo. O barulho dele é estranho, a luz é de cor diferente.
Mas tem coisas que não tem volta. O 'despertar' mudou muito ao longo do tempo. Hoje os despertadores são mais cautelosos. Acordam com reserva, são precavidos, cuidadosos.
Acho que é porque vivemos numa sociedade que preza a auto-estima e busca o bem estar a qualquer custo. Claro que os despertadores entraram nessa. Um despertador irritante acaba com seu dia.
Não tive muitos despertadores na vida, mas me lembro de todos. Sim, eles mudaram muito.
O meu primeiro era azucrinante. Ele era feito para dar sustos. Gritava (sim, aquilo era grito) um trim estridente numa altura insuportável. Acho que era feito apenas para aquilo: para fazer trins estridentes e acordar a pessoa ao lado. E era apenas um trim, um único. Era para acordar ali, naquele trim. Olha. Não gosto nem de lembrar. Aquela era a pior hora do dia.
Depois apareceram os de tomada, eu juntei dinheiro e comprei um. A hora ficava acesa a noite toda, os números giravam como se fossem fichas. Ao invés do trim, ele fazia tu-tu. Esse despertador me acordava com mais carinho. Tocava uma vez, esperava, tocava de novo, e aquilo era terrível. Para os mais disciplinados podia ser bom, para mim era uma desgraça. Me engana que eu gosto. Tenho mais dez minutos. Tenho mais sete minutos. Tenho mais um toque. Aquela enganação me fazia perder a hora, a escola, a faculdade, o emprego.
Depois veio um digital. As horas acendiam em vermelho, tinha rádio junto. Me acordou por anos com seu tu-rú, até que outro dia pifou. Já estava velho, não era mais rádio, já não tinha alguns botões. Bem, mais de dez anos é muito para um despertador. Despertador vive mais que passarinho e menos que cachorro, e um dia, tristemente, ele, a luz vermelha e seu turu matinal foram para a gaveta das coisas quebradas. Tem coisas que eu simplesmente não consigo colocar no lixo.
Sai para comprar um pra quebrar o galho. Entrei num bazar japonês, a vendedora sugeriu um modelo que projetava a hora no teto.
- Hã?
- É – ela explicou – A senhora acorda, aperta esse botão e olha as horas lá no teto. É ótimo.
Qual será a vantagem?
Bem, acabei optando pelo modelo mais simples, mas estou detestando. A luz é azul e só acende quando se aperta. Além disso, ele desperta com um tchuf-tchuf baixíssimo. Despertador deveria ter escolha de som, como os telefones celulares. Nos primeiros dias tive certeza que não acordaria nunca com aquele murmúrio cansado.
- É uma coisa cerebral, Zé, nós somos da época dos despertadores escandalosos, dos trimmms altíssimos. Esse tchuf-tchuf não vai tirar a gente do sono nunca.
Mas tira, por incrível que pareça. Devem existir estudos para saber qual som entra nas ondas cerebrais e acorda de modo mais correto. Hoje em dia nada é sem querer.
E lá vem ele, moderno, doismiliano.
- Tchuf- tchuff - tchuff. Tchuf-tchuf-tchuf.
Bom dia, gente.

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