segunda-feira, 9 de janeiro de 2006
patinho, patinho, patinho
- Você ainda tem medo da Santa Luzia que se parece com você, lúcia? – ontem me perguntou o Zé, rindo.
- Tenho. Os medos de infância são para sempre, Zé.
- É. Você tem razão - ele suspirou - Todo mundo tem seus medos, né? O meu irmão, por exemplo, até hoje tem pavor do “massacre da serra elétrica”.
- Zé, sabia que eu nunca assisti “o exorcista” na vida?
- Não? Verdade? Olha que engraçado. Eu também não.
- Nossa, Zé... vinte anos de casados e a gente nunca comentou isso!
- É mesmo...!
- Olha, eu não fui de puro medo. Todas as minhas amigas foram e depois me contaram. Acho que isso me deu mais medo ainda, essa coisa de contarem para a gente é pior, pois a gente fantasia mais.
- Só se falava nisso naquela época. Eu me lembro.
- Minha irmã falsificou carteirinhas para ela e para as amigas. Foi e ficava se exibindo, me chamando de medrosa. Meu pesadelo só aumentava. Depois foi minha mãe. Você sabe como minha mãe fala e exagera, né, Zé. Imagine ela contando o filme. Era insuportável. E, como se não bastasse, ela ganhou o livro de presente. Bem, o filme ficava lá longe, no cinema, mas o livro ficava na estante da sala da minha casa e eu tinha que conviver com ele. A capa até hoje me dá... brrr... arrepios...
- Você não pegou para ler uns pedaços, lú?
- Claro que peguei, mas nunca li mais de duas linhas. Tinha pânico de encostar o dedo.
Ele resolveu contar a experiência dele.
- Olha, já eu eu quase fui. Cheguei a ter o dinheiro do ingresso no bolso, a vontade de ir, cheguei a pegar o ônibus para ir ao cinema. No meio do caminho, pensei: “não, não. Eu não vou estragar a minha vida para sempre”. Desci do ônibus, atravessei a rua e voltei.
- “Estragar a vida para sempre”?
- É – ele respondeu, categórico - Foi um grande momento da minha vida, esse. Tenho certeza que se eu assistisse o filme, minha vida seria outra.
E ele me olhou seríssimo.
- Completamente estragada.
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