sábado, 7 de janeiro de 2006

a santinha

eu, em foto do Eduardo (Itamambuca)

Aconteceu quando eu era bem pequena. Meus avós moravam no interior, em Duartina, e passávamos as férias com eles. Como a cidade era pequena, os passeios e brincadeiras eram sempre os mesmos. Ir à pracinha, ir à casa de amigos, brincar no quintal, ir ao riacho, passear em alguma fazenda ou ir ao hospital com meu avô.
Nesse dia fatídico eu e minha irmã saímos para passear na praça com minha madrinha. A praça tinha dois quarteirões: num deles ficava o jardim e a fonte luminosa e no outro a igreja e dois coretos: um antigo, com cercas de ferro torneado e um moderno, em formato de barco, dentro de um espelho dágua. Minha madrinha sempre fazia o mesmo ritual nos passeios – íamos a praça, à fonte, aos dois coretos e por último à igreja.
- Vamos rezar um pouco, é bom – ela declarava.
A santa padroeira da cidade é a Santa Luzia e na igreja existe uma imagem dela. Na verdade, o nome antigo da cidade era “Santa Luzia do Serrote”. Nunca entendi o nome Duartina nem o nome anterior. A única coisa que sei é que o rio que cruza a cidade é o Rio Serrote. Tenho um monte de dúvidas, todas sem resposta até hoje: será que foi achada uma imagem de Santa Luzia no Rio Serrote? E será que essa Santa era milagreira, para a cidade ganhar o nome? E porque será que um certo dia a Santa perdeu a majestade para esse tal de Duarte. E quem foi esse Duarte?
Sei lá. Acho que nunca saberei.
Bom, eu contava que na igreja havia uma imagem da Santa Luzia, sempre solitária numa das suas paredes brancas, que só saia para passear quando o padre promovia uma procissão na rua. Era comum nas visitas à igreja vermos a Santa ali. Minha madrinha sempre apontava para ela e fazia um sinal da cruz antes de se ajoelhar e rezar por uns minutos.
Foi nesse dia que eu vi. Na verdade, foi a primeira vez que eu reparei na cara da Santa. E foi nesse primeiro dia que começou... meu pesadelo.
É que eu olhei atentamente a Santa Luzia e percebi que ela... bem, ela era a minha cara. Era eu cuspida e escarrada, se é que existe esse termo. Quanto mais eu desconfiava, mais olhava e mais tinha certeza. Era eu, era exatamente eu. Acho que não existe pesadelo mais horrível para uma criança do que esse. Não é ter medo do santo, é ter medo de si mesmo. Os santos são, geralmente, imagens de pessoas mortas e igrejas, queiramos ou não, aterrorizam crianças. Eu olhava e pensava: sou eu. Depois, o nome. Além de ser parecida comigo, ela tinha que ter um nome tão parecido com o meu?
Eu gelava. Será que eu era uma religiosa? Eu me achava comportadinha demais, praticamente uma santa. O que significava aquilo? Seria eu uma espécie de reencarnação? Será que eu era uma menina morta? Será que era um sinal?
Passei minha infância indo à aquela igreja, apavorada, em pânico e ignorando a coitada. Nunca contei para ninguém meu medo, até ficar bem adulta. Um dia, já casada e com um filhos pequenos, fui com o Zé para Duartina e dei de cara com ela.
Ou melhor, comigo.
- Zé... Olha – apontei - Parece comigo essaa Santa, não acha?
Ele olhou com cuidado.
- Nossa. É mesmo – ele se assustou.
- Sempre morri de medo dessa imagem.
Que sina.
Bem, semana passada o Edu, do Itamambuca, colocou uma imagem de uma Santa no Blog. Não é a minha Santa Luzia, mas parece com ela. Ou melhor, parece comigo. Eu comentei ele, que concordou.
E morri de rir agora a pouco, quando voltei lá e achei um ultimo comentário, acho que da Elisa.
- Nossa, faz tempo que não vejo a Lúcia, será que ela mudou tanto de cara? E agora virou santa?!?

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